Capítulo II
2. Obstáculos inesperados para a aplicação dos métodos clássicos da III Revolução
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O fracasso espetacular do comunismo Esta vista panorâmica da luta da Revolução e da Contra-Revolução não estaria completa se não focalizasse o espetacular colapso do comunismo. A partir de 1993, a fisionomia bem-humorada de Gorbachev (na foto, ao lado de Honecker, da Alemanha oriental) substituíra a carranca de Leonid Brejnev (foto da esq.). A glasnost e a perestroika parecem ter representado as últimas tentativas da seita comunista de ocultar ao mundo o descontentamento que minava sua estabilidade.
(continuação do texto de 1976) A. Declínio do poder persuasivo Examinemos antes de tudo essas circunstâncias. A primeira delas é o “declínio do poder persuasório do proselitismo comunista”. Tempo houve em que a doutrinação explícita e categórica foi, para o comunismo internacional, o principal meio de recrutamento de adeptos. Em largos setores da opinião pública e em quase todo o Ocidente, por motivos que seria longo enumerar, as condições se tornaram hoje, em muito ponderável medida, infensas a tal doutrinação. Decresceu visivelmente o poder persuasivo da dialética e da propaganda comunista doutrinária integral e ostensiva. Assim se explica que, em nossos dias, a propaganda comunista procure cada vez mais fazer-se de modo camuflado, suave e lento. Tal camuflagem se faz ora difundindo os princípios marxistas, esparsos e velados, na literatura socialista, ora insinuando na própria cultura que chamaríamos “centrista” princípios que, à maneira de germens, se multiplicam levando os centristas à inadvertida e gradual aceitação de toda a doutrina comunista. B. Declínio do poder de liderança revolucionária À diminuição do poder persuasivo direto do credo vermelho sobre as multidões, que o recurso a esses meios oblíquos, lentos e trabalhosos denota, junta-se um correlato declínio no poder de liderança revolucionária do comunismo. Examinemos como se manifestam esses fenômenos correlatos e quais os frutos deles. a. Ódio, luta de classes, Revolução Essencialmente, o movimento comunista é e se considera uma revolução nascida do ódio de classes. A violência é o método mais coerente com ela. É o método direto e fulminante, do qual os mentores do comunismo esperavam, com o mínimo de riscos de fracasso, o máximo de resultados, no mínimo de tempo. O pressuposto deste método é a capacidade de liderança dos vários PCs, pela qual lhes era dado criar descontentamentos, transformar estes descontentamentos em ódios, articular estes ódios numa imensa conjuração, e levar assim a cabo, com a força “atômica” do ímpeto desses ódios, a demolição da ordem atual e a implantação do comunismo. b. Declínio da liderança do ódio, e do uso da violência Ora, também esta liderança do ódio vai escapando das mãos dos comunistas. Não nos alongamos aqui na explicação das complexas causas do fato. Limitamo-nos a notar que, no transcurso destes vinte anos, a violência foi dando aos comunistas vantagens cada vez menores. Para prová-lo, basta lembrar o malogro invariável das guerrilhas e do terrorismo disseminados por Cuba em toda a América Latina. É bem verdade que, na África, a violência vem arrastando quase todo o continente em direção ao comunismo. Mas esse fato muito pouco diz a respeito das tendências da opinião pública no resto do mundo. Pois o primitivismo da maior parte das populações aborígines daquele continente as coloca em condições peculiares e inconfundíveis. E a violência ali não tem obtido adeptos por motivações principalmente ideológicas, mas também por ressentimentos anticolonialistas, dos quais a propaganda comunista soube valer-se com sua costumeira astúcia. c. Fruto e prova desse declínio: a III Revolução se metamorfoseia em revolução risonha A prova mais clara de que a III Revolução vem perdendo nos últimos vinte ou trinta anos sua capacidade de criar e liderar o ódio revolucionário é a metamorfose que ela se impôs. Quando do degelo pós-stalianiano com o Ocidente, a III Revolução afivelou uma sorridente máscara, de polêmica se tornou dialogante, simulou estar mudando de mentalidade e de atitude, e se abriu para toda espécie de colaborações com os adversários que antes tentava esmagar pela violência. Na esfera internacional, a Revolução passou assim, sucessivamente, da guerra fria para a coexistência pacífica, depois para a “queda das barreiras ideológicas”, e por fim para a franca colaboração com as potências capitalistas, rotulada, no linguajar publicitário, de Ostpolitik ou de détente. Na esfera interna dos vários países do Ocidente, a “politique de la main tendue”, que fora, na era de Stalin, um mero artifício para embair pequenas minorias católicas esquerdistas, transformou-se numa verdadeira détente entre comunistas e pró-capitalistas, meio ideal usado pelos vermelhos para entabular relações cordiais e aproximações dolosas com todos os seus adversários, quer pertençam estes à esfera espiritual, quer à temporal. Veio daí uma série de táticas “amistosas”, como a dos companheiros de viagem, a do eurocomunismo legalista, afável e prevenido em relação a Moscou, a do compromisso histórico, etc. Como já dissemos, todos estes estratagemas apresentam, hoje em dia, vantagens para a III Revolução. Mas estas são lentas, graduais, e subordinadas, em sua frutificação, a mil fatores variáveis. No auge de seu poder, a III Revolução deixou de ameaçar e agredir, e passou a sorrir e pedir. Ela deixou de avançar em cadência militar e usando botas de cossaco, para progredir lentamente, com passo discreto. Ela abandonou o caminho reto – sempre o mais curto – e escolheu um ziguezague no decurso do qual não faltam incertezas. - Que imensa transformação em vinte anos! C. Objeção: os sucessos comunistas na Itália e na França Mas – dirá alguém – os sucessos alcançados pelo comunismo por meio da aludida tática, quer na Itália, quer na França, não permitem afirmar que o mesmo esteja em retrocesso no mundo livre. Ou que, pelo menos, seu progresso seja mais lento do que o do carrancudo comunismo das eras de Lenine e de Stalin. Antes de tudo, a tal objeção deve-se responder que as eleições gerais na Suécia, Alemanha Ocidental e Finlândia, bem como as eleições regionais e a atual instabilidade do gabinete trabalhista na Inglaterra, falam bem da inapetência das grandes massas em relação aos “paraísos” socialistas, à violência comunista, etc.73 Há expressivos sintomas de que o exemplo desses países já começou a repercutir naquelas duas grandes nações católicas e latinas da Europa Ocidental, prejudicando assim os progressos comunistas. Mas, a nosso ver, é preciso sobretudo pôr em dúvida a autenticidade comunista das crescentes votações obtidas pelo PC italiano ou pelo PS francês (e falamos do PS, já que o PC francês se acha estagnado). Quer um quer outro partido (PSF e PCI) está longe de se ter beneficiado apenas do voto de seu próprio eleitorado. Apoios católicos certamente consideráveis – e cuja amplitude real só a História revelará um dia em toda a extensão – têm criado, em torno do PC italiano, ilusões, fraquezas, atonias e cumplicidades inteiramente excepcionais. A projeção eleitoral dessas circunstâncias espantosas e artificiais explica, em larga medida, o crescimento do número de votantes pró-PC, muitos dos quais não são de nenhum modo eleitores comunistas. E cumpre não esquecer, na mesma ordem de fatos, a influência na votação, direta ou indireta, de certos Cresos, cuja atitude francamente colaboracionista em relação ao comunismo dá ocasião a manobras eleitorais das quais a III Revolução tira óbvio proveito. Análogas observações podem ser feitas em relação ao PS francês. Nota: 73) Essa tão vasta saturação anti-socialista na Europa Ocidental, se bem que seja fundamentalmente um revigoramento do centro e não da direita, tem um alcance indiscutível na luta entre a Revolução e a Contra-Revolução. Pois na medida em que o socialismo europeu sinta que vai perdendo as suas bases, seus chefes terão de ostentar distanciamento e até desconfiança em relação ao comunismo. Por sua vez, as correntes centristas, para não se confundirem, perante os seus próprios eleitorados, com os socialistas, terão que manifestar uma posição anticomunista ainda mais acentuada que a destes últimos. E as alas direitas dos partidos centristas terão de se declarar até militantemente anti-socialistas. Em outros termos, passar-se-á com as correntes esquerdistas e centristas favoráveis à colaboração com o comunismo o mesmo que ocorre com um trem quando a locomotiva é freada de modo brusco. O vagão imediatamente seguinte a esta recebe o choque e é projetado em direção oposta ao rumo que vinha seguindo. E, por sua vez, esse primeiro vagão comunica o choque, com análogo efeito, ao segundo vagão. E assim por diante até o fim do comboio. - A presente acentuação da alergia anti-socialista será apenas a primeira manifestação de um fenômeno profundo, chamado a depauperar duravelmente o processo revolucionário? Ou será um simples espasmo ambíguo e passageiro do bom senso, dentro do caos contemporâneo? - É o que os fatos até aqui ocorridos não nos permitem ainda dizer. |