Plinio Corrêa de Oliveira

 

 

Guerreiros da Virgem

 

A Réplica da Autenticidade

 

A TFP sem segredos

CAPÍTULO IX

Resposta a algumas acusações esparsas

Há dois modos de refutar um livro: o primeiro é analisar o texto passo a passo, ver que erros nele afloram e rebatê-los um a um; o outro consiste em investigar qual a doutrina ou conjunto de doutrinas que está subjacente ao texto e mostrar o que tenha de errôneo.

O livro do sr. JAP oferece tantos flancos ao ataque, tantas seriam as retificações a fazer em pontos de importância grande, média ou pequena, que seria impossível discorrer sobre tudo no presente trabalho. Por isso, para abranger de algum modo, na refutação, o livro todo, patenteou-se necessário discernir as linhas gerais de sua acusação e em seguida refutá-las.

Esse trabalho tornou claro que o fio condutor, subjacente a todas essas acusações mais explícitas ou menos, consiste em uma doutrina que será objeto do último capítulo da presente refutação.

Antes de abordá-la, porém, convém desfazer ainda algumas objeções esparsas, que poderiam impressionar desfavoravelmente um público menos avisado.

É do que se tratará a seguir.

1. O Reino de Maria, mais uma noção que a TFP não inventou

Tratando do Reino de Maria, o sr. JAP se pergunta: “Até quando deveríamos esperar por esse reino, sobre cujas possibilidades eu jamais ouvira falar, exceto nos recintos fechados da TFP?” (GV p. 185).

Com isso ele insinua - sem o afirmar explicitamente - que tal noção é originária da TFP. E outro objetivo não teria a entidade para inventá-la senão embair os neófitos com a miragem de uma era de ouro para a Igreja e a civilização cristã, e assim conquistar a adesão deles.

Ora, acontece que tal noção - sabe-o perfeitamente o sr. JAP - a TFP colheu-a em São Luís Maria Grignion de Montfort, no seu famosíssimo Tratado da Verdadeira Devoção à Santíssima Virgem.

Diz o grande apóstolo da devoção a Nossa Senhora, canonizado em 1947 por Pio XII: “Ah! quando virá este tempo feliz - diz um santo de nossos dias, todo dado a Maria - quando virá este tempo feliz em que Maria será estabelecida Senhora e Soberana nos corações, para submetê-los plenamente ao império de seu grande e único Jesus? Quando chegará o dia em que as almas respirarão Maria, como o corpo respira o ar? Então, coisas maravilhosas acontecerão neste mundo, onde o Espírito Santo, encontrando sua querida Esposa como que reproduzida nas almas, a elas descerá abundantemente, enchendo-as de seus dons, particularmente do dom da sabedoria, a fim de operar maravilhas de graça. Meu caro irmão, quando chegará esse tempo feliz, esse século de Maria, em que inúmeras almas escolhidas, perdendo-se no abismo de seu interior, se tornarão cópias vivas de Maria, para amar e glorificar Jesus Cristo? Esse tempo só chegará quando se conhecer e praticar a devoção que ensino, ‘Ut adveniat regnum tuum, adveniat regnum Mariae “ (op. cit., Vozes, Petrópolis, 1984, 13ª ed., pp. 210-211).

Que venha o Reino de Maria, para que assim venha o vosso Reino - isto é, o de Jesus Cristo. Tal é o pensamento que perpassa todo o Tratado da Verdadeira Devoção, e que é aqui expresso em termos de clareza e ardor inexcedíveis.

A devoção que São Luís Maria Grignion de Montfort preconiza é a escravidão de amor à Santíssima Virgem, tema desenvolvido no Tratado.

Esse “século de Maria, ou “Reino de Maria, do qual fala o Santo, a TFP o compagina com o triunfo do Imaculado Coração de Maria, anunciado por Nossa Senhora em Fátima, e essa ilação é de primeira evidência.

O mundo de hoje está pejado de crimes, di-lo sem ambages a Mensagem de Fátima, a qual acrescenta, logo depois, que dia virá em que o Imaculado Coração de Maria há de triunfar. Tal se deve entender obviamente no sentido de que a Santíssima Virgem estabelecerá o seu império sobre as almas, e portanto sobre as instituições, as nações e sobre todo o mundo[1].

Por isso, o Reino de Maria será especificamente, na perspectiva de Fátima, o Reino do Imaculado Coração de Maria. Isto é, um reino de pureza e de bondade do coração materno da Mãe de Deus, reino de grande esplendor, tanto na sociedade temporal como na Igreja, pela abundância das graças derramadas pelo Espírito Santo.

Com efeito, sempre foi doutrina da Igreja que o fundamento de toda excelência na ordem temporal consiste na íntima e fiel união das almas com Nosso Senhor Jesus Cristo, com Nossa Senhora sua Mãe, e com a Santa Igreja, sua Esposa mística.

Dessa união decorre a fiel observância dos Mandamentos. E desta decorre, por sua vez, a inteira e esplendorosa harmonia de relações dos homens entre si.

Quando assim os homens praticam o amor do próximo por amor de Deus, daí provêm a vitalidade pujante e a boa ordenação de todas as sociedades, grupos e instituições que constituem a esfera temporal, desde a família na base, até o Estado no ápice.

E, por sua vez, daí nasce, como o fruto de uma árvore, toda espécie de fatores de progresso, não só na esfera temporal mas, em larga medida, também na esfera espiritual.

A paz! Tanto se fala sobre ela em nossos dias, e contudo poucos sabem no que ela consiste. E menos numerosos ainda são os que a possuem, porque a paz verdadeira é a paz de Cristo no Reino de Cristo[2].

Na visualização mariana de São Luís Grignion de Montfort - que é também a de Fátima, como há pouco ficou dito -, a paz de Cristo no Reino de Cristo se identifica com a paz de Maria no Reino de Maria.

Que os céticos irredutíveis sorriam diante de todas essas perspectivas, nada de mais previsível, em vista de sua falta de fé. Mas a TFP não se dirige a tais céticos e sim aos corações retos.

Por fim, importa notar aqui que todas estas noções - que a TFP não inventou - já circulam na Igreja pelo menos desde meados do século passado, quando o Tratado da Verdadeira Devoção à Santíssima Virgem foi publicado pela primeira vez (em 1843). Até o ano de 1900, já tinham sido publicadas 16 edições em francês, quatro em inglês, quatro em italiano, três em polonês, duas em holandês, uma em espanhol, além de duas no Canadá e uma nos Estados Unidos. De lá para cá, as edições se decuplicaram, computando-se já em 1966 pelo menos 300 em 20 idiomas. No Brasil, já foram publicadas 13 edições, sendo de 1984 a mais recente.

Mas a discussão do assunto não termina aqui. O sr. JAP poderia replicar que não está acusando a TFP de inventar essa noção, pois ele diz apenas que foi nesta Sociedade que ele ouviu falar dela (cfr. GV p. 185).

De fato, é isso o que ele diz textualmente.

Não obstante, o leitor corrente, que ignora todas as informações que acabam de ser lembradas, ao ler o texto do sr. JAP, formará inevitavelmente a idéia de Reino de Maria como mais uma singularidade da TFP, em meio a tantas outras que o sr. JAP procurou apontar. E assim, ao ler que ele jamais ouvira falar das “possibilidades” de tal reino “exceto nos recintos fechados da TFP”, não deduzirá outra coisa senão que tal noção não se encontra fora... Ou seja, que a TFP a fabricou.

Todas estas são habilidades que denotam uma destreza de linguagem que o sr. JAP não aprendeu na TFP, onde ele se descreve um jovem ingênuo e incauto, que a muito duras penas foi recebendo as primeiras lições da vida.

* * *

E, por fim, no que se refere à pretensa conservação desse tema, inter domésticos parietes na TFP, nada mais falso.

Em nosso artigo Exsurge Domine! Quare obdormis?, publicado em "Catolicismo", no 56, de agosto de 1955, o tema é especificamente tratado. Esse artigo concluía uma série de três, dedicados a São Luís Grignion de Montfort, e todos com referências explícitas ao Reino de Maria[3].

Ademais, no já citado livro As Aparições e a Mensagem de Fátima conforme os manuscritos da Irmã Lúcia, do qual foram divulgados pela entidade, só no Brasil, 24 edições num total de 505 mil exemplares (701 mil em todo o mundo), o assunto é tratado de forma sucinta mas clara e direta na nota 28, p. 82. Livro esse que, provavelmente, o sr. JAP, enquanto estava na TFP, ajudou a divulgar, extra domésticos parietes...

* * *

Por tudo quanto foi dito se vê que o Reino de Maria nem de longe é a utopia cujo “fabrico” o sr. JAP procura atirar em rosto da TFP.

Aqui pode o leitor, por assim dizer, apalpar a metodologia absolutamente sui generis - para dizer pouco - das “demonstrações” do sr. JAP:

a) Como ponto de partida, uma insinuação falsa: a de que o Reino de Maria é mais um artifício de aliciamento da TFP;

b) Em seguida, e à guisa de prova, uma alegação impregnada de um subjetivismo desconcertante. É que, fora da TFP, ele jamais ouviu falar das “possibilidades” do Reino de Maria. Logo ninguém no mundo fala deste. Ou seja, o diâmetro do mundo é exatamente igual ao diâmetro das realidades de que o sr. JAP “ouviu falar”.

E no entanto ele afirma explicitamente ter lido o Tratado da Verdadeira Devoção (cfr. GV p. 44), onde se encontra, facilmente, fundamento para quanto aqui está escrito...

É deste quilate a idoneidade do sr. JAP, que entretanto pretende ser crido como testemunha... única!

2. O Reino de Maria, uma nova Idade Média?

Seria a implantação deste Reino de Maria um retorno à Idade Média como apregoa “OESP” de 30 de junho, neste vistoso título: “Querem dominar a terra e voltar à Idade Média”? Embora não ataque direta e frontalmente a Idade Média, o modo de o sr. JAP mencionar essa era histórica é próprio a inclinar o leitor para a impressão negativa de que a TFP deseja pura e simplesmente retornar a uma época de há muito transacta.

Por outro lado, quando nas pp. 120 a 124 de Guerreiros da Virgem, o sr. JAP se estende longamente sobre a vida de renúncias e sacrifícios dos monges medievais, ele o faz com evidente intenção de chocar a sensibilidade do leitor moderno, predispondo-o desfavoravelmente para o que vem a seguir, ou seja, a descrição da “réplica perfeita de um mosteiro medieval” (GV p. 120) que seria o “mosteiro sagrado” da TFP (GV p. 115), isto é, o Êremo de São Bento.

Já vão longe os tempos do antimedievalismo cego nascido do Humanismo e da Renascença, e posteriormente levado pelo Iluminismo a um auge difícil de conceber em nossos dias.

Mesmo até às vésperas da Revolução Francesa, se alguém pensasse em construir uma Catedral ou um castelo em qualquer lugar da Europa, o estilo artístico escolhido para tal teria as maiores probabilidades de ser inspirado próxima ou remotamente na arte greco-romana. Não porém na arte medieval.

Foi só no decurso do século XIX que, como fruto do grande progresso alcançado então pelas investigações históricas, se começou a fazer justiça à Idade Média.

Mesmo assim, o anticlericalismo rubicundo que caracterizou determinadas correntes filosóficas e políticas do mesmo século se encarregou de manter vivaz, em certos setores da cultura ocidental, o enxame de preconceitos antimedievais que a História se ia encarregando de destruir mais e mais. E ainda hoje, embora as Catedrais de Notre-Dame de Paris e dos Santos Reis de Colônia, por exemplo, sejam objeto de uma admiração universal, como tantos outros monumentos eclesiásticos e civis que a Idade Média nos legou, perduram, de cá e de acolá, restos de preconceitos antimedievais.

E são esses restos que o sr. JAP parece empenhado em instrumentalizar contra a TFP.

Uma apologia completa da Idade Média comportaria uma tal mole de argumentos e exigiria tanto espaço que não é esta a ocasião nem o lugar para fazê-la.

De qualquer forma, se o sr. JAP quiser, sobre o assunto, dados bem à sua mão, bastar-lhe-á ler, por exemplo, a recente série de artigos sobre as universidades medievais, publicada pelo próprio quotidiano em que escreve[4].

Mais amplo ainda é o horizonte aberto sobre a Idade Média pelo livro ao mesmo tempo erudito e atraente da historiadora francesa Régine Pernoud, Lumière du Moyen Age. Ou ainda, da mesma autora, outra obra, talvez ainda mais elucidativa, Pour en finir avec le Moyen Âge.

Assim bem se explica que acerca da Idade Média tenha escrito Leão XIII o célebre trecho que o próprio sr. JAP transcreve em seu livro: “Tempo houve em que a filosofia do Evangelho governava os Estados. Nessa época, a influência da sabedoria cristã e a sua virtude divina penetravam as leis, as instituições, os costumes dos povos, todas as categorias e todas as relações da sociedade civil. Então a Religião instituída por Jesus Cristo, solidamente estabelecida no grau de dignidade que lhe é devido, em toda parte era florescente, graças ao favor dos Príncipes e à proteção legítima dos Magistrados. Então o Sacerdócio e o Império estavam ligados entre si por uma feliz concórdia e pela permuta amistosa de bons ofícios. Organizada assim, a sociedade civil deu frutos superiores a toda expectativa, cuja memória subsiste e subsistirá, consignada como está em inúmeros documentos que artifício algum dos adversários poderá corromper ou obscurecer” (Encíclica Immortale Dei, 1-11-1885, Documentos Pontifícios, no 14, Vozes, Petrópolis, 1960, 4ª ed., p. 15).

Leão XIII - todos os historiadores o reconhecem - foi o contrário de um Papa que se pudesse qualificar de reacionário ou retrógrado. O quadro que ele traça da Idade Média não pode ser qualificado por isso de parcial. Bem sabia ele, cuja grande cultura era geralmente reconhecida, o que todos os homens de mediana instrução de todos os tempos sabem acerca da Idade Média. Ou seja, que ela não foi paradisíaca para a Igreja. Pelo contrário, não só da parte de seus inimigos externos, bárbaros pagãos, como também seguidores de Mafoma, sofreu ela terríveis investidas, e passou por cruéis provações. Traçando daquela era histórica o quadro há pouco citado, não pretendeu o Pontífice descrever toda a Idade Média, em suas relações com a civilização cristã. Mas tão-só o bosquejo das linhas positivas que, com toda a clareza, e favorecidas pelo recuo dos séculos, emergem de uma lúcida vista de conjunto daquela época.

É assim também que se pensa na TFP sobre a matéria.

Uma nova Idade Média? Nicolas Berdiaef escreveu sobre o assunto seu famoso livro. Deseja a TFP uma nova Idade Média? Por tudo o que fica dito, a resposta não deixa margem a hesitações.

Sem ter sido ela ideal, foi no decurso da Idade Média que a Igreja e a civilização cristã alcançaram historicamente o fastígio de sua influência benfazeja.

Se por nova Idade Média se entende uma era em que esse fastígio volte a marcar a vida dos homens e das nações, a TFP a deseja?

Sim e não.

Sim, porque, sendo católica a inspiração doutrinária do pensamento da entidade, ela não pode deixar de desejar para os homens e as nações os benefícios de toda ordem decorrentes dos ensinamentos da Igreja.

Não, se se entender que, nessa matéria, a Idade Média foi um ápice historicamente atingido, mas que esteve bem longe de ser o maior ápice atingível.

E, em seu amor à Igreja e à civilização cristã, é desse ápice que a TFP faz a meta de todas as suas aspirações e de toda a sua ação.

Fanatismo? É possível que assim pense o sr. JAP. Quanto a nós, pensamos que é amor de Deus.

E neste campo, os sócios e cooperadores da TFP procuram seguir a máxima do Doctor Melifluus, São Bernardo de Claraval: “A medida do amor de Deus consiste em amá-lO sem medida” (Tratado do amor de Deus, Cap. VI, 16, in Oeuvres mystiques, Seuil, Paris, 1953, p. 50).

3. O que a TFP pensa de si mesma e do papel que lhe caberá no Reino de Maria

Assim resume “OESP” o que o sr. JAP diz em seu livro, sobre o futuro papel da TFP no Reino de Maria:

 “A TFP, então, teria árdua tarefa. Implantado o ‘Reino de Maria’, Plinio seria levado num carro de fogo, escoltado por legiões de anjos, à Montanha dos Profetas, onde permaneceria até a luta final entre Deus e o anti-Cristo. E nós, seus discípulos - discípulos do Profeta de Maria - ficaríamos encarregados de zelar pela integridade do Reino. Como os Templários, nossa missão seria a de lutar contra todos os que, consciente ou inconscientemente, rejeitassem o modus vivendi do Reino. Como os monges de Cluny, nosso dever seria o de irradiar para os moradores do Reino a sã doutrina, os hábitos imaculados, a religiosidade perfeita.

Na condição de fiscalizadores e protótipos do Reino, teríamos, então, ascendência sobre papas, reis e legisladores, - sobre todo o mundo, portanto” (“O Estado de S. Paulo”, 30-6-85).

O sr. JAP levanta neste tópico três questões conexas, embora distintas:

A. A TFP como entidade providencial, profética;

B. O papel da TFP no Reino de Maria;

C. A pretensa imortalidade do fundador da TFP e seu papel nos últimos tempos.

A. A TFP como entidade providencial e profética

 Os Profetas do Antigo Testamento foram homens providenciais a quem Deus comunicou certas previsões e mensagens a serem transmitidas ao povo eleito, para o conhecimento de certas verdades fundamentais e para o orientar na conduta a seguir.

As profecias constantes do Antigo Testamento, como aliás também as do Novo, devem ser cridas absolutamente pelos fiéis, pois fazem parte da Revelação oficial. Esta terminou com a morte do último Apóstolo.

Mas o Espírito Santo continua a instruir e iluminar a Igreja através da assistência profética. O dom da profecia continua a existir, porém sem o caráter oficial dos profetas do Antigo e do Novo Testamento. Para o bem de toda a Igreja, Deus concede a alguns, clérigos ou leigos, homens ou mulheres, esse dom. Dele fala especialmente o Apóstolo São Paulo, embora se deva ter presente que os teólogos opinam de modo diverso sobre se ao dom da profecia está sempre e necessariamente ligado um carisma. Para o esclarecimento do tema que nos ocupa, não é preciso entrar nessa questão.

Convém em todo caso ressaltar que o dom da profecia está sempre sujeito ao discernimento e julgamento da Sagrada Hierarquia, pois só a esta Nosso Senhor Jesus Cristo conferiu o tríplice múnus de ensinar, santificar e governar os fiéis.

A propósito, assim ensina o grande exegeta CORNELIO A LAPIDE: “Foram de Jerusalém uns Profetas. - Desde o início, a Igreja teve Profetas: pois a profecia era uma das graças gratis datis do Espírito Santo, e consequentemente também um índice da verdadeira Igreja, a qual o Espírito Santo rege, como ensina São Paulo em I Cor. XIV. Por onde também esses foram enviados a Antioquia para confirmarem e ilustrarem com o dote de sua profecia aquela Igreja já florescente” (Commentaria in Scripturam Sacram - In Acta Apostolorum, Ludovicum Vives, Paris, 1877, tomo 17, p. 253).

E em outro lugar, o mesmo exegeta afirma:

 “Os Profetas, pois, foram mestres da fé ortodoxa, doutores da verdade, para anunciarem aos homens os desígnios ocultos de Deus, e para separarem a Igreja de Deus da sinagoga de Satanás, e com o dom da profecia, como indício e sinal certíssimo da verdadeira Igreja, a espalharem e mostrarem a todo o mundo. ....

Por esta razão, em todos os séculos Deus iluminou a sua Igreja com Profetas, e através deles manifestou-a, chancelou-a e confirmou-a, para que ninguém pudesse duvidar da verdade e da verdadeira Igreja, em meio a tantas trevas e labirintos de erros e de heresias. ....

No Novo Testamento foram profetas Cristo e os Apóstolos e os que os seguiram. São Justino, Mártir (Diálogo Contra Tryphonem), é testemunho de que até os tempos dele existiram profetas na Igreja de Deus em uma sucessão quase contínua. O mesmo diz Santo Agostinho acerca de seu século (De Civ. Dei, lib. V, Cap. XXVI), onde, entre outras coisas, fala dos oráculos de São João Anacoreta ....

Tomás Bózius prova a mesma coisa no tocante a outros séculos (lib. De Notis Ecclesiae, signo XIX). É patente que neste nosso século brilharam com o espírito de profecia São Carlos Borromeu, São Francisco de Paula, o Beato Luís Bertrand, Santo Inácio, São Francisco Xavier, Gaspar Belga, Luís Gonzaga, Teresa, e muitos outros, como se vê em suas vidas escritas por varões dignos de fé” (Commentaria in Scripturam Sacram - In Prophetas Proemium, Ludovicum Vives, Paris, 1875, tomo 11, p. 43).

Um tópico do eminente teólogo Cardeal CHARLES JOURNET dará ao leitor uma idéia suficiente da amplidão do tema:

 “A Igreja não conhece apenas o depósito revelado, ela é também esclarecida sobre o estado do mundo e sobre o movimento dos espíritos. Os mais lúcidos de seus filhos participarão desta sua miraculosa penetração. Eles saberão discernir, à luz divina, os sentimentos profundos de sua época, eles saberão diagnosticar os verdadeiros males e prescrever os verdadeiros remédios. Enquanto a massa parecerá atingida pela cegueira, enquanto até os melhores hesitarão ou tatearão, eles, com um instinto sobrenatural e infalível, irão direto ao alvo. O recuo dos séculos manifestará a justeza de sua visão.

Santo Atanásio ou São Cirilo, Santo Agostinho ou São Bento, Gregório VII, Francisco de Assis, Domingos, viam numa espécie de clarão profético a marcha dos tempos e a orientação que era preciso dar às almas. O autor da Cidade de Deus, o contemplativo que fundou, há oitocentos anos, a regra sempre viva dos cartuxos, São Tomás, que elucidou, três séculos antes da Reforma, as verdades que iam ser mais contestadas no limiar dos tempos novos, Joana d'Arc, Teresa de Avila, eis os verdadeiros profetas da Igreja. Eram ao mesmo tempo santos, e é verdade que a profecia é distinta e mesmo separável da santidade. Mas quando é autêntica, ela se encaixa sempre no sulco da revelação apostólica; e como o poder do mestre sustenta e guia o esforço dos discípulos, as profecias autênticas são sustentadas e guiadas pela revelação de Cristo e dos apóstolos. ‘Em nenhuma época - diz São Tomás - faltaram homens dotados do espírito de profecia, não certamente para trazer qualquer nova doutrina da fé, ad novam doctrinam fidei depromendam, mas para dirigir os atos humanos, ad humanorum actuum directionem’ (II-II, 174, 6 ad 3). Os profetas que se afastam desta linha são falsos profetas” (L'Église du Verbe Incarné, Desclée de Brouwer, Paris, 1962, 3ª ed., vol. I, pp. 173 a 175).

E em nota, o Cardeal JOURNET cita mais duas vezes São Tomás:

 “Os antigos profetas - diz São Tomás - eram enviados para estabelecer a fé e restaurar os costumes. .... Hoje, a fé já está fundada, porque as promessas foram cumpridas por Cristo. Mas a profecia que tem por fim restaurar os costumes não cessa nem cessará(Comm. in Math., cap. XI).

Ele (São Tomás) explica, aliás, que as profecias que nos revelaram o depósito da fé divina se diversificam à medida que se tornam mais explícitas com o progresso do tempo; mas as profecias que têm por fim dirigir a conduta dos homens deverão se diversificar segundo as circunstâncias, porque o povo se dissipa quando cessa a profecia: ‘Por isto, em cada época, os homens foram instruídos divinamente a respeito do que convinha fazer, segundo exigia a salvação dos eleitos’ (II-II, 174, 6)” (op. cit., pp. 174-175).

* * *

Considerando que a ação da “família de almas” da TFP, já ao longo de mais de meio século, tem desempenhado um papel relevante na preservação da civilização cristã no Brasil, e vem projetando os mesmos ideais muito além de nossas fronteiras, uns e outros se têm perguntado, dentro e fora dos quadros da entidade, se não há algo de providencial e profético - no sentido que acaba de explicar o Cardeal Journet - na atuação dela. E muitos respondem efetivamente que sim.

São cogitações - cumpre observar - que de um lado estão em perfeita consonância com a doutrina da Igreja, fundamentadas como são em trechos muito claros de São Tomás citados pelo Cardeal Journet. E, de outro lado, incidem sobre matéria de fato - isto é, sobre se tais considerações cabem ou não cabem ao caso concreto da TFP - a respeito do que cada um pode pensar como quiser.

Exatamente por isso, são hipóteses que não são impostas a ninguém como condição de adesão à Sociedade, sobre as quais se conversa livremente nos ambientes internos, sem a preocupação de cercá-las de nenhum segredo. E por isso chegam sem obstáculo aos ouvidos de qualquer neófito.

Por que, então, a TFP não as divulga externamente? - Pela simples razão de que são hipóteses... e ninguém trabalha junto ao público senão com certezas na defesa das quais é necessário se empenhar.

De qualquer modo, como a ortodoxia dessas cogitações foi objeto de contestação, inclusive por opositores que as divulgaram pela imprensa, a TFP, de seu lado, também já publicou um alentado volume em que o tema é amplamente explanado em várias de suas implicações doutrinárias (cfr. Refutação da TFP a uma investida frustra, Edição da TFP, 1984, vol. I, pp. 51 a 126).

Tal é o alcance da concepção de que a TFP é uma entidade profética e providencial para nossos dias. Quem quiser ver nisso uma hipótese exagerada que a TFP forma a respeito de si mesma, que a veja. A esta Sociedade importa apenas sublinhar que é uma hipótese perfeitamente ortodoxa em termos de doutrina católica.

B. O papel da TFP no Reino de Maria

 Como corolário das cogitações anteriores, também se levantou a hipótese de que a TFP ocuparia, na Igreja e na civilização cristã restauradas após os castigos previstos por Nossa Senhora em Fátima (cfr. Cap. VI, 3), um papel análogo ao que os monges de Cluny desempenharam na Idade Média. Mas este papel não corresponde a uma “ascendência” em sentido estrito, isto é, a uma superioridade, preponderância ou predomínio (cfr. AURÉLIO BUARQUE DE HOLANDA FERREIRA, Novo Dicionário da Língua Portuguesa, verbetes ascendência e ascendente), e portanto, a uma situação de mando mais ou menos explícita. Influência, sim; mando, não.

Sempre empenhado em carregar a nota, o sr. JAP como que “negligencia” estas finuras lingüísticas. E, habilidosamente, a fisionomia da TFP que ele apresenta é a mais desfavorável possível. Com efeito, interpretada “ascendência” como posição de mando - o que um certo número de leitores inevitavelmente fará - a TFP aparece como uma entidade sedenta de domínio “sobre papas, reis e legisladores - sobre todo o mundo, portanto” (loc. cit.).

Mas qualquer um que se detenha em considerar o precedente histórico de Cluny, que o próprio sr. JAP indica, compreenderá o verdadeiro alcance da hipótese que a TFP levanta sobre si mesma. Isto é, a de uma Sociedade inteira e abnegadamente a serviço da Igreja e da civilização cristã, submissa aos legítimos pastores espirituais e vivendo em perfeito acatamento às autoridades civis. Mas, ao mesmo tempo, irradiando os bons princípios e estimulando as boas iniciativas por toda a Cristandade.

O que tem tal hipótese de extravagante ou de contrário às normas e à disciplina da Igreja?

Neste crepúsculo do século XX, e sobretudo neste crepúsculo dos tempos contemporâneos, é notório que a TFP se vem destacando por suas publicações e por sua atuação no cenário brasileiro, por sua fidelidade à doutrina tradicional da Igreja.

A tal respeito, é grato recordar aqui as palavras honrosas de uma congregação romana, às quais deu ensejo a publicação de A liberdade da Igreja no Estado comunista (PLINIO CORRÊA DE OLIVEIRA, Editora Vera Cruz, São Paulo, 1964, 3ª ed. ampliada, 42 pp.).

Com efeito, em carta de 2 de dezembro de 1964, o Cardeal Giuseppe Pizzardo e Monsenhor Dino Staffa (mais tarde também Cardeal), respectivamente Prefeito e Secretário da Sagrada Congregação dos Seminários e Universidades, assim se exprimiam a propósito desse livro: “Congratulamo-nos .... com o .... Autor .... e auguramos a mais larga difusão ao denso opúsculo, que é um eco fidelíssimo dos Documentos do Supremo Magistério da Igreja”.

Eco fidelíssimo do Supremo Magistério da Igreja: é o que a TFP aspira ser, agora e sempre, e durante o Reino de Maria.

C. A pretensa imortalidade do fundador da TFP e seu papel nos últimos tempos

 Não é raro, na História das escolas de pensamento e das instituições, que discípulos entusiastas se expandam em elogios hiperbólicos a seus mestres.

Um correspondente de Santo Agostinho o chama - em uma série de hipérboles que o grande Padre e Doutor da Igreja não omite recusar em sua resposta – “sacrator justitiae”, “instaurator spiritualis gloriae”, “dispensator salutis aeternae” (consagrador da justiça, restaurador da glória espiritual, dispensador da salvação eterna) (cfr. Ep. 210 - apud Choix d'écrits spirituels de Saint Augustin, Introdução e tradução de PIERRE DE LABRIOLLE, J. Gabalda et Fils, Editeurs, Paris, 1932, p. 8).

Um exemplo entre mil.

O que acontece aos maiores, a fortiori pode acontecer aos que são tão menores. Há cerca de 20 anos, um cooperador da TFP extremamente jovem - e ao qual a TFP já deve hoje trabalhos intelectuais de relevante valor, que pressagiam outros maiores ainda - levado pelo ardor e pelo arrojo característicos da idade que então tinha, aventou, em conversas informais com companheiros seus de ideal e de geração, a título de hipótese, a possibilidade de que ao fundador desta Sociedade estaria reservado algum dia um papel especial, análogo ao do Profeta Elias, que, segundo é geralmente admitido pelos comentaristas da Sagrada Escritura, voltará à Terra no fim dos tempos para combater o Anticristo. E só depois disto será morto.

No borbulhar da vida quotidiana da TFP, a hipótese causou naturalmente a surpresa que se pode imaginar. Enquanto uns a rejeitavam, ou mantinham em face dela displicente indiferença, outros a consideravam com benévola simpatia. Alguns, mesmo, por ela se entusiasmaram.

Tudo se passou sem caráter polêmico, já que todos percebiam tratar-se de hipótese que aflorara de modo inteiramente periférico no amplo campo de temas sobre os quais se conversa na TFP.

Por que não interveio desde logo com fulminante energia, cortando o curso a essa hipótese realmente surpreendente, o presidente do Conselho Nacional da TFP? - Percebe-se que é o que o sr. JAP teria querido.

Precisamente porque a TFP não é a instituição tocada com o pulso ditatorial que o sr. JAP descreve, o presidente do CN só interviria nesse miúdo incidente de sua vida quotidiana se a hipótese apresentasse condições de deitar raízes duráveis nas fileiras da entidade. Ora, essas condições nem de longe existiam.

Intervenções tais só se justificam quando necessárias. Pois também elas devem obedecer, a seu modo, ao princípio: “Non sunt multiplicanda entia sine necessitate”. Correções, advertências, repreensões, o bom formador só as utiliza com a circunspecção com que os médicos receitam remédios. Ou seja, se omitem cuidadosamente de prescrevê-los quando o organismo apresenta sólidas condições para se recuperar por si mesmo.

A respeito deste tema, o jovem, cujo nome menciono com afeto e apreço - Atila Sinke Guimarães - escreveu em um de seus trabalhos (Refutação da TFP a uma investida frustra, Edição da TFP, 1984, vol. I, pp. 353 a 369) todas as elucidações cabíveis.

Pena é que o sr. JAP seja tão desinformado do que a TFP publica sobre a sua própria história, que não tenha tomado o cuidado de ler esse trabalho antes de se atirar à sua fogosa invectiva anti-TFP, apresentando como tese incondicionalmente admitida o que não passou de uma hipótese - mais bem uma mera conjectura confinante com a fantasia - sem radicação efetiva nos ambientes da entidade.

4. O “mosteiro secreto” da TFP

O sr. JAP descreve com abundância de pormenores verdadeiramente novelescos (entremeados com erros grosseiros que demonstram a quantas falhas está sujeita sua memória), a visita que fez à sede que a TFP possui no bairro paulistano do Jardim São Bento. E insinua tratar-se de um mosteiro secreto, cuja freqüência seria dificultada mesmo a certos setores da TFP (GV pp. 115 a 134).

Trata-se de um edifício que pertenceu outrora à Ordem Beneditina. Construído presumivelmente pelos anos 20 ou 30 de nosso século, em estilo românico, serviu de observatório astronômico a um antigo Abade do Mosteiro de São Bento.

O que ignora o sr. JAP é que a visita a esse “mosteiro secreto” já foi diversas vezes franqueada a moradores desse e de outros bairros, desejosos de conhecer a sede, a famílias ligadas a sócios ou cooperadores da TFP, a todos os correspondentes da TFP e respectivas famílias por ocasião dos Encontros bianuais em São Paulo e a numerosos visitantes do Exterior. Todos puderam percorrer à vontade as suas dependências[5].

É claro - dirá algum adversário empenhado em levar a seus últimos extremos a argumentação anti-TFP - essa entidade obviamente programou tais visitas, e retirou adrede do local, cuidadosamente, tudo o que poderia chocar os eventuais visitantes.

Entretanto, no dia 24 de novembro de 1984, em uma manhã de sábado, apresentou-se repentinamente à porta da sede uma viatura da Polícia Civil, com vários investigadores. Informaram os seus ocupantes que estavam à procura de uma menina seqüestrada da família, e haviam recebido uma denúncia anônima de que ela se encontrava escondida ali. Sempre a ação misteriosa e metódica dos “anônimos”, intermitente nos vácuos entre os diversos estrondos publicitários anti-TFP, mas que se transforma em ampla e agitada fermentação antes de estes “estourarem”, e volta à intermitência assim que estes cessam...

A hipótese era simplesmente absurda, mas para evitar que ficasse pairando qualquer dúvida no espírito dos bravos tripulantes da viatura policial, os encarregados da sede, embora não estivessem obrigados a isso, permitiram que eles entrassem e visitassem o imóvel e todas as suas dependências, o que fizeram sem exceção de um único cômodo.

Nessa perquirição, feita sem aviso prévio e portanto sem que o “mosteiro secreto” pudesse ser preparado para receber os insólitos visitantes, nada se apurou contra a entidade. O caso ficou devidamente registrado em documento firmado pelos tripulantes da viatura.

5. O “motim” de 1975

Diz o sr. JAP que a campanha de 1975 contra o divórcio foi devida a um “motim” que teria ocorrido entre veteranos da TFP, os quais desejavam “assumir o controle da Organização” (GV p. 178).

A necessidade de provar que sua capacidade mental não fora prejudicada por um acidente que sofrera pouco antes, é que teria levado o Presidente do Conselho Nacional da entidade a determinar a campanha, embora previsse que, em represália, os adversários produziriam um grande estrondo publicitário (cfr. GV p. 179).

Ainda aqui, o sr. JAP distorce os fatos muito à sua maneira.

Realmente, em fevereiro de 1975, sofri um grave acidente de automóvel. Enquanto me recuperava dos efeitos do desastre, coincidiu que os divorcistas, cujo caminho fora vitoriosamente barrado pela TFP em 1966, tentaram outra investida, no Senado e na Câmara Federal, com projetos de lei de autoria do Senador Nelson Carneiro e dos Deputados Rubens Dourado e Airon Rios.

Ainda acamado, mas acompanhando com interesse os acontecimentos, estimei que a TFP bem poderia barrar ainda uma vez a investida do divórcio. Mas hesitava muito em lançá-la em campanha, porque percebia que seria inevitável uma vindita dos adversários, que lhe moveriam uma furiosa contra-ofensiva publicitária que, sobretudo em regime discricionário, poderia pôr em risco até a própria sobrevivência da entidade.

Por outro lado, para largas faixas do público, acostumadas a ver a TFP sempre na primeira linha de combate em defesa da família, pareceria inexplicável a omissão da entidade. Tal omissão causaria certamente impressão desfavorável entre os seus simpatizantes. E nas próprias fileiras de sócios e cooperadores, poderia explicavelmente produzir-se um desânimo muito prejudicial para o futuro desenvolvimento da entidade.

O ponto capital do problema não constituía, em meu espírito, matéria para dúvidas. Parecia-me inevitável a implantação do divórcio a prazo mais ou menos próximo. Com efeito, quando de nossa vitoriosa campanha antidivorcista do ano de 1966, embora o Episcopado, de seu lado, combatesse o divórcio com muito menos empenho que outrora, o público católico nem notara expressamente essa peculiaridade. Pois ele ainda estava imbuído a fundo do ensinamento antidivorcista tradicional da Igreja, em que se tinham destacado, não havia tanto tempo, primeiramente o Cardeal Dom Sebastião Leme no Rio de Janeiro, depois o Cardeal Dom Carlos Carmelo de Vasconcellos Motta em São Paulo. E assim o brado antidivorcista da TFP encontrara ampla e vitoriosa repercussão.

Mas, entre uma e outra investida divorcista, o tempo havia corrido. A insistência antidivorcista do Episcopado se havia rarefeito muito. E o progressismo já desvirtuara muitos e entibiara muitíssimos dos católicos. Se, conforme se podia prever, a resistência do Episcopado não retomasse seu antigo vigor, a vitória do divórcio já estaria de antemão garantida, senão a prazo imediato, pelo menos a prazo médio[6].

Pesando com cuidado os prós e os contras da situação, pareceu preferível lançar a campanha. Foi um risco calculado. O então Bispo de Campos, D. Antônio de Castro Mayer, escreveu contra o divórcio uma substanciosa e valente carta pastoral que a TFP difundiu por todo o País. O lance alcançou a breve prazo o seu objetivo: o divórcio foi efetivamente barrado ainda uma vez. Mas a prazo médio se tornou impossível detê-lo. E ao fim de mais dois anos de atuação dos mesmos agentes de minguamento da maioria antidivorcista, a dissolubilidade do vínculo conjugal acabou por entrar na legislação brasileira: entre a última vitória antidivorcista e a primeira vitória divorcista, a TFP tivera de enfrentar galhardamente, e aliás com êxito, o maior estrondo publicitário até então promovido contra ela no Brasil.

Esse estrondo, articulado inequivocamente em vista da vitoriosa campanha antidivorcista da TFP, foi de tais proporções que teria bastado para derrubar um governo, segundo comentou um observador imparcial. E no entanto, auspice et afflante Beata Maria Virgine (sob os auspícios e o bafejo da Bem-Aventurada Virgem Maria), a TFP saiu engrandecida da refrega[7].

É por detrás desses fatos que o sr. JAP quis ver um “motim”, uma “conspiração”...

O cooperador da TFP que, segundo o sr. JAP, teria revelado a existência dessa conjura em uma reunião (cfr. GV pp. 178-179), bem como os demais cooperadores que faziam então parte do mesmo grupo, negam peremptoriamente que tenha havido essa reunião, e que se tenha falado acerca do tal “motim”.

Tanto a reunião como o “motim” só existem na fecunda imaginação do sr. JAP.

6. Orações, benevolência e acolhimento: normas gerais de relacionamento da TFP com os que dela se afastaram

Os “apóstatas”...

 Também esse tema foi cuidadosamente esquadrinhado pelo sr. JAP, para que nada faltasse ao caráter de “suma contra TFP” que ele quis dar ao seu volume de duzentas páginas.

Volume esse notável pela concisão, se comparado às trezentas e tantas páginas da presente réplica. O que não espanta, porque é obviamente mais fácil alinhavar, à maneira de folhetim difamatório, um elenco de acusações fundamentadas a trouxe-mouxe[8] e de passagem. Ou extraídas dos inesgotáveis mananciais que um espírito subjetivista estimulado pelo ódio pode encontrar na própria fantasia.

Diz em essência o sr. JAP que os egressos da TFP eram tidos nesta com desprezo e ódio. Por exemplo, zombava-se deles, evitavam-se os contatos com eles, negava-se-lhes cumprimento, e nem sequer se lhes fazia o favor de uma oração para que voltassem ao bom caminho, ou pelo menos salvassem suas almas (cfr. GV pp. 183-184).

A essas afirmações, a TFP responde rotundamente: são falsas.

E a linguagem dos fatos fala por ela.

1. A primeira testemunha a mencionar neste sentido é o próprio sr. JAP. Cegado pela paixão de detrair a TFP a todo propósito, e até sem propósito, não se deu conta de que a narração por ele mesmo feita, da conduta exemplar da TFP para com ele, ao longo do seu processo de “apostasia”, indica pelo contrário a disposição cheia de benevolência da entidade para com aqueles que, sucumbindo ao peso das pressões do ambiente externo ou das solicitações internas para o pecado, abandonam a meio caminho a abnegada e gloriosa jornada da TFP.

Nesse sentido é digno de nota que ele não mencione, como ocorrido com ele, depois de seu total desligamento da entidade, um só fato concreto que comprove suas assertivas. O que, num livro de memórias, seria inadmissível que ele omitisse.

E tem para isso boas razões. Um sócio da TFP residente em Londrina, o qual por ora prefere que não se lhe publique o nome, certifica que, mesmo após consumada a ruptura do sr. JAP com a Sociedade, o atendeu várias vezes, dispensando-lhe atenções e até favores de múltiplas ordens.

A menção deste fato só poderia estorvar a acusação generalizada e sem matizes do sr. JAP.

2. Este último omite também dizer que, de quando em vez, algum egresso da entidade pede para ser nela readmitido. E que não há memória de algum que, apresentando-se nas devidas condições, tenha deixado de receber a acolhida do filho pródigo.

3. Cumpre ponderar também que entre os correspondentes da TFP se contam mais de 100 egressos da entidade, o que em geral ocorreu não à maneira de uma brusca reconciliação, mas como resultado de uma normal continuidade de relações que se haviam mantido cordiais pelos anos afora.

Onde então o desdém e o ódio?

4. Ademais, a TFP guarda com carinho numerosas cartas de egressos que lhe manifestam saudades, admiração, reconhecimento comovido pela formação recebida, e se recomendam às orações dos sócios e cooperadores da entidade.

5. O assunto das orações constitui outro capítulo. Mais de uma vez se tem rezado na TFP por “apóstatas”. Há muitos anos já, o Presidente do Conselho Nacional disse em reunião plenária da entidade que rezava todos os dias pelos que foram, são ou podem ser sócios ou cooperadores da TFP, e recomendou que análoga prática fosse seguida pelos presentes.

6. Quanto aos castigos que a Providência pode desfechar sobre os que se recusam a seguir uma vocação claramente conhecida como tal, cfr. Cap. VI.

* * *

Bem entendido, é possível que, numa organização tão ampla quanto a TFP, uma ou outra transgressão dessas normas gerais de procedimento haja sido praticada. Não se entra aqui na análise dos fatos concretos, a fim de evitar uma casuística infindável e, no total, irrelevante.

Com efeito, qual a organização que aceitaria de ser qualificada toda inteira segundo o procedimento dos que lhe infringem as normas e os costumes?

Baste portanto dizer, à guisa de ponto final, que na narração de quatro fatos concretos (cfr. GV p. 184), o sr. JAP incide em várias incorreções ponderáveis. Uma delas consiste em qualificar de “apóstata” um jovem que, egresso de fato das fileiras da TFP norte-americana, passou ato contínuo para a qualidade de correspondente. Nesta faleceu.

7. O atentado que o sr. JAP teme sofrer

O sr. JAP fez questão de inserir, no contrato que firmou com a editora de seu livro, uma cláusula que prevê a possibilidade de seu “desaparecimento”. Nessa hipótese, os direitos autorais deveriam ser pagos a sua mãe (cfr. “Brasil Extra”, São Paulo, agosto de 1984). Com isso ele insinua, maliciosamente como de costume, que a TFP, à míngua de resposta contra seu tão serpentino e venenoso ataque, poderia vingar-se dele, seqüestrando-o ou eliminando-o.

Essa caluniosa insinuação consta também do resumo que “OESP” publicou de Guerreiros da Virgem em 30 de junho p.p.

Não é crível que o sr. JAP alimente efetivamente tais receios. Ele conhece perfeitamente bem o caráter pacífico da TFP, aliás atestado por mais de 4 mil cartas de Prefeitos e Delegados de Polícia de cidades de todo o País.

Imaginaria porventura ele que seu livro viria a ser tão terrivelmente danoso para a TFP que esta chegaria a abandonar uma conduta que, fiel a seus princípios cristãos, vem mantendo inalteravelmente desde sua fundação?

Em todo caso, se as apreensões dele foram efetivas, é de esperar que ele não tenha apenas garantido a continuidade dos direitos autorais para sua família, como também tenha procurado garantir a sua segurança pessoal, pedindo proteção à Polícia. O que de nenhum modo consta.

E se não o fez - o que seria muito contraditório com o alarme que manifestou - que o faça logo. Assim, não só sua vida ficará garantida contra eventuais agressores, como a TFP poderá ter a certeza de que, havendo algum atentado, a Polícia deitará logo a mão nos culpados, e os identificará.

E a inocência da TFP mais uma vez ficará comprovada.

* * *

Guerreiros da Virgem saiu em meados de julho. Quando o presente sair a público, estará caminhando para fazer meio ano a publicação do folhetim do sr. JAP. E o atentado quimérico, temido por esse fantasioso subjetivista, não teve sequer sombra de realização.

Sua hipótese insultante vai criando cabelos brancos.

De qualquer forma, seria muita presunção dele ainda manter vivos os seus receios, publicada a presente refutação... Pois quem dispõe de uma tal pletora de argumentos, não tem a menor vantagem em silenciar um opositor que abre tanto o flanco à réplica.


 

[1] Na radiomensagem transmitida para Portugal por ocasião da coroação da Imagem de Nossa Senhora de Fátima, em 13 de maio de 1946, Pio XII afirma:

Jesus é Rei dos séculos eternos por natureza e por conquista; por Ele, com Ele, subordinadamente a Ele, Maria é Rainha por graça, por parentesco divino, por conquista, por singular eleição. E o seu reino é vasto como o de seu Filho e Deus, pois que de seu domínio nada se exclui. ....

“Coroando a imagem de Nossa Senhora, assinastes, com o atestado de fé na sua realeza, o de uma submissão à sua autoridade .... Fizestes mais ainda: alistastes-vos Cruzados para a conquista ou reconquista do seu Reino, que é o Reino de Deus. Quer dizer: obrigastes-vos a trabalhar para que Ela seja amada, venerada, servida à volta de vós, na família, na sociedade, no mundo” (Documentos Pontifícios, no 110, Vozes, Petrópolis, 1959, 2ª ed., pp. 36-37).

[2] Ensinou-o solenemente Pio XI na Encíclica com que inaugurou o seu Pontificado:

 “Não poderá haver nenhuma paz verdadeira - a paz de Cristo tão desejada - enquanto todos os homens não seguirem fielmente os ensinamentos, os preceitos e os exemplos de Cristo, na vida pública ou privada. ....

“Com efeito, Jesus Cristo reina primeiramente sobre o espírito dos indivíduos por seus ensinamentos, sobre os corações pela caridade, sobre a vida inteira quando esta se conforma com sua lei e imita seus exemplos. Reina, em seguida, na família ....

“Reina finalmente na sociedade, quando, prestando a Deus uma homenagem soberana, reconhece que é dele que derivam a autoridade e seus direitos, o que dá regras ao poder, caráter imperativo e grandeza à obediência. ....

“Conclui-se desta forma claramente que não há paz de Cristo senão pelo reino de Cristo e que o mais eficaz meio de trabalhar pelo restabelecimento da paz é restaurar o reino de Cristo. Assim, quando se esforçava para ‘restaurar tudo em Cristo, Pio X, como por divina inspiração, preparava a grande obra do restabelecimento da paz’ que devia ser o programa de Bento XV.

“Quanto a Nós, prosseguindo na missão que se deram Nossos dois predecessores, empregaremos todos os nossos esforços em realizar a paz de Cristo’ no ‘reino de Cristo, com absoluta confiança na graça de Deus” (Encíclica Ubi Arcano de 23-12-1922, Documentos Pontifícios, no 19, Vozes, Petrópolis, 1950, 2ª ed., pp. 19 a 21).

[3] Os outros dois artigos da série eram: Doutor, Profeta e Apóstolo na crise contemporânea (no 53, maio de 1955) e O Reino de Maria, realização do mundo melhor (no 55, julho de 1955).

Não faltam constantes referências ao Reino de Maria em outros artigos de “Catolicismo”. Ver, por exemplo, PLINIO CORRÊA DE OLIVEIRA, Pio XII e a era de Maria, no 48, dezembro de 1954; O anticomunismo e o Reino de Maria, no 62, fevereiro de 1956; Fátima, numa visão de conjunto, no 197, maio de 1967; CUNHA ALVARENGA (José de Azeredo Santos), Falácias do Arcebispo de Olinda e Recife, no 235, julho de 1970.

Também não é difícil entrever uma alusão ao Reino de Maria, na Encíclica Ad Caeli Reginam, de 11 de outubro de 1954, na qual, instituindo a festa da Realeza de Nossa Senhora, Pio XII pondera: “Neste gesto está depositada a grande esperança de que possa surgir nova era, confortada pela paz cristã e pelo triunfo da Religião (AAS, 1959, vol. XXXVI, p. 638).

[4] Cfr. RUY NUNES, A participação estudantil no estudo medieval de Bolonha, 9-8-85; Universidade-de-estudantes na Espanha medieval, 6-9-85; A Idade de Ouro das universidades, 13-9-85; O caráter eclesiástico das universidades medievais, 20-9-85; De Oxford a Coimbra, 25-10-85; A liberdade acadêmica na Idade Média, 22-11-85. Cfr. ainda GILLES LAPOUGE, A redescoberta da Idade Média, suplemento “Cultura” do mesmo jornal, 7-7-85.

[5] Análoga afirmação pode ser feita em relação às duas sedes da TFP em Itaquera, à sede principal da Rua Maranhão 341, à sede da Secretaria Geral da Rua Martinico Prado 246 etc. 

[6] A tal propósito, é digno de registro o insuspeito testemunho do Cardeal D. Eugênio Sales, atual Arcebispo do Rio de Janeiro, a propósito do falecimento do Cardeal Motta: “Se a Igreja no Brasil tivesse lutado como o Cardeal Dom Carlos Carmelo de Vasconcellos Motta, o divórcio não teria sido aprovado” (“O Globo”, 21-9-82). 

[7] Interessante indício da parcialidade do sr. JAP: a respeito da CPI instituída por ocasião deste estrondo na Assembléia Legislativa do Rio Grande do Sul, diz ele que “seu parecer não chegou a meu conhecimento” (GV p. 179). Entretanto, ele, que só deixou as fileiras da TFP dois anos depois de encerrada a CPI, e que ademais, para redigir seu libelo anti-TFP, consultou o livro Meio século de epopéia anticomunista, onde esses fatos são narrados com todos os pormenores (cfr. pp. 257 a 270), não poderia absolutamente ignorar o desfecho da CPI. E, como é sabido, esta nada tendo apurado contra a TFP, encerrou seus trabalhos no dia 18 de outubro de 1975 sem apresentar o relatório de praxe. 

[8] A esmo.

 


 

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