Plinio Corrêa de Oliveira

 

 

Guerreiros da Virgem

 

A Réplica da Autenticidade

 

A TFP sem segredos

CAPÍTULO VIII

A TFP, uma “seita iniciática” que “alicia” adolescentes, ocultando suas metas mais profundas e sua verdadeira natureza?

1. O recrutamento da TFP: um maquiavélico processo de “aliciamento” de adolescentes? O sr. JAP descreve o sistema de recrutamento de novos aderentes da TFP como um processo de “aliciamento” (GV pp. 72 a 74).

Assim, aquela forma de expansão, natural em toda sociedade que não está estagnada ou em decadência, é apresentada sob um prisma negativo e ultrajante.

O processo visaria sobretudo - ou exclusivamente - adolescentes. Não porém o tipo comum deles, mas uma certa espécie: “Adolescente, classe média, inconformado com o mundo, poucos amigos - este, o perfil do apostolando ideal” - esclarece o sr. JAP (GV p. 106).

A. Vocações para todas as atividades - como as da TFP - que exigem dedicação desinteressada e heroísmo em prol de um grande ideal são mais freqüentes na adolescência e na juventude

Cabe dizer, antes de tudo, que é inteiramente anacrônica a afirmação de que a TFP realiza seu recrutamento com exclusividade, ou quase tal, entre adolescentes.

A partir do início da década de 70, a TFP se empenhou em formar uma rede de correspondentes, constituída, como já se viu (cfr. Cap. V, 2, Nota 3), de pessoas de um e outro sexo, das mais variadas idades, mais marcadamente porém entre as que atingiram 30 anos ou mais.

Não obstante, é verdade que a TFP se esforça especialmente em recrutar, para os seus quadros de sócios e cooperadores, jovens, e até muito jovens.

Com efeito, é de conhecimento comum que no Brasil, já a partir da adolescência, o jovem começa a se pôr questões fundamentais em face dos mais variados aspectos da realidade e da vida (cfr. Cap. IV, 12, A). Tem assim seu início um processo intelectivo e volitivo freqüentemente precoce, ao longo do qual a inteligência e a vontade vão adquirindo maturidade.

É também sabido - e até banal - que na adolescência e na mocidade o espírito humano costuma abrir-se mais generosamente para os grandes horizontes, os grandes ideais, os grandes apelos à dedicação desinteressada e ao heroísmo.

Por essa razão, costumam eclodir na adolescência ou na juventude as vocações para todas as atividades que pedem de modo particular tais qualidades, como, por exemplo, o Sacerdócio, o estado religioso, a vida militar. E por isso as dioceses, as Ordens religiosas, as Forças Armadas etc., se aparelham com particular solicitude para atrair a suas casas de formação especializada, tanto adolescentes quanto jovens.

É óbvio que, por análogas razões, as altas finalidades visadas pela TFP, a abnegação que esta pede a quem por tais finalidades se empolga, em suma, toda a epopéia da TFP atrai especialmente adolescentes e jovens. E que, em conseqüência, esta deita particular empenho em se fazer compreender (em meio aos tropeços das freqüentes incompreensões e ao silvar constante das calúnias), por aqueles que naturalmente têm o espírito mais aberto a ela. Nada mais sensato, nem mais normal.

Assim, se bem que, em princípio, a TFP acolha entre seus sócios e cooperadores pessoas das diversas idades, nada mais explicável do que preferir ela, para seu recrutamento, agir junto a adolescentes e jovens. E nada nisto a caracteriza como uma sociedade “iniciática” ou demonstra propósitos de “lavagem cerebral” ou “manipulação das mentes”, como pretende o sr. JAP. A menos que análogas acusações se fizessem a seminários, noviciados, escolas militares etc.

B. Uma concepção de recrutamento que ignora completamente os hábitos informais do brasileiro

 O Novo Dicionário da Língua Portuguesa, de AURÉLIO BUARQUE DE HOLANDA FERREIRA, registra, no verbete aliciar: “[Do latim alliciare, por allicere] V.t.d. 1. Atrair a si; seduzir, atrair: Aliciou o amigo, fazendo-o ciente do segredo. 2. Peitar, subornar: Aliciou testemunhas para depor a seu favor. 3. Atrair, angariar: “enquanto se aliciavam adeptos ...., Seu Ramiro nos visitou com freqüência.” (Graciliano Ramos, Infância, p. 233). T.d. e i. 4. Atrair, angariar. 5. Seduzir, atrair: Foi preso por aliciar menores para a prostituição. 6. Incitar, instigar: Aliciou os partidos a assumirem posições contrárias” (Nova Fronteira, Rio de Janeiro, 1ª ed., 14ª impressão, p. 69).

Na Enciclopédia Saraiva do Direito se lê que aliciar é “seduzir, provocar, incitar com promessas, enganar quase sempre para fim ilícito”.

No Código Penal Militar, o aliciamento é definido como “crime praticado por civil, ou militar, ou por ambos, que em tempo de paz ou de guerra realizam promessas enganosas, subornam, engajam ou seduzem alguém para que se rebele contra a ordem interna ou externa do Estado” (cfr. PEDRO NUNES, Dicionário de Tecnologia Jurídica, Livraria Freitas Bastos, Rio de Janeiro- São Paulo, 1961, 5ª ed., vol. I, p. 71).

O Código Civil trata do aliciamento de pessoas obrigadas a outrem por contrato de serviços agrícolas (art. 1235).

E no Código Penal (arts. 206 e 207), o aliciamento é configurado como “delito, que consiste em incitar com promessas, ou seduzir trabalhadores, com o fim de os levar para território estrangeiro ou qualquer outra localidade dentro do país” (cfr. PEDRO NUNES, op. cit., p. 71).

Assim, embora o vocábulo comporte um significado neutro, é notória a tendência para usá-lo, seja na vida corrente, seja na terminologia jurídica, num sentido pejorativo, e até envolvendo delito ou crime.

Dizer, portanto, que a TFP alicia adolescentes só pode significar que ela os atrai fraudulentamente, por meio de mentiras e silêncios astutos, com segundas intenções.

O sr. JAP formula ou insinua repetidamente essa acusação, ao longo de seu livro (GV pp. 12-13, 14, 57 ss., 68, 72 ss., 167, 200 etc.).

Ele afirma, por exemplo, que foi convidado “sub-repticiamente” a entrar para a TFP. “Sub-repticiamente, sim, porque em nenhum momento da fase inicial dos contatos que mantive com a Organização me foi dito que deveria ou poderia ser um de seus membros” (GV p. 13).

É de pasmar a candura e a ingenuidade do autor de Guerreiros da Virgem.

Cooperadores da TFP fazem propaganda em seu colégio, e perguntam quais os alunos interessados em receber publicações da entidade. Ele se interessa e dá seu nome. Tempos depois é visitado duas vezes por um dos cooperadores, com o qual tem longas conversas, muito cordiais. Convidado a ir à sede de Londrina para assistir a uma palestra, ele se interessa e aceita o convite. Vai e gosta. Vai uma segunda vez, mais outra, e por fim acaba aderindo à TFP.

Diz ele - sempre testemunha única de sua própria acusação - que ao longo destes contatos não lhe foi dito que se desejava seu ingresso como cooperador da TFP. Admita-se, para argumentar, que assim tenha sido. Para um adolescente brasileiro correntemente vivo - e o sr. JAP se imagina mais do que isto, um arquétipo - seria necessário dizer o óbvio, o gritantemente óbvio?

Para entender isto, do que precisava ele? Talvez um convite formalista, quiçá um ofício em papel timbrado, usando pomposas fórmulas de antanho?

Ainda aqui, ele parece ignorar completamente os hábitos informais do brasileiro. E principalmente do adolescente brasileiro.

C. O sr. JAP descarta gratuitamente os aspectos lógicos da argumentação da TFP e só vê nela um astuciosíssimo artifício psicológico

 O sr. JAP descreve, às páginas 72 a 74 de seu livro, a “técnica inicial de aliciamento” em uso na TFP:

 “Depois de pinçado, o apostolando tem de ser arrastado por uma corrente avassaladora de argumentos precisos, lançados na hora certa. Suas reações devem ser acompanhadas meticulosamente, os pontos de afinidade explorados ao máximo, as resistências sufocadas com cautela e da maneira mais indolor possível.

“- Nunca se oponha frontalmente às idéias de um apostolando, não se apresse em refutar seus argumentos contrários às nossas teses - explicou-me o apóstolo itinerante. - Atenha-se inicialmente em discutir os pontos em comum que ele possui conosco, elogie as posições que ele compartilha com o ‘grupo’. Numa palavra, atraia-lhe a confiança e a simpatia. Depois, e somente depois, vá aos poucos penetrando nos assuntos sobre os quais não estamos de acordo, lançando, aqui e ali, alguma dúvida sobre as opiniões dele. De imediato ele procurará defender as idéias próprias - e isto é natural. Quando reagir dessa forma, não podemos cair sobre ele como um raio, mas temos que avançar com cautela, levantando novas dúvidas. Isso fará que ele, quando estiver só, pense sobre o que falamos, procure encontrar respostas às nossas ponderações. O processo estará desencadeado. E ele chegará a um ponto em que não terá mais condições de resistir à nossa argumentação.

“E prosseguiu meu conselheiro:

“- Temos de criar no interior dele um atrito. Atrito ideológico que, inevitavelmente, provocará a faísca. Aí, ou ele adere à nossa causa ou decide, conscientemente, recusá-la” (GV pp. 72-73).

É de se notar a insinuação. A recusa é apresentada como “consciente”. Da aceitação nada se diz. Parece que é inconsciente. O que isto insinua? Como se demonstra? Ambigüidade, penumbra... mas acusação!

Por outro lado, que “atrito ideológico” é este? E que faísca? Como atua esta faísca? Ele não o diz. E no entanto está isso na medula do tema...

O sr. JAP afeta conhecer perfeitamente o ensaio Revolução e Contra-Revolução, obra de cabeceira dos sócios e cooperadores da TFP. É de supor então que esteja presente à sua memória o que neste se diz sobre o “choque” contra-revolucionário, operação “atritiva” a que ocasionalmente seu “conselheiro” se tenha referido:

“C. O ‘choque’ das grandes conversões. .... Segundo a História, afigura-se que as grandes conversões se dão o mais das vezes por um lance de alma fulminante, provocado pela graça ao ensejo de qualquer fato interno ou externo. Esse lance difere em cada caso, mas apresenta com freqüência certos traços comuns. Concretamente, na conversão do revolucionário para a Contra-Revolução, ele, não raras vezes e em linhas gerais, se opera assim:

 “a. Na alma empedernida do pecador que, por um processo de grande velocidade, foi logo ao extremo da Revolução, restam sempre recursos de inteligência e bom senso, tendências mais ou menos definidas para o bem. Deus, embora não as prive jamais da graça suficiente, espera, não raramente, que essas almas cheguem ao mais fundo da miséria, para lhes fazer ver de uma só vez, como num fulgurante flash, a enormidade de seus erros e de seus pecados. Foi quando desceu a ponto de querer se alimentar das bolotas dos porcos que o filho pródigo caiu em si e voltou à casa paterna (cfr. Lc. XV, 16 a 19).

“b. Na alma tíbia e míope que vai resvalando lentamente na rampa da Revolução, atuam ainda, não inteiramente recusados, certos fermentos sobrenaturais; há valores de tradição, de ordem, de Religião, que ainda crepitam como brasas sob a cinza. Também essas almas podem, por um sadio sobressalto, num momento de desgraça extrema, abrir os olhos e reavivar em um instante tudo quanto nelas definhava e ameaçava morrer: é o reacender-se da mecha que ainda fumega (cfr. Mt. XII, 20) (PLINIO CORRÊA DE OLIVEIRA, Revolução e Contra-Revolução, Boa Imprensa, Campos, 1959, p. 50).

Em nossa época de confusão, mais ainda do que em outras, é necessário que toda ação ideológica tenha contornos bem definidos, proporcionando àqueles a quem ela se dirige conhecerem precisamente quais as conseqüências dos princípios que lhes são propostos.

É claro que esse procedimento leal coloca eventualmente o apostolando na contingência de fazer opções, nem sempre fáceis. E que provoquem nele um choque ou atrito interior entre o que São Paulo chama o “homem velho” e o “homem novo” (Eph. IV, 21 a 24).

Mas a referência sumária do sr. JAP à criação do “atrito” interior em uma alma até então sem atritos dá ao leitor desinformado a impressão de uma ação antipática e nociva. Focalização jeitosa, sempre própria a desfigurar a TFP.

No ambiente criado por esta focalização, também a palavra “faísca” - facilmente relacionável com o termo flash, usado em Revolução e Contra-Revolução - parece adquirir uma conotação desfavorável à TFP. Faíscas... Quantas modalidades delas há! Uma faísca pode esclarecer, iluminar, deslumbrar. Mas pode também incendiar, fazer explodir, reduzir tudo a cinzas.

Apresentada como conexa com a antipática criação de “atrito”, a “faísca” muito mais se faz ver aí em seu aspecto maléfico e destruidor. Como algo que deflagra ou completa a criação do “atrito ideológico”. O que é bem à maneira do sr. JAP.

Toda essa exposição apresenta os apostolandos como pessoas dotadas da psicologia personalíssima do sr. JAP. Isto é, ingerindo indiferentemente os argumentos, sem interesse em lhes analisar o valor lógico. E só sensível realmente a impressões pessoais que o apóstolo lhe possa estar causando. Imagem tão diversa da juventude de seu tempo, propensa à discussão e à contestação!

Que pode ser a tal “corrente avassaladora de argumentos” capaz de “arrastar”? Com essas palavras, o sr. JAP quer provavelmente dar a idéia de que os argumentos apresentados pela TFP são manipulados de tal modo que a livre análise do espírito fica inibida, e assim a pessoa é “arrastada” para onde não quer. Passar-se-ia, portanto, algo na linha da “lavagem cerebral”.

Assim, todo o aspecto lógico dos argumentos apresentados pela TFP, todo o seu valor probante intrínseco é descartado gratuitamente pelo sr. JAP, que se limita a ver neles um maquiavélico artifício psicológico que “arrasta”, “sufocando as resistências” do apostolando. E por isso ele descreve o processo de recrutamento na TFP de tal maneira que, no fim, o apostolando “chegará a um ponto em que não terá mais condições de resistir à nossa argumentação” (GV p. 73).

Sem dúvida, em todo trabalho de persuasão, não se pode levar em conta apenas os aspectos lógicos, descurando os aspectos psicológicos, pois o homem não se comporta, perante uma verdade ou um erro, como mera máquina de raciocinar, fria e indiferente. Ele pode ter sofrido, por influência dos ambientes que sucessivamente freqüentou (escolas, universidades, meios profissionais, grupos sociais etc.) uma deformação mental mais profunda ou menos, e a maior ou menor obtusão mental daí decorrente lhe dificultará a visão da verdade; ele pode estar apegado a erros longamente acariciados, e seus vícios resistirão à renúncia desses erros, e à adesão às verdades opostas, que o obriguem a mudar de vida.

Nada mais natural que prever essas dificuldades todas, e proceder - embora sempre com toda a lealdade - de modo a ajudar o apostolando a dispor-se a receber bem a verdade, e a corrigir em conseqüência seus defeitos intelectuais e morais. Assim, num processo de conversão, além do elemento lógico, intervém obviamente o fator psicológico, por assim dizer pedagógico. E, acima de tudo, intervém a graça de Deus, que atua na alma do homem, atraindo-o para a aceitação da verdade e a prática do bem. Sem falar, por fim, na ação do demônio...

O sr. JAP, em sua descrição, não negligencia de todo o aspecto espiritual - do qual trata logo em seguida ao tópico citado - mas deixa de lado o aspecto lógico, e procura apontar no sistema de recrutamento da TFP um processo prevalentemente psicológico que embai a inteligência e inibe a vontade. E isto a tal ponto, que, no fundo, o neófito não seria responsável - ou, pelo menos, não o seria plenamente - pelo passo que dá ao aderir à Sociedade. Ele teria sido propriamente ludibriado por um processo psicológico astuciosíssimo, e nisto consistiria o “aliciamento”.

Mas o sr. JAP não se dá o trabalho de demonstrar - note-se bem, demonstrar, e não apenas afirmar ou dar a entender - que a argumentação da TFP é destituída de valor lógico, próprio a persuadir de modo sadio e leal quem dela tome conhecimento. Ele simplesmente descarta o aspecto lógico, sem parecer notar que, para ser convincente sua narração, era necessário que o considerasse devidamente. Sem o que sua acusação cai inexoravelmente por terra, precisamente por insuficiência lógica...

E não é apenas isto. Lido com atenção o parágrafo transcrito, bem como todo o trecho em que ele descreve a “técnica inicial de aliciamento” da TFP (GV pp. 72 a 74), não fica claro este ponto essencial: no que consiste precisa e definidamente o ludíbrio que seria utilizado pela entidade?

Admitido o princípio óbvio de que todo método de formação, ou simplesmente de persuasão, tem que proceder por etapas, respeitando as deficiências e idiossincrasias do formando, o que, ao ver do sr. JAP, distingue com toda a precisão o ludíbrio, daquilo que é claro, normal e honesto no sistema de recrutamento ou de formação que ele atribui à TFP? Ele não o diz.

E enquanto não o fizer, de sua narração só resulta o vazio da acusação.

Vê-se assim quanto é simplista a narração que o sr. JAP faz do processo de recrutamento da TFP. Simplismo, entretanto, sempre manipulado de forma a projetar uma imagem desfavorável desta Sociedade.

D. A tática do “terreno comum” ou a “baldeação ideológica inadvertida”, outro dos elementos integrantes do pretenso “método de aliciamento” da TFP?

Atenha-se inicialmente em discutir os pontos em comum que ele possui conosco, elogie as posições que ele compartilha com o grupo. Numa palavra, atraia-lhe a confiança e a simpatia. Depois, e somente depois, vá aos poucos penetrando nos assuntos sobre os quais não estamos de acordo” (GV p. 73) - assim descreve o sr. JAP a tática em uso na TFP para atrair neófitos.

Em nosso livro Em defesa da Ação Católica (Editora Ave Maria, São Paulo, 1943, pp. 220 a 243), descrevemos e criticamos energicamente a tática do “terreno comum”, artifício de apostolado então muito preconizado em certos ambientes progressistas da Ação Católica. Consistia essa tática num silêncio sistemático, e no fundo cúmplice, com os erros doutrinários ou os defeitos morais das pessoas com quem se pretendia fazer apostolado. E na super-valorização das afinidades que houvesse entre apóstolo e apostolando. Esse erro trágico resultava, na prática, em freqüentes apostasias. E, diga-se de passagem, está na raiz de muitos excessos do hodierno ecumenismo.

E na obra Baldeação ideológica inadvertida e diálogo (Editora Vera Cruz, São Paulo, 1974, 5ª ed., 126 pp.) justamente denunciamos outro artifício psicológico mediante o qual muitos católicos se transformam paulatinamente em comunistas.

É um destes o método que o sr. JAP atribui à TFP? A entidade teria então a loucura de os denunciar, se ela própria os usasse como técnica de aliciamento?

Seja como for, a considerar condenáveis, sempre e por toda parte, as práticas que o sr. JAP atribui à TFP, estariam condenadas também legítimas habilidades da diplomacia e do comércio, as quais fazem parte das práticas comuns da vida.

Nada nem de longe parecido ocorre na TFP, que se pauta por princípios diametralmente opostos. Princípios que não constituem segredo, uma vez que estão largamente expostos no ensaio Revolução e Contra-Revolução:

 “No itinerário do erro para a verdade, não há para a alma os silêncios velhacos da Revolução, nem suas metamorfoses fraudulentas. Nada se lhe oculta do que ela deve saber. A verdade e o bem lhe são ensinados integralmente pela Igreja. Não é escondendo, sistematicamente, o termo último de sua formação, mas mostrando-o e fazendo-o desejado sempre mais, que se obtém dos homens o progresso no bem.

“A Contra-Revolução não deve, pois, dissimular seu vulto total. Ela deve fazer suas as sapientíssimas normas estabelecidas por São Pio X para o proceder habitual do verdadeiro apóstolo: ‘Não é leal nem digno ocultar, cobrindo-a com uma bandeira equívoca, a qualidade de católico, como se esta fosse mercadoria avariada e de contrabando’ (carta ao Conde Medolago Albani, Presidente da União Econômico-Social da Itália, datada de 22-11-1909 – Bonne Presse, Paris, vol. V, p. 76). Os católicos não devem ‘ocultar como que sob um véu os preceitos mais importantes do Evangelho, temerosos de serem talvez menos ouvidos, ou até completamente abandonados’ (Encíclica Jucunda Sane, de 12-3-1904, Bonne Presse, Paris, vol. I, p. 158). Ao que judiciosamente acrescentava o santo Pontífice: ‘Sem dúvida, não será alheio à prudência, também ao propor a verdade, usar de certa contemporização, quando se tratar de esclarecer homens hostis às nossas instituições e inteiramente afastados de Deus. As feridas que é preciso cortar - diz São Gregório - devem antes ser apalpadas com mão delicada. Mas essa mesma habilidade assumiria o aspecto de prudência carnal se erigida em norma de conduta constante e comum; e tanto mais que desse modo pareceria ter-se em pouca conta a graça divina, que não é concedida somente ao Sacerdócio e aos seus ministros, mas a todos os fiéis de Cristo, a fim de que nossas palavras e atos comovam as almas desses homens’ (doc. cit., ibid.)” (PLINIO CORRÊA DE OLIVEIRA, Revolução e Contra-Revolução, Boa Imprensa, Campos, 1959, pp. 49-50).

E. O apostolando: um ente passivo “em torno” do qual se trava o combate entre o Bem e o Mal, entre anjos e demônios, que o arrastarão inelutavelmente para um lado ou para outro

 Continuando a descrever o processo de “aliciamento” da TFP, o sr. JAP se refere ao combate espiritual que se trava “em torno” do apostolando:

Este é o período mais crítico do apostolado [o momento em que o neófito dá sua adesão]: o fato é que temos de lutar para que ele não se afaste, porque, se isto acontecer, ele estará correndo o risco de perder sua alma, pois, fora da TFP - o sr. sabe disso muito bem - não há salvação. Neste momento, não podemos dar-lhe trégua, pois nossa omissão será cobrada quando prestarmos contas a Deus de nossos atos aqui na Terra. Somente a omissão? Não! Também nosso despreparo ideológico e, principalmente, nossa tibieza espiritual. O recrutamento de um militante é, acima de tudo, um trabalho espiritual. Desde o primeiro contacto que ele mantém conosco, estará incessantemente coagido pelos demônios a afastar-se de nós. Ao mesmo tempo, os anjos estarão travando a seu lado uma luta implacável, tentando vencer os demônios. O que acontece em torno de todo apostolando - tal como aconteceu conosco - é um combate inexorável, a cada segundo, entre o Bem e o Mal, entre a Verdade e a Mentira, entre a Luz e a Treva - em última análise, entre Deus e Lúcifer” (GV p. 73).

Note-se, de passagem, o caráter gravemente impróprio do vocábulo “coagido”, na presente narração. Alguém é coagido a algo, só se realmente é forçado a fazer esse algo. Ora, segundo a doutrina católica, a tentação diabólica pode solicitar o homem; não porém, forçá-lo a fazer algo.

Este trecho merece vários outros reparos.

A idéia de que “fora da TFP não há salvação” é completamente falsa. Quantos e quantos casos há de moribundos encontrados ao longo de estradas de rodagem, ou em ruas de cidades, vítimas de desastres ou ataques de doença, em que sócios e cooperadores da TFP desenvolvem os maiores esforços para trazer um Padre até eles, que lhes administre os últimos Sacramentos! Se “fora da TFP não há salvação”, por que os sócios e cooperadores desenvolveriam esse esforço? Basta evocar este fato para se compreender a falsidade da informação.

E as campanhas feitas pela TFP (cfr. Meio século de epopéia anticomunista, Editora Vera Cruz, São Paulo, 1980, 4ª ed., 472 pp.), que fito têm, invariavelmente, senão conservar de pé algum escombro ainda não destruído, da civilização cristã, para dar glória a Deus e também para assim impedir pecados incontáveis, praticados com grave risco para as almas de pessoas que não são da TFP, mas cuja salvação ela ardentemente deseja?

As campanhas contra o divórcio, por exemplo...

O que se diz na TFP sobre a salvação dos que a ela não pertencem é coisa inteiramente distinta. Considerando os ambientes de hoje, a salvação é extremamente difícil, porque o é a perseverança na prática integral dos Mandamentos. Tanto é assim que, notoriamente, pouquíssimos são os que os praticam na integridade... Para o jovem que sai da TFP não é, pois, pequena a probabilidade de que não tenha meio senão de viver em ambiente no qual a observância dos Mandamentos lhe seja difícil. E, portanto, com risco sério de perder a alma. É claro que os sócios e cooperadores têm esta realidade bem presente diante dos olhos. Mas daí à afirmação de que “fora da TFP não há salvação” há um abismo que, como sempre, o sr. JAP transpõe com facilidade...

É curioso que ao descrever o combate espiritual que se trava pela fixação do neófito, “combate inexorável, a cada segundo, entre o Bem e o Mal, entre a Verdade e a Mentira, entre a Luz e a Treva - em última análise, entre Deus e Lúcifer” (GV p. 73), envolvendo anjos e demônios, todo ele decorre “em torno do apostolando. Como se este fosse solicitado passivamente para um lado e para outro, sendo ele próprio afinal arrastado para o lado da força externa que prevalecer... Concepção singular, que abstrai do combate espiritual no interior do homem, e pelo qual - de acordo com a doutrina católica - ele é plenamente responsável, aceitando ou rejeitando a graça que Deus a ninguém recusa. Concepção, mais uma vez, que se alinha com a teoria da “lavagem cerebral”, na qual a vítima é um mero “paciente” de todo o processo ao qual é submetido.

F. Tratamento personalizado para cada apostolando: a “teoria das três vertentes”

 O sr. JAP continua sua descrição da “técnica inicial de aliciamento” que seria posta em prática pela TFP:

 “- O tratamento dispensado a cada apostolando jamais deve ser o mesmo - continuou [o cooperador da TFP que supostamente instruía o sr. JAP]. - Toda pessoa se distingue das outras, possui dentro de si um universo de individualidades, potencialidades e aptidões. Todo indivíduo analisa os fatos segundo o ângulo que lhe confere a soma de conhecimentos e experiências acumuladas durante sua vida. Cada pessoa reage aos fatos e às circunstâncias conforme seu temperamento. Portanto, para que possamos ter êxito em nosso trabalho, é indispensável conhecermos a psicologia de quem estamos recrutando” (GV pp. 73-74).

Exórdio pomposo, a que o sr. JAP quer dar ares de maquiavelicamente sábio, e que conduz, a título de conclusão, ao mais raso lugar-comum: pode-se conceber qualquer forma de recrutamento que não tenha em vista a mentalidade do recrutando?

Prossegue a narração do sr. JAP:

 “- Mas como conhecer sua psicologia? - perguntou, apressando-se em dar a resposta: - à primeira vista parece um trabalho muito complexo. Mas não é. Inicialmente, é importante saber qual o caminho por que podemos penetrar em seu interior. A este caminho chamamos vertente. E não há mais do que três vertentes que podem ser exploradas...

“- Quais? - eu quis saber, excitado por esta novidade.

“- A psicológica, a religiosa e a social. Vou explicar-lhe: a vertente psicológica é aquela que possuem as pessoas inclinadas para a música, o teatro, a pintura, enfim, para o belo; a religiosa, bem, dispensa explicações, e a social a têm os que se preocupam com os acontecimentos políticos e sociais, que buscam explicações para eles e que se deixam envolver por eles. É comum também que a mesma pessoa possua duas vertentes ao mesmo tempo e, em alguns casos raros, até as três.

Enquanto ele discorria sobre as manifestações dessas três vertentes, meu cérebro compilava aquelas informações e remetia-me para os primeiros momentos em que freqüentei a TFP. Sem muito esforço, dava-me conta das reações que tive ao entrar na sede da Organização pela primeira vez, a palestra de Rodrigo sobre política internacional, as músicas clássicas e religiosas tocadas com insistência, os símbolos e quadros contidos em cada sala e que exerciam, sobre quem se detivesse em analisá-los ou simplesmente passasse por eles, efeito previamente estudado.

A técnica inicial de aliciamento descrita pelo apóstolo itinerante ajustava-se perfeitamente a meu caso. Creio que não foi difícil a meus recrutadores perceberem de imediato minha inclinação para a religiosidade e política, ao mesmo tempo. A partir disso, restara-lhes apenas explorar os assuntos de minha preferência, manipulá-los de acordo com a ideologia da TFP e usar os argumentos ‘corretos’, na hora certa, para dissipar minhas dúvidas e conquistar minha adesão” (GV p. 74).

Fique aqui registrado mais uma vez o inteiro descaso que o sr. JAP vota aos aspectos lógicos e doutrinários da TFP, ao valor persuasório intrínseco de suas argumentações (do que se pode dar conta facilmente quem leia os livros que publica, bem como seu órgão, “Catolicismo”) para reduzir tudo a um mecanismo psicológico montado para “explorar os assuntos” preferenciais do neófito, e “manipulá-los de acordo com a ideologia da TFP”, a fim de conquistar a adesão dele.

Por outro lado, imaginando ter demonstrado que o sistema era habilmente montado, o sr. JAP parece dar-se com isso por satisfeito, sem se preocupar em indicar o que ele teria de ilícito. Para ele, o raciocínio é simples: é hábil, logo é ilícito...

Registre-se, ademais, a eficácia quase infalível que o sr. JAP atribui a essa “técnica inicial de aliciamento”. Se fosse assim, a TFP estaria hoje com número muito e muito maior de sócios e cooperadores, pois quase todos os apostolandos, ou até todos, teriam aderido à Sociedade, e nela permanecido. O que obviamente é falso.

Por fim, cabe um comentário especial sobre a “doutrina das três vertentes”, da qual se fala realmente na TFP. A expressão metafórica – “vertentes” - designa um critério tripartite para classificar, dentro da vasta temática de que se ocupa a TFP, as matérias que habitualmente mais interessam aos novatos, e que deveriam ser abordadas com eles de preferência, para se interessarem desde logo pela TFP, e avaliarem melhor, já de início, o alcance e o sentido da atuação da entidade.

Claro está que o conhecimento preliminar desses assuntos implica que os neófitos se vão enfronhando, paralelamente, nos demais aspectos do horizonte doutrinário da TFP. Esse conhecimento serve de caminho introdutório para que, aprofundando-se nos temas de seu interesse, cheguem a conhecer todo o vasto conteúdo doutrinário em que estes temas se encaixam.

Nada mais natural.

Mas esse tríplice critério de classificação de temas - as “vertentes” - segundo o interesse dos apostolandos, foi retransmitido de maneira insuficiente, e em parte também inexata, pelo sr. JAP:

a) A “vertente psicológica” inclui todos os temas especialmente atraentes para as pessoas que se interessam pela alma humana, pela análise das psicologias, inclusive a sua própria, e pelos temas relacionados com tudo isso. A música, o teatro, a pintura, enfim o belo, enquanto tais, não se incluem nessa vertente. Exceto se essas matérias forem consideradas, não em si mesmas, mas enquanto expressões de psicologias diversas;

b) A “vertente religiosa” interessa os espíritos particularmente propensos à piedade, à meditação, à consideração dos grandes temas relacionados com Deus e com a Revelação em geral;

c) A “vertente político-social” é aquela que o sr. JAP descreve menos mal. Abrange ela os assuntos concernentes já não aos indivíduos, mas a coletividades humanas como a Igreja, a nação, as instituições, as associações, e notadamente a família. Estão nessa vertente, por exemplo, a História, a Sociologia, a Psicologia das multidões etc.

O que, tudo, é bem mais amplo, mais preciso e mais cabível do que pode imaginar quem só tenha em mãos a dissertação pobre e imprecisa do sr. JAP.

Note-se, porém, que nem de longe essas três “vertentes” pretendem abranger todo o imenso campo do conhecer e do cogitar humanos. Elas servem para uma classificação dos assuntos (e correlativamente dos feitios psicológicos diferentemente atraídos por um desses três grupos de assuntos) que mais freqüentemente interessavam os apostolandos, nos remotos anos do início da década de 50, em que a “teoria” surgiu, e na década que se lhe seguiu.

Essa “teoria” foi objeto de conferências em mais de uma semana de estudos de “Catolicismo”, o mensário de cultura em torno do qual se reuniam os que depois seriam os sócios e cooperadores da TFP. A essas conferências compareciam também numerosos jovens que então iam conhecer o movimento pela primeira vez. Esse é o terrível segredo iniciático imaginado pelo sr. JAP - à míngua de outras provas - para dar à TFP uma feição de sociedade secreta, própria a impressionar desfavoravelmente o público.

A presente exposição sobre a matéria seria incompleta se não se acrescentasse que a mentalidade e o modo de ser, e em alguma medida a própria linguagem, das sucessivas levas de novatos que se vinham aproximando da TFP em meados dos anos 70 - e conseqüentemente a opção pelos diferentes assuntos, e o enfoque destes - se foi modificando rapidamente. E que, por isto, a metáfora das “três vertentes”, sempre válida como recurso didático para designar uma classificação imutável, se foi também desajustando rapidamente das circunstâncias. Hoje, na TFP, ainda ocorre uma ou outra referência a ela. Mas rara e passageira. Como acontece, por exemplo, nas cogitações e nas conversas em voga hoje em todos os ambientes, no tocante aos trajes e aos automóveis em uso na primeira metade dos anos 70.

As “três vertentes”, hoje em dia, já pertencem muito mais à história da TFP do que ao presente. E, quer enquanto reminiscência, quer enquanto hábito apenas ainda subsistente, de um passado que se vai tornando remoto, nada tem hoje, como não teve outrora, de iniciático e de secreto.

2. A TFP, uma sociedade iniciática. - Por quê?

Obtida a adesão do neófito, começaria propriamente sua “iniciação”, a qual se desenvolveria em duas frentes: revelando-lhe os verdadeiros fins e a verdadeira natureza da entidade, e exigindo dele dedicação e renúncia cada vez maiores.

Isto caracteriza uma sociedade secreta, e por isso o sr. JAP compara a TFP com a Maçonaria, com desvantagem para a primeira: “Na TFP - declara ele - o processo de atração de uma pessoa é idêntico ao da maçonaria. Com uma desvantagem: na maçonaria a pessoa sabe que é uma organização secreta e que tem que passar por vários graus, que ele só vai conhecer a doutrina completa da maçonaria quando chegar ao grau 33. Eu falo com liberdade sobre a maçonaria porque meu avô chegou ao grau 33. Na época eu olhava para ele como se fosse um agente de Satanás na Terra. Na TFP eles são desonestos: à medida que a pessoa se vai deixando envolver, dominar, é que eles vão mostrando as regras, as imposições” (“Fatos”, Rio de Janeiro, 29-7-85).

O sr. JAP alega, por exemplo, não lhe ter sido dito desde logo que deveria dedicar-se à TFP inteiramente, consagrando-lhe todo o tempo disponível. E portanto diminuindo sensivelmente os contatos com os familiares. O concernente à abstenção do casamento seria reservado para lhe ser comunicado mais adiante.

Também não lhe teria sido informada de imediato a existência de fortes oposições à TFP, nos mais variados setores do mundo contemporâneo. E, em conseqüência, de lutas em que quase sempre o contendor menos poderoso é a TFP. Pelo contrário, ela lhe teria sido apresentada de início como sempre vitoriosa.

E, no entanto, ele pôde sentir a oposição à TFP logo que começou a freqüentá-la. Quando, dois dias após ter visitado pela primeira vez a sede da entidade, falou a uma colega de classe da visita, foi no “silêncio e frieza” dela que esbarrou (GV p. 15). A partir desse momento passou a sentir “o peso de manter vínculos com a TFP e o isolamento que envolve seus membros” (GV p. 15).

E assim alinha ele outros exemplos de aspectos da vida interna da TFP, que lhe seriam calados, e dos quais só se deu conta pouco a pouco.

Ora, toda esta descrição peca pela base. Quer pela sua experiência interna, quer pela sua experiência externa, o neófito não deixa de notar desde logo a disposição de dedicação integral que anima os sócios e cooperadores, o estado de celibato adotado pela muito grande maioria dos veteranos, bem como toda a oposição ideológica que a TFP encontra nesta ou naquela pessoa do ambiente familiar, que é, para o adolescente, imagem exata do ambiente geral da cidade ou até do País.

Qualquer programa que a TFP estabelecesse com o fim de ocultar isso ao neófito seria logo frustrado pela evidência dos fatos.

Com efeito, simplesmente freqüentando qualquer sede da TFP, era impossível que ele não soubesse que um certo número de rapazes ali residia. Que faziam esses rapazes que não moravam com as respectivas famílias? Que desejos de profissão manifestavam? Que esperança de carreira enunciavam? Se, por mera coincidência, tal não lhe tivesse sido dito, o que lhe custava perguntar a qualquer pessoa, veterano ou novato? Por que aguardar a revelação que lhe seria comunicada no instante iniciático preciso? Este seu procedimento insólito já bastaria, por si, para pôr em dúvida sua narração.

Por outro lado, estando as sedes da TFP abertas durante todo o dia até altas horas da noite, forma-se naturalmente um convívio muito intenso, mesmo fora dos horários de reunião. É costume se formarem então as rodinhas mais improvisadas e informais. Nessas rodinhas se conversa sobre o que bem se entenda, misturando-se ora os mais velhos com os mais moços, ora reunindo-se estes ou aqueles só entre si, tudo ao sabor dos imprevistos do ambiente borbulhante.

Em qualquer dessas ocasiões, ele poderia fazer as perguntas que quisesse, e receberia respostas francas, mesmo porque se alguém pretendesse ocultar-lhe alguma coisa, ele de imediato constataria o contrário, máxime nas questões da dedicação integral, da carreira e do celibato.

Em Curitiba, para onde se mudou, tudo isso era ainda mais evidente. E em São Paulo, onde a TFP é mais numerosa, pôde ele verificar esses fatos de modo ainda muito mais pronunciado, sem que houvesse necessidade de alguém dizer-lhe qualquer coisa.

De onde, em conseqüência, não haver nenhum sentido em ocultar-lhe qualquer dessas coisas.

Curiosamente, o sr. JAP em nenhum momento afirma que tenha feito alguma pergunta a quem quer que seja sobre esses pontos, e que lhe tenham negado resposta. O que surpreende, uma vez que ele se descreve, a essa altura de sua vida, como um extrovertido que “não conseguia esconder o que de mais íntimo passava em seu interior” (GV p. 17). E justamente sobre essas coisas que ele hoje julga tão estranhas, nada perguntou?

O sr. JAP passa tudo isso sob silêncio, a fim de que sua descrição da TFP caiba nos moldes da iniciação esotérica e sectária, rumo à conclusão completamente irreal para a qual quer conduzir o leitor.

Embora se refira de passagem, uma ou outra vez, a conversas informais (“descontraídas”) na TFP (cfr., por exemplo, GV p. 42), o sr. JAP dá a entender, sem o afirmar expressamente e sem dar disso a menor prova, que era em conversas estritamente dirigidas que na realidade se procedia à formação dos sócios e cooperadores da TFP. Como se em buliçosas turmas de brasileirinhos em plena adolescência tal dirigismo formalista nas conversas tivesse qualquer possibilidade de êxito!

Ao narrar algumas dessas conversas, ele indica as renúncias que gradualmente fez ao mundo exterior. E à medida que vai fazendo essas renúncias, ele mostra como lhe vai sendo pedido mais.

Realmente - não há porque negar - assim se procede na formação de um cooperador da TFP. Com efeito, não convém pedir a uma pessoa algo na linha da perfeição que, no momento, ela não está em condições de dar. Isso faz parte de toda boa pedagogia. Mas o fato de não se pedir hic et nunc certa coisa a alguém não importa em lhe ocultar que algum dia tal sacrifício lhe será pedido, se necessário.

Para quem quer que freqüente a TFP, é patente - e normalmente faz parte até das conversas informais - que este ou aquele fez, a bem da entidade, mais tal ou tal esforço ou tal renúncia. O que indica bem a todos que é uma via de dedicação e de sacrifícios que cada um tem pela frente. E os estimula a segui-la pela força do exemplo que arrasta.

Foi sempre com esta gradualidade na via dos sacrifícios e das renúncias que a Igreja ensinou o caminho da perfeição, e nele conduziu as almas.

3. A TFP oculta sua verdadeira natureza e seus fins últimos? - Uma entidade cívica de inspiração religiosa, em perfeita ordem com relação às leis civis e eclesiásticas

Mas a prova mais cogente de que a TFP seria uma sociedade secreta e iniciática, o sr. JAP a vê no fato de que ela esconderia aos neófitos sua verdadeira natureza e seus fins últimos.

Assim, diz ele: “Uma organização que, para atrair-me e atrair aos demais, vestia inicialmente uma roupagem civil, exaltava seus ideais filantrópicos e políticos mas, com o passar do tempo, mostrava, debaixo desses trajes, sua verdadeira indumentária: não era apenas uma organização - ou uma sociedade, como preferia ser chamada - dedicada a combater o comunismo, defender a propriedade privada, lutar pelos bons costumes e pelo fortalecimento da família - era uma organização religiosa que se desenvolvia à margem da Igreja, atribuindo-se a missão de salvar a própria Igreja; uma organização composta de homens que execravam a sociedade e que se refugiavam em suas sedes, onde acreditavam embeber-se da sacralidade rejeitada pelo mundo; uma organização hierárquica e disciplinada, na qual todos tinham um superior, a quem deviam a mais estreita obediência, até nas questões mais íntimas; uma organização, enfim, profética, que julgava ter recebido de Deus a missão de reconduzir a humanidade ao ponto de onde se desviara - e, por isso, era hostilizada por uma conspiração surda, dirigida, desde a irrupção da Revolução, por homens astutos e diabólicos, que se entregaram a Satanás, como nós nos entregáramos à Virgem" (GV pp. 97-98).

Na entrevista à “Folha de S. Paulo”, divulgada um dia antes da matéria publicada por “O Estado de S. Paulo”, o sr. JAP se exprime em termos análogos: “Os novatos passavam por um surto de entusiasmo. Estávamos descobrindo coisas novas e começando a palmilhar uma verdadeira doutrina: a ‘Verdadeira Doutrina’. Havíamos superado o estágio de acreditar que estávamos numa organização civil anticomunista que se movia por princípios católicos. Víamos que tudo isso era apenas um degrau de uma longa e, até então, para nós, inacabável escada. Nesse segundo degrau, aprendemos - ou nos ensinaram, não sei - que a TFP era algo muitíssimo maior que tudo isso: uma organização profética, criada pela providência divina, para restaurar a civilização cristã” (“Folha de S. Paulo”, 29-6-85).

Nestes textos aflora quase inteiramente uma impressão que o livro do sr. JAP deixa mais ou menos inculcada no espírito do leitor. E que ele até evita cuidadosamente de explicitar, a qual, aliás, chocaria o leitor comum.

Esta impressão é a de que a posição doutrinária anticomunista e de inspiração católica da TFP não é sincera.

Algumas das metáforas que ele usa tangenciam essa grave acusação. Por exemplo, logo no início do tópico do livro aqui citado (GV pp. 97-98), a qualidade de sociedade civil, devidamente registrada, da TFP, seria uma “roupagem”. Como “roupagens” seriam também os ideais filantrópicos e políticos dela. Indumentárias que não seriam verdadeiras, pois a única “roupagem” que ele qualifica como “verdadeira” (e que as primeiras escondem) seria a de uma associação de fins ocultos e escusos.

As “roupagens” anteriores correspondiam a algo de sincero no espírito da TFP e em suas metas? Parece que não, pois seriam utilizadas “para atrair-me e atrair aos demais”.

Não passariam, pois, de chamarizes, dir-se-ia.

Mas a linguagem do sr. JAP é confusa, pois logo em seguida ele afirma que a TFP “não era apenas uma organização .... dedicada a combater o comunismo” etc. O advérbio “apenas” indica que pelo menos em parte a finalidade da TFP é de fato combater o comunismo. De onde a acusação de insinceridade se atenuar, sem se dissipar inteiramente. No fim de tudo, o leitor não sabe a que se ater.

Tanto mais quanto, no depoimento à “Folha de S. Paulo”, a linguagem do sr. JAP muda outra vez. E ele adota, para exprimir os distintos aspectos com que se manifestaria sucessivamente a TFP, a imagem de degraus, e não mais de trajes. Ora, enquanto os trajes superpostos se velam um ao outro, tal não acontece com os degraus de uma escada que, pelo contrário, se fazem ver em conjunto, e se completam. E, segundo essa visualização, o anticomunismo de fundamento católico não seria uma posição insincera, mas apenas um degrau inicial.

Mas o leitor comum, habituado ao terrível tropel exterior - e interior - da vida moderna, com suas preocupações, suas pressões, suas angústias, terá o lazer e a serenidade mental para deslindar o que há de contraditório nestes fraseados alambicados do sr. JAP? Ou, diante do embrulhado das metáforas e da linguagem, passa para diante, levando no espírito tão-só uma impressão confusa e desagradável? É claro que, na muito grande maioria dos casos, é isso que se dará.

“Menti, menti, algo sempre ficará” nos espíritos, disse Voltaire. “Desdourai pela insinuação confusa e ultrajante, que algo sempre ficará”, pode-se parafrasear a este propósito.

De qualquer modo, segundo o sr. JAP, a TFP ocultaria, aos jovens que ela procura atrair, suas metas mais profundas e a sua verdadeira natureza. Não obstante, a própria descrição que ele faz mostra que essas metas são objeto de aprofundamentos sucessivos nas explanações feitas na TFP.

Ora, isso de forma alguma autoriza a concluir, como o sr. JAP insinua, que se trata de um processo de iniciação, que a TFP é uma sociedade secreta, e que alicia novos adeptos atraindo-os para um objetivo que na realidade é outro.

Com essa insinuação o sr. JAP manifesta, em primeiro lugar, uma ignorância verdadeiramente espantosa do que seja qualquer processo de formação, seja ele cultural, filosófico ou religioso, ou simplesmente científico. Pois como é possível apresentar de uma só vez todos os conhecimentos que uma pessoa deve adquirir? Todo aprendizado procede por via de aprofundamentos sucessivos, única forma de assimilação possível dos conhecimentos ministrados.

Esta constatação é até o que há de mais elementar em matéria de pedagogia.

Comprendeu-o magnificamente, e soube pô-lo em prática o grande pedagogo que foi São João Bosco (1815-1888). É o que se vê numa clássica biografia de seu primeiro sucessor, o Bem-aventurado Dom Miguel Rua:

 “Foi com extrema prudência que [Dom Bosco] lançou, na alma de seus meninos, a primeira semente das futuras colheitas. Uma só palavra infeliz, uma alusão demasiado clara, a revelação de seu verdadeiro desígnio desde cedo, teriam bastado para afastar para sempre suas boas vontades.

De início, só lhes pediu uma coisa: que o quisessem ajudar. Nada mais. Suas singelas prédicas de domingo à noite versavam sobre as virtudes cristãs e religiosas; mas quando manifestava seu poderoso atrativo para fazê-las amar na prática, então Dom Bosco parecia só ter em vista a formação, a seu lado, de auxiliares totalmente consagrados a seu labor beneficente.

Método idêntico ao que seguira Nosso Senhor em suas relações com os Apóstolos, método de revelação progressiva, que permite penetrar pouco a pouco no fundo do pensamento, à medida que as almas estão preparadas para recebê-lo e os espíritos para entendê-lo” (AUGUSTIN AUFFRAY SDB, Dom Miguel Rua, Central Catequística Salesiana, Madrid, sem data, Imprimatur de 1957, p. 52).

E nas célebres Memórias do Oratório, é o próprio Santo que relata os cuidados com que, pouco a pouco, foi revelando a seus discípulos o desígnio que tinha de fundar uma nova congregação religiosa:

 “Eu via que ainda não era hora de propor o noviciado e os votos formais a meus companheiros de trabalho. Rezava, e fazia outros rezarem para que Deus nos inspirasse. ....

O teólogo Borel e os que trabalhavam comigo, vendo e apreciando o bem religioso e social que se realizava, insistiam para que fosse dado início à Congregação. E eu lhes respondia: ‘Por ora, continuemos assim até que Deus nos dê claro sinal para começar’.

Graves razões tinha eu para manter ainda essa espécie de arcano. Tão maus eram os tempos para tais assuntos, que se se houvesse pronunciado as palavras ‘noviço’, ‘noviciado’, ‘profissão religiosa’, se teriam assustado até os mais decididos, e, se não eles, pelos menos seus pais. Tantos eram os preconceitos, os erros, as calúnias e os escárnios com que a impiedade fustigava os religiosos e tudo quanto se relacionasse com eles. O Governo, por seu lado, havia suprimido as Ordens e Congregações religiosas. Ademais, aqueles bons rapazes eram quase meninos e inexperientes. ....

De qualquer forma, era preciso apresentar uma Regra. Após muito orar, meditar e consultar, eu havia escrito uma, na essência igual às das diversas Congregações aprovadas pela Igreja, e diferente, em certas modalidades, para acomodá-la à índole dos tempos. Parecia-me que uma Congregação assim inspirava maior confiança e simpatia. ....

E foram experimentadas [as Regras], aplicando-as ao grupinho de adeptos, aos quais eram lidas e explicadas prudentemente em conferências especiais. Não eram ainda as Regras definitivas, mas seu esboço prévio. ....

Por mais que se procurasse guardar segredo, a notícia desse Regulamento transpirou fora do Oratório. ....

Aproveitando a festa de São Francisco de Sales, insinuei cautamente no ânimo de alguns alunos uma vaga idéia de sociedade religiosa. Para tal fim, em uma reunião tratou-se do grande bem que, muitos reunidos, poderiam fazer ao próximo em geral, e aos meninos em particular. Fizemos uma promessa. O jovem clérigo Miguel Rua a pôs por escrito, e é conservada nos arquivos” (Biografia y Escritos de San Juan Bosco, BAC, Madrid, 1955, pp. 305-306).

Será esse um procedimento secreto, iniciático, desonesto? Como imaginá-lo, sendo o de um Santo canonizado pela Igreja?

Em recente livro, o Cardeal Giuseppe Siri, Arcebispo de Gênova (Itália), defende a Igreja de uma crítica análoga. Diz ele com penetrante argúcia: “Tanto quanto é humanamente permitido representar-se a realidade dos primeiros tempos da Igreja, a Encarnação do Verbo de Deus foi revelada, mas permanecia também um arcano. Arcano não significa sempre uma vida secreta e um saber secreto, que só se deve desvendar a raros iniciados. Mas significa também que há verdades que não se pode sempre transmitir a todo o mundo, não por causa de uma palavra de ordem ou de um culto secreto, mas porque há verdades que exigem um grau de libertação interior e uma particular elevação espiritual para poderem ser compreendidas intelectualmente e expressas então por meio do vocabulário da palavra exterior” (Cardinal JOSEPH SIRI, Gethsemani - Réflexions sur le mouvement théologique contemporain, Téqui, Paris, 1981, 2ª ed., p. 299).

O sr. JAP estaria no direito de denunciar como fraudulenta a TFP se houvesse, por parte desta, uma falsificação na apresentação dos objetivos da entidade. Ou uma contradição dolosamente ocultada, entre os fins últimos da entidade, e o que ela diz de si aos novatos. Mas isso não ocorre, nem ele prova que ocorra.

Com efeito, entre dizer de um lado que se quer combater o comunismo e o socialismo, e atuar em prol da Tradição, da Família e da Propriedade, e de outro lado dizer também que se quer restaurar a civilização cristã na integridade e no esplendor dos princípios religiosos e morais, que lhe servem de alma, bem como na conformidade da vida temporal com a Lei de Deus, não há contradição nenhuma. Posto que a TFP tem por fim defender os princípios da civilização cristã, como está consignado no art. 1º de seus Estatutos[1], não é difícil a qualquer pessoa de mediana coerência de pensamento inferir que ela almeja a restauração dessa civilização cristã em sua plenitude.

Isto, aliás, é público e notório por todo o modo de atuação da TFP, por seus manifestos, pelos livros que divulga etc. Mas, além disso, é explicado a fundo a qualquer um que se aproxime da TFP, tão logo sua acuidade de compreensão da crise do mundo hodierno vá além dos perigos imediatos e concretos que ele tem imediatamente diante dos olhos, fomentados de modo palpável pela atuação internacional do comunismo.

Essa crise, como a TFP o demonstrou em obras largamente divulgadas por todo o País, tem raízes morais e religiosas. Daí o empenho desta Sociedade em reconduzir toda a ordem temporal aos sadios princípios cristãos.

Tarefa que, em feliz expressão, Pio XII denominava “consecratio mundi”, isto é, a sacralização do mundo. No dizer do mesmo Pontífice, essa é a tarefa específica do apostolado dos leigos (cfr. Alocução aos participantes do II Congresso Mundial para o Apostolado dos Leigos, em 5 de outubro de 1957, Documentos Pontifícios, no 127, Vozes, Petrópolis, p. 18 - Discorsi e Radiomessaggi di Sua Santità Pio XII, Tipografia Poliglotta Vaticana, vol. XIX, p. 459).

Sem dúvida, tudo isso caracteriza a TFP como uma entidade cívica, sim, mas com uma finalidade religiosa. É o que se denominava, pelo menos até a entrada em vigor do novo Código de Direito Canônico em 27 de novembro de 1983, uma “associação laical” (em latim, “confraternitas laicalis”). Isto é, uma associação de leigos que se rege por seus próprios Estatutos, e que só está submetida à Autoridade eclesiástica in rebus fidei et morum, ou seja, no que se refere à Fé e aos bons costumes (cfr. Resolução da Sagrada Congregação do Concílio de 13 de novembro de 1920, “Acta Apostolicae Sedis”, 1921, vol. XIII, pp. 135 ss.)[2].

Assim, a TFP se define perfeitamente bem como uma entidade cívica perante as leis civis, e como uma confraternitas laicalis perante as leis eclesiásticas, pelo menos até que estudos aprofundados do novo Código de Direito Canônico indiquem a terminologia mais adequada.

Não obstante, sempre habilidoso nos termos que escolhe, sob uma aparência de nonchalance, o sr. JAP descreve a TFP como “uma organização religiosa que se desenvolvia à margem da Igreja” (GV p. 98).

A expressão não pode deixar de dar ao leitor comum a impressão de uma entidade rebelde à Igreja, o que ele não diz expressamente, e muito menos prova. Portanto, aí está mais uma manipulação do sentido das palavras, feita pelo sr. JAP, no seu intento de demolir a TFP aos olhos do público.

A verdade, entretanto, é radicalmente outra.

Diga-se aqui apenas algo do essencial sobre a matéria:

No empenho de trabalhar pela restauração da civilização cristã segundo as belas palavras do Apóstolo São Paulo que São Pio X tomou como lema de seu Pontificado – “Instaurare omnia in Christo” (Eph. I, 10 – “Restaurar todas as coisas em Cristo”) - a atuação da TFP sempre foi marcada por uma nota vivamente religiosa.

Não é de estranhar que em muitos de seus sócios e cooperadores germinassem anseios de uma maior consagração a Deus, quiçá em instituto religioso. Mas estes são rumos que dependem de numerosos fatores, internos e externos, do qual o mais importante é saber como a graça de Deus toca as almas. Em todo caso, seja qual for o rumo que a TFP venha a tomar, a entidade está, como sempre esteve, atenta às leis da Igreja, e disposta a sujeitar-se, corde magno et animo volente, às normas do Direito Canônico.

Sobre tais anseios e rumos - ainda não inteiramente definidos e fixados - conversa-se com inteira liberdade dentro da TFP. Apresentá-los como algo de secreto, que se oculta aos “iniciandos”, como diz o sr. JAP, não corresponde absolutamente à realidade dos fatos.

Tanto mais quanto tudo isto já foi inclusive explanado em obras editadas pela TFP e até anunciadas pela imprensa (cfr. Prólogo, tópico 5). É só a ignorância do sr. JAP em relação às obras publicadas pela entidade posteriormente à saída dele, que pode explicar uma acusação tão carente de objetividade.

4. A pedagogia própria da TFP: um sistema adequado para as gerações novas

Então não há na TFP cursos sistematizados? Toda a formação intelectual e moral da entidade se faz principalmente por meio de “conversas informais”? - É o que poderia perguntar quem lesse as precedentes considerações.

Sempre desconhecedor do ambiente deste País no qual se supõe integrado, o sr. JAP imagina que seria natural que houvesse na TFP, como em alguma organização nórdica imaginária, reuniões regulares, quiçá em forma mais ou menos escolar, na qual fossem dadas aos novatos - na sua maioria adolescentes - noções sistemáticas e abrangentes cujo título global poderia talvez ser Tudo sobre a TFP.

Esse curso deveria incluir a revelação e a explicação, até do que o neófito já tivesse por si notado e pedido explicações durante as conversas informais. E, a fortiori, dos vários pontos que não tivessem sido levantados nessas conversas.

Já se fez notar (cfr. Cap. VIII, 1, B) quanto o dirigismo formalista é oposto à índole do brasileiro.

A experiência mostra que, por efeito de múltiplas circunstâncias, das quais a televisão é provavelmente a mais atuante, o homem contemporâneo, e os jovens adolescentes mais do que ninguém, são pouco propensos (para dizer só isso...) às exposições orais ou escritas sobre temas de qualquer natureza: religiosos, filosóficos, científicos, literários ou outros, por mais atraentes, substanciosas, metódicas ou claras que elas sejam. Estamos na aurora (ou melhor se diria na boca do abismo) do que Paulo VI qualificou de “civilização da imagem”[3].

Por isto, as conferências ou discursos públicos dos intelectuais nacionais ou estrangeiros da maior nomeada estão sistematicamente expostos ao risco de não contar com o comparecimento senão de algumas dezenas de ouvintes.

E os organizadores dos comícios partidários mais profusamente anunciados através dos meios de comunicação social, realizados nos pontos mais centrais das megalópolis brasileiras contemporâneas - por vezes com acesso facilitado pelo fornecimento de passagens de ônibus e metrô gratuitas - entretanto, inserem cada vez mais em seus programas a participação de toda sorte de cômicos, atores, cantores, músicos, bandas populares etc. E ainda assim atraem pouca gente. Sem embargo das cifras espantosamente exageradas (e discrepantes entre si...) fornecidas pelos meios de comunicação social, observadores idôneos depõem que tais comícios por vezes não alcançam mais do que algumas dezenas de milhares de participantes. E isto até em uma cidade como São Paulo, imensa Babel com cerca de 13 milhões de habitantes.

Para que o leitor meça toda a realidade que assim se deixa ver, imagine que, por algum inesperado motivo de última hora, ocorressem num desses comícios uma das seguintes eventualidades:

1º) logo de início, o locutor anunciasse que se absteriam de participar do ato todos os cômicos, artistas etc. incluídos no programa. Neste caso: a) quanto tempo levaria o público para começar a se dispersar? b) quanto tempo levaria a dispersão para atingir o seu auge? c) cessada a dispersão, qual a porcentagem do público que restaria para ouvir até o fim os discursos programados?

2º) se, pelo contrário, tivessem que se abster da participação somente os oradores, repita o leitor as perguntas “a”, “b” e “c” acima.

E terá medido por si mesmo quanto o homem médio de hoje é habitualmente infenso a cursos de conferências metódicas e seriadas segundo um programa que lota o ano de ponta a ponta, bem como a conversas formais planejadas.

Mas como então se arranja a TFP para comunicar aos que freqüentam suas sedes o interesse e até o entusiasmo que os sócios e cooperadores têm manifestamente em relação às doutrinas e às metas da entidade?

Certo autor definiu a política como “a arte do possível”. O que é verdade, sem embargo dos muitos abusos que se procura justificar aqui e lá, com base nesse pensamento.

E tem ele merecida aplicação no que concerne à formação dada pela TFP. Esta faz o “possível”. E este “possível”, ideado e realizado mais ou menos às apalpadelas, em meio aos múltiplos e confusos obstáculos da época, resultou no que segue.

Freqüentemente, este ou aquele tema assume vivo interesse nas fileiras da TFP: ao sabor de uma controvérsia interna amistosa mas particularmente viva, surgida nas livres conversas entre freqüentadores das sedes, ou então de algum acontecimento externo, nacional ou internacional, particularmente próprio a causar sensação. E de acontecimentos desse gênero se mostram cada vez mais pródigos os anos que vão correndo. O desejo de não se contentar sobre o assunto com opiniões vagas e pastosas desperta então um interesse geral pelos aprofundamentos históricos, técnicos ou doutrinários que caibam.

Realizam-se assim conferências ou palestras nas quais os expositores tratam imediatamente do assunto, inserindo-o sistematicamente em toda a amplitude de horizonte que ele comporta. E fazendo a este propósito as explanações religiosas, filosóficas ou culturais apropriadas. Assim se realizam sucessivas exposições sobre a matéria, e outras conexas - durante o tempo, ora curto, ora longo - em que perdure o interesse geral pelo tema. Durante esse tempo, com facilidade a freqüência é quase total. Se o expositor não tem suficiente discernimento para perceber os primeiros sintomas de que o interesse vai declinando, expor-se-á a um inevitável declínio no índice de comparecimentos.

Fixar, em conferências que deixaram de interessar, a atenção de um auditório, é coisa tão impossível quanto deter a maré descendente segurando com as mãos as ondas que fogem sob a ação irresistível do Sol e da Lua.

É este o modo de formação ideal? Não. E nem de longe. Mas é o possível.

Que resultados tem dado na TFP esse sistema? De modo geral, ele tem atraído para a leitura e para o estudo todas as pessoas aptas a tal nas fileiras da TFP.

Dentre estas, muitas há que pediram para residir em casas de estudo especialmente adequadas e dedicar todo o seu tempo ao labor intelectual como, bem entendido, à oração (cfr. Refutação da TFP a uma investida frustra, Edição da TFP, 1984, pp. 23 a 25). O que de bom grado é aceito.

As bibliotecas da TFP, existentes nessas casas de estudo ou em outras sedes, são formadas por obras sérias e de valor, algumas até raras e valiosas. E estão naturalmente à disposição de todos.

A pedido dos interessados, funciona constantemente um serviço de compra de livros no Brasil, ou de encomenda de livros no Exterior, todos de bom quilate. Está também organizado um serviço de resumo de livros, muito útil para a formação intelectual dos respectivos leitores, e ideado especialmente para o uso dos que, não tendo tempo para ler na íntegra tal ou tal obra que lhes interesse, podem vantajosamente usar os ditos resumos. Atualmente, há leitores e resumidores de livros nos seguintes idiomas: português, castelhano, francês, italiano, inglês, alemão, holandês, grego, polonês, ucraniano, russo, árabe e latim. Em uma de nossas bibliotecas estão guardados, ao alcance dos estudiosos, mais de dois mil resumos.

E os frutos se vêm tornando cada vez mais abundantes e melhores, com o favor e a proteção de Nossa Senhora.

Ademais, o mensário de cultura “Catolicismo” sempre foi redigido, desde a fundação da TFP, em 1960, por sócios ou cooperadores dela. E das fileiras da entidade vão surgindo excelentes escritores de livros (cfr. elenco de obras da TFP no fim do volume).

No momento, há outros livros em preparação.

O produto de todo esse estudo filtra para os menos afeitos a matérias de tal elevação, em boa parte pelas conversas informais que, como já se viu, ocupam papel relevante na TFP. E daí resulta que, com freqüência, pessoas que, durante as campanhas de rua da TFP, abordam com perguntas ou objeções sócios e cooperadores da entidade que tenham suficiente tempo de freqüentação nas sedes desta, acabam por manifestar sua agradável surpresa ante o modo seguro e preciso com que a tudo eles respondem. E isto, por vezes ainda quando o sócio ou cooperador é muito jovem, e manifestamente de condição social muito modesta.

Dadas assim as explicações sobre o sistema de formação intelectual em vigor na TFP, apresenta-se naturalmente mais uma ocasião para fazer notar ao leitor quanto tudo isto discrepa da sinistra imagem de oficina de “lavagem cerebral”, produtora de estúpidos robôs, que as descrições imaginosas do sr. JAP visam inculcar ao público.

Ora, esse método de tão fecundos resultados, todo consuetudinário e condicionado fortemente pelas circunstâncias “analfabetizantes” da era da imagem que vem substituindo a era do pensamento, já existia em seus primórdios ao tempo em que o sr. JAP freqüentou as sedes da TFP[4]. Porém, disto ele fez tábula rasa...

* * *

Tudo isso, que é tão normal, o sr. JAP vê hoje com os olhos do relativista convicto e militante que se reintegrou no mundo neopagão. E que procura polemicamente apresentar fatos de explicação fácil e até corriqueira sob uma luz falsa, de modo a conferir à TFP a fisionomia de uma sociedade de caráter iniciático e tenebroso.

É o caso de lembrar mais uma vez a frase do Evangelho: “O teu olho é a lâmpada de teu corpo. Se teu olho é bom, todo o teu corpo será luminoso; se ele é mau, teu corpo também estará nas trevas. Cuida para que a luz que há em ti não se transforme em trevas. Se pois todo o teu corpo é luminoso, sem nenhuma mistura de trevas, ele será iluminado inteiramente, como quando brilha sobre ti a claridade de uma lâmpada” (Lc. XI, 34 a 36).


 

[1] O art. 1º dos Estatutos da TFP diz expressamente que a Sociedade “tem caráter cultural e cívico, visando esclarecer a opinião nacional e os Poderes públicos, sobre a influência deletéria exercida sempre mais, na vida intelectual e na vida pública, pelos princípios socialistas e comunistas, em detrimento da tradição brasileira e dos institutos da família e da propriedade privada, pilares da civilização cristã no País”.

Esses Estatutos estão registrados no 1.` Cartório de Títulos e Documentos da Comarca de São Paulo, desde a fundação da entidade, em 1960.

Que a atuação da TFP se tenha rigorosamente adstrito a esses objetivos estatutários é público e notório e, ademais, está pormenorizadamente descrito no livro Meio século de epopéia anticomunista (Editora Vera Cruz, São Paulo, 1980, 472 pp.). Dessa obra foram difundidas quatro edições em todo o Brasil, num total de 39 mil exemplares.

Contradiz, pois, clamorosamente a verdade a insinuação de que a TFP é uma entidade secreta, uma vez que suas finalidades são conhecidas do grande público e a atuação dela corresponde plenamente às metas estatutárias.

[2] O novo Código de Direito Canônico parece ter introduzido facilidades ainda maiores para a criação e o funcionamento de associações privadas de leigos, usando, entretanto, uma terminologia nova. O assunto começa apenas a ser aprofundado pelos comentadores do novo Código. É prematuro, pois, definir a natureza de associações como a TFP em termos do novo Código.

[3] São estas as palavras do Pontífice: “Sabemos bem que o homem moderno, saturado de discursos, se demonstra muitas vezes cansado de ouvir e, pior ainda, como que imunizado contra a palavra. Conhecemos também as opiniões de numerosos psicólogos e sociólogos, que afirmam ter o homem moderno ultrapassado já a civilização da palavra, que se tornou praticamente ineficaz e inútil; e estar a viver, hoje em dia, na civilização da imagem” (Exortação Apostólica Evangelii Nuntiandi, de 8-12-1975, Documentos Pontifícios, no 188, Vozes, Petrópolis, 1984, 6ª ed., p. 30).

[4] Os primeiros elementos desse método começaram a germinar nos anos 50, no grupo de redatores do mensário "Catolicismo". Anteriormente, pois, à fundação da TFP (cfr. Meio século de epopéia anticomunista, Editora Vera Cruz, São Paulo, 1980, 4ª ed., pp. 409 a 455).


 

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