Capítulo VII

 

O dever de assistência dos filhos em
relação aos pais não é empecilho para
a entrada em Religião, a não ser que
estes se vejam em necessidade extrema,
ou pelo menos grave, a qual não
possa ser socorrida de outra forma

 

 

 

 

 

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114. É pretensão falsa, irreverente, perigosa e vã querer submeter uma vocação religiosa a juízos de ordem natural e profana

Na encíclica Divini Illius Magistri, de 31 de dezembro de 1929, Pio XI condena a:

"(...) pretensão falsa, irreverente e perigosa, além de vã, de querer submeter a indagações, a experiências e juízos de ordem natural e profana, os fatos de ordem sobrenatural concernentes à educação, como, por exemplo, a vocação sacerdotal ou religiosa, e em geral as ocultas operações da graça que, não obstante elevar as forças naturais, excede-as todavia infinitamente, e não pode de maneira nenhuma estar sujeita às leis físicas, porque "o espírito sopra onde lhe apraz' (Jo. III, 8)" (PIO XI, Divini Illius Magistri, Documentos Pontifícios, n. 7, Petrópolis, 1956, 5ª. ed., pp. 26-27).

115. Os pais que desviam os filhos do chamado divino cavam, para si próprios e para estes, uma grande fonte de lágrimas

Da encíclica Ad Catholici Sacerdotii, de 20 de dezembro de 1935, de Pio XI:

"Entretanto, ainda entre aqueles que se ufanam de católicos, não faltam muitas vezes pais – principalmente nas classes mais elevadas e cultas da sociedade – que não somente levam a mal que seus filhos se consagrem ao serviço de Deus, mas até não receiam opor-se a essa vocação divina com tais enredos que põem em perigo ao mesmo tempo a vocação divina, e a fé e salvação dos filhos que lhes deviam ser tão caros. (...)

"Uma larga e bem amarga experiência nos ensina que cavaram uma grande fonte de lágrimas não só para seus filhos, mas também para si mesmos, esses pais tão mal aconselhados que por uma espécie de traição – não julgueis a expressão demasiado dura – desviaram seus filhos do chamamento divino. E queira Deus que essas lágrimas não sejam tão tardias, que se hajam de derramar por toda a eternidade" (PIO XI, Ad Catholici Sacerdotii, Documentos Pontifícios, n. 8, Vozes, Petrópolis, 1946, pp. 50-51).

116. "Lembra-te de que é esse o momento em que deves praticar o preceito do Senhor, de obedecer antes a Deus que aos homens"

Da conhecidíssima obra O jovem instruído, escrita por São João Bosco no início de sua vida sacerdotal, e que alcançou, ainda em vida do Autor, nada menos que 118 edições, apenas em língua italiana:

"Deus, em seus eternos desígnios, destina cada um a um gênero de vida, e lhe dá as graças necessárias para esse estado. Como em qualquer outra circunstância, também nesta, que é importantíssima, deve o cristão procurar saber qual é a divina vontade, imitando a Jesus Cristo, que proclamava ter vindo para cumprir a vontade de seu Eterno Pai. É de muita importância, portanto, meu filho, acertar esse passo, com o fim de não embarcar em negócios para os quais o Senhor não te escolheu. (...)

"Propõe-te seguir a vontade de Deus aconteça o que acontecer, ainda que os mundanos desaprovem tal determinação.

"Se teus pais ou outras pessoas de autoridade quiserem desviar-te do caminho a que Deus te chama, lembra-te que é esse o momento em que deves praticar o preceito do Senhor, de obedecer antes a Deus que aos homens. Não deixes, por certo, de respeitar e amar os que te contrariam; responde-lhes e trata-os com mansidão, mas sem pôr em risco os supremos interesses de tua alma. Aconselha-te sobre o modo de proceder, e confia em Quem tudo pode. Consulta pessoas piedosas e sábias, especialmente o confessor, declarando-lhes com toda a franqueza tua situação e tuas disposições.

"Quando São Francisco de Sales manifestou a seus pais que Deus o chamava para o sacerdócio, responderam-lhe que, como primogênito da família, deveria ser seu apoio e sustentáculo; que tal inclinação para o estado eclesiástico era efeito de uma devoção inoportuna e que ele poderia santificar-se também no século. E ademais, para de certa forma obrigá-lo a acompanhar suas intenções, propuseram-lhe um matrimônio nobre e vantajoso. Mas nada pôde dissuadi-lo de seu santo propósito. Sempre pôs a vontade de Deus acima da de seus pais, aos quais amava com ternura e respeitava profundamente, e preferiu renunciar a todas as vantagens temporais a deixar de corresponder à graça da vocação. Seus pais, embora tivessem certas idéias equivocadas por causa de suas preocupações mundanas, eram pessoas exemplares e logo encontraram motivo para alegrar-se com a resolução do filho" (São JOÃO BOSCO, Obras fundamentales, BAC, Madrid, 1979, 2ª. ed., pp. 542 a 544).

117. Se fosse preciso ouvir os conselhos dos pais, muito poucos abraçariam a perfeição da vida cristã

De um escrito de São Francisco de Sales (1567-1622), Bispo de Genebra e Doutor da Igreja:

"Temeis que o vosso desejo de retirar-vos do mundo não esteja de acordo com a vontade de Deus, por estar em desacordo com o conselho daqueles que têm autoridade para mandar em vós e conduzir-vos. Tratando-se de pessoas a quem Deus conferiu esse direito e esse dever em matéria espiritual, tendes razão, pois obedecendo-lhes não podeis errar, por mais que possam equivocar-se e que vós sejais mal aconselhados, se o fazem sem ter outras razões que a vossa saúde e aproveitamento espiritual.

"Mas tratando-se de pessoas a quem Deus confiou a direção das coisas domésticas e temporais, enganai-vos a vós mesma fazendo caso do que dizem em assuntos para os quais carecem de autoridade. Se fosse preciso ouvir os conselhos dos pais da carne e do sangue em tais assuntos, muito poucos seriam os que abraçariam a perfeição da vida cristã.

"O fato de que não só quisestes retirar-vos do mundo, mas continuais a desejá-lo, é um sinal evidente de que Deus quer vosso retiro, já que continua inspirando-vos assim, em meio às contrariedades do mundo, e vosso coração, tocado pelo Amante, se inclina ante a formosa estrela, se bem que se veja bruscamente desviado pelos obstáculos terrenos. Pois o que diria o vosso coração se não se visse privado do que ele queria? Não diria: afastemo-nos dos mundanos? Portanto quer dizer que ainda sente esta inspiração, mesmo que não possa ou não se atreva a dizê-lo, vendo-se impedido. Deixai-o em liberdade para que declare a sua vocação, pois essas palavras ocultas que se diz a si mesmo: "Quanto gostaria de sair de entre os mundanos', são a verdadeira vontade de Deus.

"No que vos enganais é em chamar vontade de Deus aos inconvenientes que se interpõem ao cumprimento dessa inspiração. Não sois indiferente ante Deus, pois o desejo de retirar-vos que Ele vos inspira perdura no fundo de vosso coração, se bem que impossibilitado de seguir os seus impulsos, e a balança de vosso espírito baixa consideravelmente este prato, por mais que se esteja calcando com o dedo o outro para evitar que dê o peso justo" (São FRANCISCO DE SALES, Obras Selectas de San Francisco de Sales, BAC, Madrid, 1954, vol. II, p. 792 / Imprimatur: José María, Ob. Aux. y vic. gen., Madrid, 81954).

118. Mesmo contra a vontade dos pais, é lícito entrar para o estado religioso

Do eminente moralista espanhol Pe. Antonio Peinador CMF (* 1904):

"Quanto à escolha do estado, todo homem é livre. Em consequência, é lícito aos filhos, mesmo contra a vontade dos pais, entrar para o estado religioso, ou sacerdotal, se, ouvidos os oportunos conselhos, têm vocação certa, ou dela querem certificar-se por uma experiência de noviciado ou seminário" (Pe. A. PEINADOR CMF, Cursus Brevior Theologiae Moralis, Editorial Coculsa, Madrid, 1956, t. III, p. 380 / Imprimatur: Ioseph. Ma. Ep. Auxiliaris Matritensis Vicarius Generalis).

119. A carne e o sangue não entendem aquilo que é do espírito

Do Pe. Agostinho Lehmkuhl SJ (1834-1918), em sua Theologia Moralis:

"Os filhos não estão obrigados a obedecer aos pais na escolha do estado, quer matrimonial, quer de perfeição, a não ser que, por uma grave indigência, a ajuda dos filhos lhes seja por algum tempo necessária.

"Comumente, ao contrair matrimônio, os filhos devem, sub gravi, pedir conselho aos pais. Porém, se o conselho for injusto, não estão obrigados a seguir. (...)

"Mas na escolha de um estado mais perfeito, pedir antes conselho aos pais, muitas vezes não convém, pois a carne e o sangue não entendem aquilo que é do espírito. Entretanto, depois de o assunto estar deliberado e firmemente estabelecido, muitas vezes, conforme as circunstâncias, convém conversar sobre isso com os pais, mas não para mudar a determinação. E até, se as circunstâncias o permitirem, mesmo contra a vontade dos pais se deve não raramente pôr em execução o propósito, segundo as palavras de Nosso Senhor: "Se alguém vem a Mim, e não odeia seu pai e sua mãe... e até sua alma, não pode ser meu discípulo' " (Pe. A. LEHMçUHL SJ, Theologia Moralis, Friburgo, 1888, 5ª. ed., vol. I, Herder, p. 469 / Cum approbatione Rev. Archiep. Friburg et Super. Ordinis).

120. Opinião de Lutero que devemos rejeitar: os filhos cometeriam pecado entrando para a vida religiosa sem o consentimento dos pais

De Santo Afonso Maria de Ligório (1696-1787):

"Uma das opiniões de Lutero, como refere Belarmino (De Mon., l. 2, c. 36), era a de que os filhos pecam entrando para a vida religiosa sem o consentimento de seus pais; porque, dizia ele, os filhos são obrigados a obedecer a seus pais em todas as coisas.

"Porém esta opinião é geralmente rechaçada pelos Concílios e pelos Santos Padres. O X Concílio de Toledo declara expressamente que é permitido aos filhos entrarem para a vida religiosa sem o consentimento de seus pais, desde que tenham atingido a idade da puberdade:

" "Parentibus filios suos religioni contradere non amplius quam usque ad decimum quartum aetatis eorum annum licentia poterit esse; postea vero, an cum voluntate parentum an suae devotionis sit solitarium votum, erit filiis licitum religionis assumere cultum' (Cap. 6 – "Aos pais não será permitido entregar seus filhos à Religião após o décimo quarto ano de idade; mas depois dessa idade será lícito aos filhos assumir o serviço da Religião, quer o façam com o consentimento de seus pais, quer o façam movidos somente por seu devoto desejo').

"A mesma coisa é prescrita pelo Concílio de Tribur (Can. 24), e ensinada por Santo Ambrósio, São Jerônimo, Santo Agostinho, São Bernardo, São Tomás, e outros ainda, bem como por São João Crisóstomo, que diz, de um modo geral, que os pais não se podem opor ao bem espiritual de seus filhos: "Cum spiritualia impediunt parentes, nec agnoscendi quidem sunt' (In Jo. hom. S 1 – "Quando os pais servem de impedimento de algo espiritual, nem devem ser reconhecidos como tais'). (...)

"É certo que, na escolha de um estado, não se é obrigado de nenhum modo a obedecer a seus pais. Tal é a opinião comum dos teólogos, de acordo com São Tomás, que ensina que, quando se trata da questão de contrair casamento, ou de guardar a virgindade, ou de tomar qualquer outra resolução semelhante, nem os criados para com seus senhores, nem os filhos para com seus pais, estão obrigados à obediência: "Non tenentur, nec servi dominis, nec filii parentibus, obedire de matrimonio contrahendo, vel virginitate servanda, vel aliquo alio hujusmodi' (II-II, q. 104, a. 5)" (Santo AFONSO MARIA DE LIGÓRIO, Oeuvres Complètes – Oeuvres Ascétiques, Casterman, Tournai, 1881, 5ª. ed., t. III, pp. 415 a 417 / Imprimatur: A. P. V. Descamps, vic. gen., Tornaci, 15-9-1958).

121. "Aqueles que querem seguir a Cristo estão desatados dos cuidados do século e da casa paterna"

Lê-se na Suma Teológica do grande São Tomás de Aquino:

"Art. VI – Se por submissão aos pais é dever desistir de entrar em religião.

A tese errônea

"O sexto discute-se assim. – Parece que por submissão aos pais deve-se desistir de entrar em religião.

Os argumentos em favor da tese errônea

"1) Pois, não é lícito omitir o necessário para fazer o que é de livre vontade. Ora, a submissão aos pais é de necessidade do preceito que manda honrá-los; e por isso o Apóstolo diz: "Se alguma viúva tem filhos ou netos, aprenda primeiro a governar a sua casa e a corresponder a seus pais'. Ora, entrar em religião é um ato de livre vontade; logo, parece que ninguém deve deixar de submeter-se aos pais, para entrar em religião.

"2) Demais. – A sujeição dos filhos aos pais é maior que a do servo ao senhor; porque a filiação é natural, ao passo que a servidão resulta da maldição do pecado. Ora, o servo não pode deixar de obedecer ao seu senhor para entrar em religião e receber as ordens sacras, como o determina uma decretal. Logo, muito menos pode o filho deixar de sujeitar-se ao pai, para entrar em religião.

"3) Demais. – É maior a obrigação do filho para com o pai do que para com quem deve dinheiro. Ora, os devedores de dinheiro a outrem não podem entrar em religião. Pois, diz Gregório e está numa decretal: "Os que têm compromissos públicos, se porventura quiserem entrar num mosteiro, não devem nele de nenhum modo ser recebidos, salvo depois que solverem esses negócios'. Logo, parece que muito menos podem os filhos entrar em religião, furtando-se à sujeição paterna.

A tese verdadeira, e a solução do problema

"Mas, em contrário, o Evangelho diz que Jacó e João, "deixando as redes e o pai foram em seguimento do Senhor'. "E isso nos ensina, como diz Hilário, que aqueles que querem seguir a Cristo, estão desatados dos cuidados da vida do século e da casa paterna'.

"Solução. – Como dissemos, quando tratamos da piedade filial, os pais como tais exercem a função de princípio; por isso devem cuidar dos seus fi-

lhos. E portanto, a ninguém que tenha filhos, é lícito entrar em religião, deixando de todo o cuidar deles, isto é, sem ter tomado providências sobre a educação deles. Donde vem dizer o Apóstolo: "E se algum não tem cuidado dos seus, esse negou a fé e é pior que um infiel'. Mas, por acidente, podem os pais precisar da assistência dos filhos, quando se encontrarem em alguma necessidade. Donde concluímos que os filhos cujos pais se encontrarem em necessidade tal que não possam ser socorridos comodamente senão pelo serviço deles, a esses não é lícito entrar em religião, abandonando a assistência devida aos pais. Mas, se estes não padecerem uma necessidade tal que precisem absolutamente do auxílio dos filhos, podem os últimos, pondo de parte a sujeição devida aos pais, entrar em religião contra a vontade deles. Pois, após a idade de puberdade, todo ingênuo (nascido livre) tem a liberdade de dispor, no concernente ao seu estado, sobretudo quando se trata do serviço divino; e mais devemos obedecer ao Pai dos espíritos, para que vivamos, do que aos pais carnais, como diz o Apóstolo. Por isso o Senhor, como se lê no Evangelho, repreendeu o discípulo que não quis segui-lo imediatamente, a pretexto de dar sepultura ao pai; "pois, havia outros pelos quais podia cumprir essa obrigação', como adverte Crisóstomo.

Resposta aos argumentos falsos

"Donde a resposta à primeira objeção. – O preceito de honrar aos pais não abrange somente a assistência material mas também a espiritual e o respeito devido. Ora, também os que vivem em religião podem cumprir o preceito de honrar os pais, orando por eles, prestando-lhes reverência e auxílio, como é possível a religiosos. Porque também os filhos que vivem no século honram aos pais diversamente, conforme a condição de cada um.

"Resposta à segunda. – A servidão foi introduzida como pena do pecado; por isso, priva o homem de um bem que, sem ela, ele teria, a saber, o de poder dispor livremente da sua pessoa: pois, "o servo, o que é, do senhor o é'. Mas, o filho não sofre nenhum detrimento por estar sujeito ao pai, de modo que não possa dispor livremente da sua pessoa consagrando-se ao serviço de Deus – o que é por excelência o bem do homem.

"Resposta à terceira. – Quem contraiu uma obrigação certa não pode licitamente eximir-se a ela, se tem meios de cumpri-la. Quem, portanto, se obrigou a prestar contas a outrem ou a pagar uma certa dívida, não pode deixar licitamente de o fazer, para entrar em religião. Se, porém, deve uma soma de dinheiro e não tem com o que pagá-la, está obrigado a fazer o que puder, por exemplo, cedendo os seus bens aos credores. Pois, segundo o direito civil, por uma dívida não responde a pessoa do homem livre, mas só os seus bens; porque a pessoa do homem livre supera toda estimação pecuniária. Por onde, depois de entregues os seus bens, pode licitamente entrar em religião; nem está obrigado a ficar no século para ganhar o com que pague a dívida. – O filho, porém, não está preso ao pai por nenhum débito especial, salvo em caso de necessidade, como dissemos" (São TOMÁS DE AQUINO, Suma Teológica, II-II, q. 189, a. 6).

122. Quando os pais têm absoluta necessidade de sua assistência, devem os filhos retardar o ingresso na vida religiosa

Da Suma Teológica, de São Tomás de Aquino:

"Não podemos dizer do que ainda vive no século o mesmo do que professou numa religião. – Pois, quem vive no século, se tem pais que não podem viver sem a sua assistência, não deve deixá-los ao abandono, para entrar em religião, porque transgrediria o mandamento que preceitua honrá-los. Embora certos digam que, mesmo nesse caso, pode licitamente abandoná-los, entregando a Deus o velar por eles.

 "Mas, quem refletir atentamente verá que isso é tentar a Deus, porque tendo meios humanos de sustentá-los, entrega-os à esperança no socorro divino. Mas, se sem a sua assistência os pais puderem viver, é-lhe lícito, deixando-os, entrar em religião; porque os filhos só estão obrigados a sustentar os pais quando necessitados, segundo dissemos. – Mas, quem já professou em religião é considerado como tendo morrido para o mundo. Portanto não deve, a pretexto de sustentar os pais, sair do claustro, onde foi sepultado com Cristo, e envolver-se de novo em negócios seculares. Está obrigado, porém, observada a obediência ao seu prelado e o estado da sua religião, empregar um piedoso esforço de modo a ir em auxílio dos pais" (São TOMÁS DE AQUINO, Suma Teológica, II-II, q. 101, a. 4).

123. Três perguntas e três respostas

De uma obra do Pe. José Xifré (1817-1899), companheiro de Santo Antonio Maria Claret na fundação da Congregação dos Missionários Filhos do Imaculado Coração de Maria e terceiro Superior Geral da mesma:

"Ao ver com tanta frequência o triste comportamento de muitos em relação a sua vocação e o modo tão desacertado com que não poucos resolvem e dão conselho sobre a mesma, por entenderem mal os deveres dos filhos para com os pais e demais membros da família; por ver que sobre matéria tão delicada prescindem muitos dos princípios e das doutrinas dos autores, com tanto detrimento espiritual e material, privado e público; ponho aqui as seguintes questões que resolvo brevemente conforme ao que dizem os mais sábios teólogos e canonistas, segundo podeis comprová-lo vós mesmos: (...)

* "Podem os filhos deixar ou diferir a vocação pelo amor natural aos pais?

"Resp.: De si é coisa clara que não podem; mas se por acaso houvesse de seguir-se dano gravíssimo aos pais, como a morte etc. e não corressem os filhos perigo próximo em sua salvação, bem poderiam diferi-la por algum tempo.

* "Podem os filhos deixar a vocação por uma necessidade futura apenas temível ou possível dos seus?

"Resp.: Para resolver esta questão é preciso considerar três coisas: o grau de probabilidade de que sobrevenha tal necessidade, a possibilidade que os filhos têm de remediá-la e o tipo de necessidade em que hão de ficar os parentes, segundo se dirá na resposta à pergunta que segue.

* "Que necessidade dos pais, ou dos irmãos e parentes, excusa a vocação?

"Resp.: 1) A necessidade extrema dos pais obriga a não entrar em Religião e a sair dela ainda depois de professo, se pode remediar-se assim tal necessidade e não resta outro meio ao filho; mas cabe ao Superior julgar se realmente existe essa necessidade. Assim sentenciam Marc, Lehmkuhl etc.

"2) A necessidade grave dos pais obriga de si a não entrar em Religião; mas não permite sair dela depois de professar.

"3) A necessidade extrema dos irmãos apenas obriga a não entrar em Religião.

 "4) A necessidade grave dos irmãos permite, mas não obriga, a deixar de entrar em Religião, e não permite sair dela depois da profissão.

"5) A necessidade de outros parentes mais afastados, de si a nada obriga com respeito à vocação religiosa" (Pe. JOSÉ XIFRÉ, Espíritu de la Congregación de Misioneros Hijos del Inmaculado Corazón de María, Imprenta de la S. E. de S. Francisco de Sales, Madrid, 1892, pp. 96-97).

124. Regularmente, não podem ingressar no estado religioso os filhos que deixem os pais em necessidade extrema, ou mesmo grave

De uma conhecidíssima compilação dos ensinamentos de Santo Afonso de Ligório sobre Teologia Moral, de autoria do Redentorista Pe. Clément Marc (1831-1887):

"Não podem regularmente ingressar (no estado religioso), ainda que tenham feito voto de Religião, os filhos que devessem deixar os pais em necessidade quer extrema, quer somente grave. Não assim, porém, se a necessidade deles fosse uma necessidade comum; ou se somente fossem sofrer uma pequena diminuição na sua condição; ou se o filho, ainda que permanecesse no século, de nenhuma forma pudesse atender às necessidades deles; ou ainda se ele não pudesse permanecer no século, sem grave e próximo perigo de pecado, porque se deve preferir a saúde espiritual dele à vida temporal dos pais" (cfr. Santo Afonso, Homo Apostolicus, XIII, 23; lib. VI, 65-66) (Pe. C. MARC CSSR, Institutiones Morales Alphonsianae, Roma, 1906, 13.} ed., t. II, p. 591 / Imprimatur: Iosephus Ceppetelli Patr. Constant. Vicesgerens.).

125. "Tem alguém o dever de se casar, para com o dote sustentar o seu pai, quando de outra forma não o puder fazer?"

A essa pergunta, responde o Doutor Comum, São Tomás de Aquino (1225-1274):

"O caso proposto não parece que se verifique facilmente. Pois dificilmente pode acontecer que alguém não disponha de outro meio para sustentar os pais a não ser casando-se, e não possa fazê-lo trabalhando manualmente, ou mendicando. Se, entretanto, isso ocorresse, dever-se-ia pensar do mesmo modo a respeito da conservação da virgindade de que trata este artigo, e das outras obras de perfeição, como é o ingresso em religião; a respeito do que existem opiniões diversas.

"Pois dizem alguns que se alguém tem o pai em necessidade, deve deixar a ele, para seu sustento, o que tem; e assim pode licitamente ingressar em religião, confiando os pais ao cuidado do Pai celeste que inclusive alimenta as aves. Mas como esta opinião (assim formulada) parece demasiado dura, é melhor dizer isso no caso em que aquele que tem o propósito de ingressar em religião perceba que não pode viver no século com facilidade ou sem pecado mortal. Se teme cometer pecado mortal, não é obrigado a permanecer no século, porque deve prover mais à salvação da própria alma do que à necessidade corporal dos pais. Se, porém, sente que pode viver no século sem pecado, distinga-se: se sem seu auxílio os pais de nenhum modo podem subsistir, então é obrigado a servi-los, e a pôr de lado as outras obras de perfeição, e pecaria se os deixasse. Se, porém, sem a ajuda dele os pais pudessem de alguma forma ser sustentados, ainda que sem luxo, então não está obrigado a renunciar às obras de perfeição. Outra coisa se deve dizer daquele que já ingressou em religião; porque como já morreu para o mundo pela profissão, está desligado da lei que o obrigava a ajudar temporalmente aos pais, segundo a doutrina do Apóstolo em Rom. VII. Mas nas outras coisas que dizem respeito ao espírito, como orações e similares, é-lhes devedor. E isso que se diz do estado religioso também pode ser dito da observância da virgindade, e das outras obras de perfeição" (São TOMÁS DE AQUINO, Quodlibetum X, art. IX, in Opera Omnia, apud Ludovicum Vives, Bibliopolam Editorem, Paris, 1875, vol. XV, pp. 576-577).

126. Uma tentação que vem com aparência de bem, e até com rótulo de obrigação

Do já citado Pe. Alonso Rodríguez SJ (1538-1616), cujas obras foram recomendadas por Pio XI:

"Pode-se considerar a obrigação que poderíamos ter de socorrer nossos pais, materialmente, em duas épocas.

"A primeira é quando entramos na vida religiosa, se porventura tinham eles então necessidade de nós, e isto não é muito difícil de resolver. De um lado, porque então já o comunicamos e ainda que nós não o tivéssemos comunicado, a ordem religiosa por dever nos examina nesta matéria especialmente, e não nos teria recebido se tivéssemos essa obrigação. De outro porque, ainda que eles tivessem verdadeira necessidade, nós normalmente não os poderíamos então ajudar, mas pelo contrário seríamos um peso para eles; e assim nessa matéria os ajudamos e livramos da obrigação que tinham de nos sustentar, porque talvez não pudessem dar-nos os estudos para fazer-nos homens, como faz a ordem religiosa.

"A segunda época é depois que já somos religiosos e fizemos os votos; se porventura os nossos pais caíram na pobreza e na necessidade, se bem que quando entramos não a tivessem; isto é mais difícil, e tão mais difícil que é uma das tentações com que o demônio faz grande guerra à vida religiosa, inquietando a muitos religiosos e fazendo-os voltar atrás com grande perigo para sua salvação.

"Diz São Jerônimo (in Reg. mon.) "Quanti monachorum dum patris matrisque miserentur, suas animas perdiderunt', oh! quantos religiosos sob o pretexto de piedade, e com uma falsa compaixão de socorrer a seus pais, perderam suas almas e acabaram mal!

"As maiores tentações e as mais perigosas são as que vêm com aparência de bem. Pois esta tentação vem não somente com aparência de bem, mas também com tintas e rótulo de obrigação. E como por outro lado o afeto aos pais, com o qual todos nós nascemos, é tão natural, e até tão arraigado em nossas entranhas, e apoderado de nós, é grande o mal que faz. (...)

"Sentencia São Tomás (Quodl. 10, a. 9, e II-II, q. 101, a. 4, ad 3) a quem os teólogos seguem, que ainda que os pais tenham grave necessidade e até extrema, se o filho crê que não poderá viver sem pecado mortal, ou com muita dificuldade, pode deixar seus pais e entrar para a vida religiosa. Então, se é assim, o que significa, depois de ter entrado e feito seus votos, obrigar alguém a sair para remediar os pais com esse perigo?

"Os doutores exigem muito mais para obrigar o filho a socorrer seus pais depois que já é religioso, do que, não o sendo, para deixá-los e entrar na vida religiosa. Como será quando a necessidade dos pais não é tão grave assim? E como será quando, ainda que o seja, o filho não a pode remediar logo, pois talvez só alcance o necessário para se remediar e se sustentar? Tudo isso deve ser levado em consideração.

"São Tomás o prova muito bem, mostrando que, se houvesse perigo provável de vida, não obrigaríamos o filho a que estivesse com seus pais, para remediar essas necessidades. Isto aconteceria, por exemplo, se o filho temesse a morte por ter morto alguém ou por ter inimigos.

"Logo, também poderá deixar seu pai e não socorrê-lo nessas necessidades temporais quando há perigo provável de perder a vida espiritual, que é mais importante que a corporal" (Pe. ALONSO RODRGUEZ SJ, Pláticas de la Doctrina Cristiana, Grupo de Editoriales Católicas, Buenos Aires, 1945, t. I, pp. 236 a 238 / Con licencia eclesiástica).

127. Quem pensará nos pais necessitados, cujos filhos estão consagrados a Deus? – "Aquele que não deixa perecer um lírio do campo"

De uma conferência de São João Bosco (1815-1888) para noviços Salesianos:

"Dirá alguém: "O único motivo do qual me nasceu a dúvida (se tenho vocação) é a quase certeza de que o Senhor não me quer aqui. É a necessidade em que se encontram meus pais. Eu os quero muito; vejo que poderia socorrê-los estando ao seu lado e fazer com que possam suportar menos desagradavelmente o pouco de vida que o Senhor ainda lhes conceder; e ainda mais, eles mesmos me aconselham que vá junto deles'.

"Aqui não me cabe dar-te outro conselho que o de São Tomás, o qual diz claramente: In negotio vocationis, parentes amici non sunt sed inimici (Em matéria de vocação, os parentes não são amigos, mas inimigos).

 "Já renunciaste à ternura que tens para com teus pais ao pedires para entrar na Congregação (Salesiana), na qual escolhestes a Deus como tua herança, teu amor, teu tudo. Deus é teu Pai antes de teu pai e tua mãe, Deus é quem te criou, e também a teus pais e a todas as coisas, e por isto é dono de tudo; se Ele chama, não há pai nem mãe que valham. Aconselhar-vos-ia eu a que fugísseis de casa, como se lê fizeram alguns santos, ajudados até milagrosamente em sua fuga pelo Senhor? Não vo-lo aconselho; mas a partir do momento em que estais aqui e queiram vos fazer voltar ao mundo, digo-vos simplesmente que não estais obrigados a obedecer, mais bem estaríeis obrigados a não obedecer: Obedire magis oportet Deo quam non hominibus (É preciso obedecer a Deus mais do que aos homens).

"Mas dirá alguém: "Quem pensará neles, pois estão necessitados?' Pensará vosso Pai, que está nos céus. Pensa neles Aquele que não deixa perecer um lírio do campo ou uma erva se assim não o predispôs.

" "Além disto, eu mesmo poderia lhes encontrar algum benfeitor, alegrá-los com algo, e trabalharia ainda mais no sagrado ministério para fazer com que estivessem providos de tudo'. Mas dize-me, vieste à Congregação para ganhar dinheiro? Queres que se tenha na Congregação alguém que procura somente ganho material? Se alguém quisesse me aconselhar deste modo, eu lhe diria: Vade retro, satana; entreguei-me ao Senhor, e devo buscar a salvação das almas para o Senhor. Salvar almas: este deve ser nosso único ganho.

"Oh, quantas vocações este amor desordenado aos pais já tem feito perder! Muitas vezes se perde a vocação nas férias, naquelas casas onde parece não haver nem sequer sombra de perigo; somente porque o afeto que os parentes nos demonstram fazem com que nós, com a esperança de ajudá-los, fiquemos perto deles ou nos façamos sacerdotes fora da religião. Mas os sacerdotes feitos deste modo saem mais comerciantes e negociantes do que sacerdotes de Nosso Senhor Jesus Cristo" (São JOÃO BOSCO, Biografía y Escritos de San Juan Bosco, BAC, Madrid, 1955, pp. 597-598 / Imprimatur: José María, Obispo Aux. y Vic. gen., Madrid, 13-5-1955).

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