Capítulo VI

 

Por direito natural, os filhos, mesmo
menores, são livres de escolher o próprio
estado de vida, seja o matrimônio, o
celibato ou o estado religioso. E aos pais
toca apenas aconselhá-los nessa matéria

 

 

 

 

 

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92. Desde que atinge o uso da razão, o homem está obrigado a dispor de si retamente, de acordo com a própria consciência 

Alocução de Pio XII aos representantes da indústria cinematográfica italiana, em 21 de junho de 1955:

"O homem, desde que atinge o uso da razão até que o perde, conhece os deveres que o obrigam, sendo base e fundamento de todos o dever de dispor de si retamente, quer dizer, em obediência a um pensamento e sentimento honesto ou em conformidade com a inteligência e a consciência. A necessária norma diretiva para tal fim, encontra-a o homem na consideração da sua natureza, no ensino dos outros homens e na palavra de Deus à humanidade. Apartá-lo desta norma significaria torná-lo incapaz de levar a termo a sua missão essencial, do mesmo modo que seria paralisá-lo cortar-lhe os tendões e as junturas, que unem e mantêm os membros e as partes do corpo" (PIO XII, Discurso de 21-6-1955 aos representantes da indústria cinematográfica italiana, Documentos Pontifícios, n. 114, Vozes, Petrópolis, 1956, pp. 15-16). 

93. É lícito a cada qual optar pela virgindade ou pelo matrimônio

Da célebre encíclica Rerum Novarum, de 15 de maio de 1891, de Leão XIII:

"Ninguém põe em dúvida que, na escolha dum gênero de vida, seja lícito a cada um seguir o conselho de Jesus Cristo sobre a virgindade, ou contrair um laço conjugal.

"Nenhuma lei humana poderia apagar de qualquer forma o direito natural e primordial de todo homem ao casamento, nem circunscrever o fim principal para que ele foi estabelecido desde a origem: "Crescei e multiplicai-vos' (Gen. I, 28)" (LEÃO XIII, Rerum Novarum, Documentos Pontifícios, n. 2, Vozes, Petrópolis, 1961, 6ª. ed., p. 9). 

94. Nenhuma lei humana pode privar o homem do direito natural de se casar

De uma alocução de Pio XII, de 3 de outubro de 1941:

"Já ensinaram nossos gloriosos predecessores Leão XIII e Pio XI que "nenhuma lei humana pode privar o homem do direito natural e primário de se casar'. De fato, tendo sido tal direito dado ao homem diretamente pelo Autor da natureza e supremo Legislador, não pode ser negado a ninguém, a menos que se prove que renunciou livremente ao mesmo, ou, por defeito mental ou físico, é incapaz de contrair matrimônio" (PIO XII, Già per la terza volta, alocução na inauguração do ano jurídico do tribunal da Sagrada Rota Romana, Doctrina Pontificia, Documentos sociales, BAC, Madrid, 1964, 2ª. ed., t. III, p. 880). 

95. O direito à livre escolha do estado de vida consignado também no Código de Direito Canônico promulgado por João Paulo II

Lê-se em tal documento:

"Cân. 125 – §1. O ato praticado por violência infligida externamente à pessoa, e à qual esta de modo nenhum pode resistir, considera-se nulo. (...)

"Cân. 219 – Todos os fiéis têm o direito de ser imunes de qualquer coação na escolha do estado de vida. (...)

"Cân. 643 – §1. Admite-se invalidamente para o noviciado: (...)

"4°. quem ingressa no instituto por violência, medo grave ou dolo, ou quem o Superior recebe induzido do mesmo modo. (...)

"Cân. 656 – Para a validade da profissão temporária requer-se que: (...)

"4°. seja expressa e emitida sem violência, medo grave ou dolo. (...)

"Cân. 1026 – Para que alguém seja ordenado, deve ter a devida liberdade; é ilícito coagir, de algum modo, por qualquer causa, alguém a receber ordens ou delas afastar alguém canonicamente idôneo. (...)

"Cân. 1103 – É inválido o matrimônio contraído por violência ou por medo grave proveniente de causa externa, ainda que não dirigido para extorquir o consentimento, quando, para dele se livrar, alguém se veja obrigado a contrair matrimônio" (Código de Direito Canônico, promulgado por João Paulo II, tradução oficial da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, Edições Loyola, São Paulo, 1983, pp. 51, 97, 299, 305, 453 e 489). 

96. Não é lícito impedir a virgindade a quem tenha escolhido tal estado

Do célebre Tratado sobre a Virgindade, de São João Crisóstomo (344-407), Doutor da Igreja e Padroeiro dos oradores sacros:

"Nem mesmo sob o império da necessidade é lícito impedir a virgindade a quem escolheu tal estado, mas há que lutar denodadamente contra todos os obstáculos que se oponham a tão bela determinação.

"Ouve o que diz Cristo: O que ama o pai ou a mãe mais que a Mim, não é digno de Mim (Mt. X, 37). Assim, pois, quando se trata de realizar algo grato a Deus, quem quer que se oponha, seja pai, seja mãe, seja qualquer outra pessoa, há de ser havida como inimigo e adversário" (São JOÃO CRISÓSTOMO, Tratado sobre a Virgindade, in Pe. Francisco de B. Vizmanos SJ, Las Vírgenes Cristianas de la Iglesia Primitiva, BAC, Madrid, 1949, p. 1265 / Imprimatur: Casimiro, Ob. aux. y Vic. Gen., Madrid, 12-1-1949). 

97. O celibato honesto, se escolhido para um fim nobre, constitui em si um estado mais perfeito

Do conhecido Manual de Filosofia Tomista, do Pe. Enrique Collin, doutor em Filosofia e Teologia, licenciado em Ciências Bíblicas e em Filosofia e Letras:

"A sociedade conjugal é de direito natural – contra o afirmado por todos os partidários da união livre – o que significa que a lei natural determina o fim dela e seus meios essenciais. Com efeito, a sociedade conjugal é o único meio adequado para conseguir alguns fins em atenção aos quais a natureza dotou ao homem de certas aptidões, tendências específicas e exigências, a saber: a propagação do gênero humano pelos filhos engendrados e convenientemente educados, e a mútua assistência entre marido e mulher.

"Este último fim é próprio da natureza inteligente do homem, capaz de amor, de estima e de respeito, e distingue a sociedade conjugal dos casais de animais, cujo único fim é a propagação da espécie. (...)

"Não obstante, se a lei natural permite a todos entrar na sociedade conjugal, só obriga a isto o gênero humano em geral, não a cada indivíduo em particular, desde que não surjam circunstâncias especiais, por exemplo, com relação ao primeiro casal humano, ou para evitar faltas morais. Por isso é lícito o celibato honesto; e até, se é escolhido para um fim nobre, constitui um estado em si mais perfeito, tanto no que se refere ao indivíduo, a que permite elevar-se acima dos deleites sensitivos, como no que toca à sociedade, que com ele se beneficia de uma dedicação mais total e também de um excelente exemplo de renúncia aos prazeres sensuais. Assim, na França as províncias que fornecem mais vocações ao sacerdócio ou à vida religiosa são ao mesmo tempo as mais prolíficas" (Pe. ENRIQUE COLLIN, Manual de Filosofía Tomista, Luis Gili-Editor, Barcelona, 1951, 2.} ed. espanhola, traduzida da 9.} ed. francesa, t. II, p. 319 / Imprímase: Gregorio, Obispo de Barcelona, por mandato de Su Excia. Rdma. Andrés A. Jutglá, Pro-Canciller-Secretario, Barcelona, 22-5-1951). 

98. Respeitar o direito à livre escolha do estado, uma das condições para a paz social

Da Radiomensagem de Natal de 1942, de Pio XII:

"Quem deseja que a estrela da paz desponte e se estabeleça sobre a sociedade, concorra pela sua parte em restituir à pessoa humana a dignidade que Deus lhe concedeu desde o princípio; (...) defenda o respeito e atuação prática dos seguintes direitos fundamentais da pessoa: o direito a manter e desenvolver a vida corporal, intelectual e moral e particularmente o direito a uma formação e educação religiosa; o direito ao culto de Deus, particular e público, incluindo a ação da caridade religiosa; o direito, máxime, ao matrimônio e à consecução do seu fim; o direito à sociedade conjugal e doméstica; o direito ao trabalho como meio indispensável para manter a vida familiar; o direito à livre escolha de estado, mesmo sacerdotal e religioso" (PIO XII, Radiomensagem de Natal de 1942, Documentos Pontifícios, n. 67, Vozes, Petrópolis, 1951, p. 17). 

99. Os pais não têm jurisdição sobre as almas dos filhos, pois elas pertencem a Deus

Da consagrada Teología Moral para Seglares, do Pe. Roõ Marín OP:

"Os pais têm, finalmente, a obrigação grave de preparar para seus filhos um futuro humano, digno e decoroso, dentro de sua esfera e categoria social. Este dever se traduz principalmente (...):

"c) Em respeitar sua liberdade omnímoda na escolha do estado. É um dos deveres mais sagrados dos pais. Podem e devem aconselhar seus filhos nesse gravíssimo assunto. (...) Quando, porém, Deus concede a uma família a honra incomparável de chamar um de seus filhos para a dignidade sacerdotal ou o estado religioso, os pais têm a gravíssima obrigação de não estorvar os planos divinos, e se expõem, fazendo o contrário, a comprometer seriamente sua própria salvação eterna, ademais da de seus filhos. Eis aqui umas palavras cheias de serenidade e prudência de um insigne cardeal espanhol:

" "(...) Pois bem, com toda a reverência que vossos pais me inspiram, digo que eles não são juízes em matéria da vocação de seus filhos, porque podem ser parciais, e o são em muitos casos. Já expusemos o âmbito do direito dos pais e os limites do pátrio poder. Não têm eles jurisdição sobre vossas almas, que não são suas, mas de Deus, que vo-las deu e vos chama para si. Mais: expõem-se a pecar gravemente se impedem vossa entrada na vida religiosa' (Cardeal GOMÃ, La familia, Barcelona, 1942, 4ª. ed., c. 9, pp. 326-328).

"Em todo caso não olvidem os pais que o assunto da vocação é um assunto estritamente pessoal dos filhos, que, por direito natural e divino, está colocado completamente à margem de seu pátrio poder. Podem e devem os filhos pedir-lhes conselho, sobretudo para contrair matrimônio. Mas, se lhes negam obstinadamente seu consentimento para consagrar-se totalmente a Deus no estado sacerdotal ou religioso, podem sempre – e deverão de ordinário – abandonar sem permissão a casa paterna e seguir o chamado de Deus contra a vontade dos pais. Assim o fizeram muitos santos canonizados pela Igreja, entre os quais figura nossa incomparável Santa Teresa de Jesus" (Pe. ANTONIO ROYO MARÍN OP, Teología Moral para Seglares, BAC, Madrid, 1957, t. I, pp. 663-664 / Imprimatur: Fr. Franciscus OP, Episcopus Salmantinus, Salmanticae, 6-10-1957). 

100. "Todos os teólogos ensinam que o filho é livre na escolha de um estado principal de vida e pecam os pais se coagem o filho a abraçar determinado estado"

Do Manual de Teologia Moral do Pe. D. Prummer OP (1866-1931), professor de Teologia Moral na Universidade de Friburgo, em edição revista pelo Pe. E. M. Munch OP (* 1897), professor de Teologia e doutor em Direito Canônico:

"A obediência devida aos pais, mesmo em coisas lícitas, tem dois limites:

"1) Quanto à duração. – Os filhos devem obediência aos pais enquanto estão sob o pátrio poder. Porém, assim que se tornam maiores ou emancipados, já são sui juris, e não têm mais que obedecer. (...)

"2) Quanto à escolha do estado de vida, os filhos, pelo próprio direito natural, são livres, e não têm que obedecer aos pais.

"E a razão é que naquilo que diz respeito à conservação do indivíduo e da espécie, todos os homens são iguais (cfr. S. Th., II-II, q. 104, a. 5), e constitui grande injustiça, coagir o próximo a um estado de vida, do qual não raramente depende sua salvação terrena e celeste. (...)

"Todos os teólogos ensinam que o filho é livre na escolha de um estado principal de vida, e que pecam os pais se coagem o filho a abraçar determinado estado" (PR­UMMER-M­UNCH OP, Manuale Theologiae Moralis, Herder, Friburgo, 1940, 9ª. ed., t. II, p. 460 / Cum licentia ecclesiastica). 

101. Pecam gravemente os pais que forçam os filhos a adotar um estado perpétuo 

Da já citada Theologia Moralis Universa, de Scavini-Del Vecchio:

"Obrigações dos pais para com os filhos no que se refere à alma; devem principalmente (...) dar-lhes liberdade acerca da escolha do estado. Pois o homem antes de tudo deve seguir a vontade de Deus. Por conseguinte, os pais que mesmo indiretamente forçam os filhos a um estado perpétuo, ou dele injustamente os afastam, mesmo sem emprego de força, pecam gravemente" (SCAVINI-DEL VECCHIO, Theologia Moralis Universa, Barcelona, 1885, 2ª. ed. espanhola, t. I, pp. 288-289 / Edição sob os auspícios de D. José Morgades y Gili, Obispo de Vich / De ordinarii licentia). 

102. Cometem pecado mortal os pais que se opõem ao ingresso dos filhos na vida religiosa, por temor de perder a companhia destes

Do Pe. Antonio Peinador CMF (* 1904), conceituado professor de Teologia Moral na Universidade de Salamanca:

"Sem dúvida, é (matéria de) pecado mortal o fato de (os pais), por temor de perder a companhia dos filhos, exporem a graves riscos sua vocação religiosa ou sacerdotal que (os filhos) já entrevêem, ou a piedade deles; se, com todas as forças, se opõem ao seu ingresso no seminário ou noviciado; ou se, quando já não podem impedir tal ingresso, procedem tão mal a ponto de cortar toda comunicação com os filhos ou filhas a não ser que desistam do propósito ainda não realizado. Algumas vezes, porém, podem ser escusados por ignorância ou irreflexão (cfr. Noldin-Schmitt, op. c. 2, n. 288; Lehmkuhl, 1, n. 948; Consultorio Moral Popular, n. 178)" (Pe. A. PEINADOR CMF, Cursus Brevior Theologiae Moralis, Editorial Coculsa, Madrid, 1956, t. III, p. 381 / Imprimatur: Ioseph. Ma. Ep. Auxiliaris Matritensis Vicarius Generalis). 

103. Os pais podem aconselhar, não porém impor um estado de vida a seus filhos

Do já citado Pe. Marcelino Zalba SJ, professor de Teologia Moral na Universidade Gregoriana de Roma: 

 "A respeito da escolha do estado jurídico, como é uma questão pessoal, intimamente ligada ao fim último personalíssimo, os filhos, por direito natural, são livres. E pecam gravemente os pais se seriamente e com tenacidade os forçam contra sua vontade a abraçar o estado clerical, ou religioso, ou matrimonial (cfr. can. 2352). Ou, pelo contrário, se por ameaças ou fraude, impedem-nos de abraçar o que querem.

"Os filhos, porém, devem procurar seus conselhos, e considerá-los com atenção. (Nota do Autor: Há os que dizem não haver obrigação de pedir conselho quando se trata de vida religiosa ou do estado clerical, por exemplo Wouters, I, 711; pode existir razão de escusa, mas, faltando esta, em negócio de tal monta os pais são os conselheiros natos dos filhos, cfr. Blanco Piñán, Los padres ante la vocación de los hijos, Madrid, 1954). (...)

"Pecam os filhos, no que diz respeito ao governo doméstico (...) se, menores de idade, deixam a casa a não sabendas ou contra a vontade dos pais por qualquer motivo, a não ser que por circunstâncias inteiramente extraordinárias o cuidado da própria alma ou o bem comum o permitam. (Nota do Autor: Podem ocorrer casos raríssimos em que o filho, ainda que menor de idade, deva deixar a casa paterna a não sabendas dos pais, por exemplo para prover aos interesses de sua alma, para a conservação da pureza etc. Muito raros serão ainda os casos em que se possa aconselhar ao menor de idade que saia de casa contra a vontade dos pais para abraçar o estado sacerdotal ou o religioso. É geralmente melhor esperar a maioridade ou obter a licença dos pais, a não ser que se deva temer, da permanência, algum mal grave e iminente). (...)

"Pecam os filhos no que diz respeito à escolha do estado se não pedem conselho aos pais nas circunstâncias ordinárias, ou seja, quando não lhes conste com certeza a má disposição deles; ou se não obedecem a esse conselho quando é inteiramente razoável para o seu bem, considerando a honra da família etc.

"Não pecam os filhos maiores de idade que deixam a casa paterna e procuram viver e sustentar-se por si próprios; nem estão obrigados mais a obedecer aos pais no que diz respeito ao governo da casa paterna, a não ser que nela (ainda) vão trabalhar. De onde, deverem aos pais, perpetuamente, reverência e amor; mas obediência, só enquanto estão sujeitos a seu poder.

"Em geral se deve dissuadir os filhos menores que querem tomar um estado de vida a não sabendas ou contra a vontade dos pais. Tal é a norma expressa do Direito Canônico (can. 1034) para o estado matrimonial. Para os outros estados é também aconselhável nos casos ordinários, não só para evitar ódios e maiores males, como também por causa das leis civis, que dão aos pais faculdade de fazer reconduzir a si os filhos menores, uma vez que se afastaram sem sua devida permissão. (...)

"Como conselheiros natos de seus filhos, os pais devem ajudá-los a livremente escolher e alcançar um estado de vida conveniente – não consultando seus desejos ou utilidade, mas o bem dos filhos" (Pe. M. ZALBA SJ, Theologiae Moralis Compendium, BAC, Madrid, 1958, t. I, pp. 700 a 702 e 708 / Imprimatur: Ioannes, Ep. aux. et Vic. gral., Matriti, 10-10-1958). 

104. Na escolha do estado de vida, todo homem é absolutamente livre

Do Pe. T. A. Iorio SJ (1886-1966), professor de Teologia Moral e de Direito Canônico em Nápoles:

"1) Na escolha do estado os filhos de si não estão obrigados a obedecer aos pais, porque qualquer homem, no que diz respeito ao estado de vida, no modo de tender para Deus como seu fim último é absolutamente independente dos outros homens. E consequentemente, pecam gravemente os pais que, contra a vontade de seus filhos, os forçam direta ou indiretamente à escolha do estado seja religioso, seja o clerical, seja o conjugal etc.; ou então, contrariamente, se contra a vontade deles os impedem sem causa justa, de escolherem um determinado estado de vida. (...) (cfr. São Tomás, II-II, q. 101, a. 4; e q. 104, a. 5).

"Eu disse per se, pois se deve dizer o contrário se os pais por graves e razoáveis causas contradizem a seus filhos. Por exemplo, se estiverem em grave necessidade e precisarem durante algum tempo do subsídio do filho, e este não dispuser de outro modo de socorrê-los senão permanecendo com eles (cfr. St. Af., l. 3, 335; Elbel etc.)" (Pe. T. A. IORIO SJ, Theologia Moralis, M. D'Auria, Editor Pontificio, Nápoles, 1953, 4ª. ed., vol. I, pp. 93-94). 

105. Os pais não podem impor aos filhos a escolha da profissão, embora seja útil para estes seguir os conselhos paternos

Dos Principios de Teología Moral, de Lanza-Palazzini:

"Em relação à escolha do estado:

"1) De si os filhos não estão obrigados a obedecer a não ser em casos extraordinários de piedade para com os pais;

"2) Devem pedir conselho se se trata de contrair matrimônio com esta ou aquela pessoa, porém não estão obrigados a obedecer;

"3) Não é nem sequer obrigatório pedir conselho, e às vezes não seria conveniente, se se tratar da escolha do estado religioso ou sacerdotal (cfr. S. Theol., II-II, q. 101, a. 4; can. 502).

"Quanto à escolha da profissão, os pais não podem impô-la aos filhos, embora seja útil a estes seguir-lhes os conselhos" (ANTONIO LANZA-PIETRO PALAZZINI, Principios de Teología Moral, Ediciones Rialp, Madrid, 1958, t. II, p. 454 / Imprímase: José María, Obispo Auxiliar y Vicario general). 

106. Na escolha de um estado de vida, os filhos, mesmo menores são, por direito natural, inteiramente livres

Da já citada Theologia Moralis, dos Redentoristas Aertnys-Damen:

"Os filhos menores estão obrigados a obedecer aos pais na escolha de estado?

"Resp.: De si, não. Pois são inteiramente livres na escolha do estado, seja o clerical, o religioso, o de celibato, ou o conjugal. E as razões são as seguintes:

"1) Nas coisas que dizem respeito à natureza, isto é, à sua própria conservação e à propagação do gênero humano, todos os homens são iguais, de tal sorte que nenhum têm de obedecer ao outro – o que vale mais ainda na ordem sobrenatural quanto ao estado de serviço de Deus;

"2) Nos estados supracitados há uma servidão perpétua, e nessa matéria ninguém pode ser coagido. Assim, S. Thom., II-II, q. 88, a. 8; q. 104, a. 5 e Suppl. q. 47, a. 6., cfr. também can. 89 coll. cann. 1035, 1067.

"Acidentalmente, porém, às vezes eles tem de obedecer, não contudo por preceito, mas por piedade, se assim o exigir uma grave necessidade dos pais ou da família. (...)

"Devem os filhos menores obedecer aos pais na escolha de uma profissão?

"Parece que não, se a escolha do filho foi conforme a sua condição, e se essa escolha não traz perigo à sua alma, de tal sorte que os pais não possam ser razoavelmente contrários. A carreira é para toda a vida, de onde parece que o filho tem o direito de não ser coagido a abraçar um estado de vida contrário à sua inclinação. (...)

"Pecam também gravemente os pais que gravemente lesam a liberdade dos filhos na escolha do estado de vida, a saber, que os compelem contra sua vontade ao matrimônio, ou ao estado religioso, ou às ordens sacras, ou, pelo contrário, se os impedem de abraçar um desses estados. Todavia, muitos pais que afastam seus filhos do estado religioso podem ser escusados de pecado mortal, pelo menos por breve tempo, por ignorância ou inadvertência, em virtude do grande afeto que facilmente têm para com os filhos" (AERTNYS-DAMEN CSSR, Theologia Moralis, Marietti, 1950, 16.} ed., t. I, pp. 438-439 e 443 / Nihil obstat: Taurini, 10-1-1950, Sac. Josephus Rossino, Rev. Deleg.; Imprimatur: C. Aloysius Coccolo, Vic. Gen.). 

107. "O único direito que tendes é o do bom conselho"

Do texto de um sermão publicado em suplemento do conceituado L'Ami du Clergé:

"Momento virá em que vossos filhos, uma vez homens feitos, deixar-vos-ão, ou para fundarem eles mesmos uma família, ou para seguirem a vocação de sua escolha. Nisto eles são livres.

"Eles devem sem dúvida se inspirar em vossos conselhos, respeitar vossas opiniões; mas se vos opuserdes sem razão a uma decisão que lhes pareça conveniente, eles não estarão obrigados a vos obedecer. Se quiserdes que eles conservem sempre o respeito por vossa dignidade de pai, deixai-os gozar de sua liberdade de cristãos: a escolha de um estado frequentemente tem uma influência decisiva na salvação, vós não podeis vos opor a que eles sigam uma atração legítima.

"Quando eles eram crianças, quando a razão neles ainda não estava desenvolvida e o capricho ou os maus conselhos os conduziam ao mal, tínheis o direito de empregar prudentes correções para reconduzi-los ao dever; mas quando eles devem tomar sobre si mesmos toda a responsabilidade de seus atos, o único direito que tendes é o do bom conselho" (L'Ami du Clergé Paroissial, suplemento de L'Ami du Clergé, 191903, n. 47, p. 910 / Imprimatur: Sebastianus, Episcopus Lingonensis, Langres, 18-11-1903). 

108. A mera vontade dos pais não é sinal de verdadeira vocação para o Sacerdócio

De uma obra de Santo Afonso Maria de Ligório (1696-1787):

"Não é sinal de vocação a vontade dos pais que, impelindo seus filhos ao Sacerdócio, não têm em vista o bem de sua alma, mas unicamente seus próprios interesses e a vantagem de sua família.

"Eles não pensam senão na vida presente, diz o autor da Obra Imperfeita (São João Crisóstomo), e eles esquecem a eternidade que se deve seguir: "Matres corpora natorum amant, animas contemnunt; desiderant illos valere in saeculo isto, et non curant quid sint passuri in alio' (Hom. 35 – "As mães amam os corpos de seus filhos e desprezam as almas deles; desejam que figurem neste mundo e não se preocupam do que lhes ocorrerá no outro').

"Persuadamo-nos de que, quanto à escolha de um estado, não há inimigos que devamos mais temer do que os nossos próprios pais, segundo esta palavra de Jesus Cristo: "Et inimici hominis, domestici ejus' (Mt. X, 36). Ao que ele acrescenta: "Qui amat patrem aut matrem plus quam me, non est me dignus'. Oh! quantos Padres se verão, no dia do juízo, miseravelmente condenados, por terem querido receber as Sagradas Ordens na intenção de agradar a seus pais.

"Quando um rapaz, levado por vocação divina, quer entrar para a vida religiosa, o que fazem então os pais, seja por paixão, seja no interesse de sua família, para desviá-lo de um estado ao qual Deus o chama! É uma coisa inconcebível! Uma tal conduta, preste-se bem atenção, não poderia ser escusada de pecado mortal, como o ensina a generalidade dos doutores; que se leia o que escrevemos sobre isso em nossa Teologia moral (Theol. mor. l. 4, n. 77).

"Neste mesmo caso, os pais se tornam duplamente culpados: pecam primeiro contra a caridade, devido ao mal considerável que fazem àquele que Deus chama, pois qualquer pessoa, mesmo um estranho, que desvie alguém da vocação religiosa, comete um pecado grave; pecam, além disto, contra o amor paterno, pois os pais, em virtude da obrigação que possuem de educar seus filhos, têm o dever de procurar seu maior proveito espiritual.

"Encontram-se confessores bastante ignorantes para dizer, àqueles de seus penitentes que querem abraçar o estado religioso, que nisto devem obedecer a seus pais, e renunciar a sua vocação, se estes últimos se opõem a ela; isto é seguir a doutrina de Lutero, que pretendia que os filhos pecam, quando entram na vida religiosa sem o consentimento de seus pais" (Santo AFONSO MARIA DE LIGÓRIO, Oeuvres Complètes – Oeuvres Ascétiques, Casterman, Tournai, 1878, 4ª. ed., t. XIII, pp. 173 a 175 / Imprimatur: J.-B. Ponceau, vic. gen., Tournai, 15-6-1869). 

109. "A vocação não é algo que se possa impor!"

De uma obra sobre a pedagogia de São João Bosco (1815-1888):

"(Em janeiro de 1876) apresentou-se (a São João Bosco) uma família, pai, mãe e filho, que se diziam enviados precisamente por Monsenhor Zappata. Disseram os pais:

"– Nosso filho queria se tornar Sacerdote; prometeu muito e agora já não quer saber disso. Pobres de nós!

"Atormentavam assim ao pobre jovem para fazê-lo dizer que sim. Dom Bosco repreendeu-os em presença do filho, dizendo-lhes:

"–A vocação não é algo que se possa impor! Se ele sente essa inclinação, refletirá, rezará e será capaz de decidir por si sobre o que desejais. Mas, se não sente inclinação para esse estado, de nenhum modo deve ser impelido a força (Memórias Biográficas de Dom Bosco, em 19 volumes, XII, 11)" (Pe. PEDRO RICALDONE, Don Bosco Educador, vol. II, Editorial Don Bosco, Buenos Aires, 1954, p. 329 / Puede imprimirse: A. Rocca, Vic. gen., Buenos Aires, 12-3-1954). 

110. Não podem ser escusados de pecado mortal os pais que afastam os filhos do estado religioso

De outra obra de Santo Afonso Maria de Ligório:

"Antes de prosseguirmos é preciso fazer notar aqui que não podem ser escusados de pecado mortal os pais que, sem causa justa e certa, afastam os filhos do estado religioso, por qualquer forma, seja por artifícios, seja por simples pedidos, seja por promessas. Assim ensinam, comumente, S. Anton., Navar. Tournely, Abelly, Salm. Conc. Spor. Mazzot. etc." (Santo AFONSO MARIA DE LIGÓRIO, Homo Apostolicus, H. Dessain, Summi Pontificis, S. Congregationis de Propaganda Fide et Archiep. Mechl. Typographus, Malines, 1867, p. 428). 

111. A que fica obrigado quem impede outrem de seguir a vocação religiosa?

De uma obra do Pe. José Xifré (1817-1899), companheiro de Santo Antonio Maria Claret na fundação da Congregação Cordimariana, e terceiro Superior-Geral da mesma:

"Como peca, e contra que virtude, aquele que por maus conselhos... impede outrem de seguir a vocação religiosa, e a que fica obrigado?

"De si, peca mortalmente contra a caridade, privando o próximo de um grandíssimo bem, e ademais contra a justiça, prejudicando gravemente a Religião, que já tinha direito sobre aquela pessoa; ficará pois obrigado a desfazer o mau conselho e a indenizar proporcionalmente a Religião pelo dano causado.

"Informai-vos bem sobre esta matéria, estimados irmãos, e com isto vos afirmareis em vossa vocação, lamentareis o comportamento de muitos e vos tornareis aptos para dar conselho a outros, e ademais aprendereis a desapegar-vos, como convém, da carne e do sangue e a fugir das visitas de parentes, das quais só podereis extrair perigos e danos para vós mesmos" (Pe. JOSÉ XIFRÉ, Espíritu de la Congregación de Misioneros Hijos del Inmaculado Corazón de María, Imprenta de la S. E. de S. Francisco de Sales, Madrid, 1892, p. 97). 

112. São Tomás e a questão do voto feito por menores

Da Suma Teológica:

"O menor ou a menor impúbere, ainda sem o uso da razão, de nenhum modo pode obrigar-se por voto. Mas, se tiver o uso dela, já antes da puberdade, pode, por si, obrigar-se, podendo porém o voto feito ser anulado pelos pais, a cuja autoridade ainda permanecem sujeitos. Mas, embora capazes de dolo, não podem, antes da puberdade, obrigar-se por voto solene a entrar em religião, por disposição da Igreja, que tem em vista o que sucede mais frequentemente. Mas, depois de púberes, podem obrigar-se por voto de religião, simples ou solene, sem a autoridade dos pais" (São TOMÁS DE AQUINO, Suma Teológica, II-II, q. 88, a. 9). 

113. Como acusar de loucura um santo menino que se consagra a Deus?

De uma obra de São Tomás de Aquino, escrita em 1270, com o título original de Contra a pestífera doutrina dos que afastam os homens da entrada no estado religioso (*):

(*) Tal obra, que na tradução francesa recebeu o título de L'Entrée en Religion, insere-se na polêmica travada por São Tomás de Aquino e São Boaventura contra os partidários de Guillaume de Saint Amour e Gérard d'Abbeville, inimigos acérrimos das novas Ordens Mendicantes a que pertenciam os Santos. Foi escrita em outubro de 1270, como réplica a uma dissertação que Nicolas de Lisieux, amigo de Gérard d'Abbeville, escrevera meses antes contra São Tomás (ver a respeito, Pe. Santiago Ramírez OP, Introducción a Tomás de Aquino, edição atualizada pelo Pe. Victorino Rodríguez OP, BAC, Madrid, 1975, pp. 52 a 54).

Os ouvidos piedosos não podem suportar a conclusão sacrílega dos que qualificam de tolas (tais) crianças.

"Quem pode permitir que se acuse de loucura o menino São Bento, porque, deixando sua casa e os bens paternos no desejo de agradar somente a Deus, procurou o deserto e um estado de santidade? Quem, a não ser um herege, pode burlar-se de São João Batista, de quem está escrito (Lc. I, 80): ‘Ora o menino crescia e se fortificava no espírito: e habitava nos desertos até o dia da sua manifestação a Israel'?

"Tais ultrajes mostram com toda a clareza que aqueles que os proferem ouvem a natureza, já que qualificam de tolice o que vem do Espírito de Deus. Este, diz Santo Ambrósio, ‘não é detido pela idade, nem extinto pela morte, nem excluído do seio da mãe'.

"Por sua vez, São Gregório se exprime nestes termos na sua Homilia sobre Pentecostes: "É o Espírito de Deus que enche uma criança que toca cítara, e faz dela um salmista; é Ele que enche um pastor arrancando os sicômoros, e faz dele um profeta; é Ele que enche uma criança entregue à abstinência, e a torna juiz dos anciãos; é Ele que enche um pescador, e faz dele um pregador; é Ele que enche um perseguidor, e o torna doutor das nações; é Ele que enche um publicano, e o torna um evangelista' " (São TOMÁS DE AQUINO, L'Entrée en Religion, Éditions du Cerf, Juvisy, 1935, pp. 129-130 / Imprimatur: J. Lecouvet, Vic. gen., Tornaci, 19-10-1935).

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