Capítulo V
A obediência devida aos
pais não é absoluta, nem perpétua:
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53. O poder dos pais: nem absoluto nem despótico, mas subordinado à lei natural e divina Da encíclica Divini Illius Magistri, de 31 de dezembro de 1929, de Pio XI: "O homem, antes de ser cidadão, deve primeiro existir, e a existência não a recebe do Estado mas dos pais, como sabiamente declara Leão XIII: "os filhos são alguma coisa do pai e como que uma extensão da pessoa paterna: e se quisermos falar com rigor, não por si mesmos, mas mediante a comunidade doméstica, no seio da qual foram gerados, começam eles a fazer parte da sociedade civil' (Rerum Novarum, n°. 20). Portanto: "o poder dos pais é de tal natureza que não pode ser nem suprimido nem absorvido pelo Estado, porque tem o mesmo princípio comum com a mesma vida dos homens' (Rerum Novarum, n°. 21), diz na mesma encíclica Leão XIII. "Do que, porém, não se segue que o direito educativo dos pais seja absoluto ou despótico, pois que está inseparavelmente subordinado ao fim último e à lei natural e divina, como declara o mesmo Leão XIII noutra memorável Encíclica "sobre os principais deveres dos cidadãos cristãos', onde assim expõe em síntese a súmula dos direitos e deveres dos pais: "Por natureza os pais têm direito à formação dos filhos, com esta obrigação a mais, que a educação e instrução da criança esteja em harmonia com o fim em virtude do qual, por benefício de Deus, tiveram prole. Devem portanto os pais esforçar-se e trabalhar energicamente por impedir qualquer atentado nesta matéria, e assegurar de um modo absoluto que lhes fique o poder de educar cristãmente os filhos, como é da sua obrigação, e principalmente o poder de negá-los àquelas escolas em que há o perigo de beberem o triste veneno da impiedade' (Encíclica Sapientiae Christianae)" (PIO XI, Divini Illius Magistri, Documentos Pontifícios, n°. 7, Vozes, Petrópolis, 1956, pp. 14-15). 54. Os limites da obediência, segundo São Tomás de Aquino: em função da ordem de um superior mais elevado e quando este manda algo que não é de sua alçada Ensina o Doutor Comum, na Suma Teológica: "De dois modos pode se dar que um súdito não esteja obrigado a obedecer em tudo ao superior.– De um modo, por causa da ordem de um superior de mais elevada categoria. Assim, diz o Apóstolo: Aqueles que resistem à potestade, a si mesmos trazem a condenação. E comenta a Glosa: "Deves obedecer ao curial quando te manda o que é contrário à ordem do procônsul? Mais: quando o procônsul dá uma ordem e o imperador outra, porventura duvidas se deves desobedecer a este para servir àquele? Logo, quando o imperador dá uma ordem contrária ao que Deus manda, devemos desobedecer àquele para obedecer a Deus'. "De outro modo, o inferior não está obrigado a obedecer ao superior quando este lhe manda o que não é da sua alçada. Pois, diz Sêneca: "Erra quem pensa que a servidão envolve o homem na sua totalidade. Pois a sua melhor parte está isenta dela; porquanto, ao passo que o corpo está adscrito e sujeito ao senhor, o espírito é livre'. Portanto, no que respeita ao movimento interior da vontade, ninguém está obrigado a obedecer senão a Deus. "Mas estamos obrigados a obedecer a outrem no que respeita aos atos corporais externos. Contudo, no que pertence à natureza do nosso corpo, a ninguém estamos obrigados a obedecer, senão só a Deus, porque todos os homens são iguais por natureza; por exemplo, no que respeita ao sustento do corpo e à geração da prole. Por onde,os escravos não devem obedecer ao senhor, nem os filhos aos pais, quando se trata de contrair matrimônio, de conservar a virgindade ou de coisas semelhantes. Mas, no atinente à disposição dos atos e das coisas humanas, o súdito está obrigado a obedecer ao superior pela razão mesma de ser superior. Assim, o soldado, ao chefe do exército, em matéria de guerra; o escravo, ao senhor, no atinente à execução das obras servis; o filho, ao pai, no que respeita à direção da vida e da casa, e assim por diante" (São TOMÁS DE AQUINO, Suma Teológica, II-II, q. 104, a. 5). 55. Quando se pode e se deve desobedecer Do conceituado Catecismo Católico, do Cardeal Gasparri, Secretário de Estado do Vaticano: "Q. 220. Quando devemos não obedecer aos pais e aos outros superiores? "R. Devemos não obedecer aos pais e aos outros superiores, quando eles se opõem ao preceito de uma autoridade mais alta, por exemplo se ordenam alguma coisa contrária aos mandamentos de Deus ou da Igreja (Mt. X, 37; Lc. XIV, 26; Act. V, 29): "Deve-se obedecer antes a Deus que aos homens'; Leão XIII, encíclica Quod apostolici muneris, 28-12-1878; São Tomás, II-II, q. 104, a. 5). "Q. 221. Quando podemos deixar de os obedecer? "R. Podemos deixar de os obedecer quando suas ordens versam sobre matéria na qual não lhes somos submissos, como por exemplo, a escolha do estado de vida ("Ninguém duvida de que na escolha de um gênero de vida não seja facultado a cada um, ou seguir o conselho de Jesus Cristo sobre a virgindade, ou se engajar nos vínculos do casamento' – Leão XIII, na citada encíclica Rerum Novarum)" (Cardeal GASPARRI, Catechismus Catholicus, Typis Polyglottis Vaticanis, 1934, 15ª ed., p. 158 / Imprimatur: Fr. A. Zampini, Ep. Porphyreonen., Vic. Gen. Civitatis Vaticanae). 56. A obediência não tem outros limites senão os que o próprio Deus traçou Do já citado Compêndio de Teologia Ascética e Mística, do Pe. A. Tanquerey (1854-1932): "Esta obediência (aos pais) não tem outros limites senão os que o próprio Deus traçou: devemos obedecer a Deus antes que aos homens e, por conseguinte, no tocante ao bem da nossa alma e em particular à questão da vocação, é ao nosso confessor que devemos obedecer, depois de lhe havermos submetido a nossa situação de família. "Nisto imitamos a Nosso Senhor Jesus Cristo que, no momento em que sua Mãe Lhe pergunta por que é que Ele os deixara, responde: "Nesciebatis quia in iis quae Patris mei sunt, oportet me esse?' (Lc. II, 49 – "Não sabíeis que Me cumpre ocupar nas coisas do serviço de meu Pai?'). Assim se encontram salvaguardados todos os direitos e deveres respectivos" (Pe. A. TANQUEREY, Compêndio de Teologia Ascética e Mística, Livraria Apostolado da Imprensa, Porto, 1955, 5ª ed., pp. 322 e 323 / Pode imprimir-se: Porto, 11-5-1953, M. Pereira Lopes, Vig. Ger.). 57. A obediência filial cessa de urgir quando termina o pátrio poder; nas coisas ilícitas e no que concerne à escolha do estado, os filhos não devem obedecer aos pais Da já referida obra dos moralistas Padres Génicot, Salsmans e Gortebecke, da Companhia de Jesus: "A obediência que deve ser prestada aos pais, assim se delimita: "1) Quanto ao tempo. O amor e a reverência devidos permanecem sempre, mas a obediência cessa de urgir quando termina o pátrio poder, ou seja, quando se tornam maiores ou se emancipam. Entretanto, ao filho mesmo maior que mora na casa paterna urge o dever de obediência para com o chefe da família, na medida do necessário para a reta ordenação da sociedade doméstica. "2) Quanto à matéria. Esta abarca tudo e só aquilo que conduz à finalidade do pátrio poder, isto é, à reta e plena educação dos filhos. Por conseguinte, os filhos não devem obedecer aos pais nas coisas ilícitas (é evidente por si), nem no que concerne à escolha do estado, porquanto nisto, pelo menos atingida a puberdade, são eles sui juris (livres) (can. 89), de tal sorte que pecam gravemente os pais que impelem seus filhos a abraçar determinado estado, ou os impedem arbitrariamente de abraçar o estado religioso, o clerical ou o conjugal. "Sem embargo, os pais podem exigir, em caso de necessidade grave, que os filhos os assistam até cessar essa necessidade. "De acordo com a lei civil (N.B. refere-se à lei belga), o filho menor não emancipado não pode afastar-se da casa paterna sem a permissão do pai. O que em consciência deve observar, na medida em que também o vetar o direito natural. De onde, não vale em caso de vocação clerical ou religiosa, ou quando razoavelmente o filho queira deixar a casa paterna para aprender um ofício. Cuide, porém, dos incômodos que poderão advir caso o pai queira fazer valer seu direito legal. (...) "3) Quanto à gravidade. Para delinquirem os filhos gravemente contra a piedade transgredindo as ordens dos pais, necessário é normalmente que se tenha dado um verdadeiro preceito, e a matéria seja grave. (...) "Agora, qual matéria deva ser considerada grave, é um prudente juízo que determina. Geralmente é aquela que, omitida, causa grave detrimento aos pais, à ordem doméstica, ao bem temporal ou espiritual do próprio filho, como evitar más companhias, casas suspeitas, jogos de azar etc. (...) Aliás, quando se trata de uma ordem que se estende a vários atos sucessivos, por exemplo, não voltar tarde demais para casa, não será grave pecado quando uma ou outra vez, mas só quando ordinariamente é violada" (GÉNICOT-SALSMANS-GORTEBECçE SJ, Institutiones Theologiae Moralis, Desclée de Brouwer, Bruges, 1951, 17.a. ed., vol. I, pp. 275-276 / Imprimatur: Malines, 2-4-1951, L. Suenens vic. gen.). 58. "Importa mais obedecer a Deus, do que aos homens" Do muito difundido Catecismo Popular, de Giuseppe Perardi: "4°.) Devemos obedecer sempre em tudo aos superiores? No caso em que nos mandassem coisas contrárias à lei de Deus, alguma coisa que fosse pecado, não só não teríamos já o dever de obedecer, mas teríamos o de não obedecer, pois, em tal caso, não desempenhariam já a missão que lhes vem de Deus, antes se colocariam em oposição absoluta com Deus, de quem procede a autoridade a quem todos devem ser submissos. Em tal caso deve-se imitar São Pedro, quando dizia aos Judeus: "Se é justo diante de Deus ouvir-vos a vós antes que a Deus, julgai-o vós' (Act. IV, 19), e "Importa mais obedecer a Deus, do que aos homens' (Act. V, 29)" (GIUSEPPE PERARDI, Novo Manual do Catequista, União Tipográfica, Lisboa, 1939, 3.a. ed., pp. 326-327 / Imprimatur: Em., Cardeal-Patriarca Olissipone, 3-2-1939). 59. Deve-se obedecer aos pais nas coisas que agradam a Deus, e não nas que Lhe desagradam De Santo Afonso Maria de Ligório (1696-1787): "É preciso notar a última palavra do texto de São Paulo: "Obedite parentibus vestris in Domino' (Obedecei a vossos pais no Senhor). Significa que se deve obedecer nas coisas que agradam a Deus – "in Domino' – e não naquelas que Lhe desagradam. Se, por exemplo, a mãe ordenasse ao filho que roubasse ou batesse em alguém, seria ele obrigado a obedecer? Não, sem dúvida, e se obedecesse pecaria. "Do mesmo modo, na escolha de um estado de vida, seja o casamento, seja o celibato, seja o estado eclesiástico, seja o estado religioso, como ensinam os doutores com São Tomás (II-II, q. 104, a. 5), não se é obrigado a obedecer aos pais. "Quanto ao casamento, entretanto, pecar-se-ia, se se quisesse contrair uma aliança que desonrasse a família. "E quanto ao estado religioso, se se tivesse pais numa grave necessidade, e se se os pudesse socorrer pelo trabalho, não se poderia abandoná-los. "De outro lado, se os pais coagissem seu filho a entrar para o estado eclesiástico ou para o estado religioso, pecariam mortalmente; e se coagissem sua filha a se fazer religiosa ou a se retirar a um convento, incorreriam na excomunhão proferida pelo Concílio de Trento (Sess. 25, cap. 18). "Os pais pecam igualmente, se forçam os filhos a casar, quando estes querem guardar o celibato, ou se os impedem de abraçar o estado religioso. Há pais que não têm nenhum escrúpulo de desviar seu filho de sua vocação; mas eles devem saber que isso é um pecado mortal. "Devemos encontrar nossa salvação seguindo a vocação que Deus nos dá: se abraçamos o estado religioso, quando somos chamados por Deus, salvar-nos-emos; mas, se permanecemos no mundo, por instigação do pai ou da mãe, levaremos uma má vida, e nos condenaremos" (Santo AFONSO MARIA DE LIGÓRIO, Oeuvres Complètes – Oeuvres Ascétiques, Casterman, Tournai, 1877, 2a. ed., t. XVI, pp. 470-471 / Imprimatur: J.-B. Ponceau, Vic. Gen., 25-3-1875). 60. Se os pais mandam coisas ilícitas, os filhos não os devem obedecer Do já citado doutor em Teologia e professor de Teologia Moral na Universidade de Salamanca, Pe. Antonio Peinador CMF (* 1904): "O dever de obediência dos filhos para com os pais nem é absoluto, nem perpétuo, ou seja, dura tanto quanto têm os pais o direito e o dever de mandar. Por conseguinte, quando os filhos tornam-se livres por maioridade, ou emancipação, ou matrimônio, não têm obrigação de obedecer aos pais, salvo quanto à disciplina doméstica, quando permanecem na casa paterna, e sob o mesmo regime. (...) "Se os pais mandam coisas ilícitas, os filhos não devem obedecer, porque se deve obedecer antes a Deus que aos homens, os quais nunca podem calcar aos pés os direitos divinos. Assim, se impõem uma vingança, se proíbem as obras de religião, tendo eles em mente o que foi dito sobre o escândalo; se preceituam coisas que são pecaminosas ou perigosas, tais como a frequentação de maus espetáculos, uso de trajes não conformes com a modéstia etc." (Pe. A. PEINADOR CMF, Cursus Brevior Theologiae Moralis, Editorial Coculsa, Madrid, 1956, t. III, p. 379 / Imprimatur: Ioseph. Ma. Ep. Auxiliaris Matritensis Vicarius Generalis). 61. No tocante à salvação da alma, os filhos são sempre livres Do Pe. Arthur Vermeersch SJ (1858-1936), célebre professor de Teologia Moral na Universidade Gregoriana de Roma e também canonista muito reputado: "A obediência obriga os filhos enquanto e na medida em que estejam sob o poder dos pais. Esse poder varia, quanto à matéria, e de acordo com a idade dos filhos. "No que diz respeito à salvação da alma, os filhos são sempre livres" (Pe. A. VERMEERSCH SJ, Theologiae Moralis Principia-Responsa-Consilia, Universidade Gregoriana, Roma, 1924, t. II, pp. 238-239 / Imprimatur: Josephus Palica, Arch. Philippen., Vicesger.). 62. Nas coisas que dizem respeito à natureza do corpo, nenhum homem está obrigado a obedecer a outro homem Do já citado Compendium Theologiae Moralis de Gury-Ferreres, elogiado em documento assinado de próprio punho pelo Papa São Pio X: "Devem os filhos obedecer aos pais na escolha do estado? "De si, não, porque todo homem é absolutamente independente dos outros homens, no que diz respeito ao estado de vida, através do qual deve tender para Deus, como a seu último fim. E, em consequência, pecam gravemente os pais que, contra a vontade dos filhos, forçam-nos direta ou indiretamente a escolher o estado religioso, ou clerical, ou o conjugal. Ou, então, se, pelo contrário, os impedem absolutamente contra a vontade e sem causa justa, de escolherem determinado estado de vida. "Vem ao caso, diz o Pe. Ballerini, lembrar os dois princípios que aplica São Tomás nesta matéria, a saber: 1) Deve-se obedecer mais a Deus que chama do que aos homens que contradizem; 2) naquelas coisas que dizem respeito à natureza do corpo, o homem não está obrigado a obedecer a outro homem, mas só a Deus, porque todos os homens são iguais segundo a natureza. De onde se segue que "os filhos não estão obrigados ... a obedecer aos pais no que se refere a contrair matrimônio, conservação da virgindade, ou outro' (cfr. São Tomás II-II, q. 101, a. 4, e q. 104, a. 5). "Eu disse: per se, pois se deve dizer o contrário se os pais por graves e razoáveis causas contradizem aos filhos. Por exemplo, se estiverem em grave necessidade e precisarem do subsídio do filho, e este não dispuser de outro meio para socorrê-los a não ser permanecendo com eles (cfr. Santo Afonso n. 335; Elbel)" (GURY-FERRERES SJ, Compendium Theologiae Moralis, Eugenius Subirana Pontificius Editor, Barcelona, 1915, 7.a. ed. espanhola, t. I, pp. 265-266 / De Ordinarii licentia). 63. Os limites da obediência, numa visão de conjunto Da Teología Moral para Seglares, do Pe. Antonio Royo Marín OP: "Esse dever de obediência aos pais não é absoluto ou omnímodo, como o são o amor e o respeito que lhes é devido. A obediência tem suas limitações. Eis aqui as fundamentais: "a) Quanto à matéria: Os pais não têm jurisdição nem autoridade alguma sobre a moral cristã e, em consequência, os filhos podem e devem negar-se a obedecer-lhes quando mandem algo contrário a ela (por exemplo, roubar, mentir, vingar-se, faltar à Missa aos Domingos, assistir a um espetáculo imoral etc.). Nesses casos, "é preciso obedecer a Deus antes que aos homens' (Act. IV, 29). "Ainda que se mantenham dentro das suas legítimas atribuições, só há obrigação grave de obedecer quando se reúnam estas duas condições: a) que os pais mandem séria ou formalmente, não à maneira de um simples desejo ou exortação; b) que se trate de matéria grave. É difícil precisar quando a matéria preceituada é realmente grave; mas, em geral, considera-se como tal aquela cuja inobservância causaria grave transtorno à família ou à educação do filho. Assim, peca gravemente o filho que não obedece a seus pais quando lhe proíbem de assistir a espetáculos imorais, juntar-se com maus amigos, entregar-se à embriaguez ou à crápula etc., ou lhe impõem a obrigação de fazer um curso ou aprender um ofício; se pela própria negligência costuma ser reprovado em seus exames com perda de tempo e gastos inúteis; se foge de casa sem causa grave (como haveria, por exemplo, para ingressar em um mosteiro quando os pais se opõem ilegitimamente à vocação), ou contrai matrimônio com pessoa manifestamente indigna, que seja uma desonra para a família. "Em regra geral, as desobediências ordinárias em matéria de pouco alcance não costumam passar de pecado venial. "b) Quanto à duração: O dever do amor e da reverência aos pais nunca cessa; mas o da obediência se extingue com o pátrio poder, ou seja, ao emancipar-se o filho pela maioridade ou ao tomar estado. Não obstante, enquanto o filho maior permaneça sob o teto paterno, está obrigado a continuar obedecendo, pelo menos nas coisas que concernem ao regime de vida da família (horário de refeições, de deitar-se etc.). Um bom filho se esforçará, sem embargo, por obedecer sempre a seus pais no que seja compatível com sua emancipação ou novo estado. "c) Quanto à escolha do estado: Como já dissemos (...), no que diz respeito à escolha do estado, os filhos não têm obrigação alguma de obedecer a seus pais, se bem que sim de pedir-lhes conselho e parecer. A razão é que nas coisas relativas à conservação do indivíduo e da espécie todos os seres humanos são iguais, sem que haja superior nem inferior. Todos podem dispor de sua própria vida como lhes agrade, sem mais limitações que a lei de Deus e o cumprimento de sua divina vontade. A vocação a um estado particular de vida (matrimônio, sacerdócio, vida religiosa, celibato) é um ato da Providência divina, que transcende e sobrepuja a autoridade dos pais. Poder-se-ia dar o caso, porém, de o filho pecar gravemente não atendendo ao conselho de seus pais, quando estes lhe aconselham reta e imparcialmente sobre a não conveniência de contrair matrimônio com uma determinada pessoa verdadeiramente indigna. Outra coisa seria se tal conselho o dessem por puro capricho, ou com intento egoísta, sem nenhum fundamento objetivo. "Quanto ao filho que deseja ingressar na vida religiosa ou abraçar o estado sacerdotal, pode fazê-lo livremente mesmo contra a vontade irracional e anticristã de seus pais. Mas se sua ausência fosse colocar os pais em grave necessidade, da qual não pudessem sair a não ser com o cuidado e o trabalho do filho, este deveria permanecer no lar, pelo menos até mudarem as circunstâncias. Desde logo não são suficientes razões puramente sentimentais de carinho, ancianidade etc, se outros irmãos ou parentes podem suprir no substancial o filho ou a filha que se consagra a Deus. Não esqueçam pais e filhos a sentença taxativa de Cristo no Evangelho: "O que ama o pai ou a mãe mais que a Mim, não é digno de Mim; e o que ama o filho ou a filha mais do que a Mim, não é digno de Mim' (Mt. X, 37)" (Pe. ANTONIO ROYO MARÍN OP, Teología Moral para Seglares, BAC, Madrid, 1957, t. I, pp. 667-668 / Imprimatur: Fr. Franciscus OP, Episcopus Salmantinus, Salmanticae, 6-10-1957). 64. Devemos não obedecer aos nossos superiores quando nos ordenam o que está proibido por Deus Do conhecido Catecismo Católico Popular, de Francisco Spirago: "A obediência tem certos limites: não somos obrigados a obedecer aos nossos superiores nas coisas em que não lhes estamos sujeitos; temos até o dever de lhes não obedecer quando nos ordenam o que está proibido por Deus. "Os pais, por exemplo, não têm o direito de obrigar um filho a escolher um estado para o qual ele não tem vocação, porque a vocação é Deus que a dá. "São Francisco de Assis (+ 1226) foi obrigado por seu pai a consagrar-se ao comércio; não obedeceu, e com razão, porque sentia vivamente em si o desejo de uma santidade mais alta. "São Luís Gonzaga importunou continuamente seu pai, até que lhe deu licença para entrar na Companhia de Jesus, e Santo Estanislau çostka fugiu da casa da família para se alistar na mesma Companhia; pois tanto um como o outro se sentiam claramente chamados por Deus. Procederam portanto com toda a correção e justiça. Os pais também não têm o direito de obrigar os seus filhos ao casamento; semelhante violência tornaria o matrimônio inválido. "Houve Santos que resistiram a esta injusta imposição até ao ponto de arrostar com o martírio. Assim Santa Rosa de Lima (+ 1617) não obedeceu a seus pais que a queriam casar, na idade de 20 anos, com um homem rico. (...) "O pai de Santa Perpétua (+ 203) em Cartago exigia de sua filha a apostasia da fé cristã; ela respondeu-lhe: "Não posso obedecer: fazei de mim o que a Deus aprouver'. E logo a lançaram às feras. "O mesmo sucedeu com São Vito menino (+ 303), cujo corpo repousa na catedral de São Vito em Praga. "Santo Hermenegildo resistiu a seu pai e rei, o ariano Leovigildo, e negando-se a receber a comunhão das mãos de um ariano, foi degolado. "Santa Bárbara, protetora dos moribundos, foi maltratada por seu pai e finalmente decapitada, porque, apesar das ordens dele, não apostatara do cristianismo (+ 306). "É melhor contristar os pais do que a Jesus Cristo'(São João Clímaco)" (FRANCISCO SPIRAGO, Catecismo Católico Popular, União Gráfica, Lisboa, 1951, 5ª ed., vol. II, pp. 425-426 / Imprimatur: Em., Cardeal Patriarca, Olissipone, 13-2-1951). |