Auditório São Miguel, quarta-feira, 14 de novembro de 1979 – Santo do Dia
A D V E R T Ê N C I A
O presente texto é adaptação de transcrição de gravação de conferência do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira a sócios e cooperadores da TFP, mantendo portanto o estilo verbal, e não foi revisto pelo autor.
Se o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira estivesse entre nós, certamente pediria que se colocasse explícita menção a sua filial disposição de retificar qualquer discrepância em relação ao Magistério da Igreja. É o que fazemos aqui constar, com suas próprias palavras, como homenagem a tão belo e constante estado de espírito:
“Católico apostólico romano, o autor deste texto se submete com filial ardor ao ensinamento tradicional da Santa Igreja. Se, no entanto, por lapso, algo nele ocorra que não esteja conforme àquele ensinamento, desde já e categoricamente o rejeita”.
As palavras “Revolução” e “Contra-Revolução”, são aqui empregadas no sentido que lhes dá o Prof. Plínio Corrêa de Oliveira em seu livro “Revolução e Contra-Revolução“, cuja primeira edição foi publicada no Nº 100 de “Catolicismo”, em abril de 1959.
Eu vou tratar da Paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo, do primeiro dos Mistérios dolorosos do Rosário, que é a Agonia de Nosso Senhor Jesus Cristo – Oratio in horto Domini Nostri Jesu Cristi.
Eu já tenho dito várias vezes que eu compreendo, eu sei, que o ápice da Paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo é a sua Crucifixão e é o momento em que Ele expira na sua morte. Crucificado, as suas dores de alma e de corpo chegaram de auge e morrendo, Ele nos resgata. Este é o ápice. E é, portanto, a parte da Paixão dEle que “rationabiliter”, razoavelmente, mais deve comover os católicos. São Paulo o Apóstolo, dizia: “Eu não prego a não ser Jesus Cristo e Jesus Cristo crucificado”. De tal maneira a Crucificação e a Morte são, o 5º Mistério portanto, são o ápice da Paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo.
Mas a Igreja Católica, com aquele senso dos matizes que é só dela, compreende bem, e aprova e incentiva que apesar de um determinado Mistério ser mais inefável e mais alto ainda do que outro, uma determinada alma se toque mais com outro Mistério, por causa da via espiritual, do feitio mental etc., que aquela alma tem; aquilo tem com ela uma relação pessoal mais direta. E então ela se toma mais com aquilo.
Por exemplo, eu estimo a Anunciação como um acontecimento mais alto do que a Visitação. Mas eu compreendo que uma determinada alma se sinta mais tocada, por razões de relacionamento individual, com o Mistério da Visitação do que com o Mistério da Anunciação. É uma coisa que se pode compreender. A piedade católica é feita desses matizes.
Isto posto, o Mistério da Paixão que a mim mais fala é o sofrimento de Nosso Senhor Jesus Cristo no Horto. Talvez isso se explique pelo fato de que habitualmente quando se fala a respeito de sofrimento, se fala hoje em dia dos sofrimentos físicos. Todo mundo tem em consideração a dor física, e considera que suportar a dor física é a mais alta das formas de infelicidade que pode acontecer a um homem. Daí o horror às doenças, daí o horror a qualquer sacrifício físico, daí o horror também à agressão, ao combate etc. e mil outros fenômenos do gênero.
Os senhores compreenderão que essa posição que é seguida pela imensa maioria das pessoas, é uma posição falsa. Porque sendo o homem composto de corpo e alma, ele mais sofre pelo seu elemento mais nobre e menos sofre pelo seu elemento menos nobre. O elemento mais nobre é a alma e não o corpo. E os sofrimentos da alma são os sofrimentos mais terríveis do que os do corpo. E quando a pessoa de fato sofre na alma, ela sofre muito mais terrivelmente do que ela sofre no corpo.
O mal é que o mundo de hoje, se é composto de gente que tem horror ao sofrimento físico, o é ainda muito mais de gente que tem horror ao sofrimento moral. E o medo do sofrimento moral é terrível hoje em dia. A tal ponto que as pessoas escapam mesmo, e por assim dizer não tem padecimentos de ordem moral.
Um exemplo disso é como as pessoas se deixam levar pelo temperamento público. Elas percebem que não afinando com o temperamento público, elas são isoladas, são boicotadas, e não se encaixam agradavelmente no convívio dos outros. Naturalmente, esse desencaixe produz um sofrimento de ordem moral, e não físico, no instinto de sociabilidade, por onde o homem é levado a conviver harmonicamente com os outros.
Então, de medo desse pequeno sofrimento moral – porque às vezes não é senão um sofrimento pequeno – a pessoa faz todas as covardias, aceita todas as mudanças de mentalidade e vende todos os princípios para não ter esse sofrimento moral, quer dizer, não ser desconforme com os outros e enquanto tal mais ou menos boicotado, mais ou menos isolado, mais ou menos mal visto. Só por causa disso a pessoa vende tudo. Não é por trinta dinheiros, nem por três dinheiros, mas por um dinheiro. É o pânico do sofrimento moral.
Se nós fôssemos ver outros casos assim, seria cômico, se não fosse trágico. Não sei se os srs. já notaram, as pessoas se queixam umas às outras dos sofrimentos físicos; por exemplo, nas conversas, numa roda de amigos na escola, no clube, uma pessoa dirá: “Fui operado, sofri muito, ainda estou com tal coisa assim”, e os outros ouvem com interesse. Se uma pessoa disser “estou com um sofrimento moral tremendo, um padecimento pavoroso etc.”, não é tema de conversa. Porque todo o mundo finge que não tem sofrimento moral. O sofrimento moral lhes dá tanto medo, que eles vivem na ficção de que o sofrimento moral não existe.
Não sei se isto está claro ou não, meus caros.
[sim]
Eles fazem com o sofrimento moral o que o avestruz faz metendo a cabeça na areia para não ver o perigo. E todo o mundo, na aparência, não tem sofrimento moral.
Desde não sei quando da minha vida, tratando com uma pessoa que não tem sofrimento moral porque tanto se degradou, se vendeu e tanto traiu, e que moralmente leva uma vida sem sofrimento, que eu tenho uma espécie de nojo. Pelo contrário, quando vejo uma pessoa sofrer, desde que não seja um sofrimento por um causa ilegítima, ilícita, eu tenho simpatia, eu tenho pena, se eu a vejo sofrer moralmente. Tenho pena. Tenho pena também do sofrimento físico – é claro! -, mas tenho pena do sofrimento físico sobretudo enquanto gera um sofrimento moral. Porque aí é que o sofrimento físico se nobilita.
Nesse sentido eu considero que há um ato de fidelidade primário, originário, prévio à Contra-Revolução, em aceitar para si todos os sofrimentos morais. E eu creio que o modo máximo e primeiro de a gente ser herói, e herói inclusive na hora em que a gente está exposto ao sofrimento físico, é ter praticado este ato de alma por onde a gente diz: “meu Deus, minha Mãe, eu vejo todos os homens fugirem do sofrimento moral, e eu vejo que essa é a suprema das covardias. A Vós eu peço essa forma de integridade: que em todos os sofrimentos morais de minha vida eu seja inteiramente homem e inteiramente homem batizado, quer dizer, inteiramente católico; que veja esses sofrimentos um por um, os conte, pese e meça ponto por ponto e beba a todos como taças amargas até a última gota, com serenidade, com clareza, com fidelidade, e caminhe para os novos sofrimentos que vêm; que eu não recuse nenhum; que eu aceite e assuma a todos e dê aos outros o exemplo de um homem que sofre moralmente até onde se pode sofrer”.
Isso toda a vida me pareceu que é o pressuposto, o bê-á-bá de se ser um contra-revolucionário. Um contra-revolucionário que não tem esse estado de alma, não tem nada.
Eu creio, meus caros – na sala há médicos, e eu estaria longe de me permitir o atrevimento intelectual de dar um parecer sobre matéria médica aqui, e depois poderia ser acusado de usurpador de diploma exercendo uma profissão indébita se eu dissesse algo. Mas a minha impressão é que há um castigo tremendo para quem evita o sofrimento moral. É que o sofrimento moral é mais ou menos como São Bernardo dizia que é a glória. São Bernardo dizia que a glória é assim: o homem que corre atrás da glória é como a sombra do homem; o homem que corre atrás da sua sombra nunca a alcança. Pelo contrário, o homem que foge da glória é como a sombra: a glória corre atrás dele.
Assim também o sofrimento moral. Quando a gente foge do sofrimento moral, ele corre atrás de nós. Só que tem que quando fugimos do sofrimento moral, ele não foge de nós, ele nos espera e nos abraça. É a diferença…
E acontece com o sofrimento moral isso: quem não tem essa coragem, eu acho que fica nervoso. Eu não vejo como possa não ficar nervoso. Porque eu, cuja placidez os senhores conhecem, eu seria uma pilha de nervos se eu não tivesse a coragem de viver assim. Eu seria uma pilha de nervos. Completamente inseguro, sem saber o que vem, como as coisas vão acontecer e sem saber se eu vou aguentar.
Quando, na realidade, todo homem que é homem aguenta tudo. Essa que é a coisa. Mas não há o que homem-homem não aguente. Sobretudo quando ele é um católico, apostólico, romano e pede graças para aguentar e recebe; pede por meio de Nossa Senhora e recebe. Muitas vezes suas forças não bastam. Mas ele pede com fé e recebe; e, portanto, aguenta.
Por causa disso eu julguei que eu deveria, tanto quanto possível ir formando os outros, formá-los nessa espécie de entusiasmo pela condição de sofredor moral, sentindo o sofrimento, suportando-o e carregando-o como Nosso Senhor carregou Sua Cruz.
E por causa disso, a vida inteira eu tive uma adoração especial a Nosso Senhor Jesus Cristo enquanto se apresentando a nós no alfa de Sua Paixão divina, como o Sofredor meramente moral. Antes de Ele no seu corpo ter recebido a menor pancada, o menor ultraje, a menor dor, apareceu diante dEle toda a causa da sua Paixão; e Ele notou o isolamento dos Apóstolos, notou tudo quanto os senhores sabem e Ele teve aquela noite que foi na mera história das almas, ou na história das meras almas, uma noite indizível, perfeita, nem sei o quê – Ele teve naquela noite a resolução de oferecer esse sofrimento moral de tudo quanto Ele previa, oferecer e aceitar e dizer: Então, Eu vou aceitar a dor física, como aceitarei a ignomínia, aceitarei a ingratidão, aceitarei tudo quanto houve em meu caminho, aceitarei as incompreensões, aceitarei as calúnias, aceitarei a difamação, aceitarei tudo quanto haverá no Meu caminho, eu aceitarei isso como aceitarei a dor física, porque Eu quero remir o gênero humano.
E os senhores conhecem bem o fato divinamente comovedor. Ele, que pelo instinto de conservação, perfeitíssimo nEle como todos os instintos, se pôs a suar sangue por causa do temor do que se avizinhava, faz a oração: “Meu Pai, se for possível, afaste-se de mim esse cálice, mas seja feita a vossa vontade e não a minha”…
Ele depois enfrenta a Paixão com uma força do corpo – já não falo da força de alma – com uma força do corpo incalculável e chega até o alto do Gólgota. Esse Homem-Deus sobe a montanha depois de ter apanhado látegos, açoites, coroa de espinhos, pancadas, todos os horrores, ter caído três vezes sob a cruz, Ele sobe uma montanha, e aí é crucificado e ainda leva tempo para morrer. Da tal maneira a força que o Anjo lhe deu revigorou Seu corpo. Quer dizer, é um verdadeiro prodígio, um milagre!
Esse sofrimento de alma foi a nota tônica da Paixão. Nós pensamos que Nosso Senhor ia sofrendo por todas as coisas físicas… Claro que Ele ia sofrendo! É uma coisa evidente. Era sofrer, do contrário não havia resgate. Mas Ele sofria ainda mais com a ingratidão de todos aqueles homens. Ele que chorou sobre Jerusalém, dizendo aquelas palavras comovedoras antes de ser condenado: “Jerusalém, Jerusalém, quantas vezes Eu quis te reunir como a galinha reúne seus pintainhos, mas tu não quiseste. Aquele que poderia te dar a paz esteve em ti e tu o rejeitaste”.
Ele que de longe chorou, quanto pranto deveria ter vendo Jerusalém cair, desabar em cima dEle!
Quem não compreende que isso era muito maior do que o sofrimento do corpo? Aquelas almas do povo eleito, Ele pensava nos Patriarcas, pensava nos Profetas, pensava na Sua Mãe Santíssima nascida do povo eleito. Ele pensava em Si mesmo, o Verbo se encarnara num filho do povo eleito e Ele via o povo eleito pegar a sua vocação e fazer isso da vocação!
Os senhores podem imaginar em cada insulto, em cada pancada como Ele ia sentindo as ignomínias! Roma lava as mãos, indiferente a Ele! Roma, filha da Grécia. Ele que dera à Grécia a filosofia e dera a Roma o Direito. Roma faz assim com Ele… E daí para fora, as ingratidões vão até o ápice insondável, incalculável. E Ele enfrenta tudo isso…
Isso era a dor principal dEle! Como também o lenitivo principal que a Verônica lhe trouxe não foi de nenhum modo o fato de ela ter posto um pouco em ordem a Sua face divina, mas foi o ato do afeto de uma filha do povo eleito que teve pena dEle e quis bem a Ele. Quanto Nosso Senhor deve ter agradecido à Verônica! Nem nós sabemos…
Tudo isso ressalta o sofrimento de alma e de dor que o sofrimento de alma traz. Por causa disso, estando há anos atrás na terra Terra Santa o nosso sócio Dr. Marcos Ribeiro Dantas, ele me perguntou se eu queria qualquer coisa e eu disse que queria que ele fizesse uma noite inteira de adoração no Horto das Oliveiras, com estandarte e capa e que ali ele adorasse a Nosso Senhor e adorasse esse mistério como membro da TFP, para pedir, pelos rogos de Maria, a Nosso Senhor Jesus Cristo, em nome do sangue que Ele derramou e junto à pedra sobre a qual Ele se recostou e junto a qual Ele suou sangue, pedir para a TFP e, portanto, para mim também, essa força de alma e essa capacidade de suportar o sofrimento de alma.
Dr. Marcos executou isso de modo emocionante, muito correto, quando voltou ao Brasil ele deu o jornal-falado do fato, e eu fiquei muito satisfeito.
Quando o sr. Umberto Braccesi foi recentemente à Terra Santa, ele me perguntou o que fazer e eu disse que ele fizesse exatamente isso, o que ele fez igualmente de um modo muito comovedor, muito bonito, levando nosso estandarte e tocando nosso estandarte em vários lugares da Terra Santa, e trazendo-nos o estandarte etc.
E o Sr. Umberto apareceu-me hoje com uma surpresa magnífica na reunião do MNF. Essa surpresa os Srs. a verão daqui a pouco…
Meu caro Umberto, venha pôr aqui.
[foto]
A capa e do estandarte sobre a rocha em que Nosso Senhor Jesus Cristo suou sangue. Fotografia lindíssima!
Os senhores veem, em baixo, uma ponta da grade que circunda, construída presumivelmente no tempo de Pio XII; essa grade circunda a pedra. Os senhores veem o rochedo, ali Nosso Senhor se apoiou. E o sr. Umberto escolheu o lugar, onde um talho natural na rocha, a escavação natural da rocha toma um certo ar de cruz. Descreva…
(Sr. Umberto: A rocha está exatamente em frente ao altar-mor da igreja que foi construída sobre o Horto das Oliveiras. Do altar-mor se vê a rocha; ela tem mais ou menos 3 metros por 2 metros e meio. E o curioso é que no meio da rocha há uma marca em cruz, um sulco, um baixo relevo em forma de cruz o que poderia levar a supor que tenha sido o lugar onde Nosso Senhor se prosternou em cruz na Agonia da Quinta-feira santa.)
Os senhores percebem a beleza da fotografia, o colorido da capa como fica bonito, ela parece que tem luz por dentro. Dir-se-ia também que o rochedo também é luminoso, tem uma claridade toda especial, e uma brancura que vai muito bem sobre nossa capa. O leão dourado, a capa vermelha e o esbranquiçado do rochedo formam o branco, o vermelho e o dourado das cores da TFP.
Essa fotografia eu vou estudar onde instalar na Sede do Reino de Maria e serve para nós de símbolo disso que é o principal de nossa: o sofrimento da alma. E nós vamos ter que nos inspirar muito no que essa capa simboliza: é o membro da TFP por assim dizer deitado sobre a dor, mas encontrando as ua glória em repousar em Nosso Senhor Jesus Cristo, em Nossa Senhora.
E assim, sendo fiéis a tudo quanto isto simboliza, nós de fato estamos consolando Nosso Senhor Jesus Cristo no passado, e assim nos unimos aos padecimentos dEle no Horto das Oliveiras. Essa é a lindíssima reflexão a que se presta esse símbolo.
Com isso, meus caros, está encerrada nossa reunião.
Notas:
Não se encontrou a foto com o estandarte pequeno da TFP e a capa que foram colocados na lápide no Horto das Oliveiras. Assim, a título evocativo, se utilizou uma foto da capa sobre a lápide do próprio Santo Sepulcro.
Clique aqui para a coletânea de documentos de Dr. Plinio sobre a Quaresma e a Semana Santa.
A respeito da calma, consulte a obra “A Calma e sua gentil superioridade – Excertos do pensamento de Plinio Corrêa de Oliveira“.
Para mais informações relativas ao Horto das Oliveiras, consulte o muito documentado e ilustrado blog “A ciência confirma a Igreja“.