Capítulo VIII

 

 

O caráter processivo da Contra-Revolução e o “choque” contra-revolucionário

 

 

 

 

 

 

 

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1. Há um processo contra-revolucionário

É evidente que, tal como a Revolução, a Contra-Revolução é um processo, e que portanto se pode estudar a sua marcha progressiva e metódica para a ordem.

Todavia, há algumas características que fazem essa marcha diferir profundamente do caminhar da Revolução para a desordem integral. Isto provém do fato de que o dinamismo do bem e o do mal são radicalmente diversos.

2. Aspectos típicos do processo revolucionário

A. Na marcha rápida

Quando tratamos das duas velocidades da Revolução48, vimos que algumas almas se empolgam pelas suas máximas num só lance e tiram de uma vez todas as conseqüências do erro.

B. Na marcha morosa

E que há outras que vão aceitando lentamente e passo a passo as doutrinas revolucionárias. Muitas vezes, até, esse processo se desenvolve com continuidade através das gerações. Um “semicontra-revolucionário” muito infenso aos paroxismos da Revolução tem um filho menos contrário a estes, um neto indiferente, e um bisneto plenamente integrado no fluxo revolucionário. A razão deste fato, como dissemos, está em que certas famílias têm em sua mentalidade, em seu subconsciente, em seus modos de sentir, um resíduo de hábitos e fermentos contra-revolucionários que as mantém ligadas, em parte, à Ordem. A corrupção revolucionária nelas não é tão dinâmica e, por isto mesmo, o erro só pode progredir em seu espírito passo a passo e como que se disfarçando.

A mesma lentidão de ritmo explica como muitas pessoas mudam enormemente de opinião no decurso da vida. Quando são adolescentes têm, por exemplo, a respeito de modas indecentes uma opinião severa, consoante o ambiente em que vivem. Mais tarde, com o “evoluir” dos costumes num sentido cada vez mais relaxado, essas pessoas se vão adaptando às sucessivas modas. E no fim da vida aplaudem trajes que em sua juventude teriam reprovado fortemente. Chegaram a essa posição porque foram caminhando lenta e imperceptivelmente através das etapas matizadas da Revolução. Não tiveram a perspicácia e a energia necessárias para perceberem para onde estava sendo conduzida a Revolução que se fazia nelas e em torno delas. E, gradualmente, acabaram chegando talvez tão longe quanto um revolucionário da idade delas que na adolescência tivesse adotado a primeira velocidade. A verdade e o bem existem nessas almas num estado de derrota, mas não tão derrotados que, diante de um grave erro e um grave mal, não possam ter um sobressalto às vezes vitorioso e salvador que as faça perceber o fundo perverso da Revolução e as leve a uma atitude categórica e sistemática contra todas as manifestações desta. É para evitar esses sadios sobressaltos de alma e essas cristalizações contra-revolucionárias, que a Revolução anda passo a passo.

3. Como destroçar o processo revolucionário

Se é assim que a Revolução conduz a imensa maioria de suas vítimas, pergunta-se de que modo pode uma delas desvencilhar-se desse processo; e se tal modo é diverso do que têm, para se converter à Contra-Revolução, as pessoas arrastadas pela marcha revolucionária de grande velocidade.

A. A variedade das vias do Espírito Santo

Ninguém pode fixar limites à inexaurível variedade das vias de Deus nas almas. Seria absurdo reduzir a esquemas assunto tão complexo. Não se pode pois, nesta matéria, ir além da indicação de alguns erros a evitar e de algumas atitudes prudentes a propor.

Toda conversão é fruto da ação do Espírito Santo, que, falando a cada qual segundo suas necessidades, ora com majestosa severidade, ora com suavidade materna, entretanto nunca mente.

B. Nada esconder

Assim, no itinerário do erro para a verdade, não há para a alma os silêncios velhacos da Revolução, nem suas metamorfoses fraudulentas. Nada se lhe oculta do que ela deve saber. A verdade e o bem lhe são ensinados integralmente pela Igreja. Não é escondendo, sistematicamente, o termo último de sua formação, mas mostrando-o e fazendo-o desejado sempre mais, que se obtém dos homens o progresso no bem.

A Contra-Revolução não deve, pois, dissimular seu vulto total. Ela deve fazer suas as sapientíssimas normas estabelecidas por São Pio X para o proceder habitual do verdadeiro apóstolo: “Não é leal nem digno ocultar, cobrindo-a com uma bandeira equívoca, a qualidade de católico, como se esta fosse mercadoria avariada e de contrabando”49. Os católicos não devem “ocultar como que sob um véu os preceitos mais importantes do Evangelho, temerosos de serem talvez menos ouvidos, ou até completamente abandonados”50. Ao que judiciosamente acrescentava o santo Pontífice: “Sem dúvida, não será alheio à prudência, também ao propor a verdade, usar de certa contemporização, quando se tratar de esclarecer homens hostis às nossas instituições e inteiramente afastados de Deus. “As feridas que é preciso cortar - diz São Gregório - devem antes ser apalpadas com mão delicada”. Mas essa mesma habilidade assumiria o aspecto de prudência carnal se erigida em norma de conduta constante e comum; e tanto mais que desse modo pareceria ter-se em pouca conta a graça divina, que não é concedida somente ao Sacerdócio e aos seus ministros, mas a todos os fiéis de Cristo, a fim de que nossas palavras e atos comovam as almas desses homens”51.

C. O “choque” das grandes conversões

Censurando, como o fizemos, o esquematismo nesta matéria, parece-nos entretanto que a adesão plena e consciente à Revolução, como esta in concreto se apresenta, constitui um imenso pecado, uma apostasia radical, da qual só por meio de uma conversão igualmente radical se pode voltar.

Ora, segundo a História, afigura-se que as grandes conversões se dão o mais das vezes por um lance de alma fulminante, provocado pela graça ao ensejo de qualquer fato interno ou externo. Esse lance difere em cada caso, mas apresenta com freqüência certos traços comuns. Concretamente, na conversão do revolucionário para a Contra-Revolução, ele, não raras vezes e em linhas gerais, se opera assim:

a. Na alma empedernida do pecador que, por um processo de grande velocidade, foi logo ao extremo da Revolução, restam sempre recursos de inteligência e bom senso, tendências mais ou menos definidas para o bem. Deus, embora não as prive jamais da graça suficiente, espera, não raramente, que essas almas cheguem ao mais fundo da miséria, para lhes fazer ver de uma só vez, como num fulgurante “flash”, a enormidade de seus erros e de seus pecados. Foi quando desceu a ponto de querer se alimentar das bolotas dos porcos que o filho pródigo caiu em si e voltou à casa paterna52.

b. Na alma tíbia e míope que vai resvalando lentamente na rampa da Revolução, atuam ainda, não inteiramente recusados, certos fermentos sobrenaturais; há valores de tradição, de ordem, de Religião, que ainda crepitam como brasas sob a cinza. Também essas almas podem, por um sadio sobressalto, num momento de desgraça extrema, abrir os olhos e reavivar em um instante tudo quanto nelas definhava e ameaçava morrer: é o reacender-se da mecha que ainda fumega53.

D. A plausibilidade desse “choque” em nossos dias

Ora, toda a humanidade se encontra na iminência de uma catástrofe, e nisto parece estar precisamente a grande ocasião preparada pela misericórdia de Deus. Uns e outros - os da velocidade rápida ou lenta - neste terrível crepúsculo em que vivemos, podem abrir os olhos e converte-se a Deus.

O contra-revolucionário deve, pois, aproveitar zelosamente o tremendo espetáculo de nossas trevas para - sem demagogia, sem exagero, mas também sem fraqueza - fazer compreender aos filhos da Revolução a linguagem dos fatos, e assim produzir neles o “flash” salvador. Apontar varonilmente os perigos de nossa situação é traço essencial de uma ação autenticamente contra-revolucionária.

E. Mostrar a face total da Revolução

Não se trata apenas de apontar o risco de total desaparecimento da civilização, em que nos encontramos. É preciso saber mostrar, no caos que nos envolve, a face total da Revolução, em sua imensa hediondez. Sempre que esta face se revela, aparecem surtos de vigorosa reação. É por este motivo que, por ocasião da Revolução Francesa, e no decurso do século XIX, houve na França um movimento contra-revolucionário melhor do que jamais houvera anteriormente naquele país. Nunca se vira tão bem a face da Revolução. A imensidade da voragem em que naufragara a antiga ordem de coisas tinha aberto muitos olhos, subitamente, para toda uma gama de verdades silenciadas ou negadas, ao longo de séculos, pela Revolução. Sobretudo, o espírito desta se lhes patenteara em toda a sua malícia, e em todas as suas conexões profundas com idéias e hábitos durante muito tempo reputados inocentes pela maioria das pessoas. Assim, o contra-revolucionário deve, com freqüência, desmascarar o vulto geral da Revolução, a fim de exorcizar o quebranto que esta exerce sobre suas vítimas.

F. Apontar os aspectos metafísicos da Contra-Revolução

A quinta-essência do espírito revolucionário consiste, como vimos, em odiar por princípio, e no plano metafísico, toda desigualdade e toda lei, especialmente a Lei Moral.

Um dos pontos muito importantes do trabalho contra-revolucionário é, pois, ensinar o amor à desigualdade vista no plano metafísico, ao princípio de autoridade, e também à Lei Moral e à pureza; porque exatamente o orgulho, a revolta e a impureza são os fatores que mais impulsionam os homens na senda da Revolução54.

G. As duas etapas da Contra-Revolução

a. Obtida a radical modificação do revolucionário em contra-revolucionário, é a primeira etapa da Contra-Revolução que nele finda.

b. Vem depois uma segunda etapa, que pode ser bastante lenta, ao longo da qual a alma vai ajustando todas as suas idéias e todos os seus modos de sentir à posição tomada no ato de sua conversão.

c. E é assim que se pode delinear em muitas almas, em duas grandes etapas bem diversas, o processo da Contra-Revolução.

Descrevemos as etapas deste processo enquanto realizadas em uma alma, individualmente considerada. Mutatis mutandis, elas podem ocorrer também com grandes grupos humanos, e até com povos inteiros. 

Notas:

48) Cfr. Parte I - Cap. VI, 4.

49) Carta ao Conde Medolago Albani, Presidente da União Econômico-Social, da Itália, datada de 22-XI-1909, Bonne Presse, Paris, vol. V, p. 76.

50) Encíclica Jucunda Sane, de 12-III-1904, Bonne Presse, Paris, vol. I, p. 158.

51) Doc. cit., ibid.

52) Cfr. Lc. 15, 16 a 19.

53) Cfr. Mt. 12, 20.

54) Cfr. Parte I - Cap. VII, 3.

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