Capítulo VIII
A inteligência, a vontade e a sensibilidade, na determinação dos atos humanos
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Santo Inácio de Loiola (1491-1556). Fundador da Companhia de Jesus escreveu os famosos “Exercícios Espirituais”, destinados a alcançar a perfeita ordenação cristã entre a inteligência, a vontade e a sensibilidade para conter a Revolução em seus germens As anteriores considerações pedem um desenvolvimento quanto ao papel da inteligência, da vontade e da sensibilidade, nas relações entre erro e paixão. Poderia parecer, com efeito, que afirmamos que todo erro é concebido pela inteligência para justificar alguma paixão desregrada. Assim, o moralista que afirmasse uma máxima liberal seria sempre movido por uma tendência liberal. Não é o que pensamos. Pode suceder que unicamente por fraqueza da inteligência atingida pelo pecado original, o moralista chegue a uma conclusão liberal. Em tal caso terá havido necessariamente alguma falta moral de outra natureza, o descuido, por exemplo? É questão alheia a nosso estudo. Afirmamos, isto sim, que, historicamente, esta Revolução teve sua primeira origem em uma violentíssima fermentação de paixões. E estamos longe de negar o grande papel dos erros doutrinários nesse processo. Muitos têm sido os estudos de autores de grande valor, como de Maistre, de Bonald, Donoso Cortés e tantos outros, sobre tais erros e o modo por que foram eles derivando uns dos outros, do século XV ao século XVI, e assim por diante até o século XX. Não é, pois, nossa intenção insistir aqui sobre o assunto. Parece-nos, entretanto, particularmente oportuno focalizar a importância dos fatores “passionais” e a influência destes nos aspectos estritamente ideológicos do processo revolucionário em que nos achamos. Pois, a nosso ver, as atenções estão pouco voltadas para este ponto, o que traz uma visão incompleta da Revolução, e acarreta em conseqüência a adoção de métodos contra-revolucionários inadequados. Sobre o modo por que as paixões podem influir nas idéias, há algo a acrescentar aqui. 1. A natureza decaída, a graça e o livre arbítrio O homem, pelas simples forças de sua natureza, pode conhecer muitas verdades e praticar várias virtudes. Entretanto, não lhe é possível, sem o auxílio da graça, permanecer duravelmente no conhecimento e na prática de todos os Mandamentos38. Isto quer dizer que em todo homem decaído há sempre a debilidade da inteligência e uma tendência primeira, e anterior a qualquer raciocínio, que o incita a revoltar-se contra a Lei39. 2. O germe da Revolução Tal tendência fundamental à revolta pode, em dado momento, ter o consentimento do livre arbítrio. O homem decaído peca, assim, violando um ou outro Mandamento. Mas sua revolta pode ir além, e chegar até o ódio, mais ou menos inconfessado, à própria ordem moral em seu conjunto. Esse ódio, revolucionário por essência, pode gerar erros doutrinários, e até levar à profissão consciente e explícita de princípios contrários à Lei moral e à doutrina revelada, enquanto tais, o que constitui um pecado contra o Espírito Santo. Quando esse ódio começou a dirigir as tendências mais profundas da História do Ocidente, teve início a Revolução cujo processo hoje se desenrola e em cujos erros doutrinários ele imprimiu vigorosamente sua marca. Ele é a causa mais ativa da grande apostasia hodierna. Por sua natureza, é ele algo que não pode ser reduzido simplesmente a um sistema doutrinário: é a paixão desregrada, em altíssimo grau de exacerbação. Como é fácil ver, tal afirmação, relativa a esta Revolução em concreto, não implica em dizer que há sempre uma paixão desordenada na raiz de todo erro. E nem implica em negar que muitas vezes foi um erro que desencadeou nesta ou naquela alma, ou mesmo neste ou naquele grupo social, o desregramento das paixões. Afirmamos tão somente que o processo revolucionário, considerado em seu conjunto, e também em seus principais episódios, teve por germe mais ativo e profundo o desregramento das paixões. 3. Revolução e má fé Poder-se-ia talvez opor a seguinte objeção: se tal é a importância das paixões no processo revolucionário, parece que a vítima deste está sempre, em alguma medida, pelo menos, de má fé. Se o protestantismo, por exemplo, é filho da Revolução, está de má fé todo protestante? Não colide isto com a doutrina da Igreja que admite que haja, em outras religiões, almas de boa fé? É óbvio que uma pessoa de inteira boa fé, e dotada de um espírito fundamentalmente contra-revolucionário, pode estar presa nas malhas dos sofismas revolucionários (sejam de índole religiosa, filosófica, política, ou outra qualquer) por uma ignorância invencível. Em pessoas assim não há qualquer culpa. Mutatis mutandis, pode-se dizer o mesmo quanto às que aderem à doutrina da Revolução num ou noutro ponto restrito, por um lapso involuntário da inteligência. Mas se alguém participa do espírito da Revolução, movido pelas paixões desregradas inerentes a ela, a resposta tem de ser outra. Pode um revolucionário nestas condições estar persuadido das excelências das suas máximas subversivas. Ele não será portanto insincero. Mas terá culpa pelo erro em que caiu. E pode também acontecer que o revolucionário professe uma doutrina da qual não esteja persuadido, ou da qual tenha uma convicção incompleta. Será, neste caso, parcial ou totalmente insincero... Parece-nos que, a este propósito, quase não seria necessário acentuar que, quando afirmamos que as doutrinas de Marx estavam implícitas nas negações da Pseudo-Reforma e da Revolução Francesa, não queremos com isto dizer que os adeptos daqueles dois movimentos eram, conscientemente, marxistas avant la lettre, e que ocultavam hipocritamente suas opiniões. O próprio da virtude cristã é a reta disposição das potências da alma e, pois, o incremento da lucidez da inteligência iluminada pela graça e guiada pelo Magistério da Igreja. Não é por outra razão que todo o Santo é um modelo de equilíbrio e de imparcialidade. A objetividade de seus juízos e a firme orientação de sua vontade para o bem não são debilitadas, nem de leve, pelo bafo venenoso das paixões desregradas. Pelo contrário, à medida que o homem decai na virtude e se entrega ao jugo dessas paixões, vai minguando nele a objetividade em tudo quanto com as mesmas se relacione. De modo particular, essa objetividade fica perturbada quanto aos julgamentos que o homem formule sobre si mesmo. Até que ponto um revolucionário “de marcha lenta” do século XVI ou do século XVIII, obnubilado pelo espírito da Revolução, se dava conta do sentido profundo e das últimas conseqüências de sua doutrina, é em cada caso concreto o segredo de Deus. De qualquer forma, a hipótese de que fossem todos eles marxistas conscientes é de se excluir inteiramente. Notas: 38) Cfr. Parte I - Cap. VII, 2, D. 39) Donoso Cortés, in Ensayo sobre el Catolicismo, el Liberalismo y el Socialismo – Obras completas, B. A. C., Madrid, 1946, tomo II, p. 377 - dá um importante desenvolvimento dessa verdade, o qual muito se relaciona com o presente trabalho. |