Reforma Agrária - Questão de Consciência


Secção II

Capítulo IV

Proposição 37

Impugnada

Ainda que censurável e injusta, a "Reforma Agrária" está no espírito do tempo e virá mesmo: é inútil opor-lhe qualquer reação.

Ela é, talvez, um castigo de Deus para a impiedade das classes dirigentes. Não é justo exigir que o Clero, que não mereceu a cólera divina, se sacrifique tentando impedir sua realização.

Afirmada

A Igreja foi criada para guiar o espírito dos tempos e não para se deixar guiar por ele.

Conseguirá ela dirigi-lo na atual conjuntura universal? Para Deus nada é impossível, e se a fé move montanhas, pode também mover o espírito do tempo.

Não lutar contra uma lei injusta, e censurar que contra ela se volte o zelo sacerdotal, porque ela talvez seja um castigo divino, é o mesmo que não combater uma epidemia porque esta talvez seja castigo de Deus, e achar que o Clero não se deve expor ao contágio porque não cometeu os pecados que deram origem ao castigo.

 

Comentário

A atitude da Igreja, diante do espírito de uma época determinada, não pode ser a de sistemático recuo. Se esse espírito é de Jesus Cristo, deve incentivá-lo de todos os modos. Se é mau, deve opor-se a ele, também de todos os modos. Se ele tem algo de bom e algo de ruim, a Igreja deve aceitar o que é bom e combater o que é ruim.

Na proposição impugnada, há uma aceitação resignada de tudo quanto é novo, "resignação" que muitas vezes deixa entrever um amor sistemático da novidade pela novidade.

* * *

Afirmar que a "Reforma Agrária" pode ser um castigo para as classes dirigentes, como se não o fosse também para todo o País, inclusive os trabalhadores, é cair no erro dos socialistas, que vêem na propriedade privada uma vantagem exclusiva dos proprietários, e não de todo o corpo social.

 

Textos Pontifícios

 

A Igreja não transige com os erros de nenhuma época...

Pio IX condenou a seguinte proposição: "O Pontífice Romano pode e deve conciliar-se e transigir com o progresso, com o liberalismo e com a civilização moderna" (273).

... nem constitui entrave à civilização

Pio IX condenou os que afirmam que o Clero é "inimigo do progresso da ciência e da civilização" (274).

Esta intransigência não tolhe a eficácia de sua ação

Proposição condenada: "A Igreja mostra-se incapaz de defender eficazmente a moral evangélica, porque adere obstinadamente a doutrinas imutáveis, que não podem conciliar-se com o progresso moderno" (275).

Não é no "espírito do tempo" mas na filosofia do Evangelho que se baseia a civilização católica

"Tempo houve em que a filosofia do Evangelho governava os Estados. Nessa época, a influência da sabedoria cristã e a sua virtude divina penetravam as leis, as instituições, os costumes dos povos, todas as categorias e todas as relações da sociedade civil. Então a Religião instituída por Jesus Cristo, solidamente estabelecida no grau de dignidade que lhe é devido, em toda parte era florescente, graças ao favor dos príncipes e à proteção legítima dos magistrados. Então o Sacerdócio e o Império estavam ligados entre si por uma feliz concórdia e pela permuta amistosa de bons ofícios. Organizada assim, a sociedade civil deu frutos superiores a toda expectativa, frutos cuja memória subiste e subsistirá, consignada como está em inúmeros documentos que artifício algum dos adversários poderá corromper ou obscurecer.

Se a Europa cristã domou as nações bárbaras e as fez passar da ferocidade para a mansidão, da superstição para a verdade; se repeliu vitoriosamente as invasões muçulmanas, se guardou a supremacia da civilização, e se, em tudo que faz honra à humanidade, constantemente e em toda parte se mostrou guia e mestra; se brindou os povos com a verdadeira liberdade sob diversas formas; se sapientissimamente fundou uma multidão de obras para o alívio das misérias; é fora de toda dúvida que ela é grandemente devedora à Religião, sob cuja inspiração e com cujo auxílio empreendeu e realizou tão grandes coisas" (276).

O amor da novidade pela novidade

"O amor de novidades basta por si só para explicar toda a sorte de erros" (277).


Notas:

(273) Pio IX, "Syllabus", de 8 de dezembro de 1864, Proposição 80 – "Editora Vozes Ltda.", Petrópolis.

(274) Pio IX, Encíclica "Quanta Cura", de 8 de dezembro de 1864 – "Editora Vozes Ltda.", Petrópolis, pág. 8.

(275) São Pio X, Decreto "Lamentabili", de 3 de julho de 1907, Proposição 63 – "Editora Vozes Ltda.", Petrópolis.

(276) Leão XIII, Encíclica "Immortale Dei", de 1º de novembro de 1885 – "Editora Vozes Ltda.", Petrópolis, pág. 15.

(277) São Pio X, Encíclica "Pascendi Dominici Gregis", de 8 de setembro de 1907 – "Editora Vozes Ltda.", Petrópolis, pág. 46.


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