Reforma Agrária - Questão de Consciência


Secção II

Capítulo IV

Deve a opinião católica pronunciar-se sobre a "Reforma Agrária"?

O pronunciamento de um ou mais Bispos nunca envolve a Igreja toda, nem sequer todo o Episcopado de um país. Cada Bispo fala por si. E depende só e diretamente do Papa, Vigário de Jesus Cristo.

Assim, embora dois dos autores deste trabalho estejam revestidos do caráter episcopal, ele não envolve outra responsabilidade que não a dos que o escreveram.

Não obstante, é compreensível que algum leitor pergunte se, sendo religiosa a esfera da Igreja, é legítimo que Bispos ou católicos leigos tomem a doutrina católica como critério para analisar a "Reforma Agrária", que é em si matéria economica e social.

Ademais, também é compreensível que eclesiásticos ou fiéis, lendo este trabalho, se perguntem se do ponto de vista da Igreja é ele oportuno nas atuais circunstâncias.

É para atender às perguntas de uns e outros que escrevemos este capítulo.

 

Proposição 31

Impugnada

A "Reforma Agrária" é assunto economico e social. Ela não interfere com a Religião.

A Igreja nada tem a dizer, pois, a respeito.

Afirmada

A Igreja Católica é a depositária, a mestra e a defensora da lei de Deus. Cabe-lhe, pois, ensinar quais os atos humanos conformes ao Decálogo, e quais os que lhe são contrários.

Há um mandamento que diz: "Não roubarás". Compete à Igreja declarar se a "Reforma Agrária" é, ou não, contrária a esse mandamento.

 

Comentário

Admite-se comumente que nossa civilização é cristã. Considera-se mesmo que seu mais belo florão é o título de cristã.

Ora, que é uma civilização cristã senão aquela em que todas as esferas da vida pública e privada, os costumes, as instituições, a cultura, a arte, a economia, a política e as leis recebem o influxo do Evangelho? Nestas condições, não é possível afirmar que a Igreja não tem influência moral alguma a exercer sobre a economia brasileira.

Nos tempos já remotos em que o laicismo positivista imperava no Brasil, havia a tendência a isolar a Religião da vida. Hoje essa tendência já desapareceu quase por completo.

* * *

Muitos há que supõem que a questão social tem por única ou principal causa a pobreza do operariado. De tal sorte que, se se resolvessem os problemas materiais deste, as relações entre as classes voltariam rapidamente à normalidade, sem qualquer interferência da Igreja.

Esta tese, professada por não poucos proprietários, tem um ressaibo de materialismo e, pela preponderância que concede à economia, não pode deixar de ser vista com simpatia por socialistas e comunistas. A doutrina católica lhe é frontalmente contrária.

* * *

Considerada em suas últimas conseqüências, a proposição impugnada nega à Igreja qualquer ação na vida dos povos e das civilizações.

 

Textos Pontifícios

Pio IX condenou a proposição impugnada

Proposição condenada: "A Igreja nada deve ordenar que restrinja as consciências dos fiéis, com respeito ao uso das coisas temporais" (219).

A questão social é principalmente moral e religiosa

"Alguns professam a opinião, assaz vulgarizada, de que a "questão social" como se diz, é somente "econômica"; ao contrário, porém, a verdade é que ela é principalmente moral e religiosa, e, por este mesmo motivo, deve ser sobretudo resolvida em conformidade com as leis da moral e da religião (220).

A questão social é, no seu sentido mais profundo, uma questão religiosa

"A questão social, diletos filhos, é sem dúvida também uma questão econômica, mas é muito mais uma questão que diz respeito à regulação ordenada do consórcio humano, e, no seu mais profundo sentido, uma questão moral e portanto religiosa" (221).

A "Reforma Agrária" sendo por vários títulos um dos aspectos da questão social, aplica-se-lhe adequadamente este ensinamento.

A "Reforma Agrária" enquanto questão moral está na alçada da Igreja

São Pio X afirmou que a Religião é a "regra suprema e soberana senhora quando se trata dos direitos do homem e dos seus deveres" (222).

Sem a Igreja os problemas sociais não têm solução

A Igreja é "a única que pode trazer verdadeira luz tanto no campo social, como em qualquer outro campo" (223).

A questão social "é de tal natureza que, a não se apelar para a Religião e para a Igreja, é impossível encontrar-se-lhe uma solução eficaz" (224).

A solução dos problemas materiais do operariado não basta para resolver a questão social

"Admita-se, ... que seja concedido um duplo salário àqueles que alugam o seu trabalho; admita-se que a duração desse trabalho seja reduzida; admita-se mesmo que o preço dos alimentos seja favorável: entretanto, se o operário escutar essas doutrinas que ouve expor de ordinário, se seguir esses exemplos que o convidam a libertar-se de todo o respeito para com a Vontade Divina e adotar costumes depravados, necessariamente sucederá que se esgotem os seus bens e o fruto dos seus labores. A dura experiência mostra quanto é angustiosa e miserável a vida da maior parte dos operários que, apesar de receberem salário bastante elevado em troca de poucas horas de trabalho, se entregam à corrupção dos costumes, desligando-se por completo da disciplina da Religião" (225).

"Por toda parte, faz-se hoje apelo aos valores morais e espirituais; e com razão, porque o mal que há de ser combatido é, antes de tudo, considerado, em sua primeira fonte, mal de natureza espiritual, e dessa fonte é que nascem, por lógica diabólica, todas as monstruosidades do comunismo. Ora, entre os valores morais e religiosos tem incontestavelmente preeminência a Igreja Católica. Logo, exige o próprio bem da humanidade que se não ponham obstáculos à sua atuação.

Se de outra forma se proceder, e, ao mesmo tempo, se pretenda alcançar essa finalidade com meios puramente econômicos e políticos, cai-se na trama de perigoso erro. E, quando se exclui a Religião da escola, da educação, da vida pública, e se põem em ridículo os representantes do Cristianismo e seus ritos sagrados, porventura não se fomenta o materialismo de onde tira a sua origem o comunismo? Nem a força, ainda a mais bem organizada, nem os ideais da terra, sejam embora os maiores e os mais nobres, podem dominar um movimento que tem por base precisamente a demasiada estima dos bens terrenos" (226).

A insubstituível eficácia da Igreja na luta contra o socialismo

"... para afastar esta peste do socialismo, a Igreja possui uma força como nunca tiveram nem as leis humanas, nem as repressões dos magistrados, nem as armas dos soldados" (227).

Pio XI afirmou que é "a fé cristã que assegura as bases do direito e da justiça social", e que é "o espírito de fraternidade e caridade inculcado pelo Evangelho, o único que pode garantir uma sincera colaboração entre as classes" (228).

"Não haveria socialismo nem comunismo, se os que governaram os povos não houvessem desprezado os ensinamentos e maternais conselhos da Igreja" (229).

A Igreja deve promover a civilização cristã

São Pio X afirmou que a Igreja deve "restaurar em Cristo não só o que concerne propriamente à missão divina da Igreja, qual é a de guiar as almas a Deus, mas também o que deflui desta missão divina, que é, como foi dito, a civilização cristã" (230).

A Igreja, Mestra e fundamento da vida das nações e dos povos

"A obra imortal do Deus de Misericórdia, a Igreja, se bem que em si e por sua natureza tenha por fim a salvação das almas e a felicidade eterna, é entretanto, na própria esfera das coisas humanas, a fonte de tantas e tais vantagens, que as não poderia proporcionar mais numerosas e maiores mesmo quando tivesse sido fundada sobretudo e diretamente em mira a assegurar a felicidade desta vida. Com efeito, onde quer que a Igreja tenha penetrado, imediatamente tem mudado a face das coisas e impregnado os costumes públicos não somente de virtudes até então desconhecidas, mas ainda de uma civilização toda nova. Todos os povos que a têm acolhido se distinguiram pela doçura, pela equidade e pela glória dos empreendimentos" (231).

"A Religião Cristã soube velar e prover tão completamente a tudo que é útil aos homens que vivem em sociedade, que parece, na frase de Santo Agostinho, nada mais ter podido fazer para tornar a vida agradável e feliz, ainda que não tivesse tido outro intuito que o de proporcionar e aumentar as vantagens e os bens desta vida mortal" (232).


Notas:

(219) Pio IX, Encíclica "Quanta Cura", de 8 de dezembro de 1864 – "Editora Vozes Ltda.", Petrópolis, pág. 8.

(220) Leão XIII, Encíclica "Graves de Communi", de 18 de janeiro de 1901 – "Editora Vozes Ltda.", Petrópolis, pág. 10.

(221) Pio XII, Discurso de 12 de setembro de 1948, por ocasião do 80º aniversário da Juventude Italiana da Ação Católica – "Discorsi e Radiomessaggi", Vol. X, pág. 210.

(222) São Pio X, Encíclica "Vehementer Nos", de 11 de fevereiro de 1906 – "Editora Vozes Ltda.", Petrópolis, pág. 6.

(223) Pio XI, Encíclica "Divini Redemptoris", de 19 de março de 1937 – "Editora Vozes Ltda.", Petrópolis, pág. 21.

(224) Leão XIII, Encíclica "Rerum Novarum", de 15 de maio de 1891 – "Editora Vozes Ltda.", Petrópolis, pág. 12.

(225) Leão XIII, Encíclica "Graves de Communi", de 18 de janeiro de 1901 – "Editora Vozes Ltda.", Petrópolis, pág. 10.

(226) Pio XI, Encíclica "Divini Redemptoris", de 19 de março de 1937 – "Editora Vozes Ltda.", Petrópolis, págs. 38-39.

(227) Leão XIII, Encíclica "Quod Apostolici Muneris", de 28 de dezembro de 1878 – "Editora Vozes Ltda.", Petrópolis, pág. 14.

(228) Pio XI, Encíclica "Com Singolare Compiacenza", de 18 de janeiro de 1939 – "Editora Vozes Ltda.", Petrópolis, pág. 15.

(229) Pio XI, Encíclica "Divini Redemptoris", de 19 de março de 1937 – "Editora Vozes Ltda.", Petrópolis, págs. 20-21.

(230) São Pio X, Encíclica "Il Fermo Proposito", de 11 de junho de 1905 – "Editora Vozes Ltda.", Petrópolis, pág. 7.

(231) Leão XIII, Encíclica "Immortale Dei", de 1º de novembro de 1885 – "Editora Vozes Ltda"., Petrópolis, pág. 3.

(232) Leão XIII, Encíclica "Arcanum Divinae Sapientiae", de 10 de fevereiro de 1880 – "Editora Vozes Ltda.", Petrópolis, pág. 4.


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