Reforma Agrária - Questão de Consciência


Secção II

Opiniões socializantes que preparam o ambiente para a "Reforma Agrária": exposição e análise

Proposição 16

Impugnada

Ademais, a hereditariedade das fortunas dá origem à formação de oligarquias que tendem a fazer retroagir a sociedade para um estágio aristocrático, intrinsecamente injusto e definitivamente superado pelo progresso democrático.

Afirmada

A família, como tudo que vive, tende a se perpetuar. E a continuidade da família, pela própria natureza das coisas, tende a se estender tão longamente quanto possível através das gerações.

Daí decorre normalmente a formação de elites que têm, além do que cada indivíduo é capaz de adquirir, algo que só a família lhe pode dar: a tradição.

O papel da tradição, desde que saiba conservar-se viva e não mumificada, é imenso na existência de um povo.

As elites não merecem a designação pejorativa de oligarquia, uma vez que deixem campo a que subam organicamente as famílias que a isso façam jus, e também organicamente declinem as que não estão mais em condições de ocupar uma situação de relevo.

Esta influência da família na estrutura social é compatível com qualquer regime, monárquico, aristocrático ou democrático.

 

Comentário

A proposição impugnada deixa ver um ressaibo de evolucionismo. Não é exato que as formas de governo – monarquia, aristocracia e democracia – sejam como os degraus de uma evolução que atualmente tem a democracia como termo.

Cada um desses regimes é bom para certas circunstâncias, e é normal e justo que não se considere o mundo inteiro obrigado a aceitar um só deles, qualificados os outros de obsoletos.

 

Textos Pontifícios

 

Função das elites nas democracias novas e sem passado social

"Mostramos no ano passado, nesta mesma ocasião, como também nas democracias de recente data, e que não têm atrás de si qualquer vestígio de um passado feudal, foi-se formando, pela própria força das coisas, uma espécie de nova nobreza ou aristocracia. É a comunidade das famílias que, por tradição, põem todas as suas energias a serviço do Estado, de seu governo, da administração, e sobre cuja fidelidade ele pode contar a qualquer momento.

Vossa missão está, pois, muito longe de ser negativa; ela supõe em vós muita aplicação, muito trabalho, muita abnegação, e, sobretudo, muito amor. Não obstante a rápida evolução dos tempos, vossa missão não perdeu seu valor e não atingiu o seu termo. O que ela também pede de vós, e que deve ser a característica de vossa educação tradicional e familiar, é o fino sentimento e a vontade de não vos prevalecerdes de vossa condição, - privilégio hoje em dia muitas vezes grave e austero – senão para servir.

Caminhai, pois, com coragem e com humilde altivez rumo ao futuro, queridos filhos e filhas. Vossa função social, nova na forma, é substancialmente a mesma, como nos vossos tempos passados de maior esplendor.

Se, por vezes, ela vos parecer difícil, árdua, e mesmo talvez não isenta de desilusões, não esqueçais que a Divina Providência, tendo-vos confiado esta missão, vos dispensará ao mesmo tempo as forças e os socorros necessários para cumpri-la dignamente" (189).

Elites e tradição, em uma democracia verdadeira

"Já em outra ocasião falamos das condições necessárias para que um povo seja maduro para uma sã democracia. Mas quem o pode conduzir e elevar a esta maturidade? Sem dúvida, poderia a Igreja dar muitos ensinamentos a tal respeito, extraídos dos tesouros de sua experiência e de sua própria ação civilizadora. Mas vossa presença Nos sugere uma particular observação. Segundo o testemunho da história, onde reina uma verdadeira democracia a vida do povo está como que impregnada de sãs tradições, que é ilícito abater. Representantes destas tradições são, antes de tudo, as classes dirigentes, ou seja, os grupos de homens e de mulheres, ou as associações, que dão, como se costuma dizer, o tom na aldeia e na cidade, na região e no país inteiro.

Daqui, em todos os povos civilizados, a existência e o influxo de instituições eminentemente aristocráticas, no sentido mais alto da palavra, como são algumas academias de larga e bem merecida fama" (190).

As elites tradicionais, fator de sadio progresso

"A sociedade humana não é porventura, ou pelo menos não deveria ser, semelhante a uma máquina bem ordenada, cujas peças concorrem todas para um funcionamento harmônico do conjunto? Cada um tem sua função, cada um deve aplicar-se para um melhor progresso do organismo social, cujo aperfeiçoamento deve procurar, de acordo com as suas forças e próprias virtudes, se tem verdadeiro amor ao próximo e razoavelmente tende para o bem e proveito de todos.

Ora, que parte vos foi confiada de maneira especial, queridos filhos e filhas? Qual missão vos foi particularmente atribuída? Precisamente aquela de facilitar este desenvolvimento normal; aquilo que na máquina presta e executa o regulador, o volante, o reostato, que participam da atividade comum e recebem a parte que lhes cabe da força motriz para assegurar o movimento de regime do aparelho. Em outros termos, Patriciado e Nobreza, vós representais e continuais a tradição" (191).

A Igreja aceita qualquer das três formas de governo

A Igreja "aprova todos os diversos sistemas políticos, contanto que respeitem a Religião e a moral cristã" (192).

A tradição não é fossilização, mas vida

"Foi justamente observado que uma das características dos romanos, como que um segredo da grandeza permanente da Cidade Eterna, é o respeito às tradições. Não que esse respeito signifique a fossilização em formas ultrapassadas pelos tempos; mas antes a conservação em vida daquilo que os séculos demonstraram ser bom e fecundo. Desse modo a tradição não impede absolutamente em nada o justo e feliz progresso, mas é ao mesmo tempo um poderoso estímulo para perseverar no caminho seguro; um freio ao espírito aventureiro, propenso a abraçar sem discernimento qualquer novidade que seja; e também, como se costuma dizer, o sinal de alarma contra os declínios" (193).


Notas:

(189) Pio XII, Discurso de 8 de janeiro de 1947, ao Patriciado e à Nobreza Romana – "Discorsi e Radiomessaggi", vol. VIII, págs. 370-371.

(190) Pio XII, Discurso de 16 de janeiro de 1946, ao Patriciado e à Nobreza Romana – "Discorsi e Radiomessaggi", vol. VII, pág. 340.

(191) Pio XII, Discurso de 19 de janeiro de 1944, ao Patriciado e à Nobreza Romana – "Discorsi e Radiomessaggi", vol. V, pág. 178.

(192) Leão XIII, Encíclica "Sapientiae Christianae", de 10 de janeiro de 1890 – "Editora Vozes Ltda.", Petrópolis, pág. 19.

(193) Pio XII, Discurso de 28 de fevereiro de 1957, aos alunos do Liceu "Ennio Quirino Visconti", de Roma – "Discursi e Radiomessaggi", vol. XVIII, pág. 803.


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