Secção II
Opiniões socializantes que
preparam o ambiente para a "Reforma Agrária": exposição e
análise
Proposição
8
Impugnada
À vista do exposto na proposição anterior,
deveria a lei fixar um limite de área, que nenhuma propriedade
rural poderia exceder.
Esse limite legal seria diverso para cada zona,
cada gênero de cultura etc.
Talvez se pudesse conferir aos Municípios o
direito de proceder à fixação das áreas máximas das
propriedades rurais nos respectivos territórios.
Ou então esse máximo poderia ser fixado pelos
diversos Estados da Federação, que, por meio de tributos sobre a
terra, muito pesados, e proporcionais à extensão da mesma,
possivelmente conjugados com um forte imposto de renda, obrigariam
à fragmentação das propriedades até o limite de área desejado. |
Afirmada
Nas condições concretas do Brasil, nada há que
justifique essa limitação de áreas.
Nas zonas em que a grande e a média propriedade
são desaconselháveis, vão elas desaparecendo organicamente, e
não seria, pois, cabível nem prudente uma intervenção do
legislador.
Ademais, sendo a Nação o maior dos
latifundiários, seria justo – e aliás muito conforme ao
interesse público – que ela só impusesse a partilha de glebas de
particulares nas hipóteses em que a distribuição de suas
próprias terras não resolvesse o problema.
A fixação de uma área máxima para cada zona e
cada gênero de cultura é tarefa impraticável em nosso imenso
território, e supõe, ademais, um estudo longo e sereno,
inexeqüível na atmosfera demagógica em que a "Reforma
Agrária" vem sendo pleiteada.
Do ponto de vista econômico, uma propriedade
rural se reputa demasiadamente grande, não simplesmente quando é
muito extensa, mas quando sua extensão prejudica o conjunto da
produção agrícola de uma região ou de um país. Assim, a
propriedade imensa de uma zona subpovoada pode não ser
excessivamente grande. Pelo contrário, uma propriedade muito menor
próxima à cidade pode ser grande demais.
Confiar esta fixação de áreas máximas aos
poderes municipais seria, em muitos casos, permitir que a
politicagem local, sob pretexto de "Reforma Agrária", se
entregasse aos piores abusos.
Conferir aos diversos Estados a possibilidade de
impor o fraccionamento das terras pela pressão de tributos
incidentes sobre elas, agravados pelo imposto da renda, é dar-lhes
meios para, com aparências de legalidade, golpear a fundo o Direito
natural, base da propriedade, como de toda a ordem jurídica. |
Comentário
1 – Direitos adquiridos
Todo país civilizado repousa sobre uma ordem
jurídica. E toda ordem jurídica repousa por sua vez sobre certos
princípios básicos. Um destes é o da intangibilidade dos direitos
adquiridos.
Se os proprietários têm direitos adquiridos, a lei
não os pode suprimir sumariamente. Aliás, é o que dispõe a
Constituição Federal (156).
A fixação de um limite máximo de área para as
propriedades rurais, além do qual se tira ao dono o que é seu, não pode
ser meio normal de resolver os problemas em um país civilizado.
2 – Onipotência do Estado
Como vimos (157), a propriedade privada resulta da
ordem natural das coisas. Em conseqüência, o Estado não a pode abolir.
Afirmar o contrário é adotar o totalitarismo, tão do gosto de
socialistas, comunistas e nazistas.
3 – O Estado, árbitro da vida econômica e social
Atribuir ao poder público o direito de alterar a seu
talante – em função de um princípio de igualdade abstrato e falso –
as áreas das propriedades rurais é sujeitar toda a economia ao Estado.
4 – O direito de lançar impostos
Evidentemente, o Estado tem o direito de lançar
impostos para atender ao exercício de suas funções. Mas esse direito
não pode transformar-se em meio para tirar de uns e dar a outros, com
fundamento no princípio de que todas as desigualdades são injustas.
5 – O meio não importa
Se o Estado cogitasse de fazer um confisco puro e
simples, a iliceidade do fato seria patente. Mas, feito este confisco sob
a forma de impostos, parece a muitos que tal iliceidade é menor, ou até
que não existe. Alguns espíritos têm encarado dessa forma, por exemplo,
o recente projeto de revisão agrária do governo paulista. (158).
6 – Remediar, melhor do que destruir
Como demonstramos na Parte II (159), o bem comum, na
atual situação do País, absolutamente não exige a abolição da grande
ou da média propriedade. Se estas não estivessem cumprindo seu dever, a
função do Estado não consistiria, aliás, em aboli-las desde logo, mas
em tentar primeiramente socorrer o agricultor para que este lhes
levantasse o nível de produtividade. E, se fosse em certos casos
necessário o loteamento, deveria o Estado favorecer os proprietários que
espontaneamente o fizessem, em lugar de o impor a todos. Seria, numa e
noutra hipótese, o exercício da função subsidiária do Estado (160).
Pelo contrário, há manifesto abuso deste em atacar desde logo o direito
de propriedade sem esgotar todos os meios para chegar a uma solução
menos violenta.
7 – Ressalva
Não somos contrários a que os mais ricos paguem
impostos proporcionalmente maiores. Não concordamos, apenas, com a idéia
de transformar o imposto em meio de espoliação.
8 – Prejuízos injustos
Se a tributação deve dentro de alguns anos forçar a
fragmentação das propriedades grandes, e quiçá das médias, e os lotes
daí resultantes forem vendidos a particulares, a simples perspectiva da
afluência de grande quantidade de terras ao mercado de imóveis já será
de molde a determinar uma terrível baixa de preços com o que se
acarretarão aos agricultores danos graves e injustos.
Se estas terras deverem ser vendidas, não a
particulares, mas ao Estado, para que este as doe ou revenda a largo
prazo, como pagará ele os gastos imensos daí decorrentes? É bem de ver
que será forçado a impor preços injustamente baixos aos atuais
proprietários, ou pagar com títulos necessariamente desvalorizados.
9 – "Latifúndio" –
"feudalismo"
Por fim, um comentário de outra ordem. A campanha em
favor da divisão compulsória das propriedades rurais explora num sentido
demagógico duas palavras a que se soube comunicar certo
"magnetismo" propagandístico: "latifúndio" e
"feudal". O grande proprietário seria um ogre pelo simples fato
de ser "latifundiário", senhor "feudal".
O emprego pejorativo destes termos é velho recurso da
propaganda comunista. Ele reflete, no que diz respeito a
"feudal", o estado de espírito muito freqüente em certos
ambientes, no século passado, segundo o qual tudo quanto era medieval
deveria, ipso facto, ser tido por bárbaro, cruel, desumano. A
cultura histórica mais recente destroçou este preconceito.
Quanto a "latifúndio", só a mentalidade
igualitária poderia ligar a esse vocábulo um sentido intrinsecamente
mau: se a única forma de justiça está na igualdade econômica, quanto
maior o latifúndio, tanto maior a injustiça.
Mas um espírito de formação cristã evidentemente
não pode ver as coisas assim (161).
10 – O Estado, latifundiário máximo
Os que declamam contra o caráter
"latifundiário" e "feudal" de certas grandes
propriedades rurais se esquecem de dizer, em geral, que o Estado é, mais
do que ninguém, um grande, um grandíssimo latifundiário (162).
A estrada Belém-Brasília abre possibilidades imensas
para a utilização de boa parte da área desocupada do território
nacional. Convém lembrá-lo para pôr em relevo a atual aproveitabilidade
dos latifúndios estatais.
Textos Pontifícios
Não se pode abolir a propriedade particular com impostos
excessivos
"... a propriedade particular não seja esgotada
por um excesso de encargos e de impostos. Não é das leis humanas, mas da
natureza, que emana o direito da propriedade individual; a autoridade
pública não o pode pois abolir; o que ela pode é regular-lhe o uso e
conciliá-lo com o bem comum. É por isso que ela obra contra justiça e
contra a humanidade quando, sob o nome de impostos, sobrecarrega
desmedidamente os bens dos particulares" (163).
O imposto não pode servir de instrumento para o
intervencionismo
"Não resta dúvida acerca do dever de cada
cidadão de suportar uma parte das despesas públicas. Mas o Estado, de
seu lado, enquanto encarregado de proteger e promover o bem comum dos
cidadãos, tem a obrigação de repartir entre estes unicamente os gastos
necessários, e proporcionais aos seus recursos. Portanto, o imposto não
pode, jamais, tornar-se para os poderes públicos um meio cômodo de
saldar o déficit provocado por uma administração imprevidente, ou de
favorecer uma indústria ou um ramo de comércio à custa de outros
igualmente úteis" (164).
O totalitarismo invasor, uma tentação para o Estado;
a obediência ao princípio supletivo, um dever
"A fidelidade dos governantes a este ideal de
proteger a liberdade do cidadão e servir ao bem comum será, além do
mais, sua melhor salvaguarda contra a dupla tentação que os espreita
ante a amplidão crescente de sua tarefa: tentação de fraqueza, que os
faria abdicar sob a pressão conjugada dos homens e dos acontecimentos;
tentação inversa de estatismo, pela qual os poderes públicos se
substituiriam indevidamente às livres iniciativas privadas para reger de
maneira imediata a economia social e outros ramos da atividade humana.
Ora, se não se pode hoje negar ao Estado um direito que lhe recusava o
liberalismo, não é menos verdade que sua tarefa não é, em princípio,
assumir diretamente as funções econômicas, culturais e sociais que
dependem de outras competências; ela consiste antes em assegurar a real
independência de sua autoridade de maneira a poder conceder a tudo o que
representa um poder efetivo e valioso no país uma parte justa de
responsabilidade sem perigo para a sua própria missão de coordenar e de
orientar todos os esforços para um fim comum superior" (165).
Economia normalmente sujeita ao Estado: inversão da
ordem das coisas
"Não há dúvida que a Igreja também – dentro
de certos limites justos – admite a estatização e julga "que
se pode legitimamente reservar aos poderes públicos certas categorias de
bens, os que apresentam um tal poderio que não seria possível, sem pôr
em perigo o bem comum, abandoná-los às mãos dos particulares"
(Encíclica "Quadragesimo Anno" – A.A.S., v. XXIII, 1931,
pág. 214). Mas fazer desta estatização como que a regra normal da
organização pública da economia seria subverter a ordem das coisas. A
missão do direito público é com efeito servir o direito privado, e não
absorve-lo. A economia – aliás, como qualquer outro ramo da atividade
humana – não é por natureza uma instituição de Estado; ela é, ao
invés, o produto vivo da livre iniciativa dos indivíduos e de seus
grupos livremente constituídos" (166).
A desigualdade das propriedades é útil e até
necessária
Elogiando a classe dos pequenos proprietários na
Itália, Pio XII advertiu que "isto não resulta em negar a utilidade
e freqüentemente a necessidade de propriedades agrícolas mais
vastas" (167).
Notas:
(156) Art. 141, § 3º .
(157) Secção I, Título II, Capítulo II.
(158) Cfr. Parte II, Capítulo II.
(159) Capítulo III.
(160) Cfr. Comentário à Proposição 7.
(161) Cfr. Proposição 1.
(162) Sobre este assunto, ver na Parte II,
Capítulo IV, dados do Censo Agrícola de 1950.
(163) Leão XIII, Encíclica "Rerum
Novarum", de 15 de maio de 1891 – "Editora Vozes
Ltda.", Petrópolis, págs. 33-34.
(164) Pio XII, Discurso de 2 de outubro de 1956,
aos membros do X Congresso da Associação Fiscal Internacional –"Discorsi
e Radiomessaggi", vol. XVIII, págs. 508-509.
(165) Pio XII, Carta de 14 de julho de 1954, à 41ª
Semana Social da França – "Discorsi e Radiomessaggi",
vol. XVI, págs. 465-466.
(166) Pio XII, Discurso de 7 de maio de 1949, à IX
Conferência da União Internacional das Associações Patronais
Católicas – "Discorsi e Radiomessaggi", vol. XI, pág.
63.
(167) Pio XII, Discurso de 2 de julho de 1951, ao
Congresso Internacional sobre os Problemas da Vida Rural –
"Discorsi e Radiomessaggi", vol. XIII, págs. 199-200.