1. Um anticomunismo confuso e genérico
Após correr a notícia de que o livro da TFP andina
estava ateando fogo no Chile, vimos aqui no Brasil uma série de Cardeais
(praticamente todos, menos Dom Arns, Cardeal Arcebispo de São Paulo, que
fez declarações numa linha claramente favorável à esquerda), e Bispos
começarem a se pronunciar a respeito do problema comunista, com frases
confusas e genéricas contra este, não indo porém além do palavreado [145].
Essas numerosas declarações de importantes prelados
vindas a público simultaneamente e com grande destaque surgiam juntas e de
súbito, não se sabe por que naquele momento, depois de tantos anos de
expansão do mal, impune de sanção eclesiástica. E o público católico, por
isto, não sabia explicá-las [146].
Há quanto tempo viam eles o comunismo se espalhando
sem dizer uma palavra? Por que mudaram? Que dado novo tinha havido? E por
que estavam agindo agora do mesmo jeito, com exceção de Dom Arns, e
aparecendo de público dizendo mais ou menos as mesmas coisas? De repente
aparecem como atores que entram em um palco de teatro segurando-se pela
mão e dizendo coisas de um vago perfume anticomunista [147].
Esses Bispos brasileiros evidentemente ficaram
sabendo da acusação que pesava sobre o Episcopado chileno. E, sobretudo,
os Bispos brasileiros certamente perceberam que a denúncia chilena era a
primeira de uma série análoga que poderia sair em outros países.
Então, a atitude dos Cardeais brasileiros em parte se
explicava: antes de sair um livro brasileiro mostrando a conivência deles
com o comunismo, por antecipação colocavam-se em uma posição que tornasse
um pouco mais difícil a transposição do caso chileno para o caso
brasileiro. Eles poderiam retrucar: “Nós já tomamos uma atitude contra
o comunismo”... [148]
2. Pronunciamentos dúbios, mas favorecedores de certo comunismo
Mas os pronunciamentos episcopais tinham sido
extremamente dúbios, ambíguos ou até mesmo simpáticos ao comunismo.
Alguns falavam do “comunismo ateu”. Ora, dos
tempos de Pio XI para cá, as coisas haviam mudado muito, e o new look
era o comunismo procurar em vários lugares tomar ares de “católico”.
Falar contra o “comunismo ateu” significava
atacá-lo apenas debaixo de um de seus aspectos, deixando certa escapatória
para ele.
Outra coisa que chamava a atenção: eles davam a
entender que o comunismo nascia da fome e da miséria, o que não condiz com
a verdade. O comunismo pode ser agravado pela fome e pela miséria, mas ele
nasce da corrupção dos costumes, nasce da maldade dos homens, nasce da
irreligião.
O Cardeal Dom Eugênio Sales, em sua declaração, tinha
ido além, afirmando claramente que não ia se engajar numa campanha
anticomunista “insana”.
O que era uma campanha anticomunista insana? Numa
campanha sã, ele também não se engajaria? Por que ele não fazia
anticomunismo? A posição do Pastor não é ser antilobo? Se o comunismo é o
lobo, por que ele não era antilobo?
Era portanto uma forma de declarar um anticomunismo
que dava oportunidade, em última análise, para uma meia penetração
comunista.
3. O pronunciamento da TFP
Um velho provérbio ensina: “Quando se vê a barba
do vizinho pegar fogo, põe-se a sua de molho”.
Todas essas declarações acentuavam em mim a impressão
de que eles estavam pondo a barba de molho, tomando preventivamente umas
atitudes por onde a TFP não poderia dizer que eles eram uns Silva
Henriques brasileiros.
Diante dessa manobra, nossa tomada de atitude teria
de provar ao público que não poderíamos levar a sério esse anticomunismo
deles.
Uma publicação nos jornais seria o meio adequado para
essa atitude..
Lembro-me até do lugar em que ditei o manifesto, ao
qual dei o título de Anticomunismo-surpresa de altos Prelados.
|
Fac-símile da publicação do manifesto em O Estado de São Paulo
de 7 de março de 1976 [clique sobre a imagem para aceder ao
texto] |
Saindo de casa, quando cheguei próximo ao Estádio do
Pacaembu, pedi que conduzissem o automóvel a um ponto calmo daquele
bairro. Mandei parar e ali ditei essa declaração que depois saiu em nome
da TFP.
Essa declaração eu a limei quanto pude e a entreguei
a Dr. Castilho, que possuía limas e lixas super-especializadas.
No dia seguinte, comecei a ler o jornal e deparei-me
com um mundo de novas declarações no mesmo sentido. Então adaptei um pouco
o que eu já havia escrito.
Telefonei em seguida para Dom Mayer, porque eu nunca
tomava uma atitude pública desse gênero sem antes ouvi-lo. Li o documento
para ele e ele o aceitou com toda a facilidade.
Esse documento foi levado por Dr. Plinio Xavier e Dr.
Borelli Machado a O Estado de S. Paulo e foi publicado na edição de
7 de março de 1976, na 5ª página, o que, para uma edição de domingo, era
uma página muito boa* [149].
* Esta declaração
foi depois reproduzida em 53 jornais das principais capitais do País e
também do interior. Nesse manifesto Dr. Plinio dizia:
“O ambiente que,
de 1960 até hoje, os comunistas mais têm procurado infiltrar, no Brasil, é
o ambiente católico: Seminários, noviciados, Universidades e colégios
católicos, associações religiosas, meios de comunicação social etc.
[...] Isto não teria chegado a ser assim se não fosse a colaboração
pública e ativa de bom número de eclesiásticos, a colaboração discreta e
sabiamente dosada de um número maior deles, e a abstenção comodista da
maioria.
“Estas
considerações levam a TFP a tomar atitude diante de numerosas declarações
de importantes Prelados vindas a público simultaneamente e com grande
destaque, nos últimos dias. [...] Carece de seriedade que esses
pronunciamentos, reconhecendo a periculosidade do comunismo, fiquem em
generalidades. [...] Não, Eminências. Não, Excelências. Isso não
basta. Os católicos só tomarão a sério pronunciamentos anticomunistas de
fonte eclesiástica que deem especialíssimo relevo à denúncia do perigo que
avulta de modo escandaloso no campo imediatamente confiado à vigilância e
à ação defensiva dos Bispos, isto é, no campo católico. [...] Tranquilizem o público anunciando-lhe um plano amplo e eficaz de
erradicação do mal. E sobretudo anunciem que já teve início a execução
desse plano. Então, e só então, o rebanho de Nosso Senhor Jesus Cristo
reconhecerá no que digam tais pronunciamentos, a autêntica voz do Pastor”.
4. Desconfiança do público
Pelo efeito de nossa declaração e dos pronunciamentos
que se lhe seguiram, abriu-se no público uma desconfiança, e uma
desconfiança particularmente dura, porque criava uma atitude de
expectativa.
Se os Bispos quisessem esmagar a nossa declaração,
bastava serem sinceros, tomando uma série de providências contra o Clero
esquerdista [150].
Como podia a CNBB ignorar que havia uma séria e perigosa infiltração
comunista não só no laicato católico como ainda no Clero? [151]
Então, diante de nosso manifesto, o público ficou a
perguntar: “São sinceros? Querem realmente combater o comunismo? Há
vários clérigos esquerdistas que estão debaixo da autoridade deles. E eles
não fazem nada? Eles mesmos estão se denunciando”. E ficou criada essa
perplexidade.
NOTAS
Índice da "Parte X"
|