1. Bispos resguardam marxistas dispersados
Como ficara notório, o Cardeal Silva Henriquez havia
deitado o peso de toda a influência da autoridade inerente a seu cargo
para auxiliar a ascensão de Allende ao poder, sua posse festiva nele, e
sua manutenção na primeira magistratura até o momento trágico em que o
líder ateu se suicidou.
Com uma flexibilidade que não concorria para dar boa
idéia dele, procurou ajustar-se, por meio de algumas declarações públicas,
à ordem de coisas que sucedeu ao regime Allende.
Porém, as manifestações de sua constante simpatia
para com os marxistas chilenos nem por isso cessaram.
Pouco antes, S. Emcia. havia celebrado a Missa de
réquiem na capela de seu Palácio Cardinalício por alma de outro comunista,
o "camarada" Tohá, ex-ministro de Allende, também ele um infeliz
suicida. Ao ato compareceram familiares e amigos do morto (cfr. Jornal
do Brasil, 18/3/74) [136].
Grande parte da Hierarquia veio resguardando de todos
os modos os restos da situação derrocada. E propiciaram quanto puderam a
reaglutinação destes restos, obviamente com vistas a uma nova investida
vermelha [137].
2. Paulo VI e Episcopado pregam a “reconciliação” com os comunistas
chilenos
Neste sentido, reputei altamente poluidora a
declaração da Conferência Episcopal Chilena (CEC), divulgada pelo Cardeal
Silva Henriquez.
Entregando à imprensa essa lamentável declaração, o
Cardeal chileno informou ter recebido do Vaticano um longo telegrama
exortando o Episcopado a trabalhar pela reconciliação entre os chilenos. O
que importava em afirmar que essa infeliz atitude da CEC era efeito das
instruções da Santa Sé [138].
A aceitação de tal meta e tal estilo acarretaria
assim, na ordem concreta dos fatos, uma catástrofe para os católicos e uma
vitória para os comunistas chilenos.
Ora, a imprensa havia publicado um resumo da alocução
de Paulo VI ao novo embaixador chileno Hector Riesle, que lhe apresentava
suas credenciais.
A ocasião dessa entrega de credenciais era propícia
para, se o quisesse Sua Santidade, remediar tal situação. Bastava-lhe
exprimir ao diplomata sua alegria por ver a nação chilena libertada do
jugo de um governo que a levava a uma dupla ruína: 1) espiritual, em
virtude da inspiração ateia e marxista do presidente Allende; 2) material,
em conseqüência da derrubada de dois pilares da normalidade econômica, ou
seja, a livre iniciativa e a propriedade privada.
Essas palavras do Santo Padre teriam, ao mesmo tempo,
dessolidarizado sua sagrada e suprema autoridade da conduta pró-marxista
do Cardeal Silva Henriquez, Arcebispo de Santiago.
Entretanto, a alocução do Soberano Pontífice nada
conteve de análogo a essas palavras, que seriam tão naturais nos lábios de
um Papa*.
* Nessa alocução,
pronunciada em 6 de abril de 1974, o Santo Padre augurava “uma
fraternidade que, superando as animosidades e os ressentimentos, e
excluindo as vinganças, envolva o restabelecimento de uma autêntica e
recíproca compreensão através de uma reconciliação efetiva e sincera”.
Num país dividido a fundo entre dois imensos blocos,
comunista e anticomunista, o Augusto Pontífice parecia achar possível o
despontar de uma era de concórdia em que, continuando uns e outros nas
respectivas convicções, cessassem as "animosidades", os
"ressentimentos" e as "vinganças".
As palavras do Santo Padre equivaliam a indicar aos
católicos chilenos uma meta e um estilo de ação que os desmobilizariam
psicologicamente ante um adversário implacável, o qual havia lançado o
Chile na miséria e no comunismo, e que, de seu lado, de nenhum modo se
desmobilizara.
E não era difícil ver que essas palavras tendiam a
reproduzir, no campo interno da política chilena, uma conciliação entre
católicos e comunistas análoga à que a Santa Sé vinha tentando obter, no
campo diplomático, com as nações comunistas.
A aceitação de tal meta e tal estilo acarretaria
assim, na ordem concreta dos fatos, uma catástrofe para os católicos e uma
vitória para os comunistas chilenos [139].
3. A TFP chilena proclama a verdade inteira
Foram estes e outros fatos, quase incríveis de tão
aberrantes, que levaram a TFP chilena a lançar o seu livro-denúncia A
Igreja do Silêncio no Chile — A TFP proclama a verdade inteira*.
* Sobre essas
escandalosas atitudes assumidas pela grande maioria dos Bispos e do Clero
andino em geral, o livro dizia a certa altura: "É impossível analisar
estes fatos à luz da Doutrina Católica sem pensar nas figuras canônicas de
cisma, favorecimento de heresia e suspeita de heresia: quando não, de
heresia propriamente dita" (cfr. La Iglesia del Silencio en Chile -
La TFP proclama la verdad entera, p. 389).
Com este livro foi dado o maior lance de resistência
de uma TFP que se poderia imaginar: foi um incêndio de resistência. O
livro era propriamente uma ação de resistência [140].
Na Bíblia há uma expressão que, ao menos a mim, desde
pequeno, me chamava a atenção, quando falava de Abel. Deus disse a Caim
que o sangue de Abel, derramado por Caim, bradava aos céus clamando por
vingança.
É claro que o sangue não clama. Mas isto queria dizer
que a cólera de Deus, vendo aquele sangue derramado que saía aos borbotões
do corpo do filho honesto e fiel, bradava por vingança.
Havia no Chile algo pior do que isto. Não era o crime
de Caim contra Abel, mas seria semelhante a um crime de Adão contra Abel,
porque era o pai que matava o filho. Era o Hierarca, o Pastor que matava
as ovelhas, aproximando-as do comunismo.
Esse sangue, no sentido espiritual, das ovelhas
derramado bradava por vingança. Esse brado descarregou-se na voz da TFP [141].
4. Situação canônica de Pastores divorciados de sua sagrada missão
Verdadeiro estudo histórico e doutrinário baseado em
mais de 200 documentos, o livro da TFP chilena nos mostrava que a quase
totalidade do Episcopado e uma impressionante parte do Clero daquele país
coadjuvaram de modo decisivo, nas vitórias como na adversidade, a política
do líder marxista Salvador Allende.
Em seus últimos capítulos, estudava a situação
canônica na qual se puseram esses Pastores de tal maneira divorciados de
sua sagrada missão* [142].
* O livro dizia em
sua conclusão que, à luz da Sagrada Teologia e da legislação canônica, não
havia para os católicos o dever de seguir a orientação errônea do
Episcopado: "Os católicos [...] objetivamente têm o direito e,
de acordo com as circunstâncias também o dever — ainda quando sejam
simples fiéis — de resistir a tais Pastores e ao Clero que os secunda
[...] Entendemos por resistir: Declarar e proclamar ante o Chile e o
mundo, por todos os meios lícitos a que nos autorizam o Direito Natural e
a Lei Positiva, seja canônica, seja civil, em que consiste a conduta dos
Hierarcas e Sacerdotes demolidores, e esclarecer qual sua gravidade, em
vista do dano que ela causa à Igreja e à civilização em nossa Pátria. E
opor-nos em toda a medida que nos seja permitida pela Moral e pelo
Direito, a que tais Hierarcas e Sacerdotes usem de seu prestígio para
fazer o mal que os fatos relatados [refere-se aos numerosos fatos
citados e comprovados no livro] indicam — prestígio que se torna,
assim, um fruto usurpado aos sagrados cargos que ainda ocupam. [...]
Sendo assim, e salvo melhor juízo, afirmamos que cessar a convivência
eclesiástica com tais Bispos e Sacerdotes [demolidores] é um
direito de consciência dos católicos que a julguem insuportável. Isto é,
daninha para a própria Fé e vida de piedade, e escandalosa para o povo
fiel" (Cfr.
A Igreja ante a ameaçada da escalada comunista,
Editora Vera Cruz, São Paulo, 4ª edição, julho de 1977, pp. 213 ss.).
E fazia um apelo
aos Eclesiásticos e teólogos andinos para que não aplaudissem esse
processo demolidor da Igreja e da nação chilena, e que saissem do relativo
silêncio em que estavam e se pronunciassem publicamente sobre os aspectos
morais e canônicos do delicado assunto.
5. Governo Pinochet não autoriza difusão do livro nas ruas. Sucesso de
livraria
Eu teria gostado que a TFP chilena fizesse a difusão
do livro por meio de campanha pública. Mas infelizmente eles não obtiveram
autorização do governo — governo anticomunista! — para fazê-la*.
* A TFP chilena foi
assim coarctada em seu legítimo direito de difundir o livro em vias
públicas por uma decisão governamental que evidentemente agradou muito ao
Episcopado. O livro passou então a ser vendido apenas nas livrarias.
Em menos de um mês
foram lançadas três edições (10 mil exemplares). No gênero, constituiu um
dos maiores sucessos da história editorial chilena. A imprensa deu ampla
cobertura à difusão, que logo se constituiu em “tema obrigatório de
comentário”, segundo a revista ¿Que Pasa? (26/2/76).
As agências de
notícias enviaram despachos ao exterior, que foram publicados por jornais
da América Latina, Estados Unidos e Europa, transpondo inclusive a Cortina
de Ferro (Cfr. Tygodnik Powszechny de Cracóvia, 28/3/76; Slowo
Powszechne, 2, 3 e 4/4/76 e Kierunki, 2/5/76, ambos de
Varsóvia, apud Um homem, uma obra, uma
gesta, cit., pp. 271 e
272).
Mesmo assim, a repercussão de livraria foi além do
que se poderia imaginar: uma saída em média de 100 livros por dia. Quer
dizer, uma campanha perfeita e de grande porte [143].
6. Reações contrárias: Rádio Moscou, Arcebispado de Santiago,
Nunciatura — 32 sacerdotes chilenos e mil espanhóis apóiam o livro
A Rádio de Moscou manifestou-se evidentemente contra
o livro, e contentíssima com o Episcopado. O estilo de narrar que empregou
era o estilo faccioso de quem estava encantado com as declarações que o
Episcopado fizera contra a TFP*.
* No total foram
quatro transmissões em que, durante o mês de fevereiro de 1976, a Rádio
Moscou, no programa Escucha Chile, atacava a TFP chilena a
propósito do livro.
* *
*
Tiveram também início as reações dos Bispos e as
correspondentes respostas da TFP chilena*.
* Primeiramente,
foi publicada uma nota do Departamento de Opinião Pública do Arcebispado
de Santiago, em que este lamentava que o país tivesse de se ocupar com o
tema de A Igreja do Silêncio (El Mercurio, Santiago, 27/2/76).
Pouco depois sai
outra nota do Comitê Permanente do Episcopado, acusando os autores e
difusores de A Igreja do Silêncio no Chile de se terem afastado
automaticamente da Igreja Católica (El Mercurio, 11/3/76).
Em resposta a ambas
as notas, a TFP andina afirmou que a declaração do Arcebispado insistia em
ignorar o profundo conflito interior que afligia a nação pela atitude de
seus Prelados, ademais de não apresentar absolutamente nenhuma refutação
da obra, nem provar que fossem falsas quaisquer das suas imputações (El
Mercurio, 4/3/76). E solicitava ao Comitê Permanente do Episcopado que
saísse a público para dizer se os fatos expostos no livro eram ou não
verídicos, se estavam ou não bem documentados, e se a análise correspondia
ou não à objetividade. E concluía: "Se se responde afirmativamente a
essas perguntas, a conclusão forçosa é que tais Prelados e Sacerdotes
encontram-se em estado de cisma e suspeita de heresia, conforme o Direito
Canônico (El Mercurio, 12/3/76).
El Mercurio publicou, com título de primeira
página, uma chamada a essa resposta da TFP à Comissão Episcopal, e dentro
da edição, o texto integral dela, com bastante destaque.
* *
*
A declaração da Nunciatura a nosso respeito apareceu
no mesmo dia naquele diário, mas com menor destaque* [144].
* O Núncio no
Chile, Dom Sotero Sanz Villalba, naqueles dias acabara de franquear asilo
na Nunciatura para dirigentes terroristas do MIR (Movimiento de
Izquierda Revolucionaria). O que não o inibiu de sair a público com
uma declaração em que rechaçava “com energia” as acusações do
livro. Afirmava ele que a versão dos documentos citados era parcial. A se
crer na informação de L’Unità (21/3/76), órgão do Partido Comunista
italiano, que fez eco a essa atitude do Núncio, Dom Sotero teria afirmado
que fazia essa declaração “depois de ter consultado a Santa Sé”
(cfr. El Mercurio, Santiago, 12/3/76).
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Fac-símile do manifesto da TFP espanhola com o apoio de
1.000 sacerdotes espanhóis às teses de "A Igreja do Silêncio
no Chile" |
Em resposta, a TFP
chilena reafirmou a sua inteira e amorosa obediência ao Soberano Pontífice
e a quem o representava no Chile, e ao mesmo tempo lamentava o fato de o
Núncio não ter tido, antes, a preocupação de pelo menos ouvi-la ou
admoestá-la, concluindo penalizada: “As portas da Nunciatura
Apostólica, que recentemente se abriram com tanto desvelo e cordialidade
para asilar elementos miristas do Movimiento de Izquierda Revolucionaria,
terrorista, estiveram fechadas para nós” (La Tercera, Santiago,
14/3/76).
Três meses depois,
ainda em junho de 1976, a Conferência Episcopal difundiu nos jornais
chilenos a carta a ela enviada pelo Cardeal Villot, Prefeito do Conselho
para Assuntos Públicos da Santa Sé, na qual declarava que o livro A
Igreja do Silencio no Chile havia causado profundo desagrado a Paulo
VI, que teria visto nele “graves e inadmissíveis acusações” (La
Tercera, Santiago, 3/6/76).
A TFP andina, em
comunicado de imprensa, reconheceu que, de fato, as acusações do livro
eram “graves”. Mas, que fossem “inadmissíveis”, era o que devia ser
provado (La Tercera, 8/6/76).
Em contrapartida,
neste mesmo mês, a TFP lançou o comunicado 32 sacerdotes declaram: “la
TFP tiene razón”, noticiando o apoio recebido de 32 sacerdotes
chilenos que, enfrentando prováveis sanções, tiveram a coragem de se
solidarizar por escrito com o livro (La Tercera, 9/6/76).
No final do ano de
1976, a TFP chilena anunciou ao público a manifestação de solidariedade de
1.000 sacerdotes espanhóis às teses do livro (El Mercurio,
22/12/76; ABC, Madri, 12/12/76; e mais 27 jornais espanhóis).
NOTAS
Índice da "Parte X"
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