1. Papel dos Cursilhos na rotação ideológica do “establishment”
brasileiro
Um outro gênero de infiltração estava também me
preocupando: a que se notava nos Cursilhos de Cristandade.
Os Cursilhos de Cristandade eram uma
organização de origem espanhola. E realmente se difundiram muito pela
América [52].
Representavam, dentro da vida brasileira daquela época, o dispositivo do
adversário mais perigoso e mais ágil que se possa imaginar [53].
Para compreender esse perigo, é preciso fazer certo
recuo histórico.
* *
*
Quando lançamos RA-QC em 1960, havia algumas
cúpulas de dirigentes rurais que procuravam sabotar o livro, fazendo
manobras para que este não se tornasse conhecido e não fosse divulgado [54].
E nós lutamos e abortamos a Reforma Agrária, malgrado alguns órgãos de
classe aos quais pertenciam proprietários rurais que seriam confiscados, e
que fizeram o que puderam para sabotar, embora fingindo simpatia [55].
Mas esse era um fenômeno localizado. No geral da
opinião pública, o livro foi, na época, aprovado pelo que poderíamos
chamar de establishment.
O que entendo por establishment?
O establishment é a classe de pessoas
constituída por certo número de famílias tradicionais de São Paulo e de
outros Estados, que não haviam perdido a fortuna nem o prestígio,
acrescida de uma série de agricultores nascidos do povo, mas que tinham
amor à propriedade .
Quando, por exemplo, Dom Helder Câmara, para
enfrentar RA-QC, convocou aquela reunião da CNBB em São Paulo, à
qual já nos referimos, e tomou posição oficial a favor da Revisão Agrária,
das fileiras do establishment não saiu uma voz de apoio ao
Episcopado.
Mesmo pessoas atéias, diante de RA-QC
prestavam a sua homenagem.
Essa atitude do establishment em relação a nós
durou até aproximadamente os anos 1969-1970.
Aí eu fui notando que as coisas começavam a mudar [56].
E em grandíssimos contingentes dessa burguesia, sobretudo da burguesia
média e alta, percebi uma rotação [57].
Componentes desse establishment passaram a
considerar que o perigo comunista estava afinal afastado [58].
E eles que, na época do Jango, tomavam posição anticomunista e nos davam
apoio, iam se tornando simpatizantes do comunismo ou de formas sociais e
políticas que conduziam necessariamente ao comunismo [59].
Iniciou-se então um ataque surdo à TFP, o qual dizia
que éramos "exagerados" em matéria político-social. E a TFP começou a
parecer, então, inoportuna, pois levantava um problema que, para eles, era
preciso resolver com jeito, sem lutar, sem discutir, sem criar caso.
Surgiram também ataques à nossa rigidez em matéria de
costumes e à nossa posição de intransigência religiosa em geral. Diziam
que deveríamos ser religiosamente mais condescendentes, mais amáveis,
tolerar mais as modas novas, os costumes novos.
E assim foi-se espalhando um estado de espírito de
antipatia indefinível em grandíssima parte da classe dirigente,
especialmente na de São Paulo, em relação à TFP [60].
2. Cursilhos feitos sob medida para levar ao esquerdismo certo tipo de
burguês
Como é que se fez essa rotação?
Na sua parte mais relevante, essa rotação se fez pela
influência do Clero de esquerda. Mas junto a essa gente, a influência do
Clero de esquerda na imensa maioria dos casos se deveu à atuação dos Cursilhos de Cristandade.
Certo gênero de Cursilhos de Cristandade
correspondia ao gosto de um indivíduo burguês com restos de tradições ou
de reminiscências religiosas, ou de fé.
Esse burguês não queria, portanto, abandonar
completamente a Religião. Mas não queria praticá-la nem aceitá-la como ela
é. Era uma religião amoldada segundo as paixões e os caprichos dele, e o
levava aos poucos para a esquerda.
A religião pregada por certos Cursilhos era
brincalhona, folgazona, igualitária, admitindo piadas inconvenientes,
recomendando uma intimidade descabelada com Deus e dando ideia de que a fé
pode ser praticada de modo agradável, de modo fácil, sem exigir
sacrifício. Era, portanto, uma religião feita sob medida para esse tipo de
burguês.
O corolário necessário de uma religião assim era o
esquerdismo, e o burguês por essa via se abria ao esquerdismo.
Os Cursilhos de Cristandade afetados por essa
mentalidade afastaram de nós contingentes impensáveis. Não só afastaram,
mas os voltaram contra nós.
Os cursilhistas desse gênero eram os elementos mais
propulsores do esquerdismo — não nos seminários, não nas universidades e
nas obras especificamente católicas — mas nos setores até então infensos a
esse esquerdismo, existentes nos meios não especificamente de sacristia [61].
Os Cursilhos de Cristandade faziam, portanto,
para os ambientes por assim dizer mundanos o que o IDO-C e os “grupos
proféticos” faziam no interior dos meios especificamente religiosos
(seminários, ordens religiosas, conventos, obras católicas). Mas o
espírito era o mesmo. E a técnica era muito parecida [62].
Neste sentido, a nossa luta no tempo da Ação Católica
era contra uma forma ancestral dos Cursilhos [63].
O aparecimento dessa contra-ofensiva rumo a uma
posição semi-esquerdista era capitaneada por homens da indústria e das
empresas, mais do que por agricultores. No fundo, representava uma
infiltração de gente esquerdista no comércio, na indústria, no banco e na
classe alta.
3. Cursilhos: spray eficaz da mentalidade democristã
A mentalidade democrata-cristã — enquanto influência,
enquanto espírito, e não enquanto partido político — teve um papel não
pequeno nesse fenômeno de esquerdização.
O Partido Democrata Cristão, como partido, até já não
existia como tal no Brasil. Mas políticos democristãos contaram com
simpatia dessa gente, e isto exerceu sua influência nos acontecimentos
exatamente por causa de mecanismos do tipo Cursilhos de Cristandade.
Assim, essa postura democristã foi-se disseminando
lentamente, da esfera do comércio e da indústria, para as famílias de
classe social alta, tanto urbanas como rurais.
Cabe lembrar que, durante esse período, a parte
conservadora do Clero foi desaparecendo. E o Clero começou a agir mais ou
menos em massa contra a TFP.
Todas essas influências juntas deram origem a que a
maioria das fortunas grandes, e uma boa parte das fortunas médias de São
Paulo e de outros Estados, naqueles idos de 1970, estavam em mãos de
pessoas ora mais ora menos esquerdistas, mas muito tomadas pelas modas
novas e pela agressão sexual.
Foi nessa quadra que apareceu o fenômeno que passamos
a chamar de sapo*.
* A expressão foi
usada pela primeira vez no artigo de Dr. Plinio para a Folha (25/6/69), sob o título
A bomba, a estrela e o sapo. Estava então a
TFP em plena campanha de rua contra o IDO-C e os “grupos proféticos”.
Qualificava ele como sapos os burgueses esquerdizantes que passavam
pela campanha de automóvel, às vezes de luxo, gritando (coaxando) insultos
de inspiração comunista. Já estávamos francamente na chamada era
pós-conciliar.
O sapo era portanto o homem do establishment que já não cultivava nenhuma tradição, em quem havia
desaparecido o espírito tradicional e que se servia de sua fortuna
unicamente para gozá-la e para atacar os que queriam defender a
propriedade privada, a família e a tradição católica. Esse era o conceito
de sapo [64].
4. A idéia da Pastoral sobre os Cursilhos
Numa conversa na qual estavam Dom Mayer, dois membros
mais velhos do nosso grupo e eu, isto em minha sala na sede da rua
Maranhão, falei sobre os Cursilhos de Cristandade e manifestei a
minha preocupação com [65]
o desenvolvimento que estava tendo essa organização substancialmente
progressista [66].
Sugeri então a Dom Mayer — e ele aceitou com o
aplauso dos outros dois presentes — a idéia de lançar uma Pastoral a
respeito desse movimento, na qual fosse dito, documentadamente, com base
em livros e publicações dos próprios Cursilhos, o que eles eram.
Inclusive mostrando [67]
as estranhas e perigosas tendências que se faziam sentir em importantes
publicações cursilhistas [68].
Foi portanto nessa conversa que nasceu a idéia da
Carta Pastoral sobre os Cursilhos de Cristandade [69].
5. Coleta de documentos e estudos
Anos antes já vínhamos procurando material e
documentação sobre os Cursilhos. E não conseguíamos, porque os Cursilhos eram muito fechados.
Em certo momento, uma pessoa da TFP de Madri
conseguiu coletar dados muito interessantes que ela obteve na Espanha.
E assim, no momento certo, na hora certa nos chegou a
documentação certa para fazermos a denúncia certa [70].
* *
*
Em reunião com Dom Mayer, estudamos os vários
documentos a respeito dos Cursilhos. E ficou decidido que a
Pastoral se limitaria a dizer que havia más influências nos Cursilhos,
o que tornava os Cursilhos uma associação merecedora de cautela, de
reserva [71].
Não sustentávamos, portanto, a tese de que
todos os Cursilhos eram ruins: eles estavam infiltrados por
influências más, algumas das quais se irradiavam a partir do centro dos Cursilhos em Madri [72].
6. “É preciso coragem para enfrentar inimigo tão poderoso”
Quando a Pastoral sobre os Cursilhos de
Cristandade ficou pronta, um dos diretores da TFP, Dr. Plinio Xavier
da Silveira, foi à Folha de S. Paulo para pedir que publicassem
notícias a respeito e entrevistassem Dom Mayer [73].
Um dos diretores do jornal folheou a Pastoral e disse [74]:
— Sabem que é muita coragem da parte de vocês
enfrentar um inimigo poderoso como os Cursilhos de Cristandade?
Dr. Plinio Xavier respondeu com naturalidade:
— Sim [75].
— O senhor sabe que vem uma reação terrível por
causa disso?
— Sei.
— Bem, vou publicar essa matéria sem cobrar nada.
Até se o senhor quisesse cobrar, eu pagaria para publicar, com a condição
de ser meu jornal o primeiro a dar a notícia em São Paulo.
Depois acrescentou: "Agora, eu lhe aviso: meu
jornal não toma posição. Quando vier a réplica, publico-a com o mesmo
espalhafato, porque pretendo fazer espalhafato na publicação disso. Quando
os senhores fizerem a tréplica, eu também publico.
Logo depois, Dr. Adolpho Lindenberg e Dr. Paulo
Corrêa de Brito estiveram com o proprietário de uma ou duas cadeias de
televisão muito importantes. Apresentaram a matéria e o empresário
comentou: “Divulgo sem cobrar”. Quer dizer, considerou uma matéria
interessantíssima e candentíssima* [76].
* De fato, o
assunto ferveu quando, no sábado do dia 25 de novembro de 1972, a Folha
de S. Paulo foi posta nas bancas.
A primeira página
trazia o seguinte título: “Nos Cursilhos, uma tendência esquerdizante?”
E logo abaixo uma
chamada: “‘Há nos Cursilhos uma singular mistura de erro e de verdade,
de bem e de mal’, entende Dom Antonio de Castro Mayer, Bispo de Campos
(Estado do Rio), que acaba de publicar uma Carta Pastoral sobre os
Cursilhos de Cristandade, na qual analisa aspectos desse movimento. Em
entrevista a este jornal — que publicaremos na edição de amanhã — aquele
prelado afirma que se notam nos Cursilhos ‘perigosas tendências e, mesmo
em algumas de suas publicações, erros, quer no campo doutrinário, quer no
moral e econômico-social. É forçoso reconhecer uma tendência esquerdizante
em meios cursilhistas’, diz o Bispo de Campos. Abrem-se assim as
discussões a respeito de um movimento que tem hoje ampla penetração nos
meios católicos brasileiros. A entrevista de Dom Antonio de Castro Mayer,
destinada certamente a alcançar grande repercussão, representa
naturalmente um ponto de vista pessoal, que suscitará contestações e
controvérsias”.
7. Campanha se alastra: 120 propagandistas em 1238 cidades
Assim foi iniciada essa grande campanha. E a Carta
Pastoral foi difundida no Brasil inteiro. Pusemos participantes da TFP
brasileira nas ruas do Brasil inteiro, vendendo o livro.
Fizemos essa propaganda por cerca de quatro meses, se
minha memória não me falha* [77].
* A campanha
mobilizou 120 sócios e cooperadores que, agrupados em treze caravanas,
percorreram, de dezembro de 1972 a março de 1973, 1.238 cidades dos mais
diversos pontos do País. Em todo o Brasil, foram divulgadas 93 mil
exemplares da Pastoral.
8. Reações contrárias, sem fôlego mas superficiais
A maior parte dos que se pronunciaram a favor dos
Cursilhos, faziam-no como quem estivesse perdendo o fôlego. Tinha-se a
impressão de que não encontraram palavras suficientes para exprimir sua
sofreguidão, seu pânico, sua indignação. Dir-se-ia que os conceitos, os
argumentos e as palavras se lhes atropelavam na garganta, tal a pressa com
que procuravam saltar sobre a Carta Pastoral... e sobre os que a difundiam [78].
De fato, o Brasil cursilhista estremeceu com
essa estocada [79].
* *
*
Quase todos os Bispos que se pronunciaram eram
favoráveis aos Cursilhos. De modo geral, diziam as mesmas coisas e
evitavam igualmente dizer outras.
Não poucos deles alegavam que difundir nas suas
Dioceses a Pastoral de Dom Mayer importava num acinte contra eles. Pois a
Pastoral atacava o que eles proclamavam ser ótimo!*
* Dom Mayer, em
entrevista, qualificou essas críticas de “evasivas e superficiais”, lamentando não haver chegado ao conhecimento dele nenhuma que refutasse os
documentos e a argumentação que ele apresentava (cfr. Catolicismo
n° 266, fevereiro de 1973).
De outro lado, evitavam com a maior cautela afirmar
ou negar se eram falsos os mais de 50 documentos cursilhistas utilizados
por Dom Mayer em suas críticas [80].
* *
*
Logo que começou a campanha, o Jornal da
Tarde telefonou a Dr. Paulo Corrêa de Brito, a Dr. Plinio Xavier da
Silveira e a mim, pedindo uma entrevista, não a respeito da campanha, mas
da TFP. E eu percebi logo que se tratava de um jogo para começar a atacar
a TFP e, então, haver simultaneamente uma polêmica sobre a TFP e outra
sobre os Cursilhos.
Mandei dizer que, estando a TFP em campanha para
alertar o público sobre certas orientações malsãs existentes nos Cursilhos, não era conveniente de momento dar entrevista a nosso
respeito. Quando terminasse a campanha, aí estaríamos à disposição.
Pouco depois este vespertino publicou uma série de
reportagens tendenciosas e facciosas, em que ficava evidente virem em
socorro dos Cursilhos. Essas reportagens se baseavam em depoimentos
de egressos da TFP.
Essas
reportagens do Jornal da Tarde não foram senão um episódio da luta
nossa com os Cursilhos, e devem ser vistas como tais. Como afirmei há
pouco, eram uma interferência deles para ver se desviavam a discussão
sobre os Cursilhos para uma discussão sobre a TFP. Naquele momento, os
Cursilhos estavam sendo discutidos. Como não conseguiam responder às
afirmações da pastoral de Dom Mayer, eles fizeram uma manobra para começar
a falar mal de nós, para ver se assim nós, ao menos, ficamos sentados no
banco dos réus. Esse era o objetivo das reportagens [81].
9. Ameaça frustra de condenação pela CNBB
A Assembléia Geral dos Bispos se realizou num clima
de expectativa geral*.
* Esta Assembléia
deu-se em fevereiro de 1973.
Corriam boatos de que a CNBB iria publicar um
estrondoso elogio do movimento cursilhista, juntamente com uma ainda mais
estrondosa condenação da TFP [82].
Com efeito, Dom José Freire Falcão, Arcebispo de
Teresina, designado pelos seus pares para falar à imprensa, afirmara logo
no início dos trabalhos que “provavelmente a TFP terá uma repreensão” [83].
Vários órgãos de imprensa divulgaram até a notícia de
que a Assembléia constituíra uma comissão integrada por Dom Gilberto
Pereira Lopes, Bispo de Ipameri (Goiás); Dom Serafim Fernandes de Araújo,
Bispo Auxiliar de Belo Horizonte (depois Cardeal Arcebispo desta cidade),
e Dom Antonio Afonso de Miranda, Bispo de Lorena para estudar
especialmente a TFP.
Outros senhores Bispos, antes mesmo que a Comissão
iniciasse seus estudos, se puseram a prejulgar o assunto fazendo
declarações à imprensa contra a TFP [84].
A torcida dos setores esquerdistas dos Cursilhos
exultava. As coisas não lhes podiam correr melhor. Um vasto, gordo e
bombástico elogio dos Cursilhos, e sobretudo uma condenação da TFP,
que achado!
Com a consciência tranqüila, a TFP deixou transcorrer
a Assembléia sem pedir uma informação sequer, nem implorar uma simpatia ou
um voto. Aguardávamos o resultado serenamente, dispostos a explicar
eventualmente ao público nossa posição, como já o fizéramos quando do
comunicado com que nos atingira em 1966 a Comissão Central da CNBB.
* *
*
A essas notícias seguiram-se telefonemas anônimos
para nossas sedes, com injúrias e pesados palavrões. Automóveis passavam
diante do oratório de Nossa Senhora que mantínhamos na rua Martim
Francisco e bradavam obscenidades. Foram até jogados ovos contra rapazes
da TFP que, de costas para a rua, e voltados para a imagem de Nossa
Senhora da Conceição, ali rezavam.
Tudo isso cessou de repente, quando o Cardeal
Arcebispo de Porto Alegre, Dom Vicente Scherer, declarou à imprensa que,
provavelmente a TFP não seria objeto de nenhuma condenação. Asseverou Sua
Eminência que a TFP constituía assunto que "não estava em pauta" na
reunião [85].
Noto apenas que, segundo certos jornais garantiram, a
discussão andou acesa entre os Srs. Bispos no que tocava à censura à TFP,
a ponto de retardar de uma hora a publicação do comunicado. No final, este
nada continha sobre a TFP [86].
Afinal, publicado o comunicado da Assembléia,
verificou-se que, no tocante aos Cursilhos, os prognósticos ativamente
postos em circulação pela propaganda cursilhista eram quase inteiramente
sem fundamento. Os Srs. Bispos inseriram em seu comunicado final tão
somente uma referência simpática aos Cursilhos. Era isto bem diferente do
estrondoso elogio tão esperado.
Quanto à TFP, nenhuma palavra.
A intenção manifesta da Assembléia dos Bispos foi de
ser comedida e discreta.
Dom Serafim Fernandes de Araújo, Bispo Auxiliar de
Belo Horizonte, foi entretanto muito além.
Ao Diário de Minas de 17 de fevereiro de 1973,
Dom Serafim teria afirmado que todos os Bispos presentes à XIII Assembléia
condenaram a TFP.
Essa afirmação lembrava um passe de mágica: todos os
Srs. Bispos estariam cheios do propósito de condenar a TFP. Mas o
comunicado final, com a palavra oficial deles, não continha essa
condenação!
Logo em seguida a essa estranha assertiva, vinha
entre aspas a seguinte declaração de Dom Serafim: "Houve algumas
divergências quanto a esta organização. Uns Bispos acham que se deve
dialogar com a TFP. Outros acham que devemos esquecê-la, pois seus membros
não admitem diálogo".
Nesse sentido, era de estranhar especialmente a
entrevista dada à imprensa por Dom Ivo Lorscheiter, Secretário Geral da
CNBB. Dom Lorscheiter disse aos jornalistas que a Assembléia não condenara
a TFP porque, se nos condenasse, causaria a impressão de que temos uma
importância maior do que a real.
Aqueles Srs. Bispos que, depois da reunião, tiveram
ácidas palavras de antipatia contra a TFP, agiram em sentimento oposto ao
espírito e às intenções da Assembléia.
Ora, a intenção manifesta da Assembléia dos Bispos
fora de pôr água na fervura [87].
10. Atitude virulenta de Dom Clemente Isnard contra a TFP
Poucos meses depois, teve tal ou qual repercussão em
nossa imprensa a publicação de um decreto em que Dom Clemente Isnard,
Bispo de Nova Friburgo [88],
proibia a seu clero que desse a Comunhão a membros da TFP, quando se
apresentassem incorporados ou com insígnias.
Para fundamentar sua atitude, aquele Prelado alegava
contra a TFP três razões: difamação dos Cursilhos de Cristandade, desacato
à autoridade e pessoa dele, e o apoio a um livro "cismático" sobre o novo
Ordo Missae de Paulo VI.
* *
*
Era bem verdade que um dos então diretores da TFP,
Sr. Arnaldo Vidigal Xavier da Silveira, havia escrito em 1970 um estudo
baseado em sólida documentação a respeito do novo Ordo Missae. E
que com ele se solidarizara a TFP.
Tal estudo, por certas implicações doutrinárias do
delicado tema, era de molde a suscitar uma série de questões teológicas e
canônicas com as quais não estava familiarizado o público brasileiro. A
publicação do livro poderia introduzir graves fatores de divisão e
perturbação no já tão conturbado e dividido horizonte religioso do País.
Se gostássemos que se falasse de nós a todo custo, e
para polemizar a qualquer propósito como imaginava Dom Lorscheiter, desde
logo teríamos atirado o livro a público.
Preferimos não fazer assim. E por isto distribuímos
apenas certa quantidade de exemplares do trabalho a um número limitado de
personalidades de escol, pedindo-lhes reservadamente a opinião.
Um dos destinatários — altíssima personalidade
eclesiástica que mais de uma vez tinha divergido de nós — de tal maneira
se impressionou com os possíveis reflexos do livro na opinião pública, que
escreveu a um amigo comum pedindo "de joelhos, se necessário fosse"
que a TFP não publicasse o trabalho. E por tudo isto mantivemos o mais
escrupuloso silêncio sobre o mesmo.
Enquanto isto, em grande número de igrejas,
sacerdotes que provavelmente ignoravam todos esses fatos, não se cansavam
de sujeitar nossos sócios e cooperadores a invectivas e humilhações
públicas de toda ordem, a propósito de nossa atitude face ao novo Ordo
Missae. E ninguém das nossas fileiras abriu a boca para defender-se
alegando os argumentos contidos no livro.
Agora vinha Dom Isnard e, num documento eclesiástico
oficial, fulminava penas canônicas contra a TFP, pela adesão que esta dera
ao livro que ele acusava de "cismático".
Dir-se-ia que era muito mais do que a gota de água
que faz transbordar o copo.
Pois bem, ainda neste passo não saímos com a matéria
do livro a público. Só mudaríamos de rumo se outros fatos se produzissem,
que nos forçassem absolutamente a falar.
A responsabilidade seria então inteiramente — note-se
bem — de quem nos tivesse forçado a tal.
* *
*
No seu livro, o autor afirmava expressamente sua
fidelidade inquebrantável à doutrina e disciplina da Igreja. E se
levantava certos problemas delicados de Teologia ou Direito Canônico,
fazia-o declarando de antemão que acatava em toda a medida preceituada
pelo Direito Canônico o que a própria Igreja decidisse.
Era precisamente esta a posição da TFP. Tínhamos pois
a consciência inteiramente tranqüila no que diz respeito à nossa perfeita
união com a Santa Igreja Católica Apostólica Romana.
Na Igreja e pela Igreja, tínhamos vivido toda a nossa
existência. Nela pretendíamos morrer. E, por ela, se assim aprouvesse à
Providência.
* *
*
Quanto às outras duas alegações — difamação da TFP
aos Cursilhos e desacato à autoridade dele
[89]
―
se Dom Isnard discordava da Pastoral de Dom Mayer, teria sido nobre de sua
parte que saísse a público de viseira erguida, defendendo diretamente
contra ela os Cursilhos. Seria um direito seu.
O Sr. Dom Isnard teria aberto, assim, um diálogo
elevado e oportuno com seu egrégio irmão e vizinho de Campos.
Não. O Sr. Dom Isnard achou mais cômodo atirar contra
ele um ataque oblíquo, atingindo os moços da TFP. Era lamentável. [90]
NOTAS
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