Plinio Corrêa de Oliveira

 

 

Minha

 

Vida Pública

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Parte X

Livros e Campanhas de grande repercussão na década de 1970

 

Capítulo III

TFP andina ante o apoio de Paulo VI e do Episcopado a Allende (1973)

1. A miséria e o caos sobem ao poder junto com Allende, sob as bênçãos do Episcopado

Enquanto isso, os acontecimentos no Chile iam alcançando uma dramaticidade inigualada, a par da infiltração comunista nos meios católicos.

Para se compreender a atitude tomada pela TFP andina de que vamos falar, sou obrigado a descrever um pouco como estava a situação naquela nação amiga.

Primeiramente, uma crise econômico-social expressa por grandes greves. O Chile fica nos pródromos de uma guerra civil [24].

O justo descontentamento da população ameaçada de miséria e caos se avolumou ao longo do governo de Allende, sob as vistas glacialmente indiferentes e não raras vezes hostis dos Prelados que, em impressionante número, apoiavam o presidente marxista* [25].

* Aconteceu no Chile o que acontece em todos os países que caem sob o jugo comunista: as medidas persecutórias tomadas pelo governo Allende contra a propriedade privada e a livre iniciativa foram cobrindo com o manto da miséria

Recortes da imprensa local, em tempos de Allende, denunciando a miséria em que caia a nação

toda a nação. E a esquerda católica, em vez de se dobrar ante a evidência do fracasso socialista, procurou sustentar o governo comunista custasse o que custasse.

Um exemplo disso foi a proposta do secretário geral da agremiação Esquerda Cristã, Bosco Parra, que para resolver o problema da fome que batia à porta de todos os chilenos, propôs ao ministro da Agricultura de Allende, Jacques Chonchol, um “consumo igualitário básico para toda a população” (El Mercurio, 21/8/72).

Os Cristãos para o Socialismo da cidade de Antofagasta fizeram, por seu turno, a apologia do jejum, afirmando: “O cristão não teme o jejum, está familiarizado com ele” (Folha de S. Paulo, 10/9/72).

E a Federação Feminina do Partido Socialista chegou a recomendar que as mulheres socialistas se abstivessem de comer carne bovina durante um ano (cfr. O Jornal, RJ, 30/9/72, apud artigo A “canonização” cívica de Allende, Folha de S. Paulo, 21 de setembro de 1989).

*   *   *

A perseguição aos proprietários se fez declarada. Assim, o sucessor de Chonchol no Ministério da Agricultura, Ronaldo Calderón, declarava: "Temos ódio de classe e essa classe (dos proprietários rurais) desaparecerá" [26].

2. Perseguição aos setores privados e amordaçamento da imprensa

Patenteava-se, assim, com nitidez, a linha geral dos acontecimentos. O Governo de uma grande nação sul-americana caíra nas mãos de uma seita de fanáticos, isto é, do partido socialista-marxista. Essa seita resolvera aplicar ao Chile — custasse o que custasse — sua doutrina materialista, igualitária, dirigista e anticristã. A partir deste fato ideológico, desdobraram-se múltiplas conseqüências políticas e econômicas.

Uma série de leis socialistas e confiscatórias se foram aplicando sucessivamente ao país, sem atender ao descontentamento da maioria da opinião pública.

Em conseqüência, uma crise política começou a abalar os próprios fundamentos do Estado.

Também a partir do fato ideológico se desenrolou, paralelamente à crise política, uma crise econômica [27].

A lei de imprensa foi abusivamente utilizada por Allende contra seus adversários, movendo contínuas ações judiciais, prendendo jornalistas anticomunistas, suspendendo temporariamente órgãos de difusão.

O abastecimento das companhias pesqueiras estatizadas foi entregue a grandes barcos russos. Em conseqüência, os russos começaram a construir um porto na baía de Colcura, ao sul de Valparaíso, que na realidade era uma base para abrigar navios de guerra.

Cerca de 40% das empresas industriais e 80% do sistema bancário passaram para as mãos do Estado [28].

O pior dos patrões é o Poder Público. Sentiram-no bem os operários das cidades e dos campos, que pouco depois de "beneficiados" pela socialização, começaram a revoltar-se contra a miséria que sobre eles ia baixando.

As crises política e econômica somaram seus efeitos e produziram um caos. Greves imensas paralisaram o país. Ele estava à beira de uma aniquilação total [29].

3. Anistia a bandidos e terroristas

Os terroristas do Movimiento de Izquierda Revolucionaria (MIR) foram libertados. Também o foram os presos por delitos comuns de assalto e assassinato, e foi dada ampla anistia para os detentos em geral. Ex-detentos foram admitidos na Polícia Civil, enquanto a unidade móvel de Carabineiros, especializada na manutenção da ordem, foi desativada*.

* É uma constante de todas as revoluções de esquerda proteger e utilizar bandidos da pior espécie como sua linha auxiliar. Foi assim na Revolução Francesa, foi assim na Revolução Comunista de 1917 e é assim que se promovem campanhas sistemáticas contra a Polícia em vários países da América Latina, muitas vezes sob pretexto de “direitos humanos”. Atribuindo única e exclusivamente a criminalidade a problemas sociais, esses revolucionários se sentem irmanados com os criminosos (cfr. Quatro Dedos Sujos e Feios, Folha de S. Paulo, 16/11/83).

O governo Allende foi cometendo cada vez mais ilegalidades ao impor suas medidas socialistas [30].

4. “A autodemolição da Igreja, fator de demolição do Chile”

Ante esse quadro, em 1973, acompanhei com muito interesse a publicação pela TFP do Chile de um manifesto em que esta dava a público [31] o seu desacordo com a conduta da Hierarquia chilena e de Paulo VI face ao processo de comunistização do Chile* [32].

* Aquela TFP dizia, com muita elevação e coragem, que o avanço do progressismo na Hierarquia, Clero e laicato daquele país tinha favorecido a implantação e consolidação do regime marxista. E que cabia a Paulo VI uma parte da responsabilidade por esse trabalho de demolição feito pelo Clero e pela Hierarquia.

Como amostragem, eis um trecho especialmente pungente desse manifesto:

"Filhos devotos da Santa Igreja, é com profunda dor que presenciamos o desenrolar deste processo, ao longo do qual os princípios doutrinários inspiradores da autodemolição da Igreja vão transbordando do âmbito propriamente religioso e penetrando sempre mais na vida pública do País, produzindo assim nela efeitos analogamente deletérios. [...]

“Renovamos aqui a expressão de todo o nosso amor reverencial, de nossa adesão ao Sumo Pontífice e à Santa Sé, no momento em que, com dor entranhada, somos obrigados, pelo próprio curso de nosso pensamento, a abordar outra questão:

“— Compreender-se-ia que as estruturas hierárquicas da Igreja no Chile agissem como estão agindo, caso não tivessem recebido uma aprovação inteira e direta de Paulo VI para fazê-lo?

“Esta pergunta torna-se ainda mais inevitável quando se considera que Monsenhor Silva Henríquez, como Cardeal, mantém contato permanente com o Vaticano. E, por outro lado, está continuamente no Chile um Núncio Apostólico incumbido não só de representar o Vaticano junto ao Governo chileno, como também junto ao Episcopado. Núncio que dispõe de todas as facilidades possíveis para transmitir a Monsenhor Silva Henríquez, ao Episcopado e ao Clero em geral, as intenções de Paulo VI.

“É inadmissível que essa aprovação não exista, seja pelos vínculos cardinalícios, seja pela estrutura hierárquica da Igreja em geral, ou ainda pela constância e amplitude dessa inusitada política do clero no Chile.

“Por outro lado, durante esse período não transpareceu manifestação alguma — ainda que velada — de frieza ou mal-estar do Vaticano em relação às atitudes do Cardeal, do Episcopado e do Clero em benefício do regime marxista do Sr. Allende”.

No seu manifesto, a TFP chilena chamava a si a exclusiva responsabilidade pelo que publicou.

Assim, a TFP brasileira não estava comprometida com a atitude de seus valorosos irmãos andinos. Ela ficou aguardando o pronunciamento da Cúria de Santiago, bem como dos chilenos e brasileiros a quem o tema interessasse. Era possível que, em seguida, viesse a se pronunciar. O que faria com a prudência e a circunspeção que o delicado tema exigia.

5. O direito de resistir aos maus Pastores

Houve quem ficasse indignado com aquele manifesto: “Mas então Paulo VI é um mau Papa, um Papa que está demolindo a Igreja”? [33]

Se as circunstâncias não me tivessem levado a debruçar-me especialmente sobre o assunto, confesso que também eu teria uma categórica prevenção contra a tese de que assiste ao católico o direito de fazer críticas públicas — se bem que respeitosamente expressas — a determinados atos da Sagrada Hierarquia.

Adepto ardoroso do princípio de autoridade em todos os campos, sou especialmente cioso da integral aplicação dele no que diz respeito à Igreja e à Hierarquia. E muito particularmente no que toca ao Romano Pontífice. Assim fui sempre. Assim sou. Assim espero morrer [34].

Não se podia alegar que a TFP chilena havia negado implicitamente a infalibilidade papal, ou o acatamento devido ao Romano Pontífice, quando atribuiu a Paulo VI uma parcela de responsabilidade pelo que ocorria no Chile. Quem dissesse isto se exporia a ser demolido com um piparote.

Com efeito, quem quer que conheça um pouco de Teologia ou de Direito Canônico sabe que o carisma da infalibilidade só ampara o Sumo Pontífice em certos atos do Magistério, praticados em condições muito definidas. E que a adesão devida aos seus ensinamentos doutrinários não infalíveis não importa em proibir os fiéis de discordar — com fundadas razões — de atos concretos praticados por um Papa*.

* Esta doutrina foi sustentada em data relativamente recente por um abalizado teólogo que depois se tornou Papa: Joseph Aloisius Ratzinger, ou seja, Papa Bento XVI. Disse ele: “É possível e até necessário criticar os pronunciamentos do papa, se não estiverem suficientemente baseados na Escritura e no Credo, ou seja, na fé da Igreja universal. Onde não houver, nem a unanimidade da Igreja universal, nem o claro testemunho das fontes, não pode também haver uma definição que obrigue a crer. Faltando as condições, poder-se-á também suspeitar da legitimidade de um pronunciamento papal” (Joseph Ratzinger, Das Neue Volk Gottes — Enwürfe zur Ekkleseologie, Düsseldorf: Patmos-Verlag, 1969, trad. br. por Clemente Raphael Mahl: O Novo Povo de Deus, Paulinas, São Paulo, 1974, p. 140).

Quanto às condições para que um pronunciamento papal seja infalível, foram elas definidas pelo Primeiro Concílio do Vaticano, em 1870, na Constituição Dogmática Pastor Aeternus.

Bastaria ouvir o célebre Cardeal Cayetano, admitido como autoridade entre todos os teólogos sérios: “Deve-se resistir em face ao Papa que publicamente destrói a Igreja” (in “Obras de Francisco de Vitória”, BAC, Madri, p. 486). E o mesmo Francisco de Vitória, grande teólogo do séc. XVI, por sua vez ensinava: “Se [um Papa] desejasse entregar todo o tesouro da Igreja [...] a seus parentes, se desejasse destruir a Igreja, ou outras coisas semelhantes, não se lhe deveria permitir que agisse de tal forma, mas ter-se-ia a obrigação de opor-lhe resistência. A razão disso está em que ele não tem poder para destruir; logo, constando que o faz, é lícito resistir-lhe” (ibidem, p. 487). E mais adiante o mesmo Francisco de Vitória insistia com estas palavras claríssimas: “De tudo isto resulta que, se o Papa, com suas ordens e seus atos, destrói a Igreja, pode-se resistir-lhe e impedir a execução de seus mandados” (ibidem, p. 487). Se estes autores não bastassem, que se consultasse, entre os antigos, S. Tomás, S. Roberto Bellarmino, Suarez, Cornelio a Lápide, ou então os Padres orientais como S. João Crisóstomo, S. João Damasceno e Teodureto [35].

Wernz e Vidal, que são de nossos dias, em seu conhecido e abalizado Jus Canonicum (vol. II, p. 520) sustentam a mesma doutrina. A esse respeito pode-se ler também o abalizado Antonio Peinador Navarro (Curs. Brev. Theol. Mor. II. I. p. 277).

Mais marcante ainda é a opinião de um conhecidíssimo teólogo suíço, que Paulo VI elevou às honras do cardinalato. Trata-se de Monsenhor Charles Journet, o qual, no seu tratado L’Eglise du Verbe Incarné, Essai de théologie spéculative (vol I, pp. 839 e ss.), chega a dar direito de cidadania à doutrina admitida por vários outros teólogos, de que um Papa pode até tornar-se cismático. Do que decorre, naturalmente, para os fiéis, o direito e até o dever de resistir-lhe.

6. Clamoroso silêncio da Cúria e recriminação a portas fechadas

O manifesto chileno foi largamente divulgado por vários diários do Chile, por emissoras de rádio e televisão etc.

Pelo menos por deferência para com o imenso público que dele tomou conhecimento, o manifesto mereceria uma refutação [36].

Da parte da Hierarquia, o que se passou foi lamentável.

Logo depois de publicado o manifesto, os seus signatários receberam dois telegramas, enviados com pequeno intervalo um do outro, convocando-os a comparecer na Cúria.

Ali apresentou-se um deles. Recebeu-o o Bispo Monsenhor Carlos Oviedo Cavada, Secretário da Conferencia Episcopal do Chile.

A discussão entre ambos se entabulou desde logo ácida da parte do Prelado, e respeitosa mas firme da parte do representante da TFP. Ela se encerrou com a declaração de Monsenhor Oviedo de que com a TFP era impossível dialogar, porque era muito intransigente. Como se não fossem intransigentes os líderes comunistas com os quais os Monsenhores Oviedos, que há por toda a face da terra, mantinham animado e ameno diálogo...

E ficou apenas nesse encontro a portas fechadas a reação da Conferência Episcopal chilena (a CNBB de lá) diante de um manifesto de tão alto quilate e vasta repercussão! [37]

“Quem cala consente”, diz o velho adágio... Quem se cala diante de uma acusação revestida de todos os títulos para ser levada em conta, deixa-se ficar numa postura lamentável.

Diria alguém: "Todo filho que aponta os erros de sua mãe falta-lhe com o respeito. E o zelo pela sua própria autoridade impede que ela, a Hierarquia, responda ao filho".

Não creio que qualquer moralista consinta em fazer sua uma concepção de tal maneira despótica da autoridade materna. Está na natureza das coisas que a mãe que perde o afeto de seu filho, porque este lhe increpa uma atitude, deite o maior empenho em defender-se, para conservar a estima dele. Isto quando ela tem boas razões a alegar.

Quando não as tem, é de seu dever reconhecer diante do filho que andou mal, e pedir-lhe perdão pela desedificação que deu. Da parte da mãe acusada, só o que não se compreende é o silêncio!

Assim, uma autoridade eclesiástica que se julgasse injustamente acusada deveria considerar grave dever pastoral defender-se. E se reconhecesse justa a acusação, teria o dever quiçá ainda mais grave de desculpar-se [38].

E isto não houve da parte da Hierarquia chilena. Calou-se.

Nada portanto havia a modificar na atitude da TFP brasileira: continuamos a afirmar que, a terem sido narrados os fatos com desapaixonada objetividade por nossa valorosa coirmã, tocava-lhe, segundo a doutrina e as leis da Igreja, o direito e até o dever de fazer as críticas que fez.

Não formaríamos um juízo sobre os fatos alegados por aquela TFP, sem antes conhecermos o pronunciamento da outra parte, isto é, da Cúria de Santiago ou da Nunciatura no Chile [39].

7. Sacerdotes chilenos apóiam de público a TFP

Para honra do clero chileno e alegria de nossos corações de católicos, vários sacerdotes de valor e coragem manifestaram seu apoio à TFP chilena* [40].

* Por constituírem testemunhos veementes da insatisfação em relação às atitudes escandalosas de apoio ao governo comunista da parte de seus Hierarcas, transcrevemos aqui excertos dessas cartas, extraídos do artigo de Dr. Plinio para a Folha de S. Paulo de 15 de abril de 1973, Onze padres valentes:

Padre Guilhermo Varas A., de Santiago (diários Tribuna e La Tercera de la Hora de 7/4/73): “É tristíssimo constatar e os Srs. o fazem com abundância de documentação, como da atitude tantas vezes débil, vacilante ou errada de certos sacerdotes, o marxismo soube tirar abundante proveito para consolidar sua dominação sobre nossa Pátria. O que os Srs. exprimiram (em seu manifesto) [...] apresenta uma luz de certeza para incontáveis chilenos que se debatem em meio ao erro e à confusão. Creio que muitos setores interessados em semear esta confusão preferirão guardar um prudente silêncio. Que outra atitude poderiam adotar, quando os fatos apresentados e as apreciações feitas, não apenas são de notoriedade pública, mas fiel expressão do que ensina nossa Santa Madre Igreja?”

Padre Raymundo Arancibia S., de Santiago (Diário La Tercera de la Hora de 11/4/73): “Os cristãos, e em especial os sacerdotes, sofremos muito profundamente quando se tornam necessárias estas publicações, pela razão muito simples de que nelas sai mal colocada a Hierarquia, mãe comum de todos os fiéis. [...] Não sou, entretanto, daqueles que a priori rejeitam toda crítica, por considerá-las sempre uma irreverência ou um pecado. Existem sem dúvida, diversos tipos de críticas: a que se faz por ódio ou pelo simples afã de achar tudo errado; e a que analisa serenamente os fatos, tira conclusões adequadas, discerne responsabilidades, e procura remédios para curar o mal. A que os Srs. fazem pertence ao segundo tipo, uma vez que não criticam movidos pelo ódio, mas pelo amor que têm à Igreja. Com uma linguagem respeitosa, apontam os fatos ocorridos e, indicando as causas que lhes deram origem, deduzem conclusões lógicas e propõem soluções construtivas. [...] é espantoso verificar que muitos sacerdotes interessados na sorte dos que trabalham tenham ido buscar precisamente numa doutrina condenada pela Igreja como intrinsecamente perversa a solução desses problemas (a questão social) como se nas Encíclicas não estivesse a melhor e mais cristã das soluções. Essa atitude débil e indecisa ante o avanço dos erros marxistas; a doutrina sustentada de forma descarada por muitos ministros de Deus, de que se pode ser bom cristão e marxista, ao mesmo tempo; a política de mão estendida que advoga uma franca colaboração com o comunismo o que, tudo, aconteceu sem que ninguém atalhasse tais transbordamentos — deram como fruto essa debilidade e indiferença dos católicos diante deste açoite, e criaram o “clima” propício para que se entronize no Chile o marxismo, que o está levando ao caos. Com toda a razão, os Srs. protestam por causa desses acontecimentos, e com perfeita lógica tiram a consequência que serviu ao seu folheto. [...] Deus continue ajudando-os nesta obra que empreendem com tanto zelo e sacrifício.”

Padres Francisco Ramirez, pároco de Santo Agostinho, José Garcia, vigário cooperador, Benedito Guines e Luis Toledo Sch pároco do subúrbio Carlos Mahn da cidade de Tomé, todos da Arquidiocese de Concepción (diário El Sur de Concepción, de 10/4/73): “Sentimos o dever de fazer-lhes chegar nosso público apoio e nosso mais sincero aplauso à posição assumida por essa entidade no manifesto intitulado A autodemolição da Igreja, fator da demolição do Chile. Em face da atitude que adotou grande parte dos membros do Clero em relação ao processo de comunistização que se abate como uma ‘procella tenebrarum’ sobre nossa Pátria, somente nos cabe manifestar nosso repúdio ao silêncio e cumplicidade em que os mesmos incorreram. Pensamos como os Srs. que esta atitude corresponde à grave crise em que se encontra a Igreja Católica, crise essa que o próprio Paulo VI designou como um processo de autodemolição da Igreja; e que, portanto, cabe ao Clero uma grave responsabilidade por tal processo, no Chile. Não querendo nós incorrer na mesma omissão, apoiamos a declaração dos senhores, por estar ela em inteiro acordo com os mais genuínos ensinamentos de nossa Santa Madre Igreja”.

Padres Arturo Fuentes T., capelão das Irmãzinhas dos Pobres, e Bernardo Lobos M., Professor do Liceu II de Homens, de Concepción (diário La Tercera de La Hora de 9/4/73): “Concordamos plenamente com toda a visualização que os Srs. dão da realidade chilena. Ao considerar o silêncio e, em alguns casos, a colaboração do Clero, como um dos fatores mais importantes do processo de comunistização em que se afunda nossa querida Pátria, os Srs. tratam do problema com toda a seriedade, mostrando fatos incontrovertíveis, expostos de uma maneira inteiramente respeitosa. É uma enorme alegria para nós, como sacerdotes, constatar que neste momento tão crítico da vida da Igreja e de nossa Pátria, haja leigos que assumam a defesa dos mais genuínos princípios de sua Religião, enquanto os que deveriam fazê-lo, se calam”.

Padres Reinaldo Durán Ch., pároco de São Rosendo, Francisco J. Valenzuela, pároco de Lirquén e Francisco Veloso C. pároco de São João da Mata (diário Tribuna de Santiago, de 11/4/73): “Não podemos senão concordar e dar nosso caloroso apoio aos manifestantes (da TFP), que citam fatos de domínio público e, portanto, indiscutíveis. Esses fatos ou omissões vêm escandalizando e confundindo os fiéis. Com isso, o marxismo, inimigo do catolicismo, se viu fortalecido. Não queremos que nosso silêncio seja interpretado como uma aprovação do marxismo, formalmente condenado por numerosas Encíclicas pontifícias. Por isto fazemos público esse voto de aplauso”.

Estava mais do que provado que a TFP chilena tinha o direito de fazer o que fez [41].

8. Lançado na miséria, o Chile reage. Cai o governo marxista

O governo de Allende não poderia ter sido pior. Ele criou a fome, a miséria.

Assim o jornal "El Mercurio" noticiava uma das "marchas das panelas vazias"

Todas as circunstâncias de que padeciam os países por detrás da Cortina de Ferro, no Chile foram criadas de maneira não tão radical como em países como a Rússia. Mas Allende, que até o último momento de sua vida se manifestou marxista, ia levando o Chile para os horrores do marxismo [42].

Houve imensas manifestações anti-Allende, nas quais os elementos mais arrojados não foram os ricos, mas os operários das minas de cobre de El Teniente, os trabalhadores rurais que se levantaram de armas na mão em favor de seus patrões, os camioneros de todo o país* [43].

* O mal-estar popular já era incontenível. Mais de cem mil mulheres promoveram as famosas "marchas das panelas vazias" para protestar contra a escassez de alimentos (cfr. Autodemolição da Igreja acarreta a demolição do Chile - TFP chilena: Clero, a grande esperança de Allende, Folha de S. Paulo, 2/3/73).

Setembro de 1973: Allende se suicida com a metralhadora que lhe dera Fidel Castro; arde o Palácio Presidencial de La Moneda, e com ele as pretensões comunistas de dominar o País irmão

Como resultado, a Corte Suprema de Justiça declarou em 25 de maio e em 25 de junho de 1973, que o Poder Executivo se havia afastado das leis e da Constituição. E a Câmara dos Deputados, em 22 de agosto de 1973, declarou “ilegal o governo Allende por violações conscientes e repetidas da Constituição”. Análoga opinião emitiram a Controladoria Geral da República e o Colégio de Advogados do Chile [44].

Quando os militares derrubaram Allende, afirmaram fazê-lo por pressão da vontade popular. E ninguém duvidou disto* [45].

* Veio então a revolução de 11 de Setembro de 1973 que se alçou contra Allende. E Allende foi derrubado, suicidando-se antes de ser preso.

9. Os culpados pelo sangue derramado: aqueles que prepararam a vitória do marxismo no Chile

Os esquerdistas do mundo inteiro — que viviam a apregoar a supremacia total do bem comum — se transformaram bruscamente em defensores dos direitos individuais.

E, fechando os olhos para a salvação pública, começaram a entoar pelo mundo inteiro seu De profundis laico e melado, a propósito do sangue que correu. Sangue dos esquerdistas é claro. Não dos soldados!

Pergunto: a não ser isto, o que se deveria ter feito? Deixar o país ir à garra? — Esta pergunta só podia ter como resposta um "sim" ou um "não".

Esse sangue vertido, também nós o deploramos. Em outros termos, quanto preferiríamos que a trajetória ideológico-política e ideológico-econômica do Chile não tivesse conduzido o país à verdadeira catástrofe que foi a ascensão da seita marxista ao poder* [46].

* No artigo Magnificat pelo Chile (Folha de S. Paulo, 16/9/73), Dr. Plinio afirmava: “Mas, dir-se-á, deposto o governo marxista, era absolutamente indispensável atirar sobre os redutos comunistas que ainda resistiam de armas na mão? A resposta pressupõe o conhecimento de uma serie de pormenores que a imprensa não noticiou ainda, e de considerações morais que não há espaço para desenvolver aqui. Entretanto, o certo é que os militantes da resistência comunista se opõem criminosamente, e de armas na mão, à salvação do país. Seu fanatismo os leva a resistir à bala quando toda resistência já é inútil. Assim, os responsáveis principais pelo sangue ora vertido no Chile, são os que intoxicaram de doutrinas marxistas e fanatizaram os resistentes. Estes, sim, a História cristãmente imparcial os tachará sempre de criminosos. Se do lado dos restauradores da nação houve ou está havendo excessos, a História também o dirá. E com imparcialidade igualmente cristã os censurará. Aguardemos. Mas o fato é que a História cristãmente imparcial jamais considerará em igual plano o sangue dos fanáticos que morrem agredindo o país, e o dos heróis que tombaram na defesa deste”.

Obviamente, eu só podia aprovar que a Hierarquia chilena se opusesse aos abusos que ela afirmava estarem ocorrendo: prisões arbitrárias, interrogatórios acompanhados de torturas físicas e morais, limitação dos direitos de defesa, e desigualdade nas condenações.

Havia-me chocado, quando da visita de Fidel Castro a Allende, o fato de que o Cardeal Silva Henriquez não se tenha pejado de dar mostras de evidente simpatia ao tiranete, quando era sabido que, em matéria de direitos humanos, este tinha ido muito além de todo e qualquer excesso praticado eventualmente por autoridades policiais do governo chileno.

Por que dois pesos e duas medidas? Por que tão desempenada severidade com um governo anticomunista, e tantas vistas grossas em relação ao tirano comunista? [47].

10. A TFP chilena tudo fez para evitar o processo de ruína e de morte

Muito fez a TFP chilena para alertar os seus conterrâneos para o perigo do progressismo "católico" e do democristianismo, os quais iam empurrando sorrateiramente a nação para o precipício de onde ela se reerguia tinta de sangue. E as TFPs de todo o continente sul-americano atuaram para criar condições internacionais desfavoráveis a uma colaboração com esse processo de ruína e morte.

Nada foi capaz de obstar a que a saparia chilena, conluiada com o clero esquerdista, entregasse o país a Allende.

Junto haviam cantado, na Catedral de Santiago, com rabinos, pastores protestantes, comunistas e terroristas, o Te Deum da vitória. E em seguida a tragédia começou.

A TFP promove em São Paulo expressivo ato de regozijo, com o cântico do hino religioso "Magnificat". Dele participam, como convidados de honra, diretores e militantes da TFP chilena que se encontravam naquela capital

Desde logo se podia prever que ela terminaria no sangue, ou liquidaria o Chile. De fato, ela terminou em sangue, com o Chile quase liquidado. Os primeiros culpados por isto foram os que cantaram o estranho Te Deum ecumênico.

De minha parte, como católico, só posso censurar o suicídio do teimoso chefe comunista. E lamentar que lhe tenha sido de tão pouco socorro espiritual a Bíblia pressurosamente ofertada pelo cardeal Silva Henriquez.

Em síntese, expulso do Chile o comunismo, ipso facto perdeu ele terreno no continente sul-americano. Como brasileiro e amigo do Chile, alegrei-me.

E, sem prejulgar em minha alma pormenores que possivelmente Deus e a História não aprovem, entoei interiormente o Magnificat.

Sim, o Magnificat que o Cardeal Silva Henriquez por certo não cantou [48].

Esta era a nossa apreciação dos fatos.

Mas também era a apreciação de um grande órgão de imprensa de Paris, Le Monde (13/9/93), que sustentou: “Allende era um símbolo do socialismo democrático. [...] Sua queda traumatizou as esquerdas européias que se preparavam para seguir essa mesma via” [49].

Quer dizer, espalhou-se por todos os países socialistas do mundo uma espécie de desânimo e de falta de coragem que está na raiz do declínio geral do socialismo [50].

É muito frisante o reconhecimento disso por Le Monde, que é um jornal centrista francês de tendência esquerdista e insuspeito para dizer isso [51].

 


NOTAS

[23] Dentro e fora do Brasil, Folha de S. Paulo, 11/10/70.

[24] RR 25/8/73.

[26] El Mercurio, 9/2/73 (apud A "canonização" cívica de Allende, Folha de S. Paulo, 21/9/89).

[31] Despacho 27/3/73.

[32] Resisti-lhe em face, Folha de S. Paulo, 11/3/73 — O manifesto intitulava-se A autodemolição da Igreja acarreta demolição do Chile e foi estampado nos seguintes órgãos de imprensa: La Nación, Buenos Aires, 2/3/73; Folha de S. Paulo, 2/3/73; El Pais, Montevidéu, 3/3/73; Fuerza Nueva, Espanha, n° 325, de março de 1973; Diario Las Americas, Miami, 29 e 30/3/73; Diario de Notícias, Rio de Janeiro, 15/4/73 (cfr. Onze padres valentes, Folha de S. Paulo, 15/4/73).

[34] Resisti-lhe em face, Folha de S. Paulo, 11/3/73.

[36] São Pio X agradeceu a críticas, Folha de S. Paulo, 18/3/73.

[37] Onze padres valentes, Folha de S. Paulo, 15/4/73.

[42] Entrevista à Radio Capital, de Montevidéu (gravação), 20/7/90 [Nota do site: o link remete a transcrição da entrevista].

[43] Elogio aos silenciosos do Ocidente, Folha de S. Paulo, 7/10/73.

[44] A “canonização” cívica de Allende, Folha de S. Paulo, 21/9/89.

[46] Magnificat pelo Chile, Folha de S. Paulo, 16/9/73.

[47] Voz dos que se calam acabrunhados, Folha de S. Paulo, 28/4/74.

[49] RR 2/10/93.

[50] Despacho 30/9/93.

[51] RR 2/10/93.

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