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Campanha da TFP francesa diante
do Parlamento europeu |
1. Grandes blocos nacionais, caminho para uma ditadura burocrática
universal
De um modo geral, a TFP não vê com simpatia
[45]
uma forte corrente de opinião que tende para a unificação de grandes
blocos de nações
[46].
Isto porque a formação de tais blocos e a extinção das pátrias locais
caminham para uma ditadura burocrática universal. E eu sou contra isto
[47].
A mesma razão
que impele grupos de povos a se unificarem em um só bloco supranacional
conduz, mais cedo ou mais tarde, a que formem uma só nação internacional,
uma única nação mundial.
Chegaremos,
então, à abolição de todas as pátrias e de todas as nações, sob um
conjunto que me parece absolutamente antinatural e indesejável.
Esta era a
razão pela qual eu me opus a agrupamentos do tipo do Tratado de Maastricht
para a França e para os demais países da Europa, como também me opus a
agrupamentos análogos para os países da América do Sul.
Se se
transformasse cada continente em um só bloco, nós teríamos chegado à
formação de um governo mundial
[48].
* *
*
Na década de
1950, havia sido dado um primeiro passo neste sentido.
Os
representantes da Alemanha Ocidental, França, Itália, Bélgica, Holanda e
Luxemburgo se reuniram em Roma e fizeram um primeiro tratado constitutivo
da “Europa dos Seis”, em que os primeiros lineamentos, as
primeiras
concessões mútuas, os primeiros balbucios da futura União Européia
começaram a aparecer*
[49].
* Foram os famosos
Tratados de Roma. O primeiro instituiu a Comunidade Econômica Européia
(CEE) e o segundo a Comunidade Européia da Energia Atômica, mais conhecida
sob a designação de Euratom. Ambos assinados em 25 de março de 1957,
entraram em vigor em 1° de janeiro de 1958.
2. A importância do Tratado de Maastricht na construção da República
Universal
E mais recentemente em Maastricht eles chegaram a
constituir um tratado geral, o qual tratado constitui de fato a “Europa
dos Doze”*.
* A União Européia
nasceu desse Tratado, assinado a 7 de fevereiro 1992 por doze
países-membros: Alemanha Federal, França, Reino Unido, Itália, Espanha,
Portugal, Bélgica, Holanda, Dinamarca, Irlanda, Luxemburgo e Grécia. Daí a
denominação “Europa dos Doze”. Sucederam-se uma série de outros
tratados, e hoje a União Européia é constituída por 28 Estados-membros.
Esse Tratado foi introduzido muito velhacamente.
Porque os representantes de todos os governos da “Europa dos Doze”
- com exceção da Inglaterra que
não aceitou entrar na zona do euro -
perceberam que era um verdadeiro perigo consultar o povo sobre o que
opinava de suas cláusulas. E que mais valia a pena utilizarem-se do apoio
que contavam nos respectivos parlamentos, para fazer passar o Tratado
depressa.
Quando a Europa acordasse, as nações européias teriam
perdido o melhor de sua soberania em virtude das condições desse Tratado
[50].
* *
*
Mas a Dinamarca quis fazer um plebiscito. Parece que
a constituição dinamarquesa o exigia,
Os meios oficiais daquele país resolveram antes
publicar como seria a estrutura da Europa pelo Tratado de Maastricht. E os
dinamarqueses puderam ler essas explicações antes de votar.
Lendo-as, viram que, em primeiro lugar, era um texto
ininteligível (falarei mais adiante sobre essa ininteligibilidade). Em
segundo lugar, que era em todo o caso uma coleira passada no pescoço de
todas as nações da Europa.
Na hora de votar, ante a pergunta que no fundo era se
queriam continuar independentes ou não, a resposta foi: "Queremos
continuar independentes, não queremos saber desse Tratado". Uma
derrota para Maastricht, portanto
[51].
*
* *
Diante desse resultado na Dinamarca, em vários países
os opositores de Maastricht começaram a dizer: "Nós queremos
plebiscito".
Isso provocou a epidemia de um pânico.
Pois, para que essa Europa dos Doze não
tivesse o ar de uma ditadura, era preciso que ela simulasse ter sido
aprovada segundo os cânones do mais rigoroso democratismo.
Onde isto se verificou mais energicamente foi na
França*.
* No dia 9 de abril
1992, o Conselho constitucional da França sinalizou que, sem uma revisão
da Constituição, seria impossível a ratificação do Tratado de Maastricht.
Para sair do
impasse, o Parlamento francês reuniu-se em congresso a 23 de junho de
1992, introduzindo modificações na Constituição que viabilizavam tal
ratificação.
O governo de Mitterrand resolveu então — com risco
para todo esse castelo de cartas de baralho que era Maastricht — fazer um
referendo, o qual foi marcado para o dia 20 de setembro de 1992.
*
* *
Diante desse referendo, nasceu um imperativo para a
TFP francesa: ela tinha que se pronunciar.
Como se pronunciar? Só havia uma possibilidade: era
denunciando. Ou seja, tomando o Tratado de Maastricht e mostrando, pela
análise de artigos do Tratado, que ele liquidava com a independência da
França. E perguntando aos franceses: "O Tratado é este: vocês o
querem?"
[52].
3. Telefonema da TFP francesa e sugestão para intervir
Em telefonema com os dirigentes da TFP francesa, eu
disse a eles que, julgando as coisas de longe, no meu parecer, conviria
entrar no debate. Pois, mesmo se os contra-Maastricht não obtivessem a
maioria, e os pró-Maastricht tivessem uma maioria, mas muito pequena,
ficaria para eles malaisé, ficaria embaraçoso aos propugnadores do
tratado impor Maastricht.
Uma vitória dos pró-Maastricht muito apertada, muito
de raspão, equivaleria, no fundo, a uma derrota. Isto porque, impor à
metade ou a um pouco menos da metade de uma nação a aceitação de uma
espécie de renúncia à soberania, era uma coisa muito bruta e de resultados
muito incertos.
O assunto
deveria ser visto, portanto, não apenas em termos de números, mas de
números analisados politicamente
[53].
E fazer um esforço, em toda a medida do possível, para que os
franceses votassem pelo “não”. Uma pequena diferença poderia pesar no
final das contas
[54].
Além do mais,
deixar passar esse Tratado sem uma palavra da TFP seria uma verdadeira
tristeza
[55].
Dever-se-ia fazer alguma coisa, ainda que fosse para depois ficar
constando: “Nós avisamos”
[56].
4. Sorte da Europa e do mundo pendente do plebiscito francês
Outra coisa que pesava muito era o seguinte: dado o
papel da França na Europa e no mundo, se o plebiscito francês decidisse
largamente pró-Maastricht, seria a vitória de Maastricht na Europa. E se
decidisse contra Maastricht, seria a derrota de Maastricht na Europa.
Era, portanto, o destino da Europa que se jogava ali.
E, jogando-se o destino da Europa, jogava-se o
destino daquilo que é a parte mais culturalizada e mais carregada de
tradições do mundo: a parte onde existiu, como em nenhum outro lugar e
numa como que plenitude, a civilização cristã. Aquele solo havia sido
ensopado das bênçãos do precioso Sangue de Nosso Senhor Jesus Cristo. Tudo
isto estava sendo jogado naquele instante.
Ganhando o “não”, por muito tempo o plano da
unificação da Europa, ou seja, o plano de um supergoverno mundial, estaria
impedido
[57].
Aliás, os próprios jornais reconheciam: o destino do mundo estava sendo
resolvido nesse plebiscito francês
[58].
Consequentemente, era muito importante a TFP francesa
tentar galvanizar ao menos uma parcela grande dos partidários do “não”
[59].
5. Um tratado confuso e quase ilegível. A campanha da TFP francesa
Acontece que o texto do Tratado era a coisa a mais
estúpida, a mais maluca, a mais anárquica, a mais confusa que se pudesse
imaginar
[60].
Vários franceses eminentes chegaram a declarar que o Tratado era de fato
ininteligível. E isto foi reconhecido até por certos partidários do
Tratado.
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Campanha diante de Notre Dame de
Paris, contra Maastricht |
Então resolvemos oferecer aos nossos amigos franceses
uma sugestão de texto, que naturalmente eles depois verteram para o
francês, e fizeram — como eu tive todo o empenho em que fizessem — várias
modificações
[61].
Tive de fazer um esforço intelectual muito grande
para ordenar e compreender aquele emaranhado de peças que se metiam
desordenadamente — em francês se diz enfouir — umas dentro das
outras no Tratado de Maastricht
[62].
Não se pode fazer uma idéia do quanto me cansou a elaboração dessa
sugestão de texto
[63].
Aquilo era uma confusão infernal. Tirar do ilegível
peçazinhas de contornos definidos para constituir um manifesto claro, era
um trabalho de Hércules.
E me comprazo muito de que vários da TFP colaboraram
expressivamente, na época, para a montagem desse manifesto, lendo muita
coisa, resumindo.
Depois, os membros da TFP francesa trabalharam sobre
o texto sugerido, fizeram os retoques necessários
[64],
dando-lhe a redação definitiva.
E o manifesto foi afinal publicado em Le Quotidien
de Paris* [N.S.:
uma síntese do manifesto, em português, pode ser lida aqui. O texto
integral,
em francês, pode ser lido aqui]
* Tal publicação
deu-se no 25 de agosto de 1992, vinte e seis dias antes da consulta
popular. A TFP francesa iniciou, então, uma pujante campanha de
distribuição do texto nas vias públicas de Paris e de várias cidades do
interior da França. Promoveu também o envio em massa, por correio, do
mesmo manifesto.
6. Episcopado: neutro antes, pró-Maastricht depois do manifesto
No dia seguinte à publicação do manifesto, o
Episcopado francês - que havia
anteriormente emitido uma nota manifestando-se neutro, sob a alegação de
ser o referendo uma questão toda temporal
- publicou às pressas um
manifesto a favor de Maastricht. Quer dizer, procurou arrastar a favor de
Maastricht uma parte da opinião católica que eles tinham medo que passasse
para o outro lado
[65].
A Hierarquia francesa ajudava assim a iludir muitos
entre os bons. Muitos dos que iriam votar pró-Maastricht não votariam
nessa direção se não fosse a atuação da Hierarquia
[66].
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Campanha da TFP em Strasbourg (França), de difusão do manifesto
contra Maastricht |
7. Sinal amarelo: governo vence “avec un petit oui”
No começo, as intenções de votos nas pesquisas davam
muito mais pró-Maastricht do que contra Maastricht. Aos poucos foram
subindo os contra Maastricht e se igualaram.
Quando se aproximou o dia do referendo, a questão
estava num tal pé que um, dois ou três por cento dos votos poderiam
decidir a votação
[67].
Houve na mídia francesa uma inundação de propaganda a
favor do "sim".
Afinal, no dia 20 de setembro, os pró-Maastricht
venceram com apenas a pequena margem de 2,1%.
Uma maioria de 2,1 por cento era um palito
[68],
uma vitória de Pirro
[69].
O número de jornais e de pessoas que declararam
tratar-se de uma vitória pequena e de pouco alcance foi muito muito grande
na França*.
* “O governo
vence ‘avec un petit OUI et un puissant NON’”, ou seja, “com um
pequeno SIM e um possante NÃO”, comentou Jean Valleix, senador pelo
RPR (cfr.
Sénat — Première session extraordinaire de 1993-1994).
A opinião pública manifestou-se lúcida o bastante
para resistir contra uma tentativa de embuste grosseiro, como o de
apresentar a vitoriazinha de ninharia como uma vitória verdadeira do
Tratado de Maastricht.
O que significava um embaraço muito grande para o
governo Mitterrand
[70].
Se o governo sabia de antemão que 48,9% dos franceses
não queriam esse resultado, ele não tinha o direito de entregar a
soberania francesa ao estrangeiro com base numa tão exígua maioria.
Também o mecanismo político francês não havia
interpretado o país. A votação na Câmara a favor do Tratado de Maastricht
não correspondia nem um pouco à votação da Nação. Não havia uma fração
que, democraticamente falando, estivesse em condições de impor à outra,
servindo-se de uma maioria tão exígua, a entrega da soberania nacional
[71].
Um Ministro de Estado chegou a declarar: “Para o
governo, não foi um sinal vermelho, mas também não foi um sinal verde: foi
um sinal amarelo”. Com espírito francês, ele disse bem a coisa certa.
Quer dizer, pare, não ande, não avance, não faça bobagem, porque a
situação agora é delicada.
Em vista da pressão dos meios de comunicação social
em favor do “sim”, para quem tem um pouco de idéia do peso da propaganda
sobre o espírito de qualquer povo, ficou posta a pergunta: de fato foram
eles que ganharam?
[72]
Pode-se bem dizer que os pró-Maastricht tiveram uma
pequena vitória. E nós, os contra Maastricht, tivemos uma derrota
gloriosa.
O fato é que, neste lance, a irradiação da TFP
francesa cresceu
[73].
E por muito tempo o plano da unificação da Europa, ou
seja, o plano de um super-governo mundial, estava comprometido
[74].
Na Espanha, a TFP espanhola fez uma brilhante
campanha contra Maastricht. Em Portugal também [75].
* *
*
Depois de Maastricht, e a propósito de Maastricht,
houve novas combinações, novos tratados, tendo como ponto de apoio
Bruxelas, que foi transformada gradualmente na capital burocrática da
Europa*.
* Bruxelas é
realmente a capital de facto da União Européia, apesar da
inexistência de qualquer capital oficial declarada pela UE. A cidade
acolhe a Comissão Européia e o Conselho Europeu. Cerca de 75% do trabalho
do Parlamento Europeu tem lugar nesta cidade, apesar de sua instituição
oficial ser em Estrasburgo.
Depois de estabelecido o Parlamento Europeu,
votaram-se algumas leis “imperativas”, embora não tivessem o direito de
legislar, mas apenas de fazer recomendações. Aos poucos esse Parlamento
começou a querer impor essa legislação, como era evidente que tenderia
para isto, para todos os países da Europa pertencentes à União Européia
[76].
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