Plinio Corrêa de Oliveira

 

 

Minha

 

Vida Pública

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Parte XII

Livros e Campanhas de grande repercussão na década de 1990

 

 

Capítulo I

Comunismo e anticomunismo na orla do terceiro milênio: por que 70 anos para se reconhecer o fracasso? (1990)

 

[Clique sobre a figura para aceder ao texto completo do Manifesto]

 

1. Regime de opressão e miséria: expliquem-se os responsáveis

Pouco depois das eleições, ou seja, no início do ano de 1990, a TFP publicou um trabalho também de minha autoria, intitulado: Comunismo e anticomunismo na orla da última década deste milênio [1].

Por que razão lançamos esse manifesto e dele fizemos tão larga divulgação?

As eternas filas para se abastecer na Rússia comunista manifestavam de modo eloqüente a miséria produzida pelo regime

Porque o senso de justiça, inerente a todos os espíritos retos e elevados, estava a clamar por uma punição adequada desses grandes crimes que o comunismo internacional praticou no mundo inteiro [2].

Esse manifesto tinha como finalidade mostrar aos bons, quanto os maus são maus, para deixar claro como os falsos chefes são cúmplices dos maus. Esta era a meta principal do manifesto [3].

Depois de 70 anos, se verificou o fracasso disso, e isto foi uma aventura imensa e trágica [4].

Na estrutura soviética, o PC tinha legalmente precedência sobre o Estado. Não era o Partido que existia para o Estado, mas este para aquele [5].

Como podiam todos esses chefes comunistas justificar que tenham submetido todos os povos a essa aventura, sem se darem conta de que isso era um crime?

Por que razão teriam desejo de generalizar esse regime de tragédia, de opressão policialesca, de fome, para todos os outros países do mundo, por meio da propaganda comunista feita por partidos comunistas subvencionados por Moscou? [6]

Eles estavam nas fileiras do Partido Comunista, comendo, bebendo e dormindo, e não fizeram nada, durante todo esse tempo, para beneficiar efetivamente as respectivas populações? Pelo contrário, dirigiam autoridades intermediárias que prendiam, que matavam, massacravam, impunham a miséria, reprimiam a propriedade privada que alguém quisesse restaurar e a livre iniciativa que alguém quisesse ter.

Essas eram atitudes de quem estava preparando o dia de hoje?!

Não senhor! Aqui há crimes — muitos crimes! — pelos quais se deve responder [7].

2. Interpelação também à Teologia da Libertação

Residências em Cuba: ao não haver propriedade privada não há estímulo para reformar e manter o que não é seu

Eu estendia essa pergunta também aos eclesiásticos que apoiaram o comunismo. Por exemplo, ao ex-Frei Leonardo Boff, a Frei Betto — ambos escreveram livros elogiando a situação de Cuba, elogiando Fidel Castro — bem como aos outros expoentes da Teologia da Libertação nacional. E lhes perguntava como explicavam a situação da Rússia, sendo de notar que Fidel Castro, de quem são grandes entusiastas, estava exatamente do lado dos que desejavam a manutenção, na Rússia, da situação que causou essa miséria.

Eles eram teólogos de que espécie de libertação? Reduzir este mundo à miséria era libertar? [8]

Tratava-se, portanto, de um clã. E todos deviam prestar satisfações. Levaram setenta, cinqüenta, quarenta anos para perceberem isto? [9]

Na ocasião, essas razões que eu levantava estavam muito vivas e muito patentes aos olhos de todos, como a queda da Cortina de Ferro mostrava. E era necessário conscientizar as multidões sobre elas [10].

3. Numa Nuremberg contra o comunismo, as conclusões seriam perturbadoras

Outra coisa que eu também indagava no manifesto era: os dirigentes comunistas dos outros países e dos diversos PCs do mundo estiveram várias vezes na Rússia e presenciaram a miséria evidente e o descontentamento enorme que lavrava no povo contra o regime [11]. Nada viram?

Durante décadas a fio, esses líderes mantiveram constante e multiforme contato com Moscou, e ali estiveram, mais de uma vez, recebidos normalmente como comparsas e amigos. Nada contaram?

Se conheciam o trágico fracasso do comunismo, por que o queriam para suas pátrias? Por que conspiravam para estender esse regime de miséria, escravidão e vergonha, a seus próprios países?

Não pouparam dinheiro nem esforços com o fim de atrair, para a árdua faina de implantação do comunismo, as elites de todos os setores da população, a começar pela elite espiritual que é o clero. E a seguir as elites sociais, da alta e média burguesia, as elites culturais das Universidades e dos meios de comunicação social. As elites da vida pública, quer civil, quer militar, ademais dos sindicatos e organizações de classe de toda ordem. Isto para atingir por fim a juventude e a própria infância, nos cursos de primeiro grau [12].

Eles viram isto e não desistiram de sua posição comunista, cujos efeitos maléficos notavam claramente.

Esta era a grave pergunta que ficava no ar [13]. E que equivalia a dizer: “Foram vocês que fizeram! Venham aqui e expliquem-se”.

Era o esquema de uma eventual Nuremberg, que eu sabia que não seria convocada, mas que era necessário que ficasse dito para a História [14].

Se se fizesse um tribunal de Nuremberg para verificar esses fatos, chegaríamos a conclusões extremamente surpreendentes e perturbadoras* [15].

* Essa idéia de uma Nuremberg contra os comunistas do mundo inteiro foi até proposta, cerca de um ano depois, pelo Presidente da Lituânia, Vytautas Landsbergis, a quem Dr. Plinio enviou telegrama manifestando o intenso gáudio das TFPs e Bureaux-TFP dos cinco continentes pelo gesto dele (Carta ao Presidente Vytautas Landsbergis, de 5/9/91).

4. Órgão do Departamento de Estado americano tenta rebater nosso manifesto

Uma expressiva repercussão desse manifesto foi a carta endereçada à TFP norte-americana pelo Sr. J. F. Steft, vice-diretor do Escritório de Assuntos da União Soviética do Departamento de Estado da América do Norte.

Da parte do Presidente Bush (pai), ele oferecia argumentos contra as teses sustentadas pela nossa mensagem. Isto na parte em que eu lançava uma interpelação às pessoas, instituições, partidos, personalidades governamentais, governos e organismos internacionais civis e religiosos do Ocidente que haviam colaborado para a manutenção do regime comunista.

Esta argumentação do órgão do Departamento de Estado norte-americano era expressa de modo polido e manifestava alta consideração pelo trabalho. A TFP norte-americana respondeu em tom igualmente elevado e polido. Mas essa troca de correspondência não foi além disso [16].

Capítulo II

Campanha pela libertação da Lituânia:o colapso do império comunista no Leste europeu (1990/1991)

 

A TFP diante do Teatro Municipal em São Paulo no encerramento da campanha pela libertação da Lituânia

 

1.   Glasnost e perestroika: vem a furo o fracasso do comunismo

A espetacular queda do muro de Berlim em 9 de novembro de 1989 e da Cortina de Ferro, com as comoções políticas que as precederam e se lhe seguiram nos países do Leste europeu [17], de tal maneira mudaram o jogo político no mundo que em toda a minha vida não vi um acontecimento político-chave, que desse numa mudança tão brusca à maneira de uma explosão, como se deu este.

Reduzido ao nível do chão o muro de Berlim, como a Cortina de Ferro em geral, era impossível evitar que os entendimentos se fizessem rápidos, freqüentes, assíduos e fraternos entre um lado e outro da Alemanha. Tinha que sair um pensamento comum, uma atitude comum, uma tendência de ação comum.

E, assim, ponto por ponto, o edifício da prevenção anticomunista montada na Europa, iria se desfazendo.

Havia mais. Eu não cria que a Europa Ocidental desistisse do plano da federação pan-européia. E temia que ficasse aberta a situação para fazer a famosa Europa dos Urais até o Atlântico, em que entrassem juntos a Rússia e todos aqueles povos esmagados, martirizados, trucidados que ela levava consigo, cada um com um voto num Conselho Federal da Europa.

Com isso, seria constituído um super-governo, no qual todas as nações da Europa ficariam tão chumbadas e amarradas umas nas outras que, ou saía uma guerra, ou uma convergência* [18].

* Convergência esta entendida, evidentemente, como a fusão de todas as nações européias - ou mundiais - num amálgama dos respectivos regimes político-sociais. Em outros termos, convergência tendente a conduzir à adoção de um só regime semicomunista e semicapitalista, em que o pólo forte seria o comunismo e o pólo débil o capitalismo. Ou seja, esta convergência seria, em seus planos, uma etapa última para a conquista comunista do mundo.

*   *   *

Não obstante, era fato que a promessa gorbacheviana de instauração da perestroika na Rússia havia produzido, dentro e fora daquele país, talvez um dos maiores terremotos geopolíticos da História [19].

Naturalmente, encarei com muita simpatia a queda do prestígio internacional do comunismo que daí resultou.

A queda da Cortina de Ferro abriu completamente o Oriente a todo o mundo que quisesse visitá-lo. E as visitas revelaram uma situação tão infra-humana, que justificava inteiramente as palavras do então Cardeal Ratzinger a respeito dos países comunistas: “Não se pode desconhecer esta vergonha do nosso tempo: pretendendo proporcionar-lhes liberdade, mantêm-se nações inteiras em condições de escravidão indignas do homem” (cfr. Instrução sobre alguns aspectos da Teologia da Libertação, Congregação para a Doutrina da Fé, 6 de agosto de 1984, n° XI, 10).

Ato de entrega dos microfilmes do abaixo-assinado de apoio à independência da Lituana foram levados a Vilnius por uma Comissão inter-TFPs, constituída de onze membros e presidida pelo diretor do Bureau-TFP de Paris, Dr. Caio Vidigal Xavier da Silveira. O ato de entrega ao Presidente Landsbergis foi efetuado em seu gabinete, localizado no Palácio do Parlamento

A comissão inter-TFPs, que esteve por lá para levar uma mensagem ao Presidente Vytautas Landsbergis, hipotecando todo o apoio dos cinco milhões de signatários à causa da independência da Lituânia (adiante iremos tratar desse assunto), voltou trazendo notícias e informações simplesmente espantosas a esse respeito.

O fato é que, com a glasnost (transparência), o mundo pôde ver um tal fracasso do regime comunista do ponto de vista de atender à necessidade dos pobres, que se deveria definir esse regime como aquele que, não apenas não atende a essa necessidade, mas reduz à extrema pobreza todos os que sob ele vivem [20].

Com a perestroika (reestruturação), as nações mantidas sob o guante de ferro do comunismo soviético, e que não vislumbravam a menor esperança de libertação, subitamente sacudiram esse jugo e tomaram o próprio destino em mãos. A Alemanha, dilacerada de alto a baixo se unificou.

Como não ver com ânimo esperançoso tão alentadoras transformações? [21]

2. Gorbachev, um embusteiro genial

Confesso que Gorbachev — que tantos admiravam e choraram quando veio a cair — sempre me pareceu um embusteiro, aliás genial.

Para obter dinheiro do Ocidente, ele criou a miragem de uma Rússia semi-exorcizada do perigo comunista. E com isto desmobilizou e desarmou os muitos que nele acreditaram. Ele foi, portanto, tragicamente nocivo [22].

Gorbachev representava, para mim, a ambigüidade suspeita de todas as más surpresas.

Um repórter certa vez chegou a me perguntar: “Então, o Gorbachev não é confiável?”. Respondi: — Nada, nem um pouco. Ele é desconfiável.

Vamos falar português claro: ele dependia das esmolas generosas e imprudentes que o capitalismo do Ocidente lhe estava dando, para a Rússia não se dissolver no caos e no magma completo da pobreza.

"Ora, foi isso o que ele fez com o Presidente Reagan e depois com Bush (pai). Depois continuou fazendo o mesmo com Helmut Kohl..."

Então fez essas promessas de liberalização para ganhar dinheiro. Um homem que faz uma promessa no ato de ganhar dinheiro, deve ser tido como discutível na sua promessa.

Ora, foi isso o que ele fez com o Presidente Reagan e depois com Bush (pai). Depois continuou fazendo o mesmo com Helmut Kohl, primeiro-ministro da Alemanha Ocidental.

Eu me perguntava o que o Gorbachev fez no sentido de restabelecer a propriedade privada na Rússia. Nada! O que ele fez no sentido de estabelecer a liberdade de comércio. Nada! Ninguém contava o que ele fez. Eu só sabia que ele pedia dinheiro, recebia e embolsava. Fora disso não se sabia mais nada [23].

Ele pedia dinheiro para fazer a reabertura do comércio, da propriedade privada, da liberdade de mercado. Recebia quantias fabulosas para isso e não executava nada.

Como é que se podia confiar nele? [24].

Entretanto, ele foi sendo transformado na coluna do mundo! Foi só tocar em Gorbachev durante a crise com Ieltsin em 1991, que as chancelarias das maiores potências e a mídia universal estremeceram. A sensação geral era de que, se ele fosse definitivamente derrubado, o mundo despencaria na guerra nuclear [25].

3. Nossa posição é de expectativa e vigilância

Então, qual era a posição da TFP diante dessas mudanças do Leste? A TFP apoiava ou não apoiava?

As mudanças do Leste, ela apoiaria, uma vez que fossem encaminhadas para o restabelecimento de uma ordem na qual a propriedade privada fosse reconhecida e a liberdade de mercado também.

Se não fossem reconhecidos esses dois fatores ou esses dois pilares de toda a ordem humana, a TFP não apoiaria.

Nossa suspeita a respeito de Gorbachev era de que, como comunista (ele se afirmara comunista mesmo depois da aproximação com os Estados Unidos), tinha a intenção de realizar o artigo 1° da Constituição soviética. Este artigo afirma que a finalidade do capitalismo de estado comunista é preparar a autogestão.

Para onde ele caminhava era para a preparação do comunismo autogestionário, a meu ver mais censurável do que o próprio capitalismo de estado [26]. Comunismo autogestionário este que todos os teóricos e líderes máximos do comunismo, desde Marx e Engels até Gorbachev, sempre apresentaram como a versão extrema e cabal do comunismo, a quintessência dele [27].

*   *   *

Neste contexto, estourou o caso da Lituânia.

A Lituânia é uma nação pequena. Mas, posta diante da alternativa red or dead (ficar vermelho ou morto), preferiu enfrentar a perseguição e a morte, do que aceitar o prolongamento do ignóbil e insuportável cativeiro de cerca de 50 anos [28].

Contra essa nação foi feita uma gravíssima transgressão de um direito.

Qual transgressão?

A ocupação soviética da Lituânia, em 1940 (Foto: Wikipédia)

O Pacto Ribbentrop-Molotov, assinado pouco antes da Segunda Guerra Mundial, foi um tratado cínico feito entre o governo russo comunista de então e o governo nazista alemão. Mediante esse tratado, em troca de vantagens várias para a Alemanha, esta consentiu que a Rússia invadisse os três países bálticos — a Lituânia, a Estônia e a Letônia — e transformasse aquela região praticamente em províncias russas. E assim entraram debaixo do jugo soviético.

Tendo em consideração a política liberalizante de Gorbachev, e na esperança de que os países do Ocidente viessem em seu apoio, a Lituânia, seguida da Letônia e da Estônia, começou a pedir a sua própria independência e, no dia 11 de março de 1990, chegou mesmo a proclamá-la.

Como era uma nação que tinha sua língua, sua história, sua cultura, era natural que quisesse um espaço ao ar livre para respirar. Era um direito natural.

Mas passou pelo grande desapontamento de ver Gorbachev, que parecia o aliado de todos os oprimidos, oprimir a Lituânia, e que o Ocidente todo, com medo de desagradar a Gorbachev, cruzava os braços*.

* Em junho de 1990, Gorbachev, em represália pela declaração unilateral de independência, promoveu um bloqueio econômico contra o sofrido país: interditou seus portos e acessos terrestres e cortou-lhe os suprimentos de petróleo e de gás. Exigiu, como condição para levantar o bloqueio, que o Parlamento lituano “congelasse” a declaração de independência por dois anos.

Depois de tensas negociações, em julho 1990 o Parlamento lituano foi obrigado a aceitar o “congelamento” da independência do país por 100 dias, para que uma comissão bipartite russo-lituana discutisse os termos de uma eventual independência definitiva. Mas, já de antemão, Moscou “sugeria” que a Lituânia permanecesse federada dentro da URSS.

Nesse ínterim, em novembro 1990, um ato de brutalidade de Gorbachev e de espantoso abandono da Lituânia por parte de altos dignitários europeus. A pedido de Gorbachev, lituanos foram expulsos da reunião de Segurança Européia, realizada em Paris. E isto quando há já três horas participavam da sessão como observadores!

Isto produziu na Lituânia grande desânimo, desestimulando-os de reagir, por julgarem que ninguém no Ocidente jamais os iria apoiar (cfr. Catolicismo n° 601, janeiro de 2001).

Gorbachev fez então o que quis. O Presidente dos Estados Unidos e as grandes potências da Terra não disseram nada a favor da Lituânia. E a Lituânia ficou isolada [29].

Nosso governo, por exemplo, chegou a afirmar, na Noruega, a “nocividade” da independência das repúblicas bálticas, na medida em que atrapalhassem Gorbachev, tido como indispensável para a paz mundial [30].

4. Pró Lituânia livre, o maior abaixo-assinado da História

Na questão da Lituânia, a posição de Gorbachev era contraditória. E uma contradição na conduta de um homem dessa responsabilidade gerava uma suspeita [31] e tinha que ser desmascarada.

Nessas condições, a TFP brasileira procurou a colônia lituana e lhe comunicou que iria lançar uma campanha pela libertação daquele país, e que pretendia estender essa campanha por todo o nosso território-continente, como de fato foi feito.

Mais ainda: pela normal influência que exerço sobre as 20 TFPs coirmãs e autônomas, propus a todas que estendessem essa campanha a seus respectivos países, nos cinco continentes. O que foi atendido com suma diligência e contentamento [32].

Fizemos uma campanha colossal, de caráter internacional, abrangendo 26 nações, para uma mensagem ao Presidente Vytautas Landsbergis, hipotecando todo o apoio à causa da independência da Lituânia [33].

Isto despertou um movimento também colossal de simpatia * [34].

* Em 130 dias de campanha, iniciada a 31 de maio de 1990, as TFPs e Bureaux-TFP reuniram em 26 países 5.218.520 assinaturas, que o Guiness Book of Records de 1993, anuário inglês mundialmente conceituado, afirmou ter sido o maior abaixo-assinado até então realizado no mundo.

Os microfilmes deste abaixo-assinado foram levados a Vilnius por uma Comissão inter-TFPs, constituída de onze membros e presidida pelo diretor do Bureau-TFP de Paris, o meu dileto amigo Dr. Caio Vidigal Xavier da Silveira [ver foto acima].

O ato de entrega ao Presidente Landsbergis foi efetuado no dia 4 de dezembro de 1990 em seu gabinete, localizado no Palácio do Parlamento [35].

*   *   *

No dia 6 de dezembro, já em Moscou, a delegação se fez fotografar em plena Praça Vermelha, desfraldando um estandarte da entidade, com todos os seus integrantes portando a capa vermelha característica das TFPs.

"No dia 6 de dezembro, já em Moscou, a delegação se fez fotografar em plena Praça Vermelha, desfraldando um estandarte da entidade, com todos os seus integrantes portando a capa vermelha característica das TFPs"

E no dia 11 do mesmo mês a comitiva entregou, nos próprios escritórios do Kremlin, uma carta coletiva dos presidentes de todas as TFPs a Mikhail Gorbachev, solicitando-lhe formalmente que, diante dessa categórica manifestação do mundo livre, removesse todos os obstáculos que impediam a Lituânia de alcançar sua plena independência* [36].

* No próprio dia da entrega da carta veio a reação de Vladimir Kriutchov, chefe da KGB, a temível polícia política soviética. Ele declarou na televisão de Moscou que não toleraria “qualquer ingerência nos nossos assuntos internos da URSS [...] desses organismos e grupúsculos que, no estrangeiro, [...] moveram durante décadas, e continuam a mover, uma guerra secreta contra o Estado soviético”. Soava como uma ameaça. A declaração foi reproduzida pelo Figaro, de Paris, de 13/12/90.

A comissão, voltando ao Brasil, manifestou-se muito contente com a acolhida que recebeu da parte do governo lituano e do Cardeal Arcebispo de Kaunas, Monsenhor Vincentas Sladkevicius. Tudo isso foi comunicado aos lituanos residentes no Brasil do modo mais cordial e afável [37].

5. Repressão à Lituânia: cai a máscara de Gorbachev

Foi aí que se deu a brutal repressão de Gorbachev contra a declaração de independência da Lituânia *.

* Essa repressão deu-se um mês depois da entrega do abaixo-assinado da TFP, precisamente na noite de 13 de janeiro de 1991, atitude essa que fez cair afinal a máscara sorridente de Gorbachev, deixando entrever sua carranca dura e implacável.

Frustrando as vãs esperanças que sua política da perestroika fizera nascer no Ocidente, Gorbachev violou a soberania dessa nação que acabava apenas de renascer. E, sob o pretexto de que os filhos dela se recusavam a servir no exército da União Soviética, mandou esmagar as reações na Lituânia.

Foto de 13 de janeiro de 1991 mostra o instante em que um manifestante lituano corre em frente a um tanque do Exército Vermelho, durante o assalto à Rádio e Televisão Lituana em Vilnus, que matou 13 pessoas e feriu outras 100 (Stringer/AFP/Getty Images).

Tanques comunistas se atiraram então contra um povo inteiramente indefeso, alentado tão-só por suas armas espirituais que eram a Fé católica e a determinação inquebrantável de assegurar sua independência.

Assim, entoando hinos de Fé e de patriotismo, as multidões lituanas desarmadas se ergueram como barreiras vivas ante os tanques soviéticos, e não recuaram quando — com assombro para os agressores a mando do Kremlin, como para o mundo inteiro — verificaram que as primeiras vítimas se deixavam trucidar barbaramente debaixo das esteiras dos tanques, porém não desertavam do campo da honra.

O que fez o governo de Moscou?

Compreendendo que o prosseguimento do ataque genocida levantaria contra Gorbachev a justa indignação de todos os povos livres, o Kremlin “desautorou” o ataque, atribuindo a responsabilidade pela agressão ao comandante das forças comunistas sediadas na Lituânia. E mandou retirar desse país parte dos pára-quedistas que pouco antes enviara contra esse povo.

" [...] as multidões lituanas desarmadas se ergueram como barreiras vivas ante os tanques soviéticos, e não recuaram quando — com assombro para os agressores a mando do Kremlin, como para o mundo inteiro — verificaram que as primeiras vítimas se deixavam trucidar barbaramente debaixo das esteiras dos tanques, porém não desertavam do campo da honra".

Mal haviam sido divulgadas as medidas desautorando as recentes brutalidades soviéticas em Vilnius — com evidente vantagem publicitária para o Sr. Gorbachev no Ocidente — sobreveio a promoção ao generalato de um dos “culpados”, o ministro do interior coronel Boris Pugo, apontado em comunicado da KGB como um dos mais destacados instigadores da ação feroz.

Ficava assim patenteada a inconsistência da referida censura. À violência se somava a duplicidade* [38].

* A reação internacional face à brutalidade soviética — o emprego de tanques e metralhadoras contra jovens desarmados — atingiu um paroxismo de indignação. E Gorbachev viu-se afinal obrigado a ceder diante das pressões das potências ocidentais, aceitando como fato consumado a independência da Lituânia. Os soldados russos, porém, permaneceram ainda em solo lituano. Só abandonaram o país três anos mais tarde (cfr. Catolicismo n° 601, janeiro de 2001).

*   *   *

No dia 14 de janeiro de 1991, organizamos uma passeata no centro de São Paulo que se estendeu em filas ininterruptas, com manifestações de protesto pelo cruel ataque promovido pelos russos contra populares indefesos e cheios de espírito de Fé e patriotismo.

No dia 15 de março de 1992, credenciado por todas as TFPs, escrevi uma carta a João Paulo II e a todos os Chefes de Estado do mundo livre pedindo o reatamento das relações diplomáticas com a Lituânia [39].

*   *   *

Poucos dias após o Brasil ter reconhecido a independência gloriosamente conquistada pela nação lituana, enviei uma carta (5 de setembro de 1991) em que, na qualidade de Presidente da TFP brasileira, e no meu próprio, felicitava o Presidente Vytautas Landsbergis pela vitória inteira e definitiva da nação lituana sobre o sinistro moloch soviético.

Alegrou-me muito o fato de que quinze TFPs, bem como cinco Bureaux-TFP de outros tantos países, prestaram a sua entusiasmada colaboração em favor da independência da Lituânia, chamada “Terra de Maria”.

Convém ressaltar que tal colaboração se levantou num momento em que a causa dessa valorosa nação encontrava-se abandonada por todas as chancelarias do Ocidente. E era vista com frieza pelo imenso e poderoso conjunto dos meios de publicidade que constituem a mídia do mundo livre [40].*

* Tudo o que aconteceu no Mar Báltico, pela declaração das próprias autoridades do governo lituano à Comissão que o foi visitar, se deveu em grande parte ao alento que tiveram graças a nossa campanha, naquele momento difícil. Estavam desalentados e tomaram alento com essa nossa presença.

Por sua vez, a independência lituana teve uma importância crucial no desfazimento do bloco soviético. O editorial do The New York Times do dia 29/8/91 assim se expressa a respeito:

“Na realidade, os países bálticos foram os catalizadores do levante soviético. A Lituânia foi a primeira república soviética a proclamar a sua independência, em março de 1991, dando coragem às demais”

"No dia 14 de janeiro de 1991, organizamos uma passeata no centro de São Paulo que se estendeu em filas ininterruptas, com manifestações de protesto pelo cruel ataque promovido pelos russos contra populares indefesos e cheios de espírito de Fé e patriotismo" [Na foto a passeata passando pelo Viaduto Santa Efigênia, da capital paulista]

Capítulo III

No V Centenário dos Descobrimentos, uma opção crucial: Cristandade autêntica ou revolução comuno-tribalista (1992)

1. Como os homens de minha época viam os índios e o progresso

Antes de tratar de nossa manifestação no centro de São Paulo a propósito do V Centenário dos Descobrimentos, comemorado em 1992, faço uma reminiscência histórica.

Quando em minha remota infância eu ouvia falar de índios, a versão que deles me chegava era ambivalente.

De um lado, eram eles mencionados como sendo uma raça digna de simpatia, pelo fato de terem sido os primeiros ocupantes do solo brasileiro. Portanto, se se quiser, seriam os nossos compatriotas mais antigos, a quem deveríamos votar um sentimento de solidariedade nacional. Desse ponto de vista, cumpria considerá-los com benevolência especial.

A evangelização dos índios levada a cabo pelos jesuítas procurou mitigar os costumes bárbaros que praticavam. Na foto o Pe. Nóbrega e companheiros resgatam o cadáver de um índio que estava prestes a ser devorado em um ritual pelos tupinambá. Tela de Manoel Joaquim de Melo Corte Real da Academia Imperial de Belas Artes , datada de 1843

De outro lado, porém, ao examinar a vida dos indígenas em seu estado primitivo, errando por nossos campos e nossas matas, e ao se tomar em conta seus costumes, sua moral, o sistema pelo qual obtinham o que precisavam para viver — produto mais bem de sua inação do que de seu trabalho, pois que eram avessos a toda atividade metódica — a generalidade das opiniões era rotundamente desfavorável.

Tal quadro contrastava com outro, incondicionalmente elogioso, que certas máquinas de fabricar opinião difundiam acerca do progresso moderno. Esse progresso era o grande mito dominante da época hollywoodiana, que despontava em minha infância, quando o mundo ocidental, especialmente a Europa e a América do Norte, era apresentado da maneira mais favorável e otimista, como gerador de um estado de ascensão contínua que haveria de melhorar indefinidamente a vida dos homens.

E — vaticinavam alguns — esta se aperfeiçoaria de tal maneira que, com os progressos da medicina, antes do fim do século ou no decurso do século XXI, surgiria um meio de restituir a “saúde” — até lá chegava esse otimismo! — aos homens que tivessem morrido. E, consequentemente, ser “ressuscitados”.

Câmaras Criônicas reais, na Alcor, uma das instituições que realiza este procedimento nos dias de hoje.

Desse modo ocorreram — sobretudo nos Estados Unidos — casos de milionários ou pessoas que levavam vida fácil e agradável e que, ao morrer, deixaram legados especiais para despesas com sua eventual "ressurreição". Tais legados incluíam cláusulas específicas sobre como deveriam ser guardados seus corpos em câmaras frigoríficas, por empresas constituídas ad hoc desde os anos 60, para que estivessem em condições de serem trazidos novamente à vida.

Este exemplo extremo ilustra até que ponto chegou a euforia do progresso, e o desejo otimista de viver indefinidamente esta vida que, hollywoodianamente falando, era apresentada como deliciosa.

Isso induzia incontáveis pessoas a se entusiasmarem com o progresso e a se esforçarem em levar adiante o sonho do crescimento científico e tecnológico indefinido.

Para tal ótica, a situação dos índios, como também das tribos primitivas da África, Ásia e Oceania, que permaneciam em estado selvagem, representava o grau zero de progresso, em comparação com a situação dos homens que viviam segundo Hollywood, a qual seria, digamos, o grau mil.

Assim, durante várias décadas, falava-se de vez em quando de massacres perpetrados pelos índios, de assassinatos, de canibalismo, de como sua vida errante era perigosa, do risco que haveria em encontrar-se com eles nas selvas etc.

2. Depois de uma fase de silêncio, uma reviravolta completa

Sem embargo, em certo momento, o tema índios começou a sair da atenção geral, e gradualmente foi-se tratando cada vez menos dele.

Ao cabo de um intervalo em que o assunto permaneceu submerso em um mar de silêncio e de olvido, ele começou a ressurgir, mas já então sob um prisma completamente diferente. Para as mesmas correntes ideológicas que, com o objetivo de demolir a civilização cristã, interessara em certo momento promover o mito neopagão de Hollywood, passou a convir a demolição do mesmo mito, e da civilização com base nele edificada, a fim de dar um salto adiante no processo revolucionário, rumo à anarquia neotribal.

Para este novo objetivo, era preciso então apresentar as condições de vida dos índios do modo mais favorável possível.

Disso fui testemunha. Começaram a surgir menções a tal autor, que asseverava ser exagerada a versão de que todos os índios fossem canibais; ou a tal outro, que sustentava nunca ter havido canibalismo entre eles, e, pelo contrário, exaltava que possuíssem estas ou aquelas qualidades. Assim, elogios à arte, cultura e civilização dos índios foram se tornando cada vez mais freqüentes, e caminhando para o hiperbólico.

Los Arcángeles arcabuceros -  séc. XVII - Escuela Cusqueña - Exemplo de arte indígena pós conversão à Fé Católica

De fato, pode-se francamente falar de uma arte e de uma civilização indígenas, se consideramos, por exemplo, os incas e os astecas, que tiveram impérios organizados, uma verdadeira arte e elementos culturais dignos de menção.

Sobretudo é verdade que, em toda a América, depois de convertidos à verdadeira Fé, os índios manifestaram um talento que os capacitou a produzir coisas boas e até relevantes. Era neles uma capacidade natural latente, que, como fruto do batismo e da civilização, e como resultado do contato com os eclesiásticos e com o elemento civil de Portugal e da Espanha, se transformou em qualidade patente.

Falar-se porém de arte indígena pré-colombiana fora dos astecas e dos incas, e de alguma outra exceção, é extremamente questionável do ponto de vista historiográfico.

Essa retomada do tema indígena culminou com a virtual glorificação do índio, e de suas condições de vida milenar, promovida pelas esquerdas.

*   *   *

A ECO’92, por exemplo, foi uma manifestação muito curiosa, muito aguda e muito sistemática dessa glorificação que, por sua vez, o movimento contrário à celebração dos 500 anos do Descobrimento da América estava levando até o paroxismo [41].

3. Principais teses dos opositores ao Descobrimento e à Evangelização da América

De fato, para surpresa de muitos, o ensejo dos 500 anos do Descobrimento da América não foi motivo indiscutido de festejos.

Em certas publicações da esquerda católica, os conquistadores, de heróis, passaram a vilões. Punham elas em realce suas crueldades, não a sua coragem e sua obra civilizadora. E os abnegados e beneméritos missionários, que converteram índios à Fé católica, eram apontados pelos adeptos dessa mesma Teologia da Libertação como fautores de um empreendimento nefasto.

Eu considerava que a corrente inspirada pela Teologia da Libertação errava na apreciação histórica a partir dos erros que ela cometia na apreciação teológica. Ou seja, era a partir dos seus erros teológicos que ela caía em erros históricos.

*   *   *

A Teologia da Libertação tem, a respeito da natureza humana e do rumo que deve seguir a História, um modo de ver inteiramente diverso daquele que tem o verdadeiro católico.

Para este, o homem deve progredir continuamente, mas este progresso consiste em sujeitar a terra ao serviço do homem. E, por sua vez, o homem deve sujeitar-se ao serviço de Deus, de maneira que Deus reine sobre toda a Criação.

Se o homem proceder virtuosamente, fa-lo-á com o equilíbrio adequado, que impedirá a destruição da natureza. Mais ainda, ele a aperfeiçoará para o seu próprio benefício.

Já segundo a doutrina da Teologia da Libertação, muito vizinha, nesse ponto, do ecologismo exacerbado que se difundiu pelo mundo, o homem é quem deve estar a serviço da natureza. De maneira tal que, em vez de essa natureza ser vergada e domesticada pelo e para o homem, é o homem que deve viver para conservar incólume a natureza.

Ele seria o guardião da natureza, tocando-a o mínimo, e vivendo modestamente, na maior medida possível, só do que a natureza lhe proporcionasse. E isto num estado verdadeiramente primitivo, selvagem.

Segundo essa concepção eco-teológica, chega-se à conclusão de que o estado selvagem é o estado ideal para o homem. Enquanto, segundo a doutrina católica, o estado perfeito para ele é o de ser civilizado.

D. Pedro Casaldáliga no dia em que foi sagrado como bispo. Foto: arquivo da Prelazia de São Félix

Em tal concepção, é claro que os índios, por terem sido civilizados, foram prejudicados.

A partir daí — concluem os eco-teólogos — é claro que a América não deveria ter sido descoberta, que ela nada lucrou em ter sido descoberta por europeus, e que estes erraram querendo adaptar àquela civilização as “maravilhas” do Novo Mundo. Tese esta que é uma verdadeira aberração.

Para esses adeptos da Teologia da Libertação ou dessa “ecologia”, a obra dos descobridores e colonizadores tinha sido funesta [42].

*   *   *

O mais característico desses novos intérpretes foi, uma vez mais, o espanhol Dom Pedro Casaldáliga. Ele considerava que a vinda dos missionários brancos foi nociva para os índios, e chegou a dizer que o Deus branco não convinha para homens de pele-vermelha.

Eu achava que o Deus de pele branca, Nosso Senhor Jesus Cristo, convinha a todos os homens. O problema não se punha nesses termos.

4. Papel heróico dos Descobridores e dos Evangelizadores na História do Brasil

Desembarque de Colombo nas costas do Novo Mundo em 12 de outubro de 1492

John Vanderlyn - Rotunda do Capitólio - Washington - 1847

Diferentemente da Teologia da Libertação, eu via no V Centenário do Descobrimento da América um fato de uma importância transcendental para a História do mundo.

Era de uma importância tão transcendental que, se fôssemos enumerar todas as conseqüências dele, seria literalmente impossível.

Eu me concentro, com simpatia, em considerar os efeitos na História da Espanha. É preciso notar que a Espanha de 1492 acabava de consolidar a sua unidade com a expulsão dos últimos mouros de Granada e iniciava um outro grande ciclo de atividades que haveriam de consagrá-la como uma das primeiras nações da História do Ocidente.

A Espanha havia se voltado para a luta contra os mouros no Oriente - ela que tinha feito a luta contra os mouros no Ocidente - e ganhava a notabilíssima vitória de Lepanto que firmou as barreiras ao poder muçulmano*.

* Presenciamos hoje o ressurgimento ameaçador do poder muçulmano, representado em sua ponta mais extremada pelo Estado Islâmico. Tal ressurgimento foi previsto por Plinio Corrêa de Oliveira nas páginas do Legionário ainda na década de 1940, e depois em Catolicismo, no início da década de 1950.

Dizia ele, no artigo A Questão Libanesa, estampado no Legionário de 5/12/43:

“O perigo muçulmano é imenso. O Ocidente parece fechar-lhe os olhos, como os tem ainda semi-cerrados ao imenso perigo amarelo. [...] Nos dias de hoje, com homens, armas e dinheiro, tudo se faz. Dinheiro e homens, o mundo muçulmano os possui à vontade.

“Adquirir armas, não será difícil... e, com isto, ficará uma potência imensa em todo o Oriente, ativa, aguerrida, cônscia de suas tradições, inimiga do Ocidente, tão armada quanto ele, que dentro de algum tempo poderá ser absolutamente tão influente quanto o mundo amarelo, e colocada em situação geográfica e econômica incomparavelmente melhor!”

A este propósito, ver a excelente obra de Juan Gonzalo Larrain Campbell, Plinio Corrêa de Oliveira: Previsões e denúncias em defesa da Igreja e da Civilização Cristã (Artpress, São Paulo, 2001), na qual é transcrito o seguinte e expressivo testemunho do Padre jesuíta João B. Libânio, um dos expoentes da Teologia da Libertação:

“Plinio Corrêa de Oliveira (fundador da TFP — Sociedade Brasileira de Defesa da Tradição, Família e Propriedade) fez uma palestra para os jesuítas em 1940, permeada de uma idéia toda messiânica [sic!], dizendo que o grande problema do cristianismo era o islamismo. Há 50 anos, foi profético, ou a História foi, por outras razões, caminhando nesse sentido. O fato é que se confirma o que ele intuiu”.

São José de Anchieta - "maior apóstolo dos índios do Brasil"

De outro lado, houve o ciclo de navegações, que não se resumiu apenas ao Descobrimento da América, e que levou até às Filipinas.

Tinha sido também a Espanha que dera o apoio decisivo ao movimento de caráter religioso-cultural, no sentido mais amplo do termo: a Contra-Reforma. Esta também pôs diques à Reforma, que soava como uma verdadeira revolução.

Tudo isso pôde fazê-lo com os recursos que recebia do Novo Mundo, e com grande vantagem para a civilização cristã e para a humanidade em geral.

Por exemplo, José de Anchieta, grande missionário jesuíta nascido nas Ilhas Canárias, portanto espanhol, foi o maior apóstolo dos índios no Brasil. Homem que merecia ser mundialmente célebre, e que João Paulo II beatificou numa das visitas que fez ao Brasil*.

* Como já ficou dito, foi canonizado pelo atual Pontífice.

Foi um jesuíta característico do século XVI - século áureo da Companhia de Jesus - no sentido mais pleno da palavra [43].

5. A “Caminhada da Fidelidade” promovida pela TFP

Diante dessas vozes que se levantavam para afirmar que o Descobrimento havia sido um desastre para as populações nativas da América, um desastre para a história do mundo, não poderia deixar de ser que a Sociedade Brasileira de Defesa da Tradição, Família e Propriedade levantasse um protesto contra essa tendência que ia ao arrepio de todo o curso da História.

E que afirmasse num ato solene, em que estivessem presentes representantes dos mais variados países da América e de diversos países da Europa, a sua solidariedade entusiasmada e convicta à obra missionária realizada pela Igreja Católica no Brasil, como em todo território das Américas, ao longo desse tempo. E ao mesmo tempo proclamasse a segurança de que o futuro da América só tinha um sentido: o futuro da civilização cristã

Com efeito, essa caminhada poderia chamar-se a Caminhada da Fidelidade*.

O Desfile da Fidelidade em sua passagem pelo Vale do Anhangabaú na capital paulista

* Aproveitando o afluxo a São Paulo de grande número de pessoas para o VIII Encontro de Correspondentes e Simpatizantes, a TFP organizou a que ficou conhecida como a Caminhada da Fidelidade ou Desfile da Fidelidade (cfr. Catolicismo n° 494, fevereiro de 1992).

Esse desfile realizou-se numa tarde de sexta-feira, dia 3 de janeiro, para prestar a homenagem das TFPs de toda a América aos Papas, aos Monarcas, aos Descobridores e aos Missionários propulsores do esforço evangelizador e civiliza­dor.

O Prof. Plinio Corrêa de Oliveira discursando no encerramento do Desfile da Fidelidade [excertos do discurso podem ser ouvidos aqui]

Foi a caminhada de uma fidelidade que teve início no Pátio do Colégio, naquela primeira célula-mater de São Paulo, quando a cidade era apenas uma aldeola, habitada por portugueses e por índios que os missionários acabavam de introduzir para luz do Evangelho.

E esse roteiro, nós simbolicamente percorremos. Porque deixamos o Pátio do Colégio e seguimos através de várias vias do centro antigo de São Paulo, onde se encontravam prédios construídos em várias épocas da história paulista, e bem simbólicos de todos esses séculos que São Paulo tinha vivido de lá até aquele momento. Era, portanto, o caminho da fidelidade à tradição.

6. Passos que repercutem no Céu

Ao planejar aquele desfile, eu estava bem certo de que os passos dos homens na terra repercutem no Céu. E portanto estava bem certo de que tudo quanto ali se fizesse repercutiria no Céu e ficaria inscrito no Livro da Vida.

E foi nesta certeza que se abriu, no dia 3 de janeiro de 1992, o VIII Encontro de Correspondentes da TFP.

Durante o desfile, eu vi com simpatia pessoas vindas do norte de nosso continente, das margens do rio Hudson que banha Nova York. Vi pessoas vindas das margens do Amazonas tão nosso, tão caracteristicamente brasileiro, tão distante pela geografia, mas tão próximo pelo afeto. E também os que vieram das margens do Rio da Prata, e de além dos Andes.

Vi também os espanhóis, os quais vieram de junto do rio Manzanares, que banha a histórica e legendária Madri, para participar do nosso entusiasmo.

Sim, no Livro da Vida ficará inscrito que, na aurora desse ano de 1992, em que certo falso progressismo se prometia a si próprio tantas realizações no seu programa de renovações, que eram no fundo deteriorações, houve também passos que repercutiram firme na terra dizendo: “Nós também avançaremos! Nós também caminharemos!” [44].

Capítulo IV

Contra o Tratado de Maastricht: Europa cristã ou Europa laica e revolucionária? (1992)

Campanha da TFP francesa diante do Parlamento europeu

1. Grandes blocos nacionais, caminho para uma ditadura burocrática universal

De um modo geral, a TFP não vê com simpatia [45] uma forte corrente de opinião que tende para a unificação de grandes blocos de nações [46]. Isto porque a formação de tais blocos e a extinção das pátrias locais caminham para uma ditadura burocrática universal. E eu sou contra isto [47].

A mesma razão que impele grupos de povos a se unificarem em um só bloco supranacional conduz, mais cedo ou mais tarde, a que formem uma só nação internacional, uma única nação mundial.

Chegaremos, então, à abolição de todas as pátrias e de todas as nações, sob um conjunto que me parece absolutamente antinatural e indesejável.

Esta era a razão pela qual eu me opus a agrupamentos do tipo do Tratado de Maastricht para a França e para os demais países da Europa, como também me opus a agrupamentos análogos para os países da América do Sul.

Se se transformasse cada continente em um só bloco, nós teríamos chegado à formação de um governo mundial [48].

*   *   *

Na década de 1950, havia sido dado um primeiro passo neste sentido.

Os representantes da Alemanha Ocidental, França, Itália, Bélgica, Holanda e Luxemburgo se reuniram em Roma e fizeram um primeiro tratado constitutivo da “Europa dos Seis”, em que os primeiros lineamentos, as primeiras concessões mútuas, os primeiros balbucios da futura União Européia começaram a aparecer* [49].

* Foram os famosos Tratados de Roma. O primeiro instituiu a Comunidade Econômica Européia (CEE) e o segundo a Comunidade Européia da Energia Atômica, mais conhecida sob a designação de Euratom. Ambos assinados em 25 de março de 1957, entraram em vigor em 1° de janeiro de 1958.

2. A importância do Tratado de Maastricht na construção da República Universal

E mais recentemente em Maastricht eles chegaram a constituir um tratado geral, o qual tratado constitui de fato a “Europa dos Doze”*.

* A União Européia nasceu desse Tratado, assinado a 7 de fevereiro 1992 por doze países-membros: Alemanha Federal, França, Reino Unido, Itália, Espanha, Portugal, Bélgica, Holanda, Dinamarca, Irlanda, Luxemburgo e Grécia. Daí a denominação “Europa dos Doze”. Sucederam-se uma série de outros tratados, e hoje a União Européia é constituída por 28 Estados-membros.

Esse Tratado foi introduzido muito velhacamente. Porque os representantes de todos os governos da “Europa dos Doze” - com exceção da Inglaterra que não aceitou entrar na zona do euro - perceberam que era um verdadeiro perigo consultar o povo sobre o que opinava de suas cláusulas. E que mais valia a pena utilizarem-se do apoio que contavam nos respectivos parlamentos, para fazer passar o Tratado depressa.

Quando a Europa acordasse, as nações européias teriam perdido o melhor de sua soberania em virtude das condições desse Tratado [50].

*   *   *

Mas a Dinamarca quis fazer um plebiscito. Parece que a constituição dinamarquesa o exigia,

Os meios oficiais daquele país resolveram antes publicar como seria a estrutura da Europa pelo Tratado de Maastricht. E os dinamarqueses puderam ler essas explicações antes de votar.

Lendo-as, viram que, em primeiro lugar, era um texto ininteligível (falarei mais adiante sobre essa ininteligibilidade). Em segundo lugar, que era em todo o caso uma coleira passada no pescoço de todas as nações da Europa.

Na hora de votar, ante a pergunta que no fundo era se queriam continuar independentes ou não, a resposta foi: "Queremos continuar independentes, não queremos saber desse Tratado". Uma derrota para Maastricht, portanto [51].

*   *   *

Diante desse resultado na Dinamarca, em vários países os opositores de Maastricht começaram a dizer: "Nós queremos plebiscito".

Isso provocou a epidemia de um pânico.

Pois, para que essa Europa dos Doze não tivesse o ar de uma ditadura, era preciso que ela simulasse ter sido aprovada segundo os cânones do mais rigoroso democratismo.

Onde isto se verificou mais energicamente foi na França*.

* No dia 9 de abril 1992, o Conselho constitucional da França sinalizou que, sem uma revisão da Constituição, seria impossível a ratificação do Tratado de Maastricht.

Para sair do impasse, o Parlamento francês reuniu-se em congresso a 23 de junho de 1992, introduzindo modificações na Constituição que viabilizavam tal ratificação.

O governo de Mitterrand resolveu então — com risco para todo esse castelo de cartas de baralho que era Maastricht — fazer um referendo, o qual foi marcado para o dia 20 de setembro de 1992.

*   *   *

Diante desse referendo, nasceu um imperativo para a TFP francesa: ela tinha que se pronunciar.

Como se pronunciar? Só havia uma possibilidade: era denunciando. Ou seja, tomando o Tratado de Maastricht e mostrando, pela análise de artigos do Tratado, que ele liquidava com a independência da França. E perguntando aos franceses: "O Tratado é este: vocês o querem?" [52].

3. Telefonema da TFP francesa e sugestão para intervir

Em telefonema com os dirigentes da TFP francesa, eu disse a eles que, julgando as coisas de longe, no meu parecer, conviria entrar no debate. Pois, mesmo se os contra-Maastricht não obtivessem a maioria, e os pró-Maastricht tivessem uma maioria, mas muito pequena, ficaria para eles malaisé, ficaria embaraçoso aos propugnadores do tratado impor Maastricht.

Uma vitória dos pró-Maastricht muito apertada, muito de raspão, equivaleria, no fundo, a uma derrota. Isto porque, impor à metade ou a um pouco menos da metade de uma nação a aceitação de uma espécie de renúncia à soberania, era uma coisa muito bruta e de resultados muito incertos.

O assunto deveria ser visto, portanto, não apenas em termos de números, mas de números analisados politicamente [53]. E fazer um esforço, em toda a medida do possível, para que os franceses votassem pelo “não”. Uma pequena diferença poderia pesar no final das contas [54].

Além do mais, deixar passar esse Tratado sem uma palavra da TFP seria uma verdadeira tristeza [55]. Dever-se-ia fazer alguma coisa, ainda que fosse para depois ficar constando: “Nós avisamos” [56].

4. Sorte da Europa e do mundo pendente do plebiscito francês

Outra coisa que pesava muito era o seguinte: dado o papel da França na Europa e no mundo, se o plebiscito francês decidisse largamente pró-Maastricht, seria a vitória de Maastricht na Europa. E se decidisse contra Maastricht, seria a derrota de Maastricht na Europa.

Era, portanto, o destino da Europa que se jogava ali.

E, jogando-se o destino da Europa, jogava-se o destino daquilo que é a parte mais culturalizada e mais carregada de tradições do mundo: a parte onde existiu, como em nenhum outro lugar e numa como que plenitude, a civilização cristã. Aquele solo havia sido ensopado das bênçãos do precioso Sangue de Nosso Senhor Jesus Cristo. Tudo isto estava sendo jogado naquele instante.

Ganhando o “não”, por muito tempo o plano da unificação da Europa, ou seja, o plano de um supergoverno mundial, estaria impedido [57]. Aliás, os próprios jornais reconheciam: o destino do mundo estava sendo resolvido nesse plebiscito francês [58].

Consequentemente, era muito importante a TFP francesa tentar galvanizar ao menos uma parcela grande dos partidários do “não” [59].

5. Um tratado confuso e quase ilegível. A campanha da TFP francesa

Acontece que o texto do Tratado era a coisa a mais estúpida, a mais maluca, a mais anárquica, a mais confusa que se pudesse imaginar [60]. Vários franceses eminentes chegaram a declarar que o Tratado era de fato ininteligível. E isto foi reconhecido até por certos partidários do Tratado.

Campanha diante de Notre Dame de Paris, contra Maastricht

Então resolvemos oferecer aos nossos amigos franceses uma sugestão de texto, que naturalmente eles depois verteram para o francês, e fizeram — como eu tive todo o empenho em que fizessem — várias modificações [61].

Tive de fazer um esforço intelectual muito grande para ordenar e compreender aquele emaranhado de peças que se metiam desordenadamente — em francês se diz enfouir — umas dentro das outras no Tratado de Maastricht [62]. Não se pode fazer uma ideia do quanto me cansou a elaboração dessa sugestão de texto [63].

Aquilo era uma confusão infernal. Tirar do ilegível peçazinhas de contornos definidos para constituir um manifesto claro, era um trabalho de Hércules.

E me comprazo muito de que vários da TFP colaboraram expressivamente, na época, para a montagem desse manifesto, lendo muita coisa, resumindo.

Depois, os membros da TFP francesa trabalharam sobre o texto sugerido, fizeram os retoques necessários [64], dando-lhe a redação definitiva.

E o manifesto foi afinal publicado em Le Quotidien de Paris* [N.S.: uma síntese do manifesto, em português, pode ser lida aqui. O texto integral, em francês, pode ser lido aqui]

* Tal publicação deu-se no 25 de agosto de 1992, vinte e seis dias antes da consulta popular. A TFP francesa iniciou, então, uma pujante campanha de distribuição do texto nas vias públicas de Paris e de várias cidades do interior da França. Promoveu também o envio em massa, por correio, do mesmo manifesto.

6. Episcopado: neutro antes, pró-Maastricht depois do manifesto

No dia seguinte à publicação do manifesto, o Episcopado francês - que havia anteriormente emitido uma nota manifestando-se neutro, sob a alegação de ser o referendo uma questão toda temporal - publicou às pressas um manifesto a favor de Maastricht. Quer dizer, procurou arrastar a favor de Maastricht uma parte da opinião católica que eles tinham medo que passasse para o outro lado [65].

A Hierarquia francesa ajudava assim a iludir muitos entre os bons. Muitos dos que iriam votar pró-Maastricht não votariam nessa direção se não fosse a atuação da Hierarquia [66].

Campanha da TFP em Strasbourg (França), de difusão do manifesto contra Maastricht 

7. Sinal amarelo: governo vence “avec un petit oui”

No começo, as intenções de votos nas pesquisas davam muito mais pró-Maastricht do que contra Maastricht. Aos poucos foram subindo os contra Maastricht e se igualaram.

Quando se aproximou o dia do referendo, a questão estava num tal pé que um, dois ou três por cento dos votos poderiam decidir a votação [67].

Houve na mídia francesa uma inundação de propaganda a favor do "sim".

Afinal, no dia 20 de setembro, os pró-Maastricht venceram com apenas a pequena margem de 2,1%.

Uma maioria de 2,1 por cento era um palito [68], uma vitória de Pirro [69].

O número de jornais e de pessoas que declararam tratar-se de uma vitória pequena e de pouco alcance foi muito muito grande na França*.

* “O governo vence ‘avec un petit OUI et un puissant NON’”, ou seja, “com um pequeno SIM e um possante NÃO”, comentou Jean Valleix, senador pelo RPR (cfr. Sénat — Première session extraordinaire de 1993-1994).

A opinião pública manifestou-se lúcida o bastante para resistir contra uma tentativa de embuste grosseiro, como o de apresentar a vitoriazinha de ninharia como uma vitória verdadeira do Tratado de Maastricht.

O que significava um embaraço muito grande para o governo Mitterrand [70].

Se o governo sabia de antemão que 48,9% dos franceses não queriam esse resultado, ele não tinha o direito de entregar a soberania francesa ao estrangeiro com base numa tão exígua maioria.

Também o mecanismo político francês não havia interpretado o país. A votação na Câmara a favor do Tratado de Maastricht não correspondia nem um pouco à votação da Nação. Não havia uma fração que, democraticamente falando, estivesse em condições de impor à outra, servindo-se de uma maioria tão exígua, a entrega da soberania nacional [71].

Um Ministro de Estado chegou a declarar: “Para o governo, não foi um sinal vermelho, mas também não foi um sinal verde: foi um sinal amarelo”. Com espírito francês, ele disse bem a coisa certa. Quer dizer, pare, não ande, não avance, não faça bobagem, porque a situação agora é delicada.

Em vista da pressão dos meios de comunicação social em favor do “sim”, para quem tem um pouco de idéia do peso da propaganda sobre o espírito de qualquer povo, ficou posta a pergunta: de fato foram eles que ganharam? [72]

Pode-se bem dizer que os pró-Maastricht tiveram uma pequena vitória. E nós, os contra Maastricht, tivemos uma derrota gloriosa.

O fato é que, neste lance, a irradiação da TFP francesa cresceu [73].

E por muito tempo o plano da unificação da Europa, ou seja, o plano de um super-governo mundial, estava comprometido [74].

Na Espanha, a TFP espanhola fez uma brilhante campanha contra Maastricht. Em Portugal também [75].

*   *   *

Depois de Maastricht, e a propósito de Maastricht, houve novas combinações, novos tratados, tendo como ponto de apoio Bruxelas, que foi transformada gradualmente na capital burocrática da Europa*.

* Bruxelas é realmente a capital de facto da União Européia, apesar da inexistência de qualquer capital oficial declarada pela UE. A cidade acolhe a Comissão Européia e o Conselho Europeu. Cerca de 75% do trabalho do Parlamento Europeu tem lugar nesta cidade, apesar de sua instituição oficial ser em Estrasburgo.

Depois de estabelecido o Parlamento Europeu, votaram-se algumas leis “imperativas”, embora não tivessem o direito de legislar, mas apenas de fazer recomendações. Aos poucos esse Parlamento começou a querer impor essa legislação, como era evidente que tenderia para isto, para todos os países da Europa pertencentes à União Européia [76].

Capítulo V

Campanha contra a Reforma Agrária e a Reforma Urbana no governo Collor (1992)

A comissão de sócios e cooperadores da TFP no Congresso Nacional para a entrega do abaixo-assinado contra o projeto de Reforma Agrária do governo Collor

 

1. Projeto de reformas stalinistas: mudança completa da fisionomia do País

Enquanto eu trabalhava o manifesto contra o Tratado de Maastricht [77], estava tramitando no Brasil um projeto de lei de Reforma Agrária e outro de Reforma Urbana, ambos terrivelmente esquerdistas e que feriam a fundo dois princípios fundamentais da civilização cristã e dois princípios básicos da economia brasileira e da economia de todo o mundo ocidental: a propriedade privada e a livre iniciativa.

Se esses projetos fossem aprovados, o Brasil teria entrado na maior crise que teve desde a Independência [78].

No governo Collor, parlamentares brasileiros não tiveram dúvidas em dar acelerado andamento aos projetos de lei 11D/91 e 71B/89, sobre Reforma Agrária, e ao projeto de lei 5.788/90, sobre Reforma Urbana, que, sob a alegação de regulamentar os dispositivos do Título VII, Capítulos II e III, da Constituição Federal, visavam instaurar no Brasil as duas mais gigantescas reformas até então propostas por legisladores não declaradamente comunistas [79].

Esses projetos, se aprovados, teriam feito passar nosso País do regime da livre iniciativa e da propriedade privada, para o de um capitalismo de Estado quase completo [80].

Dita reforma conferia atribuições com amplidão típica de uma ditadura stalinista - ou mais ou menos tanto - ao Estado, o qual ficaria com poderes absolutos para pôr e dispor segundo o arbítrio de seus mais altos órgãos, dos bens e da situação pessoal de todos os agricultores e pecuaristas do País [81].

Quanto à Reforma Urbana, os terrenos das cidades ficavam tão sujeitos à desapropriação quanto os do campo. E o direito do proprietário urbano se via reduzido a muito pouco.

Basta um exemplo para se ver o alcance dessa lei: ninguém poderia construir uma casa sem que a prefeitura visse se essa casa oferecia condições para que nela habitasse o maior número possível de pessoas. Ou seja, o proprietário não teria direito de construir sua casa como quisesse, mas ficava obrigado a ajeitar-se dentro de uma casa que a prefeitura planejou para ele. Mais outra ocasião para perseguições políticas [82].

Tínhamos, portanto, que fechar essa porta também [83].

2. Vigorosa campanha de abaixo-assinado: 1.133.932 brasileiros pedem plebiscito

Esses projetos de lei em questão - os da Reforma Agrária e da Reforma Urbana - se arrastaram por largo tempo, silenciosos e ignorados, pelos meandros da tramitação dos processos parlamentares.

Quando o período legislativo ordinário de 1992 já se encerrara, os Srs. deputados foram convocados a prolongá-lo extraordinariamente, por motivos da crise política nacional que redundaria na renúncia do Presidente Collor de Melo.

Coincidentemente, os projetos de regulamentação da Reforma Agrária foram tirados de sua morosidade, e foram apresentados de modo surpreendente ao Plenário em regime de urgência urgentíssima.

A pressa foi tal que, na hora da votação, violentando as regras de praxe, o relator, deputado Odelmo Leão, leu um texto final do qual os parlamentares não tinham conhecimento prévio.

O projeto acabou sendo aprovado pelo voto simbólico das lideranças, uma vez que não havia em plenário quorum suficiente para a votação [84].

Quanto ao projeto de lei da Reforma Urbana, por sua vez, foi posto na pauta das matérias [85].

Quer dizer, o povo não percebeu, o povo não foi informado, os jornais deram muito pouca notícia a respeito desse fato de um alcance tão enorme para os destinos da Nação. E, por mero voto de liderança, o assunto ia diretamente para o Senado.

A TFP, inteirada disso por nosso representante em Brasília, imediatamente tomou posição. E mandou um telex para o Presidente Collor, bem como para o presidente da Câmara dos Deputados, o Sr. Ibsen Pinheiro, e para o Presidente do Senado, o Sr. Mauro Benevides, mostrando os erros que havia nessa maneira de conduzir o assunto e fazendo uma proposta.

A essência da proposta da TFP era a seguinte.

Já que se promoveu um plebiscito a respeito de questões como monarquia e república, ou parlamentarismo e presidencialismo, nós não compreendíamos que sobre uma reforma tão imensa, como a Reforma Agrária, também não se fizesse um plebiscito.

E pedimos então que o Senado e a Câmara pedissem um plebiscito ou referendo, para que cada brasileiro fosse consultado sobre se queria ou não essa Reforma Agrária (eu tinha a vivíssima esperança de que, por maioria esmagadora, o plebiscito ou referendo indicaria a recusa do povo brasileiro à Reforma Agrária).

Nós pedíamos portanto que o País fosse ouvido [86].

Simultaneamente, para pleitear a mencionada realização de um plebiscito, a TFP organizou, a partir do dia 11 de agosto de 1992, um abaixo-assinado nacional em que 344 coletores, atuando 7 horas por dia, em 15 Estados, num total de 98 Municípios - coadjuvados nessa ingente tarefa por 135 correspondentes da entidade, que a ela consagraram suas horas de lazer - conseguiram, em cerca de um mês de campanha, 1.133.932 assinaturas.

O abaixo-assinado dirigia-se igualmente aos Srs. Presidente da República, Dr. Fernando Collor de Mello, Presidente do Senado, Dr. Mauro Benevides, e Presidente da Câmara dos Deputados, Dr. Ibsen Pinheiro [87] e contou com uma acolhida popular que a nós mesmos nos causou surpresa.

Tínhamos certeza da boa acolhida popular, mas não pensávamos que ela chegasse a ser tão calorosa. No primeiro dia de campanha, andávamos já por perto de cem mil assinaturas [88].

Uma comissão de 20 sócios e cooperadores da TFP entregou, no dia 1º de dezembro de 1992, no protocolo do Palácio do Planalto, 40 caixas contendo 117.973 folhas de abaixo-assinado com o aludido número de assinaturas. Analogamente, foram encaminhados ofícios aos presidentes do Senado e da Câmara Federal, comunicando a entrega daquela documentação no Palácio presidencial* [89].

* Na data da entrega desse abaixo-assinado, Collor de Mello estava interinamente afastado da função de Presidente, devido ao processo de impeachment em curso na Câmara e no Senado. Ocupava então a Presidência da República o Vice-Presidente Itamar Franco. A 29 de dezembro de 1992, Collor renunciou ao mandato.

 

 

3. Campanha contra a Reforma Agrária no governo Fernando Henrique: audiência com o Ministro da Agricultura  (1995)

Três anos depois, já no governo de Fernando Henrique Cardoso, houve um desdobramento desse lance contra a Reforma Agrária.

Organizada pela Campanha SOS Fazendeiro, da TFP, uma comissão seleta de brasileiros esteve em Brasília no dia 17 de maio de 1995, para levar ao Ministro Andrade Vieira, da Agricultura, Abastecimento e Reforma Agrária, a manifestação de sua inconformidade com a Reforma Agrária*.

* Essa Reforma Agrária estava sendo impulsionada sob a égide do Presidente Fernando Henrique Cardoso.

A comissão incluía sacerdotes (entre eles, o então Cônego, hoje Monsenhor José Luis M. Villac), representantes de sindicatos, produtores e trabalhadores rurais e o deputado federal Lael Varella. Vários produtores apresentaram com calor, nessa entrevista de 30 minutos, as reivindicações da classe. Esta foi a primeira reação dos agropecuaristas contra o pacote de desapropriações de quase um milhão de hectares, decretado pelo Presidente Fernando Henrique em seus primeiros 90 dias de governo.

Na ocasião, foram entregues ao Ministro 30.310 petições de brasileiros inconformes com a Reforma Agrária como vinha sendo aplicada no País. O porta-voz da Comissão foi o Dr. Plinio Vidigal Xavier da Silveira, diretor da TFP (cfr. Catolicismo n° 534, junho de 1995).

Assim, pela voz da TFP mais de 30 mil pessoas de todo o Brasil pediam ao governo que apresentasse ao grande público um levantamento dos resultados obtidos pela Reforma Agrária, nas terras em que ela já havia sido implantada desde 1964. E que dissesse ao País que vantagem houve na execução dessa Reforma Agrária.

Tratava-se de um pedido cujo caráter justo entrava pelos olhos.

A acolhida do Ministro foi amável, mas nem tudo na vida se resolve com amabilidades.

Quando está em foco uma injustiça, o assunto só se resolve por meio da justiça. E nós só poderíamos nos sentir satisfeitos quando notássemos que o plano injusto da Reforma Agrária não era mais executado.

Todos sabiam que o imenso território brasileiro comportava vastidões em grande parte ainda não ocupadas por ninguém. Ele é tão extenso que está bem acima das proporções necessárias para a atual população do País.

Ora, se há gente sem terra, por que essa gente não era instalada onde havia terra sem gente, sobretudo no Norte do Brasil? Por que razão o governo, que era o proprietário ocioso dessas terras incultas, lançava mão de propriedades que pertenciam a outros?

4. No que deu a Reforma Agrária até agora? Assentamentos se transformaram em favelas rurais

De mais a mais, a Reforma Agrária já provara ser um fracasso. Fazendas outrora prósperas foram brutalmente sujeitas ao processo de favelização.

Já em1987 a TFP denunciara o resultado "favelizador" da Reforma Agrária socialista. O Prof. Plinio publicou um manifesto em que desnuda o real resultado da RA e apresenta o livro acima mostrado [Ver aqui].

Tanto é que, na audiência concedida pelo Ministro da Agricultura, um sócio da TFP, Dr. Paulo Henrique Chaves, manifestou cordial e respeitosamente ao Sr. Andrade Vieira estar “muito preocupado com o fracasso dos assentamentos”.

A isto, o Sr. Ministro redargüiu: “Alguns”.

Dr. Paulo Henrique então acrescentou: “Eu já visitei uns 10 ou 12 assentamentos. Todos os que eu visitei até hoje, um total fracasso”. O Ministro ficou em silêncio.

Uma vez que isso era assim, tornava-se indispensável ao governo parar com as desapropriações, dar as provas de que a Reforma Agrária não estava favelizando o campo, abrir um debate nacional sobre o assunto e só depois continuar, se fosse o caso. O que não fosse isso, não seria democracia.

Cortesmente pedíamos ao governo as provas do contrário, caso elas existissem. Que fossem publicadas — dizíamos — para que o povo as conhecesse, e mostrar que nós estávamos enganados. Que nos desmentissem! Que o Ministro da Reforma Agrária publicasse os resultados obtidos com a aplicação da Reforma Agrária até aquela data. Que falasse, nós estávamos ali pedindo.

Se essa publicação não fosse feita, se ela não fosse convincente, se um debate sério e proveitoso não viesse a arejar o assunto, ficaria para a História que a Reforma Agrária tinha sido aplicada sem documentação que provasse seu acerto.

Ela seria assim imposta ao País, e aplicada na marra por uma lei injusta. E ficaria patente que não houve progresso nenhum, mas sim a vitória da demagogia que soube impor sua opinião ao governo em detrimento do País [90].

Capítulo VI

Nobreza e elites tradicionais análogas nas alocuções de Pio XII ao Patriciado e à Nobreza romana (1993)

Livro Original e Profundo — O papel das Elites segundo a Doutrina Católica

 

 

1. Cinqüenta anos antes, uma idéia realizada cinqüenta anos depois

Lembro-me até hoje quando, em 1944, li no Osservatore Romano um discurso de Pio XII à Nobreza romana, falando do papel desta [91].

Era preciso ter vivido naquele tempo para compreender o silêncio pesado e diabólico que cercou a publicação desse documento. Que eu saiba fui só eu que o comentei num jornal como era o Legionário [92].

Já naquela época, veio-me completa a idéia de, baseado nos ensinamentos de Pio XII, escrever um livro sobre a Nobreza, e vi o proveito que se poderia tirar de tudo aquilo para a boa causa [93].

Cheguei até a escrever, naquele ano, uma espécie de pré-livro da Nobreza [94].

Paradoxalmente, naquela época as coisas no mundo andavam muito menos mal do que hoje. Mas naquele mundo menos mau, meus artigos produziram uma inércia prodigiosa [95]. Quer dizer, houve uma espécie de laje de chumbo em cima do tema [96].

O resultado é que, por dezenas de anos, eu não mexi mais no assunto. Não que eu me esquecesse, mas por parecer-me que o momento não era oportuno. Pois vi que, se eu publicasse um livro a esse respeito naquela ocasião, não encontraria repercussão [97].

O Prof. Plinio, na viagem à Europa em 1988, observa a Praça do Obradoiro, em Santiago de Compostela, Espanha. Atrás a escadaria de acesso ao Pórtico da Glória da Catedral

Passados os tempos, me veio à cabeça que, mudadas também favoravelmente as mentalidades em vários países do mundo, o ideal monárquico se reacendendo auspiciosamente, havia clima para a publicação desses documentos do Papa, mas com comentários mais amplos. E eu então resolvi fazer esse livro que trata da Nobreza e das elites tradicionais análogas [98].

Que circunstâncias foram essas? Preciso explicá-las um pouco longamente, para se poder entender o alcance do livro que escrevi.

*   *   *

No ano 1988, fiz uma viagem pela Europa. E encontrei-a bem mais rica do que eu a havia deixado 30 ou 40 anos atrás.

Na década de 50, ela estava toda lanhada, com os ferimentos ainda frescos da última guerra mundial. Esses ferimentos se tinham somado ao corpo velho e cansado da Europa, a qual não cicatrizara inteiramente nem das feridas da I Guerra Mundial [99].

E tudo isso agravado por antecedentes históricos que ajudaram a formar esse quadro.

Que antecedentes tinham sido esses?

2. Século XIX: “monarquista enquanto católico e católico enquanto monarquista”

O enciclopedismo pretendia explicar sob o prisma racionalista toda a natureza

Quando nos reportamos ao último período anterior à Revolução Francesa, a Europa ainda era totalmente marcada pela Renascença e pelo racionalismo.

Tomando em consideração que a sociedade francesa dava o tom a toda a Europa, era portanto toda a sociedade européia que estava nessa situação.

De um lado, ela era muito frívola, perpassada por ditos finos, espirituosos, engraçados, verdadeiros petiscos do ponto de vista do espírito, da inteligência, mas sem pensamento profundo, sem nada que representasse seriedade. A glória militar, por exemplo, já não produzia admiração. Nem produzia admiração o que era mais sério.

Voltaire e Rousseau

Único tipo de intelectuais que era tolerado eram os enciclopedistas, todos eles racionalistas, muito raciocinantes, mas de um raciocínio completamente no ar, produzindo quimeras brilhantes como as de Rousseau.

Ou então um palhaço do espírito, como era Voltaire. Muito raciocinador, esgrimidor, mas engraçado. Seus raciocínios não concluíam pela lógica, concluíam pelo debique, arrasando o adversário com coisas desse gênero.

O ambiente geral era de otimismo. Uma festa!

Ficavam de fora desse quadro duas necessidades do espírito humano. Uma era a observação da realidade nua e crua como ela é, em contraposição a uma realidade fictícia, brilhante, reluzente, mas imaginária e irreal.

E outra era a necessidade de abandonar essa secura de espírito e de coração, que não permitia senão o divertimento e o raciocínio no ar, para dar lugar ao sentimento, à bondade, e também para que a dor humana encontrasse sua possibilidade de expansão. Uma cultura bem concebida tem que dar lugar à expressão do sofrimento, como dá lugar à expressão de outros sentimentos humanos.

 "Em uma realidade fictícia, brilhante, reluzente, mas imaginária e irreal, a total ausência da noção de sofrimento"

La Famille du duc de Penthièvre en 1768, dit aussi La Tasse de Chocolat - Jean-Baptiste Charpentier, le Vieux

Isto estava trancado e posto de lado na cultura pré-Revolução Francesa.

O resultado foi que, enquanto esse exagero ia caminhando até o delírio, uma certa parte da nobreza começou a reagir contra isto, produzindo uma certa reação impulsiva, um bom número de anos antes da Revolução Francesa se declarar. Então começaram a voltar para o interior e ir morar nos seus castelos, restaurando e construindo edificações góticas que antes eram abominadas.

*   *   *

Quando explodiu a Revolução Francesa, em 1789, houve todos os horrores que todo mundo sabe. E o mundo que emergiu dessa revolução, como reação exagerou aquilo que faltava no mundo anterior.

Então vimos o papel do sentimento deixando de lado e dominando a razão, e o papel da observação da realidade procurando já não mais uma realidade real, mas uma realidade levada a figurar principalmente o horrível, o prosaico, o baixo, o vulgar, como uma espécie de vingança, de desforra do espírito humano em relação àquela feeria brilhante anterior à Revolução Francesa.

Daí veio a série de romances lacrimejantes, representando tragédias. Então óperas e dramas em que os personagens se matavam. E os romances em que o suicídio era o mais bonito dos desfechos.

Daí ter surgido o Romantismo e a tendência ao trágico.

Mas também, junto com esses exageros, surgiu a boa tendência ao gótico, ao sério, ao direito, aos estudos históricos. Apareceram então sociólogos como Le Play, De Bonald, De Maistre e vários outros, que apresentavam a realidade como ela era.

Surgiu, portanto, em toda a Europa, em face da Revolução Francesa, uma onda enorme de opinião contra-revolucionária, gerando o aparecimento de movimentos como o da Restauração na França, do Carlismo na Espanha, o de Andreas Hofer na Áustria e outros.

Foi nessa ocasião que se vincou a idéia do monarquista enquanto católico e do católico enquanto monarquista, quer dizer, a consciência da relação profunda entre a forma de governo monárquica e a doutrina católica, e a idéia de que Altar e Trono eram aliados naturais contra a Revolução. E esta idéia ficou firme na Nobreza, ficou firme no Clero, ficou firme no povo.

Le sacre de Louis XV, Roy de France et de Navarre à Reims le 25 d'octobre 1722 (détail) - BNF

A França Católica, sabedora bastante de que era só no seio da Igreja que ela atingia sua perfeita plenitude, gostava de ver o seu rei assim, como procurador de Deus. Por isso, nada a empolgava tanto quanto o momento em que ele, na mesma catedral de Reims, ajoelhado diante do grande Pontífice, ouvia estas palavras solenes:

“Eu vos sagro Rei com este Santo Óleo, em nome do Padre e do Filho e do Espírito Santo”.

E quando Carlos X foi derrubado na França, o elemento legitimista da Nobreza francesa em geral migrou para o interior, e ali passou a levar uma vida de castelo, fazendo festas, se intervisitando etc., mas com uma nota de austeridade e piedade muito grande.

Ele era um bom castelão, ela uma boa castelã; eram bons para os pobres, pertenciam às Conferências Vicentinas. E eram de fato pessoas muito boas, muito virtuosas, muito direitas, mas que não se sentiam com um papel a desempenhar. Era essa a posição deles.

Acontece que esses monarquistas percebiam pouco o lado metafísico que sustentava a sua posição. Em contrapartida, os republicanos adotavam tal posição por uma razão metafísica: o igualitarismo.

3. Política do ralliement: uma estocada na posição monárquico-católica

Foi nessa situação que se vibrou contra essa gente, como uma estocada, a política de ralliement de Leão XIII, quando ele declarou que não havia nenhuma razão para o católico, enquanto católico, preferir a forma de governo monárquica; e que os católicos eram igualmente livres de preferir a monarquia ou a república.

Leão XIII

Pela doutrina católica, o católico pode realmente ser a favor da forma republicana, ou da forma aristocrática ou monárquica de governo, ou das várias formas combinadas entre si. Nisto não haveria nada a objetar do ponto de vista católico.

Mas, ao enunciar este princípio, Leão XIII havia deixado de lado a questão metafísica, ou melhor, a questão política envolvendo uma questão metafísica: a antipatia pela monarquia, existente em virtude do princípio da igualdade, era um problema agudo sobretudo na França. E Leão XIII tomou só em tese a questão da legitimidade das diversas formas de governo, sem ir às raízes do problema então fundamental.

Ora, ser igualitário enquanto posição metafísica, afirmando que a perfeição de todas as coisas consistia na igualdade, era um erro. E, enquanto tal, devia ser condenado.

Leão XIII, fazendo sua declaração sobre as formas de governo sem estabelecer essa distinção, acabou levando os franceses monarquistas e católicos a abandonarem a posição metafísica contra-revolucionária.

Foi, portanto, uma punhalada medonha nessa gente.

Muitos deles, diante disso, aderiram à república e começaram a lutar nos partidos republicanos.

Concretamente aconteceu que o católico nobre, ou o conservador monarquista não nobre — os havia muitos — perdendo a sua razão metafísica de ser monarquistas, começaram a se deixar absorver pelo mundo moderno, passando a aceitar a Revolução Industrial, a se entusiasmar sem restrições pelos automóveis, trens, telégrafos etc. Isto porque a razão metafísica tinha se esfarelado na cabeça deles, pela omissão de Leão XIII.

4. Emenda pior que o soneto: a opção laicista de Maurras-Daudet

Charles Maurras

Ao mesmo tempo em que a política de ralliement de Leão XIII fazia essas devastações, apareceu a dupla Maurras-Daudet, dizendo-se monarquistas e dizendo que Leão XIII tinha razão: Religião não tinha nada que ver com o monarquismo.

Esses dois então conclamaram esses franceses para uma ação monárquica laica e desligada da Religião, apenas admirando na Religião a expressão do talento e do gênio francês.

Com isto, eles levaram parte dessa gente, que estava decepcionada com o ralliement, para uma posição em que deixavam para trás Leão XIII, deixavam para trás Deus (Maurras se declarava ateu). E ficaram assim monarquistas tortos.

Era essa a situação da aristocracia, da boa burguesia, e do que havia de sadio na França nas vésperas da I Guerra Mundial, antes de começar a débâcle.

Depois veio a guerra e tudo ruiu por terra.

5. Situação dos monarquistas não-laicistas

O que aconteceu com a outra parte, a dos monarquistas não-laicistas?

Eles se sentiram meio atordoados: continuaram a manter a Fé, freqüentar os sacramentos, mas ficaram tíbios em matéria de Religião. Exatos, cumpridores dos seus deveres, comungando, confessando-se. Eram monarquistas sem saber bem por que eram monarquistas, nem por que eram católicos, e que nexo tinha uma coisa com outra.

De maneira que deram numa massa de população, nobre e não nobre, a qual ficou esparsa pela França, deixando de constituir um corpo social unido.

E quando começaram a perder a fortuna, não tinham mais representação, não tinham mais situação oficial. E sobrevieram mais alguns desabamentos com a II Guerra Mundial [100].

6. Um fenômeno recente: Nobreza rejuvenescida, mas sem noção de sua missão

Considerando todo esse quadro, eu ficava com muita dúvida sobre se a Europa conseguiria se recompor. Até que, em determinado momento, conveio aos planejadores da União Européia enriquecer a Europa, para efeito de um determinado plano internacional [101].

Com a entrada do dinheiro, a Europa tornou-se francamente rica. E com esse dinheiro, alguma coisa foi parar nas mãos desses nobres também.

E, na minha viagem de 1988, prestando muita atenção nos apartamentos, nas casas, no modo de se apresentar, notei tudo renovadinho, direitinho, as senhoras de ar conservador mais bem arranjadas, mais senhoras de si. E, longe de estar acompanhando a grande moda, essa gente estava mais aprumada, mais saudável. Era um reflorescimento geral.

Mas, apesar de tudo isso, eu via que boa parte desses nobres haviam perdido a noção do que era a Nobreza, do que esta significava e qual a missão que deviam desempenhar.

Seus componentes sabiam o que eram, mas achavam que isto era apenas um resto do passado que sobreviveu, e não se achavam necessários para o bem de toda a ordem social.

7. Conversa com alguns nobres espanhóis

Foi aí que tive, na Espanha, uma conversa com alguns nobres, em que expus para eles as nossas idéias sobre a Nobreza. Eles caíram das nuvens e ficaram sensibilizados.

Toda aquela pseudo-epopéia e prestígio que a Revolução Francesa tinha, e que vinham ligados ao ralliement, hoje tudo isso murchou muito. E não há mais o republicano metafísico entusiasmado com o igualitarismo, que havia no tempo de Leão XIII.

E esses nobres ficaram numa alternativa entre o comunismo — que a Igreja condenou, mas em relação ao qual, infelizmente, os Papas conciliares tentaram fazer o ralliement — e um passado que ninguém mais combate.

De fato, praticamente ninguém mais fala contra os nobres, ninguém mais os odeia, ninguém mais os discute. De maneira que aquele quadro todo da década de 50, de indiferença pelas alocuções de Pio XII sobre a Nobreza, havia passado por uma inversão.

E eu fiquei com a esperança de que, se lançasse adequadamente um livro sobre a Nobreza, ele poderia ter um efeito detonador, permitindo a retonificação desses elementos esparsos [102].

8. Entre uma batalha e outra, a preparação de um livro sobre o papel da Nobreza

Comecei então a escrever esse livro com muito empenho [103]. E nem consultei os artigos do Legionário e do Catolicismo para me inspirar neles. Eu simplesmente tomei o de que eu me lembrava e escrevi o que estava no meu espírito naquele tempo e que, graças a Deus, continuava [104].

Encontrei simpatia, apoio caloroso, interesse vivo, da parte daqueles mesmos que antigamente não se tinham interessado [105].

Escrevi este trabalho em meio a mil atividades — crescentes na acentuada proporção em que iam crescendo, com a graça de Deus, todas as TFPs e o meu relacionamento com elas — nas quais me via cada vez mais enleado [106].

Este foi, portanto, um livro escrito por um soldado durante a batalha, tendo por mesa o tambor [107].

*   *   *

A preparação desse livro não foi muito longa. Ela começou em 1989, desfechando na publicação de uma edição-piloto em dezembro de 1991.

Retomei a redação em fevereiro de 1992, e por fim o livro pôde vir a lume em Portugal, em abril de 1993 [108].

Foi assim que escrevi o livro Nobreza e elites tradicionais análogas nas alocuções de Pio XII ao Patriciado e à Nobreza romana.

Pio XII pronunciou, em seu pontificado, catorze importantíssimas alocuções, as quais contêm um apelo a que fossem preservados cuidadosamente, nos países com tradição nobiliárquica, as aristocracias respectivas.

E que, ao mesmo tempo, as elites novas, originadas do trabalho exercido no campo da cultura, como no da produção, encontrassem condições propícias para constituírem elites autênticas, congêneres com a Nobreza por sua formação moral e cultural, como por sua capacidade de mando.

Caber-lhes-ia formar, à maneira da Nobreza, verdadeiras elites capazes de originar homens de escol nos mais variados campos.

O livro analisa as condições do mundo contemporâneo à luz das catorze alocuções de Pio XII [109].

9. Receptividade pelo tema, um sinal da Providência

Depois de ter escrito o livro, comecei a lê-lo no auditório da TFP, com comentários. Era preciso ter estado presente para se fazer idéia do ambiente de entusiasmo — eu diria mesmo de graças — que acompanhava esses comentários [110]. [N. do Site: Uma substancial série destas conferências sobre o Livro da Nobreza podem ser vistas aqui]

E isto se deu também com a opinião pública: desde a Revolução Francesa, o espírito monárquico e aristocrático não era acolhido como estava sendo agora.

Era um tema que seria negado, que seria tido como inviável, odiado. E agora as pessoas aplaudiam. Até mesmo nos arraiais dos nossos inimigos aplaudem!

É uma tal inversão de causas e efeitos que se é levado a supor que há nisso uma graça de Deus.

E o curioso é que esse solavanco foi dado num momento em que essas luzes iam dar os últimos lampejos. Na última hora, no último minuto, a última luz recebeu um sopro para se apagar, e nesse sopro saiu um sol! [111].

Quer dizer, depois de um longo inverno, aparecia uma primavera de interesse e de calor pelo tema [112]. E, no meu outono, Nossa Senhora me dava a graça de publicar esse livro que havia dormido, engavetado e empoeirado, na sua forma primeira, durante cerca de 40 anos.

Em cima desse livro havia, portanto, algo de glorioso. Havia 40 anos de espera que poderíamos chamar de profética [113].

10. Um livro para desfazer os preconceitos contra a Nobreza

O Livro da Nobreza, como ficou conhecido entre nós, não era um livro teórico, que se destinava só a explanar o que é a Nobreza em tese [114].

Ele era um instrumento de batalha ideológica [115], que dava um tiro no ponto de solidariedade do mundo contemporâneo com a Revolução [116].

Ele visava principalmente desfazer os preconceitos que estavam nas cabeças das pessoas, e que as levavam a ter prevenção contra a Nobreza.

Se essas prevenções não fossem destruídas, toda a exposição sobre a Nobreza corria o risco de ser recebida com hostilidade e não alcançar resultado.

Era preciso agir, portanto, sobre os que eram hostis, ou para trazê-los para as nossas teses, ou pelo menos para fazer com que eles as respeitassem, e compreendessem que elas se baseavam em argumentos muito sérios. E isto os deixaria na dúvida: “Quem sabe se os favoráveis à Nobreza têm razão?”

Este livro foi escrito, pois, para ganhar terreno dentro de uma operação de Contra-Revolução [117].

11. A justiça está na desigualdade cristã

Havia ainda outro aspecto importantíssimo: mais do que tudo, o Livro da Nobreza era uma Contra-Revolução na Igreja [118].

O livro atacava, não todo e qualquer exercício da democracia, mas a democracia revolucionária, a democracia igualitária, o mito infernal da igualdade absoluta, da liberdade anárquica, da fraternidade mentirosa. Esse mito era atacado no ponto onde a ofensiva dele era mais perigosa, que é exatamente dentro da Igreja. E atacado com a melhor arma que existe, que são os documentos de Pio XII [119].

Se tudo isso que nele está dito for verdade, o que a Igreja diz sobre o problema social fica a pedir uma complementação na linha do papel das elites. E, feita essa complementação, todo um lado novo da fisionomia da Igreja fica apresentado [120].

Um católico, enquanto católico, teria então a obrigação de reconhecer tudo quanto no livro está dito sobre a Nobreza. E se a pessoa entende assim a condição da Nobreza, não pode haver esquerda na Igreja, pois a Igreja se identificaria com a direita* [121].

* É preciso descartar a falsa idéia de que a direita se confunde com sua caricatura, o nazifascismo.

Os erros de ambas as doutrinas foram condenados por Pio XI: os do fascismo na Encíclica Non abbiamo bisogno, e os do nazismo na Encíclica Mit brennender sorge.

No seu livro, como em tudo quanto escreveu ao longo de sua vida, Dr. Plinio sempre aderiu inteiramente à doutrina social católica. Haja vista a sua posição condenando o cunho socialista oficial do fascismo, e não só oficial, mas até marcantíssimo, do nazismo (cfr. A bengala e a laranja, Folha de S. Paulo, 24/5/70).

*   *   *

As palavras "direita" e "esquerda" surgiram no vocabulário político, social e econômico da Europa do século XIX. O esquerdismo era uma participação ideológica no pensamento e na obra de algo ainda recente e bastante definido em suas linhas gerais, isto é, a Revolução Francesa. A esquerda não era só uma negação vulcânica de uma tradição que parecia morta, mas também e cada vez mais a afirmação de um futuro que se diria fatal.

Em face da Revolução avassaladora, a direita só se definiu aos poucos, de modo tateante e contraditório.

A definir-se como um anti-esquerdismo, e a fortiori como um anti-anarquismo, o que teria de ser, em inteiro rigor de lógica, a direita?

Está na essência do anarquismo total a afirmação de que toda e qualquer desigualdade é injusta. Assim, quanto menor a desigualdade, menor a injustiça. A liberdade é cara ao anarquismo, precisamente porque a autoridade é em si mesma uma negação da igualdade.

O direitismo afirma que, em si mesma, a desigualdade não é injusta. Que, em um universo no qual Deus criou desiguais todos os seres, inclusive e principalmente os homens, a injustiça é a imposição de uma ordem de coisas contrária à que Deus, por altíssimas razões, fez desigual (cfr. Mt. 25, 14-30; 1 Cor. 12, 28 a 31; S. Tomás, Summa contra gentiles, Livro III, Cap. LXXVII).

Assim, a justiça está na desigualdade.

Dessa verdade básica - convém lembrar de passagem - não se deduz que quanto maior for a desigualdade, mais perfeita é a justiça. Com efeito, Deus criou as desigualdades, não aterradoras e monstruosas, mas proporcionadas à natureza, ao bem-estar e ao progresso de cada ser, e adequadas à ordenação geral do universo. E assim é a desigualdade cristã.

Análogas considerações se poderiam fazer acerca da liberdade no universo e na sociedade.

Mas esse padrão de direitismo não é a desigualdade absoluta, simétrica e oposta à igualdade absoluta. É a desigualdade harmônica, convém insistir [122].

12. Uma bomba contra a esquerda católica

O progressismo, que veio trazendo em seu bojo uma espécie de republicanização democrática dentro da Igreja, ficaria impugnado com as alocuções de Pio XII que comento no livro.

Pois o que notamos em cada reforma progressista que aparece, é que ela constitui uma marcha para alguma coisa que representa, na Igreja, um papel parecido ao representado nas sociedades temporais pelas revoluções republicanas. Tais reformas pegam todo o aparato monárquico, o mandam para o museu e começam a viver uma vida sem belezas, sem símbolos, sem adornos [123].

Nos infelizes dias da crise em que se encontra a Santa Igreja de Deus, nós vemos muitas vezes muitos católicos fazerem uma verrina quase incessante contra os exageros das desigualdades sociais.

É evidente que onde há o exagero, pode haver facilmente uma injustiça. Mas a questão é saber se, em si, a desigualdade social é legítima ou não. E essa legitimidade é o que os Papas nos ensinam com a abundância de argumentos que são citados no livro. A interpretação quase comunista que alguém poderia dar do que é a opção preferencial pelos pobres fica arrasada com a documentação deste livro.

O ponto fundamental do contraste entre o que é a sociedade temporal inspirada e desejada pela Revolução e a sociedade temporal desejada por Nossa Senhora, ensinada por Jesus Cristo, pela Igreja Católica, é este: o da igualdade e o da desigualdade. A Revolução é toda ela fundamentalmente igualitária, e tudo quanto é fundamentalmente igualitário e nega qualquer hierarquia em qualquer terreno é revolucionário e é de Satanás.

A publicação da coletânea de textos pontifícios que nós difundimos em nosso livro não me consta que tenha sido feita por ninguém até hoje. Eu não sei de ninguém que tenha feito uma coisa deste gênero, e ainda mais acompanhada com um comentário que corta qualquer interpretação abusiva desses textos.

De maneira que o Livro da Nobreza poder-se-ia chamar acies ordinata, quer dizer, exército em ordem de batalha. É o exército do pensamento anti-igualitário e do pensamento celeste ensinado pela Igreja através de Papas, de doutores, de santos, e de uma torrente incontável de moralistas, de teólogos. Eles ensinam a doutrina da desigualdade harmônica e proporcionada. Quer dizer, as classes desiguais existem para viver em harmonia e mútua colaboração: os ricos existem para ajudar os pobres, os pobres existem para servir os ricos. Uns são necessários aos outros [124].

De sua perfeita consonância com o ensinamento pontifício dão testemunho calorosas cartas de apoio dos Emmos. Cardeais Silvio Oddi, Luigi Ciappi, Alfons M. Stickler e Bernardino Echeverría, e de teólogos de fama mundial, como os padres Raimondo Spiazzi OP, Victorino Rodríguez OP, e Anastasio Gutiérrez CMF.

13. Edição, lançamentos, cartas de apoio

A primeira edição desta obra em idioma português foi confiada à Editora Civilização, de Portugal, e veio a lume em abril de 1993. Traduzida para o castelhano, foi divulgada na Espanha pela Editora Fernando III El Santo. Essa edição cobriu não só o território espanhol, como o das nações hispano-americanas.

Sessão de lançamento do Livro da Nobreza no auditório do Mayflower Hotel, Washington, setembro de 1993

Nos Estados Unidos, a obra foi publicada pela importante editora Hamilton Press, e teve seu lançamento oficial no prestigioso Mayflower Hotel de Washington, em setembro de 1993.

Na ocasião, diante de um público de 850 convidados, entre os quais a Arquiduquesa Mônica da Áustria e o Duque de Maqueda, Grande de Espanha, discursaram personalidades de alto relevo na vida pública norte-americana.

Na França, publicado pela Editora Albatros, o livro vem encontrando larga aceitação em amplos setores daquele país*.

* O lançamento da obra deu-se no Hotel Crillon, e nesta ocasião foi vendida toda a edição. A TFP francesa lançou posteriormente uma edição própria.

Na Itália, a obra foi publicada pela Editora Marzorati, e apresentada no Congresso da Nobreza Européia, realizado em Milão, em outubro de 1993, como também numa concorrida sessão de lançamento oficial no Circolo della Stampa, Palácio Seberlloni, daquela cidade.

Lançamento em Roma do Livro da Nobreza no histórico palácio da Princesa Elvina Pallavicini

O lançamento em Roma ocorreu no histórico palácio da Princesa Elvina Pallavicini, com a presença do Cardeal Alfons Stickler, de Monsenhor Cândido Alvim Pereira, Arcebispo emérito de Lourenço Marques, do Arquiduque Martin da Áustria, de príncipes, princesas e inúmeros outros membros da mais alta aristocracia italiana.

Nesses diversos atos, a obra foi, além de acuradamente analisada, também vivamente elogiada pelos distintos conferencistas que se sucederam no decurso das sessões então realizadas.

Na imprensa romana, a repercussão desse lançamento foi das mais vivas*.

* A Rádio-Televisão italiana transmitiu as cenas do acontecimento no seu telejornal do domingo 31 de outubro, e entrevistou a respeito o Príncipe Sforza Ruspoli, um dos destacados conferencistas, que apresentou a obra do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira na referida Convenção do Palacio Pallavicini, sob um grande estandarte vermelho com o leão dourado rompante marcado pela cruz e o lema Tradição, Família e Propriedade.

Il Tempo do dia 1º de novembro se referiu à jornada de apresentação "da monografia [...] traçada por Plinio Corrêa de Oliveira, um dos maîtres à penser da direita".

La Repubblica, na edição do mesmo dia 1°, informava ser o evento "patrocinado pelo Centro Romano Lepanto e por um Movimento cujo nome é mais eficaz do que um slogan político: Tradição, Família e Propriedade".

Segundo o jornal, a presença do Cardeal de Cúria Alfons Stickler e de uma dezena de sacerdotes, junto com as cartas de adesão ao livro da parte de Cardeais como Silvio Oddi e Luigi Ciappi, teólogo papal de Paulo VI, "revelam a atenção que alguns ambientes da Cúria Romana deram ao encontro".

Por seu turno, o jornal Secolo d'Italia (edição de 2/11/93), trouxe uma destacada matéria assinada por Guglielmo Marconi, em que este perguntava: "No processo de reconstrução moral do País, que papel podem desempenhar as elites tradicionais? [...] Na busca de algo novo, muitas sugestões podem vir da tradição. De uma Convenção realizada nestes dias em Roma (Palacio Pallavicini), sob a iniciativa do Centro Cultural Lepanto e da TFP (Tradição, Família e Propriedade), partiu o convite a reconsiderar o papel que possam desempenhar a nobreza e as elites tradicionais nesta obra de reconstrução moral e cívica. A ocasião ofereceu-a a publicação, na editora Marzorati, de um livro de Plinio Corrêa de Oliveira".

O jornal L'Unità, órgão do ex-partido comunista italiano, fez referências ao lançamento em dois artigos de sua edição de 3 de novembro.

Um desses artigos, assinado por Enrico Vaime, comentava irritado o destaque dado pela televisão italiana ao evento, dizendo que a aristocracia romana reaparecia "com um programa ornado pelas condessas, sobre um estandarte carmesim: Tradição, Família e Propriedade".

Outro artigo, assinado por Stefano Dimichele, destacava a declaração da Princesa Pallavicini de que, para a sociedade atual, "a única salvação é o retorno aos valores verdadeiros". Tendo o jornalista perguntado: "E quais seriam, Princesa?", ela deu uma pronta resposta: "Tradição, Família e Propriedade, naturalmente" (cfr. Catolismo n° 516, dezembro de 1993).

O evento chegou a ser apresentado por Il Tempo (edição de 31/10/93) como os estados gerais da aristocracia negra, como é designada na Itália a parte da Nobreza romana que, solidária com a Santa Sé, se recusou a reconhecer a anexação forçada dos Estados Pontifícios à Itália* [125].

* Esta parte da Nobreza romana portou traje negro, em sinal de luto, desde o momento da invasão dos Estados Pontifícios pelas tropas de Garibaldi em 20 de setembro de 1870, até a data da celebração do Tratado de Latrão em 11 de fevereiro de 1929, do qual nasceu a Concordata entre a Itália e a Santa Sé, ratificada em 7 de junho do mesmo ano.

Capítulo VII

Cúpula das Américas: nossa posição em face da esquerdização do Continente (1994)

 O manifesto das TFPs do Continente, As Américas rumo ao 3° milênio: convicções, apreensões e esperanças das TFPs do Continente publicado em Catolicismo de dezembro de 1994

1. Amolecimento dos governos das Américas em relação à Cuba de Fidel Castro

Em 1994, chegou-me a notícia de que se realizaria em Miami, entre os dias 9 e 11 de dezembro, a chamada Cúpula das Américas, reunindo todos os primeiros mandatários do Continente, com a merecida exceção cubana [126].

Eu ia notando que, com a política de aproximação da Santa Sé com Cuba, vários outros governos sul-americanos começaram a mudar de atitude com Fidel Castro. E isto apesar de que, quando caiu o Muro de Berlim, a atitude de Fidel Castro ter sido a mais insolente possível [127].

Para se ter idéia dessa insolência, transcrevo apenas trechos de um discurso do ditador noticiado por O Estado de S. Paulo (31/10/89), sob título Fidel se diz o último comunista.

Nele, o Stalin cubano se declarou disposto a continuar defendendo a ortodoxia comunista mesmo que "mais ninguém no mundo o faça". E acrescentou: "Jamais vamos renegar o honroso título de comunista". Mais adiante acrescentou: "Viva a rigidez na defesa dos princípios revolucionários, nada de flexibilidade". Não contente com isso, afirmou ele ainda: "Agora estão dizendo que há dois tipos de comunistas: os bons e os maus. Quero dizer que nós estamos entre os maus — maus porque somos incorrigíveis, [...] jamais vamos regredir à pré-história". Citemos ainda estas últimas palavras: "Temos que permanecer [...] firmes e entrincheirados nas idéias do comunismo, do socialismo" [128].

Com o que ele tentava manifestamente salvar de um desmoronamento mais ou menos real, mais ou menos aparente, os partidos comunistas dos vários países da Europa, da América e de outros continentes.

De outro lado, ele continuou a perseguição em Cuba, exatamente como estava antes da queda da Cortina de Ferro.

Isto tudo feito, os chefes de Estado da América do Sul, e depois também da América do Norte, começaram a se manifestar pessoalmente simpáticos a Fidel Castro, dando a entender que ele já estava velho, estava mudado e que mais cedo ou mais tarde ele morreria e mais valia a pena tratá-lo bem, porque aí o regime não comunista poderia expandir-se à vontade em Cuba [129].

A manutenção do bloqueio da ilha passou a ser apresentada como medida discriminatória e odiosa, ao passo que a cessação do bloqueio era vista como uma aspiração simpática e generosa. Desta forma, a generosidade de alma passou a consistir em apertar a mão do carrasco, consolidando-o ipso facto no poder [130].

Sob o bafejo dessas e de outras fantasias da mesma natureza, de um modo geral as chancelarias das nações sul-americanas começaram a convidar Fidel Castro, quando havia algum evento que contava com a participação de todos os chefes de Estado americanos.

Nessas ocasiões, Fidel Castro aparecia com grande destaque publicitário, e era tratado pelos chefes de Estado não comunistas — eu não ousaria dizer anticomunistas — exatamente como o primeiro dentre eles.

Tudo isso criava uma situação na qual governos não comunistas, simpáticos não tanto ao comunismo mas aos comunistas — é um modo velado de ser pró-comunista — queriam uma aproximação com Cuba, mediante a permanência de Fidel Castro no governo e pequenas concessões, como, por exemplo, permitir que turistas norte-americanos e de outros países pudessem ir veranear em Cuba. E também a abertura de um certo comércio: lojinhas, armazenzinhos, restaurantezinhos.

Cuba passou a ser uma nação que, debaixo de certo ponto de vista, parecia muito ambiguamente estar evoluindo rumo a uma ocidentalização, e portanto a uma semi-descomunistização.

Com isto, a possibilidade de Fidel Castro ser jogado no chão, como tinham caído os próprios magnatas do regime comunista da Rússia, ficava empurrada para as calendas gregas. Era portanto a perpetuação de um regime de tapeação em Cuba.

Entretanto, havia nesses governos norte, centro e sul-americanos, a preocupação de não apressar uma reconciliação completa com Cuba, para não ficarem, eles, desmoralizados nos respectivos países.

Resumindo o quadro, ao governo de Cuba convinha simular uma espécie de liberalização para, por esta forma, obter a boa vontade dos países ocidentais, e com essa boa vontade obter subvenções, riquezas, ajudas, comodidades diplomáticas de várias ordens, e, portanto, mais solidez do governo comunista.

Por outro lado, aos governos americanos convinha que a oposição a Cuba fosse decrescendo aos poucos, supondo caminhar devagar na tendência para uma reconciliação completa, para evitar um processo de “cristalização” (ou seja, de rejeição) da opinião pública dos respectivos países.

Há um velho ditado português que formula o seguinte: "Dize-me com quem andas que te direi quem és". O risco seria dizerem deles: "Dizei-me a quem quereis favorecer e nós vos diremos quem sois"

Em última análise, foi nessa situação que se fez a reunião da Cúpula das Américas em Miami [131].

2. Necessidade de denunciar o jogo para tentar frustrar a manobra

Eu estava convicto de que essa transformação do comunismo cubano num pseudo-capitalismo seria o que de mais nocivo pudesse haver para a reação anticomunista no mundo, e portanto para a civilização ocidental.

Uma vez que isto era assim, o que poderia fazer a TFP?

Eu tinha como certo que, a partir do momento em que se dissipasse a cortina de terror policial que Fidel Castro espalhou entre Miami e o território cubano, os cubanos ricos, bem instalados nos Estados Unidos, iriam ávidos para Cuba.

E Cuba se encheria desses cubanos consumistas, que souberam trabalhar, souberam fazer dinheiro, e por causa disso queriam uma compensação e uma vida normal que a saúde humana e as apetências do homem equilibrado podem satisfazer.

Se eles encontrassem a verdadeira Cuba, sem baton, sem creme, sem pó-de-arroz, sem disfarces, mas apenas com a sua face trágica e pobre, eles iriam ficar indignados e o vozerio promovido a partir de Cuba iria em última análise ajudar a desmascarar a mentira comunista.

Se, pelo contrário, o bluff fosse bem preparado e o jogo da mentira, com seus inigualáveis artistas, soubesse preparar uma tapeação cubana, então a manobra iria ser diferente e nós teríamos mais um pseudo-argumento a favor da idéia de que o comunismo não era tão ruim assim.

Então, era preciso elaborar um manifesto que desvendasse esse jogo todo [132].

Esse manifesto tinha de ser ajustado, evidentemente, ao programa dessa Cúpula.

3. TFPs apresentam “Agenda de problemas continentais”

Foi dentro desse quadro geral que delineei o manifesto para as TFPs do Continente, o qual tomou o título As Américas rumo ao 3° milênio: convicções, apreensões e esperanças das TFPs do Continente. Esse manifesto foi apresentado na forma de uma Agenda de problemas continentais*.

* Esta “Agenda de problemas continentais” foi publicada no dia 9 de dezembro de 1994 no Diário Las Américas, de Miami, no Washington Times, na Folha de S. Paulo; no El Mercurio, de Santiago do Chile e no El Universal da Venezuela.

Ele foi subscrito pelos presidentes das TFPs das três Américas, então existentes na Argentina, Bolívia, Canadá, Chile, Colômbia, Costa Rica, Equador, Estados Unidos, Paraguai, Peru, Uruguai e Venezuela. O texto completo pode ser consultado na revista Catolicismo n° 528, dezembro de 1994.

O documento não tratava apenas da questão cubana. Ele manifestava, por exemplo, a preocupação com a hábil metamorfose operada, após a queda do muro de Berlim, por numerosas figuras da extrema-esquerda. Estas figuras, sem renegar seu passado e suas metas igualitárias, apenas mudaram de rótulos e métodos de ação, e assim alcançaram importantes posições políticas no Continente.

Tratava também da utilização do poder político por parte dessas figuras, no sentido de promover uma verdadeira revolução cultural que anestesiava as reações sadias, ao mesmo tempo que desferia golpes radicais contra os princípios básicos da civilização cristã.

Abordava ainda o potencial destrutivo e detonador de caos socioeconômico que vinham demonstrando, na América Latina, grupos terroristas e guerrilheiros apoiados em conexões internacionais, de que são exemplos atuais as Farcs, na Colômbia, o EPP (Exército do Povo Paraguaio), no Paraguai, o Sendero Luminoso, que continua a atuar no Peru e ainda outros.

O manifesto também deplorava as inconcebíveis pressões de alguns organismos internacionais e setores sociais de várias nações do Continente em favor do aborto e do controle da natalidade, de reivindicações feitas pelos movimentos homossexuais, do divórcio, do concubinato, da eutanásia e de outras medidas que conduziam à extinção da família e fazia ainda várias outras considerações do gênero.

*   *   *

Esse documento, evidentemente, não era feito para convencer os políticos. Era para ser lido e comentado pelo público, para este ver o quanto os políticos estavam afastados do caminho autêntico que tomava a população.

Ele convidava os participantes da Cúpula de Miami a adotarem, com a indispensável urgência, medidas políticas, econômicas e publicitárias próprias a viabilizar a imediata normalização da situação do povo cubano [133].

4. Um hino de esperança e de fé ao término do documento

Terminávamos o nosso manifesto da seguinte maneira:

“As TFPs das três Américas afirmam sua profunda convicção de que, quando os homens resolvem cooperar com a graça de Deus, o desenrolar da História gera maravilhas: é esta a lição que nos foi legada pela Europa pré-medieval e medieval, a qual, a partir de populações latinas decadentes e de hordas de invasores bárbaros, chegou, sob todos os pontos de vista, a um nível religioso, cultural e econômico sem precedentes.

[E] manifestam portanto a certeza de que, para além das tormentas morais, das dificuldades materiais e das ciladas de toda ordem que vão sendo preparadas no Continente pelos inimigos da Igreja e da civilização cristã, haverá nas Américas um ressurgir da Cristandade, de acordo com o previsto por Nossa Senhora em Fátima, em 1917, quando anunciou: Por fim, o meu Imaculado Coração triunfará!” [134]

Esta certeza e esperança fecham também esta nossa narrativa.


NOTAS

[1] Entrevista à Rádio São Miguel de Uruguaiana, 21/6/90.

[3] SD 21/2/90.

[4] Entrevista à CX 16 Rádio Carve, Uruguai (gravação), 3/4/90 [N.Site: o link remete a texto escrito].

[5] RR 10/3/90.

[7] RR 10/3/90.

[8] Entrevista à TVE da Espanha (gravação), 3/2/90.

[9] RR 10/3/90.

[11] Entrevista à Rádio São Miguel de Uruguaiana, 21/6/90.

[13] Entrevista à Rádio São Miguel de Uruguaiana, 21/6/90.

[14] RR 24/3/90.

[15] RR 7/4/90.

[16] Entrevista à Rádio São Miguel de Uruguaiana, 21/6/90.

[17] Atualidade da Mensagem de Fátima, 75 anos depois, Diário Las Américas, Miami, 14/5/92.

[18] RR 11/11/89.

[23] — Alguém poderia objetar que a Cortina de Ferro afinal se rasgou e a Rússia não é mais comunista, não há mais erros da Rússia. Essa objeção é um pouco simplificada, para não dizer simplória, mas digamos que ela tenha algo de realidade. Continuam comunistas entretanto Cuba, China, Vietnã, Coréia do Norte, Laos. Mas isso também não é o mais significativo. Houve não uma morte, mas uma metamorfose do comunismo, e os erros da Rússia desaguaram no Ocidente. E é aqui principalmente que eles estão frutificando, por meio do igualitarismo, da imoralidade, do ateísmo prático, de um espírito ecológico exacerbado, das veleidades de autogestão etc. Já na terceira parte de seu livro Revolução e Contra-Revolução (edição 1976), Dr. Plinio aponta os erros do comunismo que se metamorfoseavam à medida que se expandiam, e que estão nos levando para uma espécie de comunismo tribal:

“A derrocada das tradições indumentárias do Ocidente, corroídas cada vez mais pelo nudismo, tende obviamente para o aparecimento ou consolidação de hábitos nos quais se tolerará, quando muito, a cintura de penas de ave de certas tribos [...].

“O desaparecimento rápido das fórmulas de cortesia só pode ter como ponto final a simplicidade absoluta (para empregar só esse qualificativo) do trato tribal.

“A crescente ojeriza a tudo quanto é raciocinado, estruturado e metodizado só pode conduzir, em seus últimos paroxismos, à perpétua e fantasiosa vagabundagem da vida das selvas, alternada, também ela, com o desempenho instintivo e quase mecânico de algumas atividades absolutamente indispensáveis à vida.

“A aversão ao esforço intelectual, notadamente à abstração, à teorização, ao pensamento doutrinário, só pode induzir, em última análise, a uma hipertrofia dos sentidos e da imaginação, a essa ‘civilização da imagem’ para a qual Paulo VI julgou dever advertir a humanidade.

“São sintomáticos também os idílicos elogios, sempre mais freqüentes, a um tipo de ‘revolução cultural’ geradora de uma futura sociedade pós-industrial, ainda incompletamente esboçada, e da qual o comunismo chinês seria - conforme por vezes é apresentado - um primeiro espécimen.”

E em posfácio, acrescentado em 1992, diz Dr. Plinio que a nova revolução, que se segue à queda do império soviético, “se bem que inclua também o aspecto político, é uma Revolução que a si mesma se qualifica de ‘cultural’, ou seja, que abarca grosso modo todos os aspectos do existir humano” (cfr. Revolução e Contra-Revolução, 4ª edição em português, Artpress, 1998).

[25] Declarações sobre a volta de Gorbachev ao poder, 21/8/91.

[28] Entrevista à Rádio São Miguel de Uruguaiana, 21/6/90.

[29] Entrevista à TV Manchete (gravação), 18/6/90.

[32] Despachinho 7/3/91 e Balanço de uma campanha histórica, Catolicismo n° 482, fevereiro de 1991.

[34] Despachinho 7/3/91.

[37] Despacho, 7/3/91.

[39] Despacho, 7/3/91.

[41] Prefácio ao livro O V Centenário face ao século XXI, Comissão Inter-TFPs de Estudos Hispano-Americanos, Artpress, São Paulo, 1993.

[43] Entrevista à TVE da Espanha (gravação), 3/2/90.

[44] Discurso durante o Desfile da Fidelidade, Catolicismo n° 494, fevereiro de 1992 [N.Site: uma audição de excertos do discurso pode ser encontrado aqui, bem como o link para o texto completo do mesmo].

[47] Entrevista a Zero Hora (gravação), 21/1/93.

[49] RR 12/9/92.

[50] — Repleto de imprecisões e complexidades em seu confuso texto, o Tratado invadia em pontos capitais a área específica das soberanias nacionais, e sob ele os países-membros, em boa medida, deixariam praticamente de existir como nações livres e soberanas, passando a ser governados por um supergoverno com sede em Bruxelas, impessoal, anônimo e tirânico. Sua aprovação levaria a França e os demais países da Europa a renunciar, entre outras coisas, à maneira de dispor de seu potencial militar e, de futuro, a uma política exterior independente. Teriam também de submeter suas contas e orçamentos ao supergoverno da União Européia (UE).

Essa estrutura política rígida, resultante da eventual aplicação do Tratado de Maastricht, poderia facilmente transformar-se numa nomenklatura de tecnocratas, tal como a que existiu na extinta URSS. Os franceses e os demais signatários do tratado estariam, então, sujeitos ao mesmo processo de massificação que arruinou as nações da ex-União Soviética.

A forma velhaca de tentar fazer passar esse Tratado pode ser sentida nas declarações da ministra delegada dos negócios europeus, Elizabeth Guigou: "Por muito tempo construímos a Europa em surdina, às escondidas".

Também Jacques Delors, presidente do mais alto órgão executivo da Comissão Européia, reconheceu: "A construção européia não começou enunciando claramente o que deverá ser, no fim de seu processo de formação, a repartição dos poderes".

E o socialista Jean-Pierre Chevènement constatou: "Longe de construir a Europa dos povos, construiremos a Europa sem o povo. Os super-altos funcionários, que formam a Comissão das Comunidades Européias, promulgam textos sem se preocupar em obter o consentimento democrático” (cfr. A TFP diz NÃO a Maastricht, Catolicismo n° 503, novembro 1992).

[51] — Neste referendo de 1992, o Tratado foi rejeitado por 50,7% dos eleitores. Essa derrota levou as cúpulas européias a costurarem o acordo de Edimburgo, que definiu exceções, para a Dinamarca, ao Tratado de Maastricht. Somente assim foi possível, no ano seguinte (1993), realizar um segundo referendo que permitiu a aceitação do Tratado e a entrada da Dinamarca na União Européia.

[52] RR 12/9/92.

[53] Telefonema TFP francesa 26/8/92.

[54] Despacho França 17/7/92.

[55] Despacho França 28/7/92.

[56] Despacho França 22/7/92.

[57] RR 29/8/92.

[58] Jantar EANS 15/9/92.

[59] Almoço 26/8/92.

[60] CSN 1/8/92.

[61] RR 12/9/92.

[62] RR 29/8/92.

[63] RR 12/9/92.

[64] Jantar EANS 15/9/92.

[65] RR 12/9/92.

[66] Almoço 20/9/92.

[67] RR 12/9/92.

[68] RR 21/9/92.

[69] Almoço 20/9/92 — O “sim” obteve 13.165.475 (51,04 %). E o “não” 12.626.700 votos (48,96 %). A participação de 69,7 % dos eleitores (26.696.626 de votantes, num corpo eleitoral de 38.299.794) foi considerada particularmente alta para um referendo na França (cfr. http://www.interieur.gouv.fr).

[70] RR 21/9/92.

[71] Almoço 20/9/92.

[72] RR 21/9/92.

[73] Almoço 20/9/92.

[74] RR 29/8/92.

[76] RR 12/9/92.

[77] Percurso 12/9/92.

[79] O caminho estreito que não tem saída, Catolicismo n° 502, outubro de 1992.

[81] Ameaças para o Brasil: reformas socialistas, press release do Serviço de Imprensa, dezembro de 1992.

[83] Despacho França 28/7/92.

[84] CCEE 12/7/92.

[86] CCEE 12/7/92.

[88] Entrevista à Folha da Tarde (gravação), 18/8/92.

[91] CSN 5/2/94.

[92] Despacho livro da Nobreza 18/1/93.

[93] CSN 5/2/94.

[94] SD 22/2/95 — Esta série começou com um comentário na seção 7 dias em revista do Legionário nº 598, de 23 de janeiro de 1944, e logo em seguida no artigo Alocução do Santo Padre à Nobreza romana, do Legionário n° 601, 13 de fevereiro de 1944. Doze anos mais tarde, em Catolicismo foram publicados os artigos Um hino de amor sobe ao trono do pontífice imortal (n° 63, março de 1956); Missão hodierna das elites tradicionais (n° 64, abril de 1956); A importância das elites tradicionais na solução da crise hodierna (n° 65, maio de 1956).

[95] CSN 14/8/93.

[96] Despacho livro Nobreza (Estados Unidos) 18/1/93.

[97] Telefonema 29/4/93.

[98] Conversa 20/1/93.

[99] CM 13/11/88.

[100] Reunião com os mais antigos do movimento 6/8/89.

[101] CM 13/11/88.

[102] Reunião com os mais antigos do movimento 6/8/89.

[103] Telefonema 29/4/93.

[104] SD 27/8/94.

[105] Telefonema 29/4/93.

[106] Despacho 7/2/92.

[107] Despacho 3/2/93.

[110] Telefonema 29/4/93.

[111] CSN 14/8/93.

[112] Telefonema 29/4/93.

[113] SD 22/2/95.

[114] SD 3/11/92.

[115] Despacho livro Nobreza 14/8/92.

[116] Despacho Argentina 28/10/94.

[117] SD 3/11/92.

[118] Despacho livro Nobreza 23/1/92.

[119] Despacho Itália 18/6/94.

[120] Despacho livro Nobreza 23/1/92.

[121] Despacho 11/1/90.

[123] Despacho Itália 18/6/94.

[124] SD 22/2/95.

[127] SD 30/12/94.

[129] SD 30/12/94.

[130] Prelado brilhante pela ausência, Folha de S. Paulo, 17/6/73.

[131] SD 30/12/94.

[132] RR 10/12/94.

[133] SD 30/12/94.