Noite Sandinista, um evento da Teologia da
Libertação (1980)
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1. Evento público na PUC e reuniões sigilosas em Taboão da Serra
No início de 1980, já em pleno clima da “abertura”
do regime militar, presenciamos em São Paulo as jornadas realizadas
pela Teologia da Libertação no Teatro da Pontifícia Universidade Católica
(TUCA). Portanto, na Arquidiocese do Cardeal Arns, e sob o patrocínio
deste.
Chegou-me a informação de que reuniões mais
reservadas se realizariam em Taboão da Serra [1],
cidade próxima a São Paulo, numa antiga fazenda que pertence à Cúria, e na
qual foram construídos prédios de tamanhos muito consideráveis [2].
Ali funcionava o Instituto Paulo VI (Centro de Treinamento de Líderes da
Arquidiocese de São Paulo).
O Congresso — cuja programação interna foi cercada de
grande sigilo — contou com a participação de mais de 160 Bispos, Padres,
freiras, leigos de ambos os sexos (sociólogos, economistas, agentes de
pastoral, membros das Comunidades de Base) e pastores protestantes de 42
países*.
* Este IV Congresso
Internacional Ecumênico de Teologia foi promovido pela Associação
Ecumênica de Teólogos do Terceiro Mundo, organização integrada por
protestantes e católicos de esquerda. O tema geral do Congresso era
Eclesiologia das comunidades eclesiais de base. Realizou-se de 20/2 a
2/3/80. Guardas de uma segurança privada evitavam a aproximação de
estranhos.
Enquanto presumivelmente se procedia em Taboão da
Serra a secretas elaborações doutrinárias e articulações táticas,
realizava-se no teatro da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo —
TUCA (rua Monte Alegre, 1024), uma Semana de Teologia subordinada
ao título A Igreja na América Latina, promovida pelo Departamento
de Teologia do Instituto de Estudos Especiais da mesma Universidade. A
Semana de Teologia se estendeu de 21 de fevereiro a 1º de
março, com sessões públicas e diárias.
Conforme declaração do Cardeal Arns, no discurso de
abertura, a Semana de Teologia resultou de um pedido da Associação
Ecumênica de Teólogos, que desejava “entrar em contato” com os
membros das Comunidades Eclesiais de Base e movimentos populares da
periferia de São Paulo.
As sessões noturnas do TUCA constituíam um
desdobramento do Congresso, pois os temas tratados em Taboão da Serra eram
em alguma medida transmitidos aos militantes das Comunidades de Base, os
quais representavam a maioria dos assistentes [3].
2. Incitamento à violência e à guerrilha em nome da doutrina católica
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“Yo me siento con esta ropa de guerrillero, como me
podría sentir revestido de sacerdote”, declara Mons.
Pedro Casaldáliga, Bispo de São Félix de Araguaia, Brasil,
em meio a aplausos e gritos frenéticos em evento na PUC de
São Paulo no anos 80 [Para
mais detalhes ver aqui] |
Nessa parte pública, mandei pessoas da TFP assistirem
e colherem algumas observações. Contaram-me eles que essa sessão foi muito
além de tudo quanto se podia imaginar, e tinha o calor de uma verdadeira
conclamação à guerra civil [4].
Aquilo foi, do começo ao fim, um incitamento à
violência e à guerrilha, em nome da doutrina católica e de uma nova
interpretação do Evangelho [5].
3. Dom Arns: ir para a Nicarágua, “para aprender”
Escandalosa foi a sessão de 28 de fevereiro realizada
no teatro da PUC, que ficou conhecida como Noite Sandinista [6].
O ponto alto da noite consistiu na entrega a Dom
Pedro Casaldáliga, Bispo de São Félix do Araguaia, de um uniforme de
guerrilheiro sandinista, cuja jaqueta o Prelado vestiu no mesmo instante.
Os oradores da sessão — todos personagens com
participação intensa na Revolução Sandinista, ou no governo nicaragüense
de então — constituíam uma equipe coesa e bem articulada. Seus discursos
consistiam em apelos, ora mais ora menos explícitos, a que os espectadores
— quase todos filiados a movimentos ou correntes católicas de esquerda —
redobrassem de esforços para empurrar o Brasil pelas vias a que eles
conseguiram arrastar a Nicarágua.
Coube ao Cardeal-Arcebispo de São Paulo, Dom Paulo
Evaristo Arns encerrar o ciclo de conferências no TUCA, a 1º de
março. Eis suas significativas palavras, na ocasião:
-
“Como concluir? Não há uma conclusão. A coisa apenas começou.
[...] “Vejam esta pergunta — chega de
teologia e vamos à prática: onde estão os grupos que vão para a Nicarágua,
para aprender? Eu respondo: sei que, em São Paulo, há grupos se preparando
e de malas prontas para partir. Até com a permissão do Arcebispo de São
Paulo...” (cfr. O São Paulo, 7 a 13 de março de 1980) [7].
Os nossos observadores gravaram todas as partes do
evento, porque, como eram sessões públicas, se adotava o sistema de
simplesmente pôr o gravador na mesa, até sem pedir licença do
conferencista. E depois pegar o gravador e levar embora. Portanto, todo o
material que temos foi obtido do modo mais honesto e correto possível.
4. Sandinismo, fruto da Teologia da Libertação e das CEBs. Larga
difusão
Estudando esse material, pudemos perceber que [8]
o caráter radicalmente igualitário da ideologia sandinista não deixava
dúvidas de que o sandinismo, ou se identificava com o comunismo, ou se
situava nos subúrbios deste.
Portanto, o sandinismo era uma frente única de
várias forças, nas quais ocupavam posição de destaque os “cristãos
revolucionários”. Estes últimos se agrupavam, por sua vez, em uma só
frente constituída por Comunidades Eclesiais de Base e movimentos
análogos.
Vários sacerdotes atuaram como verdadeiros pregadores
e capelães da Revolução. E essa revolução eclesiástica era de índole
teológica. E identificava-se com a Teologia da Libertação, que tinha por
mestre o sacerdote peruano Gustavo Gutiérrez, participante do IV Congresso
Internacional de Teologia, e um dos oradores da sessão de abertura da
Semana de Teologia, presente, aliás, à “Noite Sandinista”.
Em suma, estávamos postos assim em presença de uma
Igreja-Nova, com uma estrutura nova, com uma moral social nova,
inspiradora de uma luta de classes sócio-econômica, a qual não era
possível distinguir da que Marx ensinava. Essa luta, a ser travada, quando
necessário, até de armas na mão. O que, tudo, a identificava assim com a
subversão [9].
Catolicismo ficou com a gravação da sessão
(facultada, como já disse, a qualquer pessoa presente) e a publicou, com
comentários meus, no número de julho-agosto de 1980.
As caravanas de propagandistas da TFP divulgaram
essa
reportagem por todo o território nacional (36.500 exemplares). As TFPs da
Argentina, Colômbia, Equador, Uruguai e Espanha reproduziram meu estudo
sobre a Noite Sandinista em seus respectivos países, totalizando,
com a edição do Brasil, 80.500 exemplares [10].
5. Perguntas incômodas a Dom Pelé:
resposta evasiva
Durante uma dessas sessões públicas no teatro da PUC,
a mesa era dirigida por Dom José Maria Pires, então Arcebispo de João
Pessoa, mais conhecido no Brasil como “Dom Pelé”. A ele foi
encaminhado, por um dos nossos, um conjunto de 7 perguntas que eu havia
redigido.
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Dom Pelé [no
centro da foto] e camponeses reunidos em Alagamar. A organização dos
cerca de 7 mil trabalhadores de Alagamar teve origem nas Ligas
Camponesas, proibidas pelo golpe militar de 1964. |
Dom José Maria Pires recebeu as perguntas, leu-as em
silêncio, fez cara de muita preocupação e, na hora de responder, disse
mais ou menos o seguinte: “Este é um questionário muito bem feito, mas
são muitas perguntas e já é tarde. Vou tentar responder dando uma idéia
geral”.
Apresentou em seguida uma resposta confusa à primeira
pergunta e depois não respondeu mais nada. E o público ficou ignorando as
outras seis questões* [11].
* As perguntas
encaminhadas a Dom José Maria Pires foram as seguintes:
“1. Em Puebla
João Paulo II fez expressas censuras à Teologia da Libertação. O congresso
admite essas censuras como doutrinariamente coerentes com a Revelação e o
Magistério da Igreja? 2. O congresso admite que os abusos denunciados por
João Paulo II existiram? 3. Respondidas afirmativamente ambas as
perguntas, o que o congresso faz ou pretende fazer para consertar a
Teologia da Libertação e as comunidades de base? 4. O congresso pretende
agradecer a João Paulo II o corretivo e exprimir a sua submissão? 5.
Respondidas pela negativa as perguntas 1 e 2, o congresso pretende
defender-se ante João Paulo II, ou manter-se em silêncio? 6. Em que forma
seria feita essa defesa? Seria ela dada a público? 7. A defesa seria
mandada a João Paulo II antes da vinda dele ao Brasil, ou os líderes
brasileiros da Teologia da Libertação esperariam a vinda dele ao Brasil
para uma mensagem pública, ou para pedir uma audiência com ele?”
Essas perguntas, se fossem lidas, teriam sido uma
“bomba” dentro do congresso. Sem violar a lei do Estado e obedecendo
às leis da Igreja, essa bomba da TFP foi posta lá dentro [12].
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1. “Igreja e Problemas da Terra (IPT)”, uma bomba de nêutron
agro-reformista
Um pouco antes dessa reunião de Taboão da Serra,
havia sido lançada uma verdadeira bomba de nêutron: a CNBB publicou o
documento Igreja e problemas da terra (IPT), que bafejava a divisão
compulsória das grandes e médias propriedades. Cento e setenta e dois
Bispos aprovaram o documento [13],
o qual ecoou como um ribombo publicitário em todo o País* [14].
* Esta reunião do
Episcopado nacional ocorreu em Itaici de 5 a 14 de fevereiro de 1980.
Os termos do documento foram tão categóricos que
facilmente poderiam dar a leitores desavisados a impressão de que ser
favorável à Reforma Agrária preconizada por Igreja e problemas da terra
era condição de fidelidade de todo católico à Santa Igreja* [15].
* Essa visão
deturpada do dever de fidelidade às opiniões errôneas dos Bispos
agro-reformistas estava bastante disseminada entre conhecidos membros do
Episcopado nacional. Basta ver a seguinte declaração de Dom Moacir Grechi,
então Bispo-Prelado do Acre Purus: “O empresário cristão que investe
contra a reforma agrária se coloca em confronto direto com a Igreja e está
em contradição absoluta com a sua fé” (Folha de S. Paulo,
29/8/85).
2. Fatos não comprovados; doutrina sem fundamento nos ensinamentos da
Igreja
Analisando acuradamente o documento Igreja e
Problemas da Terra (IPT), como também os numerosos pronunciamentos
episcopais sobre o problema fundiário no Brasil, eu me perguntei se toda
essa massa de documentos estava em conformidade com os ensinamentos
emanados de Roma. Pergunta legítima, pois a autoridade magisterial suprema
pertence ao sucessor de Pedro. E ela se exerce diretamente sobre cada
fiel.
Ora, procedendo a tal confrontação, cheguei a
conclusões preocupantes.
Antes de tudo, em vários de seus tópicos, o documento
Igreja e problemas da terra favorecia conclusões agro-reformistas
que não encontravam fundamento nos ensinamentos tradicionais do Magistério
supremo. Ou seja, nas definições impostas a todos os católicos pelo
Supremo Magistério, bem como no ensinamento uniforme de seu Magistério
ordinário e universal no decurso dos séculos (cfr. Henricus Denzinger,
Enchiridion Symbolorum, Herder, Friburgi Brisgoviae, Editio 21-23,
1937, n°s 1683 e 1792).
Ademais, verifiquei discrepâncias da posição
agro-reformista da CNBB e de numerosos Bispos brasileiros com relação aos
ensinamentos dos documentos pontifícios.
Por fim, na apreciação das situações de fato, o
documento se contentava com afirmações genéricas, apoiadas por vezes em
documentação escassa, e o mais das vezes destituídas de documentação [16].
O documento fazia notória sua má disposição para com
as propriedades de tamanho médio ou grande. E proclamava sua veemente
opção em favor da pequena propriedade: isto é, da que pode ser
integralmente aproveitada pelo trabalho de uma só família, sem a
cooperação de qualquer assalariado.
3. Reformas de base
Indo além, o IPT anunciava para 1981 outro documento
da CNBB reivindicando uma reforma urbana, a qual seria a aplicação dos
princípios fundiários agro-reformistas — por analogia — ao solo urbano.
Para data posterior entrevia-se que ficava uma reforma — também
análoga — das empresas industriais e comerciais, a qual figuras altamente
representativas da CNBB não têm deixado de preconizar [17].
Muito de passagem, notei que no documento, do ponto
de vista doutrinário, havia vários traços de influência marxista. E
implicitamente de desinformação (para dizer só isso) da doutrina católica [18].
4. Direito dos católicos de opor-se à Reforma Agrária
Entrementes, vinha eu elaborando, no silêncio de meu
gabinete, o livro
Sou católico: posso ser contra a Reforma Agrária?
Pensado e escrito nas minhas parcas horas de lazer,
ao longo de vários meses de reflexão e de estudo, o trabalho se destinou a
reivindicar, em face do IPT, meu direito de católico e de
brasileiro de me opor à Reforma Agrária.
Não só meu direito, mas o de todos os intelectuais
católicos analogamente discordes do IPT. Mais ainda, o direito de
todos os proprietários rurais ou urbanos, grandes ou médios, de
conservarem — tanto quanto os pequenos — na santa paz de suas
consciências, suas legítimas propriedades.
Paralelamente comigo, trabalhou, na confecção de uma
análise econômica do IPT, para ser publicada no mesmo livro, meu
jovem amigo, o brilhante economista Carlos Patricio del Campo*.
* Engenheiro
agrônomo pela Universidade Católica do Chile e formado em Economia Agrária
(Master of Science) pela Universidade de Berkeley, Califórnia
(EUA).
5. Em Itaici-81, uma rotação vertiginosa: saem de pauta as reformas
Ao contrário do que esperávamos de início, a
elaboração de nossos estudos foi longa e complexa. Planejado para antes de
Itaici-81, só saiu a lume em princípios de março de 1981*.
* A 19ª Assembléia
Geral da CNBB havia se realizado em Itaici (Indaiatuba-SP) de 17 a 26 de
fevereiro de 1981.
Quando deitamos mão à faina, supúnhamos que muito
naturalmente ele levantasse — quando publicado — uma celeuma proporcionada
ao categórico de suas teses, bem como, e principalmente, à amplitude de
sua difusão* [19].
* Dr. Plinio havia
anunciado com antecedência, em artigo para a Folha, que sobre o
documento Igreja e Problemas da Terra estava acabando de “limar
um estudo”.
Esse artigo tinha
como título
O cavalo, a bruxa e o filhinho, e foi publicado pela
Folha de S. Paulo em 22 de maio de 1980.
Ele adiantou nesse
artigo que, do ponto de vista doutrinário, havia notado vários traços de
influência marxista no IPT. E que a desinformação sobre a realidade
brasileira estava presente no documento de ponta a ponta. As parcas fontes
mencionadas não cobriam a larga faixa das afirmações feitas e que o
documento aprovado em Itaici fugia da realidade concreta e regurgitava de
pressupostos gratuitos, como de generalizações vagas ou ambíguas.
* *
*
Entretanto, impetuosa e açodadamente agro-reformista
em seu comunicado de Itaici-80, a CNBB parecia recuar surpreendentemente
no comunicado de Itaici-81 [20].
O grande tema abordado em 1981 foi o das vocações
sacerdotais...
Nada mais próprio do que este último tema, para uma
reunião de tão alto órgão eclesiástico. Contudo, sendo de notoriedade
pública que os Srs. Bispos agro-reformistas continuavam exatamente nas
mesmas posições doutrinárias de 1980, era impossível não sentir algum
desconcerto à vista de que em 1981 tenham julgado
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Stand de
difusão do "Sou Católico" em feira agropecuária (Londrina) |
sem importância nem
urgência a cascata de reformas, as quais haviam proclamado indispensáveis
e urgentes doze meses atrás.
Como explicar essa contradição? Que poder, que
circunstância, que acontecimento sobreveio, bastante forte para
determinar, de um ano para outro, tal diversificação de rumos? Não sei.
6. Grande difusão do livro “Sou católico: posso ser contra a Reforma
Agrária?”
Sou Católico teve de Norte a Sul do País
difusão digna de nota, graças ao zelo desinteressado e admirável dos
jovens cooperadores da TFP. Honro-me em notar, de passagem, que foi na
qualidade de presidente do Conselho Nacional da entidade que escrevi meu
trabalho [21]
Escoaram-se vinte e nove mil exemplares, em 4 edições. Excelente acolhida,
portanto [22].
E aqui entra um ponto estranho: diante dessa grande
difusão, não houve nos arraiais dos agro-reformistas católicos quem
opusesse ao meu livro qualquer réplica. E assim continuou, escoando-se
placidamente março, abril, maio e junho.
7. Nova reviravolta no Episcopado: Bispos incitando até à luta armada
De repente, a partir de julho de 1981 (isto é, cinco
meses depois de Itaici-81 e quatro meses depois do
Sou Católico),
começou a se fazer ouvir uma rajada de declarações reformistas de
procedência episcopal* [23].
* Transcrevemos
três delas, a título de exemplo:
Dom Pedro
Casaldáliga, Bispo de São Félix do Araguaia: “O ideal cristão
equivale ao ideal do socialismo”. “Não canonizo o socialismo soviético ou
cubano, mas existem aspectos positivos: Cuba deu lições de saúde e
educação para todo seu povo [...]. O socialismo da Nicarágua é um
bom caminho” (cfr. Jornal do Brasil,
17/6/81).
Dom Quirino
Schmitz, Bispo de Teófilo Otoni: “Quando as famílias pobres estão
cada vez mais pobres e os ricos afirmam [...] que está tudo bom, o
povo deve utilizar meios agressivos de reivindicar seus direitos”.
Pouco antes, o prelado havia sublinhado que “São Tomás de Aquino
[...] fala nas perspectivas de conflitos civis armados, como estratégia
para o restabelecimento da justiça e liberdade” (cfr. Jornal do
Brasil, 6/7/81).
Dom Ivo
Lorscheiter, Bispo de Santa Maria e presidente da CNBB: “Em casos
extremos, a única solução para a conquista de mudanças sociais [...]
é a luta armada, e a Igreja deve aceitar esta situação como
inevitável.” Disse ele também que o Clero “não pode ficar de braços
cruzados [...] à espera de que as coisas aconteçam. Precisa ser
combativo” (cfr. Jornal do Brasil, 5/7/81).
Quer dizer, a revolução comunista estava sendo
impulsionada no Brasil pelos Bispos.
E ficava mais do que claro o alcance do livro e a
oportunidade em que ele havia sido lançado. Pois, se na época de Jango, a
CNBB era um apoio da esquerda, agora ela se tinha transformado na cabeça
da esquerda.
Essa revolução era muito menos uma revolução
violenta, do que uma revolução psy, quer dizer, uma operação de
guerra psicológica revolucionária. E se dava através da chamada Teologia
da Libertação, que João Paulo II havia condenado, mas que ia se acentuando
apesar da condenação de Puebla. Nada diminuiu de intensidade, nada
diminuiu de carga.
A perspectiva na qual nos encontrávamos era a de que,
se o comunismo entrasse no Brasil, entraria pela mão da CNBB e pela porta
da Reforma Agrária.
8. “Somos católicos, o IPT não é”
Em esgrima, quando o adversário puxa a espada, o
outro apara o golpe.
No nosso caso concreto, o esforço para aparar o golpe
agro-reformista foi representado por este nosso novo livro,
Sou
católico: posso ser contra a Reforma Agrária? Ele deixava muito claro
que o documento de Itaici era socialista, e que a doutrina sustentada pelo
IPT não era compatível com a doutrina católica.
Na realidade, o sentido de nosso livro era: “Somos
católicos, vosso documento não é”.
Este era o fundo do livro, embora isto não estivesse
dito formalmente [24].
E a nossa condição de católicos era tão notória, tão fora de qualquer
dúvida, que foi a nossa melhor arma para avançar [25].
Em suma, era a Reforma Agrária que começava a erguer
a cabeça de novo, depois das pancadas que recebera da TFP.
Imediatamente depois iniciou-se a nossa reação. Era o
primeiro livro em que tocávamos na questão álgica, ou no ponto dolorido. A
CNBB dava a entender que o católico não poderia ser contra a Reforma
Agrária. Então, o título do livro levantava a questão: pode ou não pode?
Resposta: o católico não só pode, mas deve ser contra a Reforma Agrária!
Nenhuma réplica [26].
Não foi refutado por ninguém nem condenado por ninguém [27].
1. Caráter universal do Projet socialista: as TFPs entram na liça com
a Mensagem
Em dezembro de 1981, nosso raio de ação se ampliou
enormemente, em uma campanha de grande repercussão internacional que
envolveu treze TFPs e atingiu os cinco continentes.
Foi o lançamento da Mensagem
O socialismo
autogestionário: em vista do comunismo, barreira ou cabeça-de-ponte? à
opinião pública ocidental [28].
Constituiu ela ampla exposição e análise crítica do
programa autogestionário de Mitterrand, então recém-eleito Presidente da
República Francesa.
Esse trabalho, redigido por mim, foi endossado e
divulgado em nome próprio pelas treze TFPs então existentes.
Para aquilatar o alcance do mencionado estudo, é
preciso ter em conta que, no período que precedeu à primeira eleição do
Presidente François Mitterrand, a expressão socialismo autogestionário
correspondia a uma espécie de primavera propagandística mundial, de
maneira a tornar-se moda nos ambientes da esquerda.
Todo intelectual que se quisesse mostrar
“aggiornato”, isto é, “em dia”, dizia-se socialista
autogestionário*.
* Também no Brasil,
a onda autogestionária vinha chegando com força. Nesse sentido é curioso,
por exemplo, o depoimento do conhecido jornalista de esquerda Paul Singer:
“Militantes exilados na Europa trouxeram de lá, depois
que a anistia permitiu que voltassem ao Brasil, as experiências de
socialismo autogestionário que floresceram na França”
(cfr. Em dez anos de governo, nada é acaso, in Democracia
Socialista, 13/3/2013).
Tal se devia ao fato de que as palavras
“socialismo” e “socialista” estavam em franco processo de
envelhecimento, o qual se tratava de sustar mediante um disfarce qualquer.
Algo à maneira de uma senhora cujos cabelos estão branqueando, e que por
isso procura tingi-los.
Assim, o socialismo, velho de tantas e tantas
décadas, e já com o prateado de sua velhice estampado nos cabelos, refazia
seu semblante chamando-se “autogestionário”. Era o modo de
revitalizar-se e rejuvenescer [29].
O Projet Socialiste pour la France des années 80
— com base no qual o PS concorreu àquelas eleições — se inseria explícita
e até ufanamente neste movimento geral.
* *
*
Poder-se-ia estranhar que treze associações, sendo
doze de outros países que não a França, se julgassem no caso de dar a
público em todo o Ocidente uma Mensagem cujo tema essencial era um
comentário das então recentes eleições francesas.
Mas tal objeção só seria concebível da parte de quem
ignorasse o inteiro alcance do Projet socialiste de
Mitterrand, a natureza do PS francês, bem como a inevitável e ampla
repercussão da vitória socialista na vida política e cultural dos vários
povos do Ocidente.
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10 de maio
de 1981: Mitterand presidente da República e, com ele, o projeto
autogestionário se implanta na França |
O gênio francês, ágil em conscientizar, lúcido no
pensar, brilhante no exprimir, sabe debater esses problemas numa clave que
os relaciona, em numerosas conjunturas históricas, com as cogitações
universais da mente humana.
Ademais, o Projet afirmava ter como uma de
suas metas a interferência na política interna, e mais especialmente na
luta de classes dos demais países. Portanto, uma vez que o socialismo
havia se assenhoreado do Poder, era de temer que utilizasse os recursos do
Estado francês, e da irradiação internacional da França, para levar a cabo
tal propósito
Assim, tratando da situação na França, as sociedades
que subscreviam esta Mensagem se davam claramente conta de que muitas
questões, naquela época em fermentação mais ou menos latente em seus
respectivos países, poderiam ter seu curso apressado e quiçá arrastado ao
ponto crítico, em função da repercussão mundial do que na França viesse a
se passar [30].
Era uma Mensagem de alerta sobre a incompatibilidade
entre os princípios perenes da civilização cristã, de um lado, e, de outro
lado, a reforma autogestionária, na qual o PS prometera engajar a França,
quando das eleições de 1981. Reforma esta gradual, mas também total,
demolidora do direito de propriedade sobre o solo, a empresa, a escola
privada, invadindo a família para organizar os filhos contra os pais, e
não poupando sequer, em seu termo final, os lazeres, o aménagement
doméstico (isto é, o arranjo interior da casa) e a própria pessoa de cada
francês [31].
2. Oportunidade única: o socialismo mostra sua verdadeira face
A que título se ocupavam as TFPs de uma problemática
à primeira vista toda ela francesa, e ante a qual, por conseguinte, só
competiria à TFP francesa tomar posição? [32]
Há 50 anos, pela graça de Nossa Senhora, eu estava na
luta contra-revolucionária [33].
Ao longo desse tempo, eu nunca tinha visto o socialismo apresentar-se com
tanta clareza e tanta precisão como nos documentos do Partido Socialista
francês [34].
Nunca tinha visto os revolucionários dizerem tão claramente e tão
cruamente tudo aquilo que, segundo as conveniências do jogo deles, não
deveriam dizer. E nunca vira um documento em que esse adversário se
comprometesse tanto, quanto no conjunto de documentos que serviram de
estaqueamento à nossa Mensagem.
Sem essa documentação, nossa denúncia não teria
valido nada [35].
Tudo aquilo que o socialismo viveu de não dizer com
clareza, viveu de manter na ambigüidade, o Partido Socialista francês, por
razões que ignoro, declarou com uma precisão, com uma força de coerência
extraordinárias, em vários congressos sucessivos, em vários manifestos, em
vários documentos.
De maneira que o fundo radical não apenas comunista,
mas transcomunista da meta autogestionária foi confessado e proclamado
como próprio pelo socialismo francês.
Pela primeira vez em minha vida, eu via o socialismo
inteiramente desmascarado por si próprio. E com a grande vantagem de ser
desmascarado, não pelo livro de um intelectual qualquer, a respeito do
qual o partido pudesse dizer que não representava o seu pensamento, mas
por resoluções públicas e oficiais do próprio Partido Socialista
autogestionário vencedor.
Apresentava-se diante de mim, portanto, uma
oportunidade única de arrancar a máscara do socialismo internacional.
Então me atirei à denúncia desse socialismo, bem
certo de que os meus leitores saberiam ver que, entre socialismo e
socialismo, poderia haver diferenças de matizes, mas havia sobretudo
identidade de corpo doutrinário, de metas e de ação. E que, portanto, o
que de um deles se dissesse, do outro também se poderia dizer.
Tudo isso nos convidava a dar o grande lance, que de
fato foi dado [36].
3. Estupor: seis páginas, 52 países, 33,5 milhões de exemplares
Comecei o trabalho de redação algum tempo depois de
Mitterrand ter sido eleito presidente em maio de 1981.
Uma das minhas preocupações era surpreender a
autogestão em seu nascedouro. O mito da autogestão começava a nascer e o
mérito estaria em denunciar o mito enquanto ele ainda fosse pequenino [37].
Um trabalho desses não se faz da noite para o dia.
Foi um documento trabalhosíssimo. Demorei, no meio de minhas ocupações,
uns três ou quatro meses para acabá-lo.
Às vezes eu viajava para uma cidade do interior e ali
redigia algumas partes. Outras vezes trabalhava em São Paulo mesmo. E em
São Paulo era um trabalho quase diário [38].
A Mensagem ficou pronta, e no dia 9 de
dezembro de 1981 ela foi publicada simultaneamente nos Estados Unidos, no
Washington Post; e na Alemanha, no Frankfurter Allgemeine
Zeitung; e posteriormente reproduzida em 45 diários de maior
circulação de 19 países da Europa, América e Oceania.
Um resumo foi publicado
depois em diversos países dos cinco continentes.
No total, a Mensagem
saiu em catorze idiomas, atingindo uma tiragem total de 33,5 milhões
de exemplares, em 155 publicações de 69 países, alcançando
repercussões em 114 nações [39].
Esse grande lance foi
dado pelas treze TFPs então existentes, dirigindo-se solidariamente à
opinião universal e utilizando para isto um meio de propaganda especial:
publicando em seis páginas de jornal a matéria de um pequeno livro de
condensação.
Não me consta que se tenha feito algo com tanta
audácia de publicidade. E, de uma vez, nos principais jornais dos
principais países do mundo [40].
Até então, em escala internacional, o socialismo
autogestionário ainda não fora questionado em seus últimos fundamentos
filosóficos.
Inegavelmente a Mensagem das treze TFPs abriu
uma brecha no silêncio geral a tal respeito. Pondo em evidência a
incompatibilidade do programa do PS francês com a doutrina tradicional do
Supremo Magistério Eclesiástico, e questionando gravemente o sistema
autogestionário, a Mensagem concorria para dissipar a “lua-de-mel”
com a opinião pública, na qual se expandia tão favoravelmente o prestígio
da autogestão.
* *
*
No Brasil, a Mensagem só foi publicada um mês
depois. É que a crise polonesa de fins de 1981 concorreu fortemente para
desviar a atenção mundial do êxito eleitoral do Partido Socialista
francês* [41].
* Essa crise de
1981 quase envolveu o risco de uma terceira guerra mundial, pela reação
causada no Ocidente por uma ameaça soviética de intervenção na Polônia, a
pretexto do crescimento das greves e reivindicações sindicais de fins de
1980. E galvanizou de tal forma as atenções que, nessas circunstâncias, o
esforço publicitário da Mensagem seria inútil. Passada a crise, e cessada
a atmosfera de superexcitação por ela causada, a Mensagem foi por fim
publicada na Folha de S. Paulo do dia 8 de janeiro de 1982.
4. Grande parte da mídia se mostra incomodada; houve exceções
Antes dessa publicação, era de esperar que os órgãos
da mídia brasileira se mantivessem em atitude de simpática expectativa.
Pois não seria outro o sentimento que lhes seria natural, vendo um
compatriota atuar como porta-voz de tantas entidades de vários países, em
um esforço publicitário de escala mundial.
Pelo contrário, em lugar de nos pedir que
antecipássemos algo sobre o conteúdo da Mensagem, sobre a sua
essência, sobre o seu pensamento, o que se viu foi, na maioria dos casos,
investirem raivosamente como quem se sentisse mordido na carne viva.
Esses meios apresentaram sobre o fato um noticiário
carregado de insinuações, as quais fugiam inteiramente ao tema tratado,
num empenho em arrastar a discussão para o campo do mero fuxico [42].
Foi só sair a notícia de que as TFPs iniciaram essa campanha, que se
levantou a zoeira: “De onde vem o dinheiro”?
Interessante notar que não se procurava saber de onde
vinha o dinheiro do Partido Comunista Brasileiro. Nem de onde vinham os
recursos, incomparavelmente maiores, que serviram para a campanha de
Mitterrand na França e que propiciaram a vitória dele.
Aos jornalistas que me perguntavam sobre isto, eu
respondia que as TFPs eram treze, e todas administrativa, jurídica e
economicamente autônomas. Cada uma tinha as suas próprias finanças. Para
saber de onde vinha o dinheiro, era preciso perguntar a cada uma delas no
respectivo país.
Eu só podia, portanto, falar da TFP brasileira: os
recursos para a difusão da Mensagem provinham de sócios e amigos da nossa
entidade. E nenhuma entidade fornece a terceiros a nominata de seus
doadores. Se, no tocante à TFP brasileira, um órgão do Poder Público, com
competência jurídica para se informar, nos pedisse esses nomes,
responderíamos no mesmo instante e com a maior facilidade. Tal órgão, de
sua parte, ficaria obrigado ao sigilo próprio a uma repartição oficial.
Eu ainda interpelava esses jornalistas: a Mensagem
das TFPs versava sobre um alto tema, que era a situação da França, a
filha primogênita da Igreja, uma das nações mais ilustres da Terra. A
partir dessa nação, começava a soprar sobre o mundo uma ideologia que, por
uma série de razões, tinha todas as condições para prosperar.
Assim, era todo o mundo ocidental que estava no risco
de ser posto em jogo, como resultado da vitória socialista na França.
Sobre esse tema, a mídia não tinha nada a perguntar? Ela não se alarmava
com essa perspectiva? Não a preocupava? O grande problema do mundo para a
mídia era saber onde as TFPs tinham arranjado dinheiro para essa
publicação?
Quando alguém levanta a questão do dinheiro antes
mesmo de ter levantado a questão do mérito de um documento, dá mostras de
que tal documento o está incomodando. Por que não o refutavam? Por que
silenciavam sobre o seu mérito? [43]
Houve exceções nessa reação de certa mídia, como por
exemplo
um repórter da Folha que me entrevistou. Ele de fato fez
perguntas sérias sobre o mérito do documento. Mas, fora dele, muito
poucos.
5. Publicada no mundo inteiro, proibida na França
Em nenhum dos países encontraram as TFPs obstáculos
para publicar, como matéria paga, sua Mensagem. De par em par, abriram-se
para elas os órgãos de imprensa [44].
Não na França, onde a imprensa inteira se fechou,
eriçada como um porco-espinho que levou um toque de lança [45].
Abstração feita dos órgãos declaradamente socialistas
ou comunistas, foi oferecida sucessivamente a seis diários franceses de
grande porte, de tiragem superior a cem mil exemplares, a publicação do
texto.
Dois desses jornais chegaram até a se comprometer
formalmente a publicar a Mensagem. Tão firme era esse compromisso que, na
perspectiva de tal publicação, e de acordo com ambas as partes, uma
agência publicitária chegara, no dia 11 de dezembro, a receber
integralmente o preço estipulado.
Tudo isto não obstante, no dia 6 de janeiro de 1982
essa agência prevenia às TFPs que os dois cotidianos em questão acabavam
de se recusar a cumprir o compromisso assumido. Motivo alegado: nenhum.
6. Governo francês e esquerdas: reações furibundas mas esquivas
Mas a Mensagem foi abrindo seu caminho largamente
pelo mundo afora [46].
Em 12 de dezembro de 1981 (ou seja, três dias após a
publicação do mencionado documento), o International Herald Tribune
assim descreveu a reação do governo socialista francês face à aludida
análise do Projeto Socialista para a França dos anos 80:
“Em Paris, fontes governamentais
autorizadas disseram que não estavam preparadas para reagir a esta
publicação, mas que a estavam estudando. ‘Absolutamente não há pânico, e
estamos bem mais interessados em saber quem ou o que se encontra por
detrás desta publicação’, declarou [...] um porta-voz do Eliseu,
acrescentando que ‘mais tarde’ poderia haver alguma reação”.
Reação esta que em vão se esperaria, pois que não
houve [47].
No dia anterior, eu havia lido a correspondência de
Paris, enviada para a Folha pelo Sr. J. B. Natali.
Nos círculos que o sr. J. B. Natali quis ouvir, isto
é, no Quai D'Orsay (Ministério do Exterior) e o PS (Partido
Socialista), as reações foram intensas. Surpreendentemente intensas.
No Quai D'Orsay, um porta-voz disse que "as
críticas da TFP ao governo francês são abusivas e excessivas". Mas
acrescentava que “contra elas a França não levantará sequer um dedo por
respeitar a liberdade de expressão”*.
* Esse “respeito”
pela liberdade de expressão por parte do governo Mitterrand recebeu um
desmentido pelos fatos, face à negativa maciça dos jornais franceses de
publicar a Mensagem. Ficou patente que a máquina governamental
francesa levantou não apenas um dedo, mas exerceu uma pressão de
bastidores que teceu uma pesada cortina de silêncio publicitário para
impedir o estudo das TFPs de circular na França.
Nessa linha, ainda foi mais longe o sr. Philippe
Parrentir, do Partido Socialista: “os senhores da TFP são loucos
delirantes”.
E uma das fontes latino-americanas do serviço de
Relações Exteriores do primeiro-ministro disse: “uma organização com
essa sigla (TFP) já evoca algo que provoca nos franceses uma enorme
repulsa porque lembra ‘Trabalho, Família, Pátria’, slogan de Pétain”.
O Sr. J. B. Natali abordava ainda outros assuntos:
preço pago pela campanha, o enorme “mistério” mantido por meu inteligente
e valoroso amigo Caio Xavier da Silveira, diretor da TFP brasileira
presente em Paris, acerca das demais cidades onde seria publicada a
Mensagem etc. Evidentemente, temas colaterais, feitos para acirrar a
polêmica, desviando-a ao mesmo tempo do ponto essencial, isto é, da
análise das teses e dos argumentos contidos na Mensagem * [48].
* Houve outras
reações dignas de nota, registradas no livro
Um homem, uma obra, uma
gesta; Um resumo dessas reações pode dar alguma idéia delas:
“A imprensa
esquerdista desatou-se em fúria contra ‘as seis páginas de divagações
anti-Mitterrand’ (Le Canard Enchainé, Paris, 16/12/81), verberando
o ‘pavé indigesto’ ofertado pelo ‘professor brasileiro’ (Le Matin,
Paris, 11/12/81), bem como a ‘publicidade de ditadores’ proveniente desse
movimento de ‘iluminados integristas’ (Libération, Paris,
19/12/81), e outros insultos do gênero.
“L’Humanité
(11/12/81), órgão do Partido Comunista francês, saltando de cólera, se
perguntava: ‘Quem permite a não se sabe que associação, mais ou menos
brasileira, espalhar, a golpes de bilhões, idiotices destinadas a dar uma
imagem repugnante do governo da República francesa? [...] É preciso
não dramatizar esta barulhenta campanha internacional’.
“De fontes do
Governo e do PS, a linha de conduta foi, de um lado, se esquivar
sistematicamente da análise do cerne doutrinário da Mensagem. Uma das
fontes do Ministério das Relações Exteriores chegou mesmo a declarar que
‘neste gênero de situações [...] sempre é mais conveniente não
dizer nada’ (Jeune Afrique, Paris, 3/3/82).
“O
primeiro-ministro Pierre Mauroy, em debate na Assembléia Nacional,
referindo-se indiretamente à Mensagem, disse que, “quando a direita quer
parecer nova, ela escava o arsenal das doutrinas anti-igualitárias e
anticristãs [sic], que produziram ao longo da primeira metade deste
século os resultados que todos conhecemos. Tornar-se-ia grave que, por
simples hostilidade para com o governo, democratas se deixassem assim
enganar por falsas idéias novas” (Le Monde, Paris, 18/12/81).
“Em Buenos
Aires, a embaixada da França acusou a TFP, em nota oficial publicada em
La Nación (20/1/82), de ter ‘insultado’ o programa do governo
francês e a divisa ‘Liberdade, Igualdade, Fraternidade’, que — segundo o
comunicado da representação diplomática — estaria ‘inscrita’ na bandeira
de seu país. (Onde? Na bandeira tricolor francesa não há qualquer
inscrição...). A TFP argentina respondeu em nota publicada no mesmo La
Nación (24/1/82), pedindo a dita Embaixada que exibisse onde, na
Mensagem, se encontrava o tal ‘insulto’. A embaixada manteve-se em
explicável silêncio”.
* *
*
Eu não estava disposto absolutamente a cooperar, de
minha parte, para que a contenda descambasse para esse nível.
Escrevi então um artigo para a Folha de S. Paulo
em que adiantei para o público as teses essenciais que a Mensagem
das TFPs continha* [49].
* Este artigo tinha
como título
Autogestão, dedo e fuxico, e foi estampado na Folha
de S. Paulo do dia 11 de dezembro de 1981.
* *
*
A certa altura me chegou ao conhecimento que o
diretor do Ufficio Stampa do Vaticano, em contato com um
representante do Ufficio da TFP na Cidade Eterna, afirmara que a
Mensagem havia causado em Roma uma impressão profunda, e pedira um
exemplar [50].
7. Exorcizando o socialismo enquanto filho da Revolução Francesa
O socialismo autogestionário francês se proclamava
inteiramente coerente com a trilogia da Revolução de 1789:
Liberdade-Igualdade-Fraternidade. Para ele, a abolição do patronato na
empresa era a conseqüência lógica da instauração da República. Ele
apontava no patrão um pequeno rei que remanesce no interior da empresa, e
no rei o grande patrão que a república democrática eliminou.
Por isso, o PS francês traçava, entre a vitória final
do socialismo autogestionário e a Revolução Francesa, toda uma genealogia
de revoluções: 1848, 1871 e a Sorbonne-1968 [51].
E o que estava dito na Mensagem era
precisamente isto: que o socialismo autogestionário se dizia, ele próprio,
a continuação da Revolução Francesa. E, no proclamar este fato, ele
denunciava a Revolução sua mãe.
Também denunciava a si mesmo, e com argumentos tão
bons, que foi com as próprias palavras do socialismo autogestionário que
fizemos, como que num exorcismo, o monstro da Revolução bradar para o
mundo: “O socialismo é filho da Revolução Francesa”!
De fato, há qualquer coisa na Revolução Francesa que
faz dela a tradução, para a ordem temporal, de todos os erros do
Protestantismo na ordem espiritual (cfr. Revolução e Contra-Revolução,
cit.).
E como o que se passa na ordem temporal abala muito
mais a mentalidade das pessoas de nossa época do que aquilo que se dá na
ordem espiritual, uma bombarda jogada na Revolução Francesa seria muito
mais nociva ao dinamismo geral da Revolução do que a bombarda jogada na
própria fronte já envelhecida, já empergaminhada e sem expressão do velho
Protestantismo. Portanto, era ali que a Revolução tinha que ser ferida.
E era o que estava dito na Mensagem.
Com isso fizemos uma Mensagem que tocava no
essencial do espírito da TFP, que é o espírito católico enquanto
denunciante da Revolução. Nós fizemos disso algo que de fato atingiu todas
as extremidades da Terra [52].
8. “Laborem Exercens”, um endosso ao socialismo autogestionário?
A Mensagem estava acabando de ser redigida quando
saiu a lume, em 14 de setembro, a encíclica Laborem Exercens, de
João Paulo II. Os mais importantes meios de comunicação social do Ocidente
a acolheram com ampla e simpática publicidade.
Sem dúvida, a Encíclica apresentava ensinamentos
novos, nem todos desenrolados até suas últimas conseqüências, doutrinárias
e práticas.
Isto propiciou que, o mais das vezes, a publicidade
dada ao documento difundisse a impressão de que, conforme João Paulo II, o
regime socializado, propugnado pelo PS francês, encontraria na Laborem
Exercens importante respaldo [53].
Seria ela uma versão católica do socialismo
autogestionário francês?
Compreende-se o alcance da pergunta, especialmente na
perspectiva católica, que era a das TFPs e da Mensagem lançada por estas*.
* Esta pergunta foi
abordada de frente na
Nota 29 da Mensagem.
Ela apresenta um
resumo da doutrina tradicional da Igreja que fundamenta o direito de
propriedade a partir da apropriação daquilo que não tem dono, ou da
remuneração do seu trabalho, ou ainda da herança adquirida por sucessão
hereditária.
Traz então textos
pontifícios que trataram do assunto, como a Rerum Novarum, de Leão
XIII, a Quadragesimo Anno, de Pio XI, e a Radiomensagem de
Pio XII, de 14 de setembro de 1952, ao Katholikentag de Viena.
Depois explica que
o Estado, sem exorbitar de sua função específica, pode também, de modo
restrito e em circunstâncias especiais, possuir e administrar bens por
razões de interesse comum. Entretanto ele deve deixar os demais bens nas
mãos do domínio privado. E esta é a ordem natural das coisas.
Já o Projet
do PS francês hipertrofiava a propriedade coletiva dos grupos
sociais, transformando cada um destes, em relação a seus componentes, em
um mini-Estado totalitário. E o Projet qualificava de privada
a propriedade autogestionária, se bem que esta fosse instituída — em larga
medida imposta — e até regulada discricionariamente pelo Estado.
Ora, a publicidade
que se tinha feito em torno da encíclica Laborem Exercens
comunicava a impressão de que João Paulo II afirmara já não ser um
imperativo da ordem natural que a propriedade privada (portanto a
não-estatal) fosse habitualmente individual. E que, em princípio, era
legítimo e até preferível ser um direito, o de propriedade, normalmente
exercido, não por proprietários individuais, mas por grupos de pessoas,
para melhor atender à sua finalidade social. Nisto consistiria a
socialização da propriedade.
A ser aceita essa
intelecção do documento de João Paulo II, seria preciso concluir que tal
socialização estaria em forte contraste com os princípios do
Magistério Pontifício tradicional, e que a encíclica dava importante
respaldo ao regime socializado propugnado pelo PS francês.
Ao católico zeloso,
seria penoso carregar nos ombros a responsabilidade de fazer sobre a
encíclica de João Paulo II essas afirmações. Pois teriam um alcance
incalculável no plano religioso e socioeconômico.
Com efeito, a se
admitir semelhante oposição entre o referido documento pontifício e os
documentos tradicionais do Supremo Magistério da Igreja, daí se
desdobrariam conseqüências teológicas, morais e canônicas sem conta.
O PS francês
afirmava a conexão lógica entre a reforma autogestionária da empresa, por
ele preconizada, e a da economia em geral, a do ensino, a da família e a
do próprio homem. Essas múltiplas reformas não eram, para os socialistas
franceses, senão aspectos de uma só reforma global.
E tinham razão:
“Abyssus abyssum invocat” -
“Um abismo atrai outro abismo” (Ps. 41, 8).
Portanto, não se
via a possibilidade de que um Pontífice Romano, abrindo as comportas à
autogestão pleiteada pelo socialismo francês, apoiasse implícita ou
explicitamente essa reforma global.
* *
*
A Mensagem punha muito em realce o
imperialismo doutrinário que marcava a política exterior do PS, e portanto
também do governo socialista francês. Ela mostrava que a expansão
internacional do socialismo autogestionário era meta relevante da
diplomacia do Sr. François Mitterrand [54].
O Presidente francês já havia dado os primeiros
passos nesse sentido, manifestando o seu apoio ao governo da Nicarágua e à
guerrilha em El Salvador [55].
9. A Mensagem quebra a “aura” da autogestão. Conseqüências em cadeia
O fato inegável é que o socialismo autogestionário
francês foi a seu tempo a ponta de lança da Revolução e o mito lançado
para se impor como uma mentirosa terceira solução entre o capitalismo e o
comunismo [56].
E a autogestão socialista era a meta internacional a
serviço da qual o PS francês prometera instrumentalizar o governo, as
riquezas, o prestígio, o rayonnement (ou seja, a irradiação)
mundial da França [57].
Era, portanto, a ave de rapina mais recente saída dos
antros do comunismo. E era também a tentativa de conquista mais falaciosa,
mais soez, mais ágil, mais reluzente que a propaganda comunista havia
imaginado.
Aí veio a campanha da Mensagem [58].
Sem camuflagem, o imperialismo comunista não
conseguiria caminhar no mundo.
A opinião pública francesa, fortemente alertada,
percebeu que a autogestão não era senão camuflagem e a rejeitou nas
eleições cantonais de março de 1982.
Por sua vez, a rejeição da camuflagem autogestionária
na própria terra que lhe servia de foco de irradiação enregelou e pôs de
sobreaviso todas as áreas da opinião mundial que, logo depois dos êxitos
socialo-comunistas de 81, vinham se deixando contaminar por ela.
Essa contaminação caminhava despreocupada. O primeiro
documento com publicidade internacional que contra ela se ergueu — a
Mensagem das TFPs — saiu a lume quando ainda os tenores e as primadonas de
esquerda entoavam, por toda parte, a ária da autogestão.
Eles — e elas — diminuíram um tanto o volume de voz
porque, mais sutis do que Mitterrand e sua equipe, sentiram que no público
havia gente que não os ia acompanhando. Com o insucesso e o brado de
alerta na França, a autogestão ficou congelada no mundo* [59].
* Ressentindo-se
fortemente dos efeitos da Mensagem, a autogestão não pôde evitar um
processo de decadência.
Onze anos depois
(1992), a ministra socialista da Habitação, Marie-Noèlle Lienemann,
declarava: “O Partido Socialista acabou. Nós temos que criar uma nova
estrutura, um novo partido” (Folha de S. Paulo, 22/10/92).
Essas declarações equivaliam a um verdadeiro atestado de óbito do
sonho autogestionário dos socialistas franceses, confirmado pela
substituição do radical programa de 1981 pelo anódino Novos Horizontes,
adotado pelo Congresso do PS francês de 15/12/91.. Neste último se lia:
“Já não se trata, como ocorria no que concerne à antiquada autogestão
[sic!], de eliminar os empresários para substituí-los por dirigentes
designados pelo Estado ou eleitos pela base [...] Os representantes
dos assalariados não devem substituir os chefes na direção da empresa”
(cfr. Michel Charzat, Un Nouvel Horizon, pp. 94, 96 e 97). Era o
socialismo autogestionário se declarando decrépito pelos seus próprios
dirigentes e partidários.
Chegamos a 2014 e
vemos Manuel Valls, primeiro-ministro socialista do governo Hollande,
defender uma mudança de nome do partido, para retirar o termo “socialista”
(cfr. Clóvis Rossi, in Folha de S. Paulo, 3/4/2014). É
preciso ter em vista que, em face da anterior decadência do Partido
Comunista francês, que se tornou um pequeno partido de quinta categoria, a
grande esperança das esquerdas francesas era o PS.
Manuel Valls
posteriormente foi ainda mais longe, e lamentou o estado terminal da
esquerda francesa, da qual o PS era o grande representante. Em
pronunciamento feito na reunião do Conselho Nacional do Partido
Socialista, em 14 de junho de 2014, afirmou ele que, diante das
preferências que vêm sendo manifestadas pelos eleitores, nós poderíamos
chegar “a uma era na qual a esquerda pode também desaparecer [...]
sim, a esquerda pode morrer [...] Nós sentimos que chegamos ao
fim de algo, ao fim talvez mesmo de um ciclo histórico para o nosso
Partido [...] A esquerda nunca esteve tão fraca” (cfr.
Journal du Dimanche, 14/6/2014; La Croix, 23/6/2014).
O golpe dado pela
Mensagem de Dr. Plinio no socialismo autogestionário, no momento em
que o PS se encontrava no auge de seu prestígio político, teve um papel
chave na derrocada da influência socialista e das esquerdas em geral.
“As CEBs ... das quais muito se fala,
pouco se conhece — A TFP as descreve como são” (1982)
1.
CEBs: “longa manus” da CNBB para a
socialização do Brasil
Enquanto o mito da autogestão fenecia no mundo, eu
via o Brasil evoluir para uma situação em que a CNBB ia se afirmando como
a única força a ter condições de dar andamento às reformas de base na
ordem temporal*.
* A expressão
“reformas de base” ficou como moeda cunhada da era janguista.
Referia-se fundamentalmente às Reformas Agrária, Urbana e Empresarial de
cunho marxista, que João Goulart queria impingir ao Brasil.
Eu estava convicto de que ela era a única força capaz
de levar para uma socialização avançadíssima, para não dizer a
comunistização, o nosso querido Brasil. Pois o programa da CNBB equivalia
a colocar o Brasil, por iniciativa eclesiástica, a um passo da negação de
toda a ordem natural criada por Deus.
Ora, nessa derrubada da ordem natural havia implícita
uma negação da ordem sobrenatural e de toda a Religião*.
* A ordem natural
criada por Deus é o fundamento da sociedade e da civilização retamente
entendidas, e está ademais intimamente ligada à prática da verdadeira
religião, e portanto à salvação das almas. Por isso Deus Nosso Senhor a
resumiu e defendeu ao promulgar os Dez Mandamentos, entre os quais, por
exemplo, há dois que protegem a propriedade privada — o 7º Não roubarás,
e o 10º Não cobiçarás as coisas alheias — contra os quais se
atiraram as CEBs. O Apóstolo São Paulo deixa claro que os próprios pagãos
têm a lei natural impressa nos seus corações e disso lhes dá testemunho
sua consciência, e por ela seus atos serão julgados (cfr. Romanos, 2,
14-16).
Mas a CNBB sairia por demais de seu papel se ela
agisse diretamente nesse sentido. Então passou a promover um tipo de
organizações que não eram propriamente associações religiosas, mas
associações com certo ar leigo, certo ar civil. E que encontravam seu
fermento em quase todas as sacristias, arregimentando seus propagandistas
entre os elementos do Clero e das ordens religiosas masculinas e
femininas.
Essas organizações eram as chamadas CEBs, ou seja, as
Comunidades Eclesiais de Base, as quais constituíam a grande arma e ao
mesmo tempo o grande pára-vento da CNBB para fazer isso [60].
2. Uma espécie de partido comunista disfarçado com fundamentação
religiosa
As CEBs foram a realização, em nível popular, do que
os Cursilhos eram em nível burguês. Elas trabalhavam em geral com
operários, e formavam grupinhos de famílias [61].
Tudo isso muito provavelmente com vistas a instituir
no Brasil um regime socialista autogestionário mais ou menos análogo ao de
Mitterrand [62].
Em vários lugares elas estavam inclusive levando a efeito a experiência
das chamadas “chácaras autogestionárias” [63].
As CEBs eram no fundo um partido comunista déguisé
(disfarçado), e pelo fato de serem déguisés, ficavam
invulneráveis à repressão [64].
O dirigente, militante ou recruta das CEBs deduzia da
Religião (reinterpretada pela Teologia da Libertação) as conclusões
socioeconômicas que o Partido Comunista e o Partido Socialista deduziam da
irreligião.
Entretanto, esta fundamentação religiosa da revolução
conferia às CEBs, naquela época, características próprias e vantagens
específicas, que a revolução ateia não possuía. A motivação religiosa da
subversão das CEBs lhes dava uma possibilidade de êxito, pelo menos a
longo prazo, que Lenin não teve*.
* Essa motivação
religiosa foi enfatizada por um importante artigo de Valentina Andrónova,
especialista do Kremlin encarregada de acompanhar a atuação da esquerda
católica latino-americana. A autora, embora colocada no ângulo oposto ao
da TFP, apresentava uma visão das Comunidades Eclesiais de Base que pouco
diferia da apresentada por Dr. Plinio. O título desse artigo era “As
comunidades eclesiais de base: nova forma de protesto social dos crentes”
(revista América Latina, Editorial Progresso, Moscou, abril de
1985, apud Catolismo n° 421, de janeiro de 1986).
Ela dizia:
“A renovação da
Igreja católica, iniciada pelo Concílio Ecumênico Vaticano II (1962-1965),
está tomando formas radicais na América Latina. [...] No marco das
mudanças no catolicismo latinoamericano, o aparecimento das comunidades
eclesiais de base (CEBs) constitui o fenômeno de maior relevância” (p. 4).
“As CEBs trazem
ao movimento revolucionário seus conceitos religiosos. [...] Elas
dispõem de uma religiosidade nova, repleta de conteúdo democrático e
revolucionário” (p. 16).
“Ali se expressa
o desejo de uma participação mais ampla dos leigos nas atividades do
Episcopado e maior representação destes nos conselhos pastorais e nas
paróquias, da observância da igualdade entre leigos, religiosos e
sacerdotes. Exigem-se também ações conjuntas dirigidas para a libertação
dos pobres em lugar de ‘justificação daqueles que se contrapõem aos
interesses da classe oprimida’” (p. 8).
“Juntam-se para
a construção de estradas e escolas ou fornecimento de água. Unindo suas
forças, procuram defender suas terras contra as pretensões dos
latifundiários ou lutam pela reforma agrária, exigem melhores condições de
trabalho, pagamento justo, transportes para ir e vir do trabalho. Vão-se
compenetrando de um sentido de coletivismo e de ajuda mútua. A velha
religião, baseada na submissão e na obediência, é relegada a segundo
plano. Os fiéis a substituem por uma religião ligada à sua [...]
luta pela libertação” (p. 8).
“Os religiosos
progressistas que escolheram as comunidades de base para aplicar seus
esforços foram mais longe, extraindo do ideário de [Paulo] Freire o
principal: a necessidade de desenvolver a consciência política dos
crentes” (p. 6).
“A nova
interpretação da Bíblia deu impulso ao desenvolvimento da consciência
social dos crentes, para as ações dirigidas à criação de uma sociedade de
irmãos e irmãs, ou seja, de uma sociedade sem classes, conforme entendem”
(p. 10).
“No processo de
estudo do sistema capitalista, muitos ideólogos do movimento das
comunidades de base chegaram à conclusão de que as categorias marxistas as
ajudam a compreendê-lo melhor. [...] Entende-se assim a declaração
do teólogo brasileiro L. Boff de que ‘os membros das comunidades cristãs
de base começaram a apropriar-se do marxismo para utilizá-lo como arma de
autodefesa na luta para libertar-se do sistema capitalista’ “(p. 10).
“A conferência
episcopal nacional [CNBB] segue resolutamente um rumo de renovação”
(p. 15).
“O maior
deslizamento para a esquerda ocorre em comunidades de base do Brasil e da
América Central” (p. 10).
“Nos territórios
libertados pelos guerrilheiros [de El Salvador e da Nicarágua], as
CEBs atuam como uma Igreja nova totalmente solidária com o povo em armas”
(p. 13).
3. CEBs como potência eleitoral: “infalibilidade” até do sacristão
Houve tempo em que as CEBs eram apresentadas pela
mídia como uma verdadeira potência eleitoral emergente [65]
Isto
vinha do fato de os católicos em grande número se sentirem, de modo
errado, obrigados a seguir a orientação eleitoral do padre.
A
idéia desses católicos era de que, sendo o Papa infalível, toda e qualquer
opinião dele era também infalível. Ora, pensavam eles, o Bispo interpreta
a opinião do Papa, de onde se conclui que o Bispo deve ser infalível
também. E isto é também com o padre, o qual interpreta perfeitamente bem a
opinião do Bispo. Logo, também o padre deve ser infalível.
Isto ia tão longe, que certa vez, numa discussão —
aliás quente — que tive com um senhor a respeito desse assunto, ele me
disse em outras palavras o seguinte: “Dr. Plinio, o senhor quer saber
de uma coisa? Eu penso até como o meu sacristão. Porque como o sacristão
interpreta o pensamento do padre, eu estarei com o Papa estando com o
sacristão”. O que era levar a ingenuidade e falta de senso ao último
ponto! Mas, enfim, até lá chegava o homem.
Era com base nessa visão deturpada da fidelidade à
Igreja que a CNBB tinha meios de empurrar os eleitores para votar a favor
das reformas de base.
Por quais meios? Exatamente por meio das CEBs. Porque
estas eram organizações através das quais a CNBB e os clérigos da Teologia
da Libertação poderiam agir sem aparecer demais [66].
4. Como nasceu a idéia de um livro denúncia
Nesta conjuntura, o único meio de atalhar esse
processo seria denunciar essas Comunidades Eclesiais de Base.
Denunciar só a elas? Não. Era preciso mostrar o seu
poder, mostrar como elas se ligam à estrutura eclesiástica de esquerda,
mostrar qual é o propósito dessa estrutura eclesiástica criando-as.
E também mostrar o papel da falta de reação da parte
daqueles que poderiam fazer alguma coisa e mantinham-se na inação. E não
só os elementos da estrutura eclesiástica, mas da burguesia, das classes
intelectuais, enfim, de todos aqueles que ainda podiam agir de alguma
forma.
Seria portanto necessário mostrar-lhes a gravidade de
sua inércia e apontar o perigo: no Brasil as coisas vão se passando como
se houvesse aqui um quarto poder além do Legislativo, do Executivo e do
Judiciário. Um 4° poder que em muitas circunstâncias pesa mais nos
acontecimentos do que esses três poderes. E esse poder era a Imprensa.
Este 4º poder está todo ele, por sua vez, a serviço
de um outro poder paralelo, maior do que todos os outros, e que traça
programas para o governo, traça programas para a sociedade, intervém em
tudo com voz decisiva e que não esconde ser um 5º poder. Esse poder era a
CNBB.
Para fazer essa denúncia, nada melhor do que o
lançamento de um livro.
* *
*
Em que circunstâncias nasceu a idéia desse livro?
O livro nasceu de uma preparação silenciosa,
discreta, lenta, de alguns estudos feitos dentro da TFP, que aparentemente
não tinham entre si maior conexão.
Dentro da nau da TFP, dois membros dela, os irmãos
Gustavo Antonio Solimeo e Luiz Sérgio Solimeo, sem um nexo mais próximo,
mais imediato, mais frisante com essas minhas preocupações, e sem que isto
lhes tenha sido encomendado ou pedido, começaram, por iniciativa própria,
a estudar essas comunidades de base.
Durante anos, eles foram coletando documentos, e de
vez em quando me diziam alguma coisa a respeito dos seus estudos.
Eu prestava atenção, via que eram raciocínios
inteligentes, bem apresentados, lúcidos, que rumavam para um determinado
fim. Mas de início eu não deitei uma especial atenção ao trabalho deles.
Eles trabalharam incansavelmente durante cinco anos.
E eu sabia que eles estavam reunindo uma mole enorme, uma massa monumental
de documentação.
Quando chegou a um certo ponto, eles me propuseram a
confecção de um livro, e eu concordei enfaticamente. Recomendei-lhes que o
texto fosse revisto por vários dentro do nosso grupo, que fosse ajustado
às várias circunstâncias políticas, objetivos e metas, antes mesmo que o
trabalho chegasse às minhas mãos.
Quando li o estudo, notei a coincidência
providencial, magnífica, entre esse trabalho e as minhas preocupações [67].
5. A amplitude da campanha de difusão: 1.510 cidades
Foi assim que os irmãos Gustavo Antonio Solimeo e
Luiz Sérgio Solimeo, e eu, escrevemos o livro
As CEBs... das quais
muito se fala, pouco se conhece -
A TFP as descreve como são*.
* O livro teve seis
edições, num total de 72 mil exemplares, além dos 180 mil exemplares de
uma versão popular que condensava as denúncias em forma de revista em
quadrinhos.
|
Versão popular do livro das CEB's que condensava as denúncias em forma de revista em
quadrinhos [faça o download do livro -18 MB - clicando sobre a foto] |
Na primeira parte, mostro como as CEBs são o
instrumento da esquerda católica para semear o descontentamento na
população (especialmente entre os trabalhadores manuais), transformar em
seguida o descontentamento em agitação e, através dessa agitação, impor
aos Poderes Públicos a tríplice Reforma: Agrária, Urbana e Empresarial.
A Parte II da obra informa o público brasileiro sobre
a realidade das CEBs: a doutrina disseminada por estas, sua organização,
seus métodos para recrutamento de aderentes e para a ação dos mesmos
aderentes sobre o conjunto do corpo social.
Para este efeito, os autores dessa parte da obra, os
irmãos Gustavo e Luiz, foram colher os dados, por assim dizer, dos
próprios lábios daquelas organizações, isto é, dos escritos em que elas se
autodefinem para seus aderentes e para o público.
Completam as informações assim coligidas, outras
notícias de jornais e revistas inteiramente insuspeitos de distorcer os
fatos em detrimento das CEBs.
A partir de agosto de 1982, sócios e cooperadores da
TFP encarregaram-se da difusão da obra por todo o Brasil: 1.510 cidades
foram visitadas pelas caravanas de propagandistas da TFP [68].
6. Golpe profundo nas CEBs: Teologia da Libertação fica impopular
Denunciadas as CEBs, houve uma erosão qualquer por onde elas [69]
ficaram como uma bolha que havia vazado e diminuíra de volume [70].
É fora de dúvida que o livro, para quem sabe ver a
profundidade das coisas (porque na superfície nada disso é dito assim),
marcou uma situação em que a expansão das CEBs — que já era difícil — se
tornou muito mais difícil em certos ambientes.
E toda organização que encontra dificuldades na sua
expansão, por causa disso mesmo fica exposta a uma crise interna de
desânimo. A crise de desânimo traz consigo a dúvida. E a dúvida provoca a
deserção.
Com isto, a própria Teologia da Libertação ficou
abalada e muito ameaçada no Brasil [71].
Muita gente ficou vendo, na ocasião, que mais uma vez
a TFP havia atacado o que ninguém ousava atacar. Havia dito o que ninguém
ousava dizer. E deteve o passo de um movimento que, sem isso, continuaria
devastando aquilo que o Brasil tinha de mais substancial, de mais
precioso, o por onde nosso País é ele mesmo, que é seu caráter católico,
apostólico, romano [72].
Não há o que baste para encarecer o papel decisivo do livro sobre as
CEBs, que imunizou largos setores da população contra esse movimento.
O livro fez com as CEBs o que a pastoral de Dom Mayer havia feito em
relação aos desvios dos Cursilhos, e o
Em Defesa em relação
à Ação Católica: alfinete no balão de borracha* [73].
*
Depois disso, a esquerda católica ainda
tentou reanimar as CEBs, realizando encontros periódicos, à base de
empolgamentos artificiais. Mas nada pegou. O balão estava furado. O mais
recente encontro de que tenhamos notícia foi realizado em Juazeiro do
Norte (de 7 a 11 de janeiro de 2014), com grande aparato midiático.
Falava-se em ressurreição das CEBs. No dia 7, a CNBB anunciava exultante
em seu site: “Pela primeira vez em sua história, um Intereclesial das
Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) recebe uma mensagem de um papa. No
dia 17 de dezembro, o papa Francisco enviou uma carta aos participantes do
13º Intereclesial das CEBs, que tem início hoje à noite, em Juazeiro do
Norte”. Terminado o Encontro, parece que os ressurrectos voltaram para
o túmulo. Não se ouviu mais falar das CEBs. O tema é analisado em artigo
publicado em Catolicismo (abril/2014) e no artigo
Um festival de marxismo, o Congresso das CEBs (site do
Instituto Plinio Corrêa de Oliveira).
Eles haviam feito das CEBs o cavalo de corrida deles. E nós furamos um dos
olhos desse cavalo de corrida... [74]
7. Contragolpe: o caso da falsificação de “O São Paulo”
|
Declaração
de D. Arns isentando a TFP |
Em vista do sucesso da denúncia, não era de espantar que viesse por cima
de nós um contragolpe.
E este veio através de um bombástico noticiário publicado na imprensa
paulista e carioca sobre o suposto envolvimento da TFP na impressão de um
número falso do semanário oficial arquidiocesano O São Paulo.
Tal envolvimento absolutamente não existia. E era até inverossímil,
segundo teve o bom senso de declarar, interrogado pela imprensa sobre a
matéria, o Emmo. Cardeal Dom Paulo Evaristo Arns: “Não quero culpar
ninguém sem provas. A TFP sempre teve a coragem de apresentar seus
documentos assinados e, por isso, eu sempre respeitei essa organização”
(Folha de S. Paulo, 25/8/82).
Diante dessa declaração, tudo parecia se dissipar.
8. O ex-presidente da Comissão Justiça e Paz e o juízo temerário
Mas a malevolência, como as vespas, melhor do que andar, sabe voar... [75]
Imaginem meu pasmo lendo em dois números da Folha as desinibidas
declarações em que o Sr. José Carlos Dias (ex-presidente da Comissão de
Justiça e Paz arquidiocesana de São Paulo) afirmava ter pistas que bem
poderiam conduzir à demonstração de que as falsificações de O São Paulo
e de outros textos emanados da esquerda católica poderiam vir da TFP!*
* Essas declarações
temerárias do ex-presidente da Comissão de Justiça e Paz da Arquidiocese
de São Paulo saíram na Folha de S. Paulo dos dias 8 e 9 do
setembro de 1982.
Era preciso estar inteiramente alheio ao que
significa, ao que tem de si como peso natural na vida das idéias, das
correntes de pensamento e de ação que imprimem rumo a um país, uma
impugnação, uma documentação, um livro, para imaginar que uma organização,
a qual vinha fazendo à esquerda católica uma oposição alta, compacta e
extensa como uma serrania, lucrasse o quer que seja em esborrifar contra
essa mesma esquerda algumas gotas de água suja ou, em outros termos, um
jornalzinho e uns folhetos falsificados.
Para quem possuísse uma noção lúcida e serena da importância cultural do
livro, como da importância real da cultura nas esferas pensantes de um
povo, a hipótese cairia por terra a priori.
O Sr. José Carlos Dias não entendia as coisas assim. E ei-lo a fazer
tábula rasa dessa impossibilidade absoluta, e a acompanhar sequioso as
investigações policiais na Artpress, gráfica pertencente ao Sr.
Fausto Borsato, sócio da TFP que havia feito a impressão do livro sobre as
CEBs.
Segundo os próprios jornais, verificou-se que a Artpress não tinha
máquinas capazes de imprimir O São Paulo autêntico, nem o
falsificado.
Insensível a tudo isso, o Sr. José Carlos Dias persistia nas suas
suspeitas.
E foi esse mesmo número falsificado que ele e o Sr. Bispo Dom Luciano
Mendes foram levar — prestigiados por aparatosa repercussão publicitária —
ao Sr. ministro da Justiça, Dr. Abi Ackel, e por meio deste, ao Sr.
Presidente da República, general João Batista Figueiredo*.
* Dias depois, os
jornais estampam a notícia de que as investigações acabaram por levar à
descoberta, em Belo Horizonte, da gráfica onde havia sido impresso o
número falso de O São Paulo. A declaração prestada à Folha
(de 18/9/82) pelo Delegado de Polícia, Dr. Carlos Antonio Sequeira, de que
nada havia sido apurado contra a TFP, no tocante a esta encerrava
definitivamente o caso, e punha termo às especulações malévolas. E os
veiculadores das suspeitas injuriosas e estapafúrdias caíram no mais
completo descrédito junto à opinião pública.
* *
*
Mas esta minha conversa não era com o Sr. José Carlos Dias. Era com o
público que ele assim procurava intoxicar contra a TFP, no momento preciso
em que esta lançava, acerca das Comunidades Eclesiais de Base, um
verdadeiro livro-bomba.
Então escrevi um artigo para a Folha de S. Paulo, refutando essas
acusações.
Nesse artigo, a que dei o título de
Suspeita estapafúrdia e juízo
temerário (15/9/82), eu perguntava se o Sr. José Carlos Dias saberia o
que era o pecado de juízo temerário.
E afirmei a ele que esse pecado tinha uma agravante enorme quando o juízo
temerário era divulgado por duas vezes no jornal de maior circulação de
São Paulo, isto é, precisamente na cidade de maior população do Brasil.
Era o que eu, como presidente do Conselho Nacional da TFP, precisava dizer [76].
1. Presença naval soviética nas cercanias das Malvinas: até onde a
Rússia poderia chegar
|
Tropas
argentinas desembarcando nas Malvinas |
Paralelamente à agitação das CEBs, um acontecimento
sul-americano que me encheu de preocupação foi a guerra das Malvinas*.
* Esta guerra
iniciou-se no dia 2 de abril de 1982, quando a Argentina, em operação
militar de surpresa, invadiu o Arquipélago das Malvinas, de lá expulsando
a guarnição inglesa. A Inglaterra reagiu, mobilizando a Real Armada,
iniciando-se assim o conflito nos mares do Sul.
Enquanto pendência estritamente argentino-inglesa,
não nos tocava absolutamente intervir.
Mas em determinado momento ficou claro para mim que a
Rússia comunista havia posto a mão, apoiando um dos lados. Então me senti
obrigado a tomar posição, pois ficava patente que a Rússia tinha um plano,
um proveito a tirar. E nós não queríamos que ela tirasse esse proveito [77].
A presença de uma força naval da Rússia no Atlântico
Sul - tão distante de seus mares
árticos - e precisamente naquela
hora crítica, punha em xeque aqueles dois países (a Argentina e a
Inglaterra), e não só eles como também a toda a América do Sul.
Essa força naval soviética seria provavelmente
solicitada pela Argentina a prestar ajuda contra os ingleses*.
* Dr. Plinio, na
época, ficou especialmente preocupado diante de notícias como esta,
publicada nos jornais El Día, de Montevidéu e El Universal,
de Caracas do dia 6/4/82:
“A superioridade
militar inglesa pode, eventualmente, obrigar os argentinos a solicitar
ajuda à URSS. Ou, melhor dito, a aceitá-la, pois esta já foi oferecida
através da embaixada russa, enquanto submarinos soviéticos se mantêm à
espera no limite das águas argentinas, pondo em evidência a rapidez com
que essa ajuda possa chegar”.
Se tal ocorresse, os soviéticos formulariam
inevitavelmente suas condições: por exemplo, um condomínio russo com a
Argentina nas Malvinas e a participação das esquerdas argentinas no poder
central da nação [78].
* *
*
Essa simbólica presença naval russa, a despertar a
esperança de um apoio pelo menos diplomático e econômico de Moscou e de
seus satélites à Argentina, o consenso geral não teve dúvida em a
relacionar com as sucessivas visitas de embaixadores da Rússia e da China
à chancelaria argentina, e uma ostensiva aproximação, diretamente em
virtude da ocupação das Ilhas, entre o governo até então militantemente
anticomunista do general Galtieri e as esquerdas argentinas de toda sorte [79].
De qualquer um se poderia esperar que aceitasse esse
apoio, menos precisamente do general Galtieri, o qual, desde empossado,
começara uma ativa repressão anticomunista.
Mas ei-lo que agora aparecia de braços dados com o
embaixador comunista e das nações-satélites, em visitas de cordialidade.
Ao mesmo tempo recebia afagos e acenos do governo de Pequim. E reabria
para os terroristas montoneros exilados o caminho de volta, além de
se pôr a cooperar com tudo quanto era peronista e esquerdista na Argentina [80].
Esses grupelhos de extrema esquerda argentinos, até
então perseguidos e contidos, começaram a se mostrar em conchavos na Casa
Rosada e em missões exteriores de relevo* [81].
* Muitos anos
depois, matéria publicada em O Estado de S. Paulo de 1° de abril de
2012, do correspondente em Buenos Aires, Ariel Palacios, revelou que era
plano da junta militar argentina afundar navios ingleses em Gibraltar, sem
reivindicar o ataque. Batizada de “Operação Algeciras” (Algeciras é
uma cidade espanhola próxima a Gibraltar), ela seria realizada por um
grupo de ex-guerrilheiros montoneros e por militares argentinos,
que viajaram à Espanha para este fim. Os explosivos foram até Madri via
mala diplomática, sendo depois transportados de carro pelo grupo argentino
até aquela cidade do sul da Espanha. Mas a polícia espanhola desconfiou
das pessoas, descobriu os explosivos, arrestou-os, e a missão fracassou.
Tudo isso reforçava a minha idéia de que aquela
história das Malvinas era um jogo para facilitar a entrada de tropas
comunistas russas no continente* [82].
* Onze anos mais
tarde, o próprio Fidel Castro viria confirmar que até Cuba tinha oferecido
tropas ao governo argentino. Em entrevista ao jornal Ambito Financiero,
de Buenos Aires (26/7/93), ele disse “que seu país ofereceu enviar
tropas em apoio à Argentina durante a guerra das Malvinas, em 1982, e
sugeriu então que todos os países que quisessem ajudar, que formassem um
batalhão, ‘uma coalizão de latino-americanos’. Explicou que ‘nós lhes
sugerimos que não se rendessem, que fizessem uma coalizão
latino-americana, que mantivessem a guerra’” (apud Catolicismo
n° 520, abril de 1994).
Também o presidente
Kadafi — que capitaneava e apoiava o terrorismo mundial — prestou
substancial ajuda na ocasião, embarcando secretamente para a Argentina,
durante o conflito, armas num valor superior a 70 milhões de libras
esterlinas, incluindo 120 mísseis soviéticos SAM-7. A informação é do
jornal The Sunday Times (13/5/84), que ouviu o embaixador líbio em
Buenos Aires.
Segundo aquele
embaixador, “o coronel Kadafi ofereceu ajuda incondicional e ilimitada
à Argentina”, acrescentando que “estávamos nos preparando para
abastecer com armas a Argentina enquanto durasse o conflito” (jornal
cit.).
O jornal O
Estado de S. Paulo publicou, em sua edição de 12/11/2006, documentos
secretos liberados pelo governo brasileiro e relativos à Guerra das
Malvinas.
Neles revela-se que
”o governo brasileiro monitorou com preocupação a ajuda militar
soviética prestada à Argentina em 1982”. Os referidos
documentos falavam de abastecimento de armas e de urânio enriquecido à
Argentina e assinalavam a ”intranquilidade das autoridades brasileiras
com a aproximação da Argentina com os países de regime comunista ou
próximos politicamente da União Soviética, especialmente por causa do
abastecimento de armas, disponibilidade de bases aéreas e entrega de
urânio enriquecido”.
O periódico
paulista informou ainda que os russos tentavam disfarçar a origem das
armas soviéticas por meio do fornecimento através de outros países como a
Líbia (cfr. Catolicismo n° 523, julho de 2007).
E o número dois da
KGB, general Nikolai Sergeievitch Leonov, em entrevista ao repórter Igor
Gielow, da Folha de S. Paulo, embora procurando camuflar o vulto
total da participação soviética no apoio aos movimentos insurrecionais
comunistas latino-americanos, a certa altura afirmou: “estávamos
dispostos a ir muito longe, muito mais do que se pensa” (cfr.
FolhaOnline, 13/1/2008).
2. Por cima de direitos nacionais, prevalece o direito de Nosso Senhor
Jesus Cristo
Se as tropas russas desembarcassem na Argentina, sob
pretexto de colaborar em sua defesa, quem obteria que a abandonassem?
Para efetivar agora seus direitos às Malvinas, valia
a pena a Argentina pagar tão imenso preço político? Como católico, como
brasileiro, como sul-americano, eu só podia responder: não valia a pena [83].
O que nós, da TFP, desejávamos era a expulsão dos
russos do cenário sul-americano. E o ponto de nossa luta foi este.
Não tínhamos o direito de ignorar que, perto de nós,
estavam os navios de guerra dessa neta maldita de todas as Revoluções, que
era a seita comunista instalada na Rússia. E este foi o pensamento central
do comunicado que combinamos com a TFP argentina, bem como de toda a nossa
conduta ao longo desses acontecimentos.
Essa conduta consistiu em, por cima de direitos
nacionais legítimos, fazer prevalecer o direito de Nosso Senhor Jesus
Cristo de ser Rei do mundo inteiro, e que os inimigos de Deus fossem
derrotados. Não havia discussão possível sobre este ponto [84].
3. O valente e lúcido pronunciamento da TFP argentina
Em conversa com os dirigentes da TFP argentina, ficou
acertado que era indispensável que ela tomasse uma posição [85]
nessa disputa diplomática entre Buenos Aires e Londres acerca da soberania
sobre as Ilhas Malvinas [86].
E ela a tomou através do documento que La Nación
publicou com um belo destaque no dia 13 de abril daquele ano [87].
Esse documento teve uma repercussão excelente na
Argentina. E mostrava muito acertadamente qual era o jogo que estava sendo
feito [88].
E deixava claro que, se a Argentina viesse a se aliar à Rússia, ou a
aceitar o apoio militar dela, ela iria perder muito mais do que ganhar [89],
pois a sua independência no território continental seria posta em risco,
em troca de uma reconquista de alguns territórios insulares.
Notem bem que a TFP platina afirmava que a soberania
era um direito da Argentina. Mas em seu manifesto ela ressaltava que o
pior inimigo não era o que estava ocupando as Malvinas, mas o que poderia
ocupar o país inteiro, ou seja, a Rússia [90].
E que se a Rússia interviesse do lado argentino, era quase certo que os
Estados Unidos interviriam do lado inglês, desencadeando-se assim o jogo
de todas as alianças.
A III Guerra Mundial ter-se-ia desatado por causa das
Ilhas Malvinas. E a Argentina formando parte do bloco soviético! [91]
4. Erisipela de conflitos: risco da vietnamização da América do Sul
A leitura dos jornais tornava claro que o agravamento
crescente da crise anglo-argentina poderia colocar nosso governo em
circunstâncias de tomar atitudes mais e mais próximas de um envolvimento [92].
Havia o empenho da Rússia soviética em promover
várias guerras simultâneas, que lançassem no caos o bloco populacional
católico maior do mundo [93].
O que por sua vez traria o grave risco de um
reacender do terrorismo, de guerrilhas, agitações e convulsões em todos os
lugares do continente sul-americano em que havia comunistas [94].
Além disso, eu havia recebido um telefonema de
pessoas de nosso Bureau em Washington, dizendo-me que haviam
conversado com personalidades norte-americanas de importância e estas
achavam que os Estados Unidos iriam apoiar a Inglaterra, e que uma ação
bélica era inadiável.
* *
*
Outra série de dados também acabava de me chegar de
nossos irmãos da Venezuela, que apresentavam uma situação com a qual
absolutamente eu não estava familiarizado.
Eles me diziam que a Guiana britânica era
independente, mas fazia parte da Commonwealth. E há nessa Guiana um
pedaço de território que a Venezuela reclama para si.
O Presidente da Venezuela na época, Herrera Campins,
se declarara peremptoriamente favorável à Argentina e contrário à
Inglaterra, deixando entrever que ele queria invadir a Guiana inglesa logo
que pudesse.
De outro lado, a Colômbia tinha uma questão
territorial com a Venezuela, a respeito de uma faixa petrolífera muito
rica. E a Colômbia sempre se considerou dona dessa faixa, sustentando que
a Venezuela a teria ocupado indevidamente. E a Colômbia havia se
declarado, por sua vez, muito contrária à Argentina e favorável à
Inglaterra.
Quer dizer, na eventualidade de a Inglaterra vacilar
nas Malvinas, a Venezuela poderia querer atacar a Guiana. Mas a Venezuela
tinha o problema de que ela poderia ser atacada pela Colômbia.
Obviamente a Inglaterra conhecia todas essas
reclamações da Venezuela contra a Guiana, e sabia bem que, se ela cedesse
nos mares do Sul, enfrentaria outro obstáculo no Norte. E ela corria o
risco de não sofrer apenas isso, porque tinha Gibraltar que é reclamada
pelos espanhóis.
As Malvinas eram então, para a Inglaterra, a chave
que abriria ou fecharia a possibilidade de todos esses outros ataques. E
devia estar fazendo insistências junto aos Estados Unidos para ser
sustentada.
Havia ainda uma roldana contínua de reivindicações
entre nações hispano-americanas: o Equador reivindicava terras que o Peru
ocupa. A Bolívia tinha uma questão com o Chile. Na Argentina havia uma
disputa das Ilhas Beagle também com o Chile.
De proche en proche todas essas
reivindicações podiam pegar fogo [95].
Uma erisipela de guerras poderia se alastrar pela América do Sul, com as
corolárias crises econômicas e revoluções sociais [96].
No fundo ficava aberta a já referida possibilidade de
uma vietnamização da América do Sul.
Vendo tudo isso, compreendia-se o caráter mundial
dessa jogada que se resolvia nos mares da Argentina. Era a política
mundial transplantando seu centro para a América do Sul.
5. Telex ao Presidente Figueiredo
Eu via também que o Brasil, com tantas fronteiras a
sustentar de tantos lados, dificilmente ficaria à margem desse conflito.
Ainda que ficasse diplomaticamente à margem, todos os
esquerdistas brasileiros iam começar a torcer pelo lado comunista dos
outros países, e todos os anti-esquerdistas iriam torcer pelo lado
anticomunista. E o Brasil ficaria dividido.
Eu percebia bem que uma palavra da TFP, jogada no
momento certo e do modo certo, poderia decidir um futuro enorme [97].
Foi então que enviei uma carta ao Presidente
Figueiredo, discorrendo sobre todas essas razões.
Assim, pouco tempo depois que saiu o pronunciamento
argentino, passei um telex ao presidente Figueiredo e mandei texto análogo
ao Ministro das Relações Exteriores, que era então o Sr. Saraiva
Guerreiro, pedindo a ambos que, no balizamento de nossa atuação política,
tomassem em consideração as preocupações da TFP argentina com a entrada da
Rússia no conflito [98].
Nessa carta, eu dizia que uma experiência dolorosa
mostra que quem quisesse resistir à agressão do superpoder soviético teria
de recorrer ao superpoder norte-americano. E seria a
vietnamização
do Brasil e da América espanhola que teria começado [99].
6. Publicação da carta e campanha de rua
A
carta a Figueiredo foi publicada na Folha em
primeira mão, e depois em mais 13 jornais das principais capitais de
Estado*.
* Na Folha de S.
Paulo, essa carta saiu no dia 7/5/82. Poucos dias depois (dia 11), o
presidente Figueiredo viajou para os Estados Unidos, mantendo contato com
o Presidente Reagan e com o secretário de Estado Alexander Haig.
Segundo um
documento secreto do Conselho de Segurança Nacional da época, a que o
matutino O Estado de S. Paulo teve acesso anos depois, Haig e
Figueiredo falaram abertamente sobre o risco de a União Soviética
aproveitar-se do conflito para aumentar sua margem de influência em
relação aos argentinos. E o Presidente Figueiredo afirmou, num desses
encontros, que existia o risco de que o acirramento do conflito fizesse
com que a Argentina pudesse virar o “Vietnã da América Latina”
(cfr. matéria de Marcelo de Moraes / Brasília, in OESP, edição de
3/4/2012).
A TFP lançou em seguida uma campanha de rua
distribuindo um volante que divulgava para o Brasil inteiro essa carta.
|
Sócios e cooperadores da TFP brasileira percorrem as
ruas das principais capitais para anunciar ao público, por meio de slogans e
cartazes, a publicação da carta ao Pres. Figueiredo [acima, em pleno
Viaduto do Chá, em São Paulo].
Na hora do almoço já não se encontram mais nas bancas os jornais que
o estamparam em suas páginas. |
E assim os grossos carrilhões da TFP começaram a
tocar [100].
Estive pessoalmente em alguns lugares dessa campanha
em São Paulo. E pude notar a atitude das pessoas em relação ao nosso
pronunciamento. A impressão que me ficou é que estava tendo um êxito
espetacular.
Sintoma disso foi que, em São Paulo, a tiragem da
Folha de S. Paulo com o nosso manifesto se esgotou rapidamente, até a
hora do almoço, em todas as bancas de jornais. O que significava que a
publicação havia impressionado muita gente [101].
7. Balanço de uma campanha providencial
Na tensão a propósito das Malvinas, o que a mim mais
me afetava como católico, como brasileiro e como homem de tradição, não
era a disputa entre a Inglaterra e a Argentina. Mas a constatação da
lamentável fragilidade de todo o Ocidente face ao imperialismo soviético.
Pois a simples presença de uma força naval da Rússia
no Atlântico Sul, naquele momento crítico, punha em xeque,
simultaneamente, a grande e querida potência sul-americana que é a
Argentina, quanto a ilustre e provecta potência européia e mundial que é a
Inglaterra. Isto a prazo imediato.
A prazo mediato, poderia ter convulsionado toda a
América do Sul, inclusive meu Brasil, e lançado à guerra as superpotências
norte-americana e russa.
Era a esse estado de debilidade que havia chegado o
Ocidente, por obra do calamitoso governo Carter e da dupla détente
norte-americana e vaticana em relação a Moscou.
O verdadeiro conteúdo dessas duas détentes, da
Casa Branca e do Vaticano, foi o afrouxamento. E os soviéticos não se
“distenderam”.
Ora, um afrouxamento unilateral só podia redundar na
derrocada dos afrouxados. E este nos conduziu ao que se passou a propósito
da força naval russa perto das Malvinas.
Minhas simpatias não se deviam voltar, pois, para a
Inglaterra ou para a Argentina, mas simultaneamente rumo à Inglaterra e à
Argentina contra a Rússia soviética.
Paradoxo? De nenhum modo.
De um lado, não se podia pedir à Argentina que
renunciasse às suas tradicionais reivindicações.
De outro, pense-se o que se pensar do valor das
alegações inglesas em favor dos direitos da Commonwealth a essa e
outras possessões, uma coisa não se podia pedir ao governo inglês: era que
naquele momento recuasse ante tais reivindicações.
Também não se podia pedir à Argentina, à Venezuela ou
à Espanha que renunciassem a suas tradicionais reivindicações.
Mas era impossível não discutir a oportunidade da
ocupação militar argentina naquele momento. Porque uma força naval
soviética se encontrava na zona. E isto punha em risco grave a própria
soberania da Argentina no seu território continental [102].
A Rússia evidentemente teria fornecido tropas para
desembarcar na Argentina. E teria tomado comodamente as ilhas Malvinas,
tanto mais que contaria com o apoio logístico das Forças Armadas
argentinas à vontade. Mas os russos não sairiam mais.
Eles imporiam à Argentina um governo comunistóide. E
isso teria agravado prodigiosamente a situação da América do Sul inteira [103].
Se a opinião pública argentina, esclarecida por dois
lúcidos e ágeis comunicados da TFP platina, não tivesse rejeitado
bravamente a colaboração comunista, o módico cupinzeiro comunista
existente em terras platinas teria intumescido desmedidamente, tentando
transformar num gigantesco cupim toda a nação [104].
Os comunicados tiveram portanto a intenção de cortar
o caminho [105]
e torpedear a possibilidade de uma ajuda russa* [106].
* Na já citada
entrevista do alto-funcionário da KGB, general Nikolai Sergeievitch Leonov
à Folha Online, este afirma:
“Eles, os
argentinos, precisavam de mísseis terra-ar, ar-mar e mar-mar, mas não se
atreveram a comprar armamento soviético. Então tentamos fornecer imagens
de satélite da movimentação da Força Expedicionária Britânica no
Atlântico, mas acho que eles desconfiaram dos dados que nós enviamos e os
contatos morreram”. E acrescentou: “Havia um fator ideológico, eles
eram uma ditadura anticomunista, não poderiam introduzir armas soviéticas
no cenário de guerra”.
E o repórter da
Folha acrescentou o seguinte comentário: “Efetivamente, à época da
guerra os britânicos localizaram barcos e submarinos soviéticos perto das
águas do conflito, e bastou essa insinuação de apoio, que nada teve a ver
com as negociações secretas em Buenos Aires, para que grupos como a
Tradição, Família e Propriedade argentinos fossem às ruas para criticar o
até então popular governo em guerra” (cfr. Folha Online,
13/1/2008, cit.).
* *
*
Se isso parou ou não pela voz da TFP argentina, se
encontrou ou não obstáculos no pronunciamento e na publicidade feita pela
TFP brasileira e pelas outras TFPs, pelo menos sofreu grave dano. Não se
pode negar [107].
A Rússia saiu do episódio na postura de um batedor de
carteira apanhado com a mão no bolso da vítima. Isto é, em pleno ato de
intervir, por meio de pressões internas e externas, e movida por seu
expansionismo ideológico, em uma nação sul-americana.
Assim se evitou que os “cupinzeiros” comunistas se
intumescessem perigosamente em toda a América do Sul [108].
1. Com a Nova República, a velha Reforma Agrária
Caiu em 15 de março de 1985 o regime militar. A
Abertura esteve prestes a levar ao poder o Presidente eleito, Tancredo
Neves. A morte deste franqueou a suprema magistratura ao seu companheiro
de chapa, o Vice-Presidente José Sarney*.
* Este tomou posse
no dia 15 de março de 1985.
Naqueles dias, a tempestade agro-reformista irrompia
e se estendia por todo o País [109].
* *
*
Já em maio, o Presidente Sarney apresentou para
debate o 1º Plano Nacional de Reforma Agrária, que ficou conhecido como o
PNRA. Era baseado no Estatuto da Terra.
Ninguém duvidava de que iríamos intervir. Nossa
posição estava mais do que definida nessa matéria. Não éramos
oposicionistas do Governo, pois não tínhamos nada contra ele. Mas na
medida em que o Governo se mostrava a favor da Reforma Agrária de cunho
socialista e confiscatório, neste ponto tínhamos que estar num desacordo
radical com ele. Aliás, o Governo estava farto de saber disso [110].
A CNBB hipotecou público apoio ao PNRA. Os jornais
disseram largamente que o Presidente Sarney estava em íntima conexão com a
CNBB [111].
O pacto reformista entre o governo e a CNBB, selou-o
a nomeação para o recém-criado Ministério da Reforma e do Desenvolvimento
Agrário (MIRAD), de uma figura presumivelmente conhecida nos meios
agro-reformistas, chegada às CPTs e às CEBs, mas perfeitamente
desconhecida do grande público, o Sr. Nelson Ribeiro.
A este não faltaram operosidade, agilidade e garra.
Febrilmente desejoso de efetuar o quanto antes a aplicação integral do
Estatuto da Terra e do PNRA, o novo titular desenvolveu contra a estrutura
agrária vigente, toda a força de impacto de que dispunha.
Arrojou-se a uma série de empreendimentos que
chocaram a tal ponto a classe rural e a opinião pública em geral que,
quando sobreveio em 2 de julho de 1985 o decreto declarando prioritária,
para fins de reforma agrária, toda a área do município de Londrina,
capital agrícola próspera do Estado do Paraná, o Presidente Sarney não só
sentiu a necessidade política de revogar imediatamente o decreto
delirante, como ainda se viu na contingência de voar a Londrina com um
séquito luzidio, do qual faziam parte nada menos que quatro ministros —
entre eles o Sr. Nelson Ribeiro — tudo para recitar o “mea culpa”
do governo ante o mundo agrícola desnorteado e alarmado.
2. Um livro para denunciar o caráter confiscatório e socialista do
PNRA
Mais uma vez estávamos diante do desconcerto geral do
País, e especialmente de tantos lavradores que não sabiam para onde
voltar-se [112].
Então, clamorosamente reclamado pelas circunstâncias
em que vinha afundando o País, tive de redigir, com o Master of
Science em Economia Agrária pela Universidade de Berckeley
(Califórnia), Carlos Patrício del Campo, o livro
A propriedade privada
e a livre iniciativa, no tufão agro-reformista [113],
que fazia uma análise pormenorizada do PNRA, e apontava o seu caráter
socialista e confiscatório, bem como do Estatuto da Terra [114].
A argumentação usada no livro demonstrava que a
eventual aplicação da Reforma Agrária nos termos do Estatuto da Terra e do
Plano Nacional de Reforma Agrária constituiria para o Brasil
impressionante passo no caminho do socialismo.
O novo livro demonstrava também a grave
inoportunidade dessa aplicação, em razão do natural nexo do
agro-reformismo com aspectos da Teologia da Libertação, e portanto com a
crise religiosa que assolava então o Brasil. Havia arrebentado aqui o caso
Boff. E quando Frei Boff foi objeto de medidas da Santa Sé, Bispos
brasileiros assinaram um documento oficial, declarando-se inconformes com
as resoluções tomadas pela Santa Sé* [115].
* Com efeito, no
dia 11 de março de 1985 saía a público a “Notificação” da
Congregação da Doutrina da Fé, aprovada pelo Papa João Paulo II, sobre o
livro Igreja, Carisma e Poder, do então Frei Leonardo Boff, dizendo
que “as opções aqui analisadas de Frei Leonardo Boff são de tal
natureza, que põem em perigo a sã doutrina da fé” (cfr. site do
Vaticano). No mesmo ano, ele foi condenado a um ano de “silêncio
obsequioso”. 17 Arcebispos e Bispos brasileiros se declararam então
expressamente "inconformes" com a medida. Mais tarde, Boff abandonou o
sacerdócio e oficializou sua união com uma mulher divorciada, mãe de seis
filhos.
O livro estava praticamente pronto, mas ainda não
publicado, quando um fato marcante favoreceu a publicação. Desse fato
vamos falar agora.
3. Retumbante intervenção de diretor da TFP
A divulgação do PNRA desencadeou uma chuva de
críticas dos líderes mais em evidência das associações de produtores
rurais, críticas essas que se mantiveram acesas mais ou menos por uma
quinzena.
Porém se notou que, em seguida, elas amainavam,
tendendo a pleitear que o governo pusesse de lado o PNRA, ou pelo menos o
mitigasse, de forma a ajustá-lo ao Estatuto da Terra. Este, sim, deveria
ser aplicado, pois se considerava que a Reforma Agrária nele estabelecida
era justa e boa.
Se esta era a posição dos líderes das associações
patronais, tal não era a dos proprietários em geral, conforme se
manifestou no Congresso que reuniu em Brasília, nos dias 27 e 28 de junho,
cerca de 4 mil agricultores e pecuaristas.
Uma oportuna intervenção do Eng.º Plinio Vidigal
Xavier da Silveira mudou o rumo dos debates, e deu ocasião a que subisse à
tona o descontentamento latente dos fazendeiros, não apenas com o PNRA,
mas em relação ao próprio Estatuto da Terra* [116].
* O congresso fora
convocado pela Confederação Nacional da Agricultura para os dias 27 e 28
de junho de 1985. Os cerca de 4 mil fazendeiros presentes estavam certos
de que ali seriam defendidos os seus direitos ameaçados pelo PNRA.
Mas os discursos
tocavam só de leve sobre esses pontos, e a sessão ia transcorrendo numa
atmosfera mortiça e apagada. Por fim, a mesa passou a ler o documento
final em que ela, embora rejeitando o PNRA, pleiteava absurdamente a
aplicação do Estatuto da Terra, que era a substância do PNRA.
Nesse momento, Dr.
Plinio Xavier tomou o microfone e disse: “Peço a palavra!” E então
manifestou de modo veemente a sua oposição ao documento, dizendo com toda
a firmeza que os fazendeiros estavam ali, não para aprovar o Estatuto da
Terra, mas para lutar contra ele e o PNRA.
Aí o auditório
pegou fogo! E explodiu em aclamações e aplausos entusiásticos, que
cobriram inteiramente a voz da mesa, a qual se sentiu paralisada e
surpresa diante de uma reação com a qual não contava.
A inconformidade
latente dos agricultores tornou-se manifesta, patente e categórica: vários
oradores tomaram a palavra, endossando Dr. Plinio Xavier da Silveira e
declarando de modo veemente o seu repúdio ao agro-reformismo tanto do PNRA
como do Estatuto da Terra. Nessas intervenções foram freqüentes as
críticas à posição da CNBB, da Comissão Pastoral da Terra (CPT) e das
CEBs, bem como à posição concessiva de certos proprietários.
No dia seguinte, a
mesa apresentou outro documento que, embora não elogiasse mais o Estatuto
da Terra, omitia de criticá-lo, em dissonância com o sentir da imensa
maioria dos proprietários rurais presentes.
Mas a reação
despertada pela intervenção de Dr. Plinio Xavier da Silveira sinalizou ao
governo a profunda impopularidade da Reforma Agrária que a Nova República
e a CNBB queriam levar a ferro e a fogo para a frente.
|
Aspectos da
intervenção de Dr. Plinio Xavier e reação do auditório após a mesma
no congresso pela Confederação Nacional da Agricultura |
Tenho como certo que, se essa posição dos dirigentes
rurais tivesse prevalecido, os proprietários iriam sentir no seu bolso a
mão confiscadora do Estado. E aí seria tarde para a classe rural cobrar
isso dos seus líderes, porque todos já teriam ido por água abaixo [117].
* *
*
Na ocasião, sócios e cooperadores da TFP distribuíram
aos assistentes um prospecto anunciando o próximo lançamento de
A
propriedade privada e a livre iniciativa, no tufão agro-reformista, o
novo livro da entidade em preparação.
4. Pontos importantes do livro
De um lado e de outro, as posições estavam tomadas e
a polêmica engajada, o que favoreceu a publicação do nosso livro [118].
Com
freqüência, o PNRA alegava princípios de justiça
para fundamentar o que, de sua parte, a TFP — em uníssono com milhões de
brasileiros — não hesitava em qualificar de confisco agrário. E os mesmos
princípios de justiça, ele os invocava também para denunciar como
radicalmente inaceitável o regime fundiário constituído de grandes, médias
e pequenas propriedades.
Ora, pelo contrário, milhões de brasileiros estavam
persuadidos de que, em si mesmo, nada havia de injusto em tal forma de
distribuição da terra, contanto que a propriedade privada — quaisquer que
fossem as dimensões — cumpria dedicadamente sua função social.
Havia, instalado no Brasil, um desacordo fundamental
e amplamente difundido sobre o conceito de justiça.
Exatamente o conceito de justiça, e suas aplicações
práticas, que eram largamente empregados pela Teologia da Libertação.
Os adeptos da Teologia da Libertação faziam girar
sobre uma concepção radicalmente igualitária de justiça, a parte mais
importante de sua argumentação agro-reformista.
Essa justiça igualitária é oposta ao conceito cristão
bimilenar, segundo o qual pensam os católicos tradicionais contrários à
Reforma Agrária.
Levantando precisamente naquele momento a questão
agrária, o governo não conseguiria evitar uma conexão entre o debate
agro-reformista e o debate teológico-filosófico instalado nos ambientes
católicos.
Envolvendo-se com uma questão de justiça, o governo
laico se situaria assim no centro de uma controvérsia religiosa e
filosófica candente.
No horizonte se ia delineando uma eventual crise
religiosa.
A TFP alertava o governo para o fato básico de que o
Brasil mediano, o Brasil sensato, o Brasil autêntico não queria nem o
Estatuto da Terra, mero resíduo, em plena abertura, de um ato
característico da era militar, promulgado às pressas e sob pressão, com o
consenso de um Legislativo então inseguro e pouco influente.
Uma abertura que impusesse por força de uma
lei de um governo forte, a 130 milhões de brasileiros, uma imensa Reforma
Agrária que a grande maioria deles não queria — e isto sem tempo
suficiente para que eles se informassem, opinassem e debatessem — tal
abertura atentaria contra si mesma, pois deixaria de ser abertura [119].
5. Os agro-reformistas obrigados a mudar de tática
A conduta do governo em matéria agro-reformista
trazia para este a necessidade de mudar de estratégia.
Tal necessidade, imposta pela atitude tanto dos
proprietários como dos trabalhadores do campo, teria obviamente por meta a
reconquista, pelo governo, da popularidade que seu agro-reformismo lhe
fizera perder em largos setores rurais, lhe abalara seriamente em outros,
e lhe valera a desconfiança generalizada em todos os setores do País, quer
no tocante à eficácia da reforma planejada, quer no concernente aos
pendores socialistas — na melhor das hipóteses — do ministro Nelson
Ribeiro.
6. A nova tática: ordas de invasores, sob a batuta de eclesiásticos
Segundo a imagem do País até então apresentada pelo
IV e V Poderes conjugados [ou seja, a mídia e a CNBB], as cidades e os
campos de nosso território-continente estavam sempre mais imersos na
miséria, “os ricos cada vez mais ricos e os pobres cada vez mais
pobres”, segundo os princípios da crítica marxista.
Em conseqüência, uma geral explosão de inconformidade
estaria para estourar no País.
Essa explosão traria derramamentos de sangue
generalizados, cujas principais vítimas seriam os proprietários, menos
numerosos que os proletários, e portanto necessariamente inferiores à
força bruta da imensa massa dos trabalhadores manuais.
|
Aspecto da
invasão da Fazenda Annoni |
Como exemplo, o “caso” característico da Fazenda
Annoni, no Rio Grande do Sul, invadida em outubro de 1985. Nos estandartes
dos invasores soprava o vento de certa Teologia da Libertação, a que
deviam o apoio de tão grande parcela da CNBB.
Todos recomendavam aos fazendeiros uma política de
concessões: “ceder para não perder”.
Em outros termos, fossem os produtores rurais cedendo
lentamente, e conservariam por mais algum tempo a posse — sempre mais
reduzida — dos respectivos bens. Pois estariam matando, aos poucos, a fome
da fera que seria o polvo deste fim de século.
Se o primeiro avança sempre, e o segundo cede sempre,
chegaria um dia em que o primeiro teria ganho tudo, e o segundo teria
perdido tudo.
Em outros termos, o proletariado terá destruído o
patronato, e estará implantada no Brasil uma organização sócio-econômica
sem classes: precisamente a meta comunista.
Agitadores agro-reformistas reunidos por impulso de
numerosos vigários, religiosas, e muitos núcleos de CEBs, há tempos vinham
constituindo hordas de invasores, com o manifesto intuito de tornar a
Reforma Agrária um fato consumado à margem da lei [120].
Eles procuravam justificar suas investidas tomando
por base uma fundamentação doutrinária de aparência católica [121].
Como se fossem planejadas por uma só máquina central,
as invasões de terras costumavam desenvolver-se em zona afetada pela
agitação de católicos de esquerda, em geral intimamente ligados ao pároco
ou ao Bispo.
Depois de algumas negociações (leia-se intimidações!)
feitas com os proprietários, apoiadas, no mais das vezes, pelo vigário ou
pelo Bispo, invadiam desinibidamente o bem alheio.
As “negociações” prosseguiam então — já agora
lideradas pelo padre ou pelo Bispo — e o proprietário, ou abandonava o
local para salvar a própria vida e a dos seus, ou capitulava desde logo,
aceitando ser desapropriado por preço vil.
Não era tão raro o caso de que o proprietário fosse
pura e simplesmente morto pelos “pobres” ocupantes. O que obrigaria a
família a fugir sem compensações a breve prazo [122].
E já começavam a ecoar nas profundidades de nossos
sertões os brados-slogans “pega fazendeiro” [123].
* *
*
Nessas circunstâncias, jogavam um papel decisivo os
homens de Igreja, que deveriam interferir criando uma questão de
consciência para os agressores, que cometiam um enorme pecado ao
apropriar-se dos bens alheios. Porque a propriedade privada está garantida
pelos 7° e 10° Mandamentos da Lei de Deus: "Não roubarás" e "Não
cobiçarás as coisas alheias".
Entretanto, os fatos indicavam que as manifestações
de eclesiásticos - inclusive
Bispos - criavam uma questão de
consciência, não no espírito dos agressores, mas no espírito dos
agredidos, procurando convencê-los de que a justiça, o espírito do
Evangelho - numa palavra, Nosso
Senhor Jesus Cristo - está ao
lado do agressor. O agressor estaria fazendo justiça, e os proprietários
não teriam os direitos que pensam ter [124].
Realizavam-se assim, em cerrada cadência, as invasões
e as ocupações de terras, sob os acesos aplausos da CNBB, com o bafejo de
quase todos os meios de comunicação social, e em presença dos sorrisos
algum tanto embaraçados, mas visivelmente comprazidos, do Poder Executivo [125].
7. Pareceres jurídicos sobre a legitimidade da pronta reação contra os
invasores
Uma das coisas que me chamavam a atenção era que,
muitas e muitas vezes, os proprietários de terra reagiam a essas invasões
com uma indecisão e uma ineficácia notáveis, por não estarem certos de
seus direitos sobre a terra, e nem do direito que tinham de reagir
pessoalmente contra os invasores [126].
Lembro-me de ter comentado com Dr. Plinio Xavier que
os fazendeiros estavam com muito receio de defender suas fazendas
esbulhadas e de sofrer por causa disso uma vindita que poderia ser
eventualmente o cárcere.
O problema que provavelmente havia no espírito deles
era: “Será que a lei penal não contém uma arapuca qualquer por onde, se
nós reagirmos às invasões, vamos parar na cadeia?”
Por causa disso, não havia reação da parte deles [127].
* *
*
Nesse quadro, o que a TFP propôs?
Uma coisa que não era bem conhecida dos fazendeiros
era o fato de que a lei lhes colocava nas mãos a possibilidade de se
defenderem do esbulho de suas terras, sem derraparem para a ilegalidade.
O que eu desejava era, primeiro, que os proprietários
soubessem disso. Segundo, que o Governo soubesse que eles sabiam.
Terceiro, que os mentores da agitação rural também o soubessem. Quarto,
que o Brasil inteiro - que não via isso claro - ficasse sabendo que isto
era assim, para tirar base às explorações que a CNBB, a imprensa
esquerdista e outras instituições de esquerda faziam nessa linha.
O instrumento para isso seria exatamente que juristas
de renome nacional dessem pareceres que mostrassem que o fazendeiro,
turbado ou esbulhado na posse de suas terras, tinha o direito de se
defender até mesmo à mão armada, caso não fosse socorrido pelo Poder
Público.
O ideal seria publicar esses pareceres na imprensa,
rádio e TV, bem como notícias deles serem espalhadas pelas agências
internacionais. Dessa difusão a TFP poderia se encarregar [128].
* *
*
A TFP tomou então contato com alguns fazendeiros [129].
Um dos consulentes foi o Dr. Osmar Peres Caldeira, advogado e fazendeiro
residente em Montes Claros (MG) [130].
Eles se cotizaram para a publicação de Pareceres de
dois eminentes jurisconsultos brasileiros a respeito deste ponto concreto:
uma vez que às portas de uma fazenda se aproximasse uma coluna de
aventureiros pseudo-trabalhadores famintos que ali quisessem se instalar,
qual era o direito que a lei conferia ao proprietário para reagir contra
essas hordas? [131]
Aos jurisconsultos escolhidos sobravam saber e fama
para responder com segurança às perguntas dos fazendeiros. Eram eles o
Professor Silvio Rodrigues, da Faculdade de Direito da Universidade de São
Paulo, e o Professor Orlando Gomes, da Universidade Federal da Bahia.
Seus Pareceres, verdadeiras obras-primas pelo valor
jurídico, pela clareza e pela força de sua argumentação, bem como pelo
cunho firme e cristalino das conclusões a que chegaram, foram datados
respectivamente de São Paulo e Salvador em outubro e novembro de 1985,
respectivamente.
Demonstraram eles que, segundo o Código Civil (art.
502), o legítimo proprietário, desassistido da autoridade policial, tem o
direito de defender-se, e às suas terras, contra o esbulho dos invasores e
ocupantes agro-reformistas — o que pode fazer inclusive à mão armada
quando necessário [132].
|
Os pareceres
de juristas eminentes - que garantem aos fazendeiros o uso da força
em caso de invasão - foram publicados em 87 jornais de todo o País |
A partir de janeiro de 1986, a TFP deu a mais ampla
divulgação aos Pareceres, fazendo-os publicar em 87 jornais de 76 cidades
de 21 Estados [133].
A difusão desses Pareceres, acompanhada de exposições
ou reuniões para fazendeiros e também para trabalhadores rurais manuais,
realizadas por sócios ou cooperadores da TFP em 181 localidades,
repercutiu amplamente no País.
E avivou nos proprietários a determinação de
resistirem, dentro da lei [134].
Começaram a aparecer os casos em que proprietários inconformados,
desassistidos pelas autoridades federais e estaduais, preparavam a
resistência armada com seus próprios recursos [135].
8. Zoeira comuno-esquerdista contra os Pareceres
Era de esperar que a publicação desses Pareceres
fosse acolhida com aplauso geral. Pois outra não devia ser a atitude dos
bons brasileiros diante de proprietários rurais que, postos em situação
sumamente aflitiva, timbravam em defender seus direitos, mas só nos
limites da lei.
Entretanto, larga parcela dos meios de comunicação
social se esmerou em fazer o contrário.
Focalizando com luz desfavorável os fazendeiros que
agissem segundo os Pareceres, puseram-se a clamar que a campanha da TFP
propagava a violência nas vastidões do ager brasileiro.
Comentário absolutamente tão descabido como o de quem
alegasse que os guardas de proteção postados nos edifícios bancários para
a defesa das pessoas e bens ali presentes, constituíssem foco de violência
nas cidades.
Violência! Obviamente há uma violência injusta: é a
de quem ataca os direitos conferidos pela Lei de Deus e pelas dos homens.
E há uma violência justa, a qual constitui um direito, e conforme o caso
até um dever: é a dos que defendem seus próprios direitos, ou ajudam seu
próximo a agir do mesmo modo quando atacado.
Vociferando indiscriminadamente contra qualquer
violência, em notícias acerca de fazendeiros dispostos a defenderem seus
direitos, tais órgãos de comunicação social apenas tinham palavras de
simpatia e de encômio para os esbulhadores, mesmo quando usavam de ameaça
ou de violência efetiva contra o proprietário rural.
Essa contradição só se explicava em função da máxima
do comunista francês Proudhon: “A propriedade, eis o roubo”. Máxima
esta que ecoa a seu modo em toda a literatura comunista, de Marx até
nossos dias.
Mas a opinião pública não se deixou arrastar por
essas vozes enganosas. E não houve quem — fora dos ambientes da esquerda
católica, do PCB e do PC do B — tomasse a sério essas acusações. E era
fácil perceber que, uma vez difundidos os Pareceres, os fazendeiros que
agissem segundo eles teriam a compreensão decidida do Brasil inteiro.
E assim se evitou que hordas de agitadores dessem,
por sua própria deliberação, como abolidos, dispositivos essenciais do
Código Civil e do Código Penal. Pois se a estas hordas se reconhecesse
esta exorbitante atribuição de revogar a lei, e de a substituir por outra
estabelecendo precisamente o contrário, o Brasil teria soçobrado na pior
das ditaduras, que é a do populacho criminoso, e dos enigmáticos
revolucionários que o manipulavam detrás dos bastidores, nas grandes
convulsões políticas e sociais, das quais foram sinistros paradigmas a
Revolução Francesa de 1789 e a Revolução comunista de 1917.
Como sempre, também essa propaganda, de tão ampla
envergadura, foi levada a cabo pela TFP na maior ordem e na mais estrita
conformidade com as leis humanas e divinas. O que valeu à entidade
atestados de delegados, prefeitos e outras autoridades municipais,
comprobatórios da conduta modelar dos sócios, cooperadores e
correspondentes da TFP. Atestados estes que vieram juntar-se a outros
análogos, gloriosos trunfos de anteriores campanhas, atingindo o total de
4.317 certificados do gênero.
9. Decrescem as invasões: CNBB baixa o tom
Com expressiva simultaneidade, as invasões e
ocupações foram caindo de número, a ponto de, em certo momento, parecerem
cessadas!
Mas o declínio das invasões e das ocupações parece
ter feito ver a nosso Episcopado — agro-reformista fogoso, desconto feito
de raras e nobres exceções — que o povo não o acompanhava.
O fato é que gradualmente diminuiu o número das
declarações e “façanhas” agro-reformistas aparatosas, e a CNBB pareceu
calar-se quase por inteiro sobre o grande tema, até há pouco tão de sua
predileção.
Deu-se isto porque a proximidade das eleições de 15
de novembro teria sugerido à CNBB concentrar-se na orientação do
eleitorado acerca da Constituinte? [136].
1. Uma cascata de inautenticidades contra o Brasil católico
Pouco depois de
amainadas as invasões, li a notícia de que o povo brasileiro fora
convocado para escolher uma Assembléia Nacional Constituinte, que
funcionaria concomitantemente como Congresso nacional (Câmara e Senado) [137].
Uma vez chegado o
período eleitoral, começou um estilo de propaganda, o mais lamentável
possível [138].
A propaganda que os políticos faziam costumeiramente era da respectiva
cara.
Era uma cara com
bigodinho, sorrindo, ou outra cara com olhar wagneriano, como quem
prometesse ao Brasil um futuro gigantesco. E daí para fora.
Eram caras, caras e
caras; nomes, nomes e nomes... e só. Eles não apresentavam nenhum
princípio, não davam nenhuma meta, não articulavam nenhum programa [139].
Lembro-me de ter visto,
na campanha para a Constituinte, um desses cartazes de propaganda com a
cara enorme de um homem, e apenas os dizeres: "Fulano de tal é federal" [140].
Mais nada. A cara dele era o único argumento para ser eleito [141].
O mandato popular para
fazer a nova Constituição foi conferido, na maior parte dos casos, a
cidadãos brasileiros acerca dos quais o eleitorado ignorava o que pensavam
no tocante aos grandes problemas nacionais [142].
E isto concorreu gravemente para a inautenticidade daquele pleito [143].
O alheamento entre o povo e os candidatos, daí
decorrente, era tão grande que foi impressionante o número de votos em
branco ou nulos [144].
A classe política não tinha o entusiasmo de ninguém no Brasil [145].
* *
*
A essa carência de
representatividade congênita veio somar-se outra, decorrente do
funcionamento tumultuado e anômalo da própria Constituinte, em que as
inautenticidades se sucediam em cadeia.
O plenário era menos
conservador do que o eleitorado. As comissões temáticas eram mais
esquerdistas que o plenário. E a Comissão de Sistematização (que
coordenava o trabalho preparado pelas comissões temáticas) apresentava a
maior dose de concentração esquerdista da Constituinte.
E, assim, uma minoria esquerdista ativa, articulada,
audaciosa ameaçava arrastar o País para rumos não desejados pela maioria
da população [146],
numa atmosfera de caos marcada pelo pipocar dos insultos, pelo estalido
das taponas, e pelas querelas decorrentes das insuficiências dos prazos
regimentais.
Os que me conhecem pessoalmente sabem que não sou
“queixoeiro” nem pessimista. Mas não havia setor da vida nacional em que
alguém não estremecesse na antevisão dessas reformas que abalavam tudo,
desde a segurança e incolumidade do Poder Judiciário, que deveria ser
intangível, até a integridade e a própria existência da família, ameaçada
de deixar de vez de ser uma realidade, para ficar reduzida a mera ficção
literária de mau gosto [147].
2. Necessidade urgente de intervir: “Projeto de Constituição angustia
o País”
Impunha-se fazer um estudo que versasse ao mesmo
tempo sobre a representatividade da Constituinte então eleita e sobre o
Projeto de Constituição que ela estava elaborando.
O resultado desse estudo
foi o livro
Projeto de Constituição angustia o País, que concluí em
outubro de 1987 [148],
quando os trabalhos da Constituinte atingiam o seu clímax [149].
Após exaustivo trabalho
de coleta e análise dos dados disponíveis, o estudo versava não só sobre a
representatividade da Constituinte, como também sobre o Projeto de
Constituição em elaboração, bem como o desfecho que se podia vislumbrar
ante o eventual divórcio do novo texto constitucional em relação ao
pensamento majoritário da Nação [150].
3. Algumas propostas fundamentais do livro
Mostro no livro que esse
projeto de Constituição estava dando um grande passo rumo à socialização
integral do Brasil, sobretudo em relação à desagregação da família e ao
minguamento da propriedade particular [151].
E faço severas admoestações e observações, não contra o regime, mas contra
o modo pelo qual este vem sendo vivido por nós. Porque, salvo as
raríssimas exceções, a classe política é, entre nós, a-ideológica [152].
Como resolver a complexa e espinhosa situação de
inautenticidade constitucional assim criada?
Que os Constituintes votassem uma Constituição
dispondo sobre a organização política do País, segundo uma linha geral em
que facilmente se poderia conseguir o consenso notório de toda a
população. A parte sócio-econômica seria deixada pela própria Constituição
para outra Assembléia, a ser eleita com poderes constituintes especiais
para dispor sobre tal. O que lhe evitaria de atirar o País num dédalo de
complicações fatais para a boa ordem, o desenvolvimento, e quiçá a
soberania dele.
Era para evitar à nossa Pátria essa catástrofe por
antonomásia que a TFP, em espírito de concórdia e de cooperação, dirigia
esse brado de apelo e essa cordial proposta aos senhores Constituintes.
Como tal não ocorreu, o divórcio entre o País legal e
o País real foi inevitável. Criou-se então uma daquelas situações
históricas dramáticas, nas quais a massa da Nação saiu de dentro do
Estado, e o Estado viveu vazio de conteúdo autenticamente nacional.
As correntes de esquerda conseguiram envolver a
maioria conservadora, de forma a fazer prevalecer os pontos de vista delas
e incluir na Constituição dispositivos que implantavam no País as Reformas
Agrária e Urbana, ao mesmo tempo que abriam caminho para a Empresarial
- as duas primeiras com o apoio
oficial do Poder Executivo, e a terceira com claras simpatias em altas
esferas políticas e publicitárias.
O livro levantava
reparos a outros tantos dispositivos de capital importância, como sejam a
aniquilação do matrimônio e da família legítima; prejuízos causados à
multiplicação da espécie, ao livre exercício da profissão médica, à
organização do ensino etc. [153].
4. Um dos livros mais complicados
que eu já tenha escrito
Não se pode calcular o
trabalho que me custou fazer este livro [154].
A dificuldade estava em encontrar a
maneira de apresentar as coisas que levasse esse jogo a ser outro.
Começava por aí: a democracia era um
conceito político, mas os constituintes queriam entendê-la como uma
atitude social. Democracia seria, por exemplo, uma postura contra a
discriminação racial, contra isso, contra aquilo.
Eu havia estudado Direito
Constitucional e tinha sido uma das poucas matérias jurídicas que me
interessaram.
E eu sabia, daquela época em que
estudei esse ramo do Direito, que essas matérias sociais, segundo os
melhores juristas, não devem fazer parte de uma Constituição. Porque a
Constituição diz respeito só à estrutura política de um país, mais nada.
As outras matérias deviam ser tratadas na legislação ordinária.
Então senti a necessidade de
restaurar no livro o conceito de democracia, como também o de
representatividade.
Repito: nunca havia escrito um livro
que me desse tanto trabalho como esse. Quem lê o livro não faz bem idéia
disso. Pensa que estava tudo arranjadinho na minha cabeça, e que eu fui
pensando e escrevendo. Não é verdade [155].
5. Campanha de alerta de Norte a
Sul
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Início da
campanha de divulgação do livro sobre a Constituinte no centro de
São Paulo |
Sócios e cooperadores da
TFP consagraram-se, durante cinco meses, a difundir a obra por mais de 240
cidades de 18 Unidades da Federação, fazendo escoar os 73 mil exemplares
editados.
Ressalte-se a média
recorde de 1.083 exemplares diários vendidos durante os dezenove dias de
difusão intensiva na Grande São Paulo.
Finalmente, esboçou-se
uma certa reação dos elementos mais conservadores no seio da
Constituinte*.
* Formou-se na
Constituinte um bloco de deputados que se diziam inconformados com os
rumos que a mesma estava tomando, e que recebeu o nome de “Centrão”. É
esclarecedor, a esse respeito, o discurso em plenário do deputado Bezerra
de Melo (PMDB-CE), em 3 de dezembro de 1987, no qual dizia: “Não
concordávamos com os rumos tomados pela Comissão de Sistematização da
Assembleia Constituinte Nacional. E para tanto formou-se o Centrão, cuja
missão dentro do Parlamento é salvar a nova Constituição das graves
ameaças por que está passando” (cfr. Procurando o Centrão: Direita
e Esquerda na Assembléia Nacional Constituinte 1987-88, tese de
pós-graduação de Rafael Freitas, Samuel Moura e Danilo Medeiros, 2009).
Porém faltavam-lhes o
ímpeto e a determinação necessários para reverter o processo descrito no
livro. E o Brasil foi presenteado com uma Constituição que criaria em
seguida toda a espécie de embaraços para a governabilidade do País [156].
O Brasil havia iniciado,
bom grado, mau grado, uma nova etapa de sua História, na qual a caminhada
para a esquerda se tornara compulsória, acelerada.
Resultou gravemente
golpeada a instituição cristã da família, bem como profundamente
danificadas, em muitas de suas características mais essenciais, a
propriedade privada e a livre iniciativa [157].
A alvissareira
abertura de ontem nos conduziu à terrível “apertura” de hoje.
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Aspecto da
campanha de difusão do livro sobre a constituinte no centro de São
Paulo |
1. Numa primeira fase, candidatos chocantemente esquerdistas
Na eleição presidencial
seguinte, as três primeiras grandes candidaturas foram de políticos
notória e até chocantemente esquerdistas*.
* Apresentaram-se
inicialmente como candidatos nessa eleição, entre outros, Luiz Inácio Lula
da Silva, Leonel Brizola e Mário Covas. Foi também candidato Ronaldo
Caiado. Só mais tarde apareceu a candidatura Collor.
Isto explica que incontáveis brasileiros tivessem
feito grise mine ou até faccia feroce diante da perspectiva
de os candidatos irem sendo escolhidos dentre líderes
político-partidários, por equipes estritamente político-partidárias. Tudo
sob o bafejo da esquerda [158].
* *
*
Aí o Sr. Ronaldo Caiado
teve sua candidatura lançada pelo presidente regional da UDR paraibana
(cfr. Folha de S. Paulo, 11/5/88) [159].
E foi, durante bom tempo, um "favorito", um campeão para o Grande Prêmio
Presidência da República, senão de toda a mídia, pelo menos de grande
parte dela.
Houve depois considerável retrocesso de alguns
candidatos. E o retrocesso mais considerável foi o do Sr. Ronaldo Caiado.
Segundo as pesquisas de opinião, ele estava colocado nos últimos lugares.
E as duplas de
propagandistas da TFP que percorriam o interior do País confirmaram tal
retrocesso, através dos contatos mantidos no próprio meio de onde se podia
esperar que lhe viesse maior apoio, isto é, o ruralista.
O mito, a aura de invencibilidade jovem, jubilosa e
irreversivelmente triunfante que se havia constituído em torno dele,
encontrava-se dessa forma desfeita pelos fatos.
A TFP está certa de que
seus numerosos alertas (sem réplica da parte do Sr. Caiado), a respeito da
política suicida do "ceder para não perder" adotada pelo então
presidente da UDR, contribuiu em larga medida para o desestufamento desse
mito, que ia conduzindo a classe rural, talvez irreversivelmente, e com
ares de vitória, abismo abaixo [160].
2. Perplexidade do eleitorado e perguntas à TFP
No imbroglio político de então, o afã de
conhecer a opinião da TFP se manifestou. Dos mais variados lados se nos
perguntava, com confiança tocante, qual seria o candidato mais desejável.
Ou, antes, qual o menos indesejável.
Por vezes, a mesma pergunta se voltava contra nós,
com certo cunho de intimação: que candidato potável a TFP tinha para
propor? E, se não o tivesse, que solução ela encontrava para tirar o País
da perigosa mixórdia em que parecia ir soçobrando?
Que solução apresenta
então a TFP? Que o país recorra às cúpulas das grandes associações de
classe? Tal proposta, a TFP não a faria. Pois, ao longo dos debates da
Constituinte, as cúpulas profissionais que falaram, o fizeram quase sempre
no sentido de favorecer o esquerdismo do plenário constitucional que tanto
já se ia extremando neste sentido. Ou, então, se assinalaram na prática da
ruinosa política do "ceder para não perder", isto é, do ceder muito,
diante das esquerdas, para tentar não perder tudo... E quando não agiram
assim, foi porque se calaram completamente [161].
3. Collor: candidatura-surpresa muito bafejada pela mídia
Nesse clima despontou
uma nova figura, a de Fernando Collor de Mello [162],
que se apresentou como se fosse um campeão de corrida que havia entrado no
páreo eleitoral.
Neto de Lindolfo Collor,
político gaúcho muito saliente na era getuliana, ligado por vínculos
familiares mais ou menos desfeitos, como por vínculos familiares atuais,
ao grande capitalismo, ele próprio um capitalista de considerável fortuna,
o nome de Fernando Collor começou a despertar em certos setores
brasileiros a esperança de que viria a representar uma solução centrista,
com alguma tendência à direita, para a solução da situação caótica que
submergia o País.
Começava entretanto a cercá-lo uma “aura” parecida
com a que há pouco havia favorecido Caiado. E a mídia projetava dele a
imagem de pessoa resplandecente de otimismo, de êxitos passados e de
esperanças para o futuro. E de pessoa que trazia em si uma como que
promessa “evidente” de vitória.
* *
*
Não era minha intenção,
nem da TFP, impugnar a atitude dos que consideravam a presença de Collor,
na lista dos mais cotados presidenciáveis, como representando certa
distensão e certo alívio quanto à pressão das esquerdas.
Mas vi que era preciso
tomar cuidado. Eu sustentava que era necessário acompanhar com atenção o
que ele dizia, para ter idéia exata do voto que se iria dar.
Collor me parecia, de
fato, um candidato preferível aos outros.
Mas, daí a depositar
nele — como se fosse um candidato talismânico — a confiança cega, presente
em certas formas de entusiasmo sugeridas por elementos das comunicações
sociais, isso se me afigurava excessivo.
Esse utopismo otimista
poderia marcar a atmosfera do primeiro período de governo. E acabava
beneficiando prematuramente um novo Presidente de República com uma carga
de confiança que ele talvez merecesse... mas que talvez não merecesse.
Meus comentários não
eram anti-Collor. Eram comentários pró-Brasil. Comentários que convidavam
portanto à vigilância e à atenção.
Eles não desviavam votos
de Collor. Apenas procuravam atenuar fanatismos que facilmente se poderiam
tornar excessivos [163].
4. TFP toma posição e o debate se ideologiza
Veio então o primeiro
turno das eleições, com Fernando Collor obtendo vantagem considerável (por
volta de 12%) sobre o segundo colocado, Luís Inácio Lula da Silva.
Em quem votar no próximo
turno da eleição, de dramática importância para o País?
Eu não podia deixar sem
resposta as numerosas perguntas que neste sentido me chegavam, não só dos
sócios, cooperadores e correspondentes da TFP, como de bom número de
simpatizantes de todo o Brasil.
Isto se tornou ainda
mais premente à vista do fato de que Lula, interrogado pela Folha de S.
Paulo (18/11/89) sobre se era verdade que tinha o apoio da corrente da
Teologia da Libertação, respondeu que não havia nenhuma novidade nisso. E
que todo mundo sabia que havia um setor progressista da Igreja que apoiava
a campanha dele.
Lula terminou por dizer
que Collor deveria ficar com o pessoal da direita da Igreja, e que ele
ficaria com o da esquerda.
Essas declarações justificavam completamente uma
tomada de posição nossa, não só entre as candidaturas Collor e Lula, como
também ante a Teologia da Libertação e as CEBs.
* *
*
Não era minha intenção
dar à voz da TFP outro alcance senão o de um conselho fraternalmente
oferecido por membros do laicato católico a membros do laicato católico,
acerca do segundo turno da eleição presidencial. Redigi então um
manifesto.
Eu lembrava nesse
manifesto que, enquanto a TFP defendia o princípio da propriedade privada
e o sistema de livre iniciativa, as CEBs eram adeptas do sistema
socialista de inspiração confessadamente marxista.
E frisava que a anterior
figura política de Lula, sempre marcada por uma nota esquerdista, havia se
radicalizado ao longo da campanha. Resultava isto do fato de as CEBs terem
tomado vulto preponderante nas fileiras do “lulismo” e do PT. CEBs nas
quais o público via um caráter radicalmente esquerdista.
Em vista de tudo isto eu
recomendava no manifesto, a todos os eleitores com opiniões consonantes
com as da TFP, que não dessem seu voto a Lula. E que a alternativa era
votar no candidato Collor.
Eu deixava bem claro que
a meta da TFP não era oferecer votos a ninguém. E que ela não via na
candidatura Collor senão uma contingência a ser aceita quase
automaticamente pelo eleitor, quer centrista, quer direitista, pois
decorria de modo inexorável da candidatura Lula.
O fato é que, depois
desse comunicado, o conflito ideologizou-se, ficando Lula de um lado, e de
outro Collor. E um certo anticomunismo começou a novamente se definir no
Brasil* [164]
* Este manifesto
foi publicado na
Folha de S. Paulo, 29 de novembro de 1989, no
caderno Exterior, p. A-7, sob o título
Face à dramática situação
do Brasil, a TFP toma atitude entre as candidaturas Collor de Mello e
Lula, como também ante a Teologia da Libertação e as CEBs.
5. Processo contra a “Folha” e ameaça de
processo contra Dr. Plinio
Depois de publicado esse
comunicado, li na imprensa que o Procurador Geral da República em Brasília
moveu um processo criminal contra a Folha de S. Paulo, na pessoa de
seu diretor, Otávio Frias de Oliveira, pelo fato de o jornal ter publicado
um pronunciamento a favor do Collor e contra o Lula.
Razão: a lei eleitoral
considerava crime, passível de um a cinco anos de prisão, o responsável
por uma entidade que não fosse um partido político, se pronunciar a favor
de um candidato durante o período eleitoral.
Percebi logo que queriam processar-me a mim também.
Se processassem o Frias, o processo sairia contra mim também.
Ele tinha publicado, e eu tinha escrito. Era o mesmo
“crime” para quem escreveu e para quem publicou. Sem saber, eu tinha
cometido esse “crime” [165].
Passou-se mais ou menos
um ano [166]
e no fim o tribunal criminal declarou absolvido o Sr. Frias e, com
surpresa para mim, mandou-me um ofício muito gentil, comunicando-me essa
absolvição e dizendo que a lei que proibia essas intervenções eleitorais
já não tinha mais aplicação em vista da Nova Constituição [167].
NOTAS
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