Plinio Corrêa de Oliveira

 

 

Minha

 

Vida Pública

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Parte VIII

O grupo de “Catolicismo” e suas lutas na década de 1950

 

 

Capítulo I

A “Natimorta”

Nossa primeira bombarda contra a Reforma Agrária deu-se em 1951.

Dom Jaime Câmara, Cardeal-Arcebispo do Rio de Janeiro, havia passado uma circular confidencial a todo o Episcopado, pedindo vivamente uma Reforma Agrária que, segundo o que ali se dizia, resultava em confisco [1].

Essa circular, segundo S. Emcia., era um projeto de futura pastoral coletiva do Episcopado, e continha a minuta de uma Reforma Agrária, a mais descabelada que eu tenha conhecido. Isto em 1951!

A tese essencial era a de que os homens não podiam se considerar proprietários das coisas: somente Deus é o proprietário da terra, de sorte que o homem, mero administrador, deve administrá-la em favor da coletividade.

Era preciso, portanto, fazer uma Reforma Agrária em que cada terra fosse trabalhada pelas próprias mãos de seu proprietário. Ninguém poderia possuir uma extensão maior do que a que ele pessoalmente pudesse cuidar.

Para remediar um pouco o inconveniente da pulverização da propriedade, o documento dizia que as pequenas propriedades poderiam se federar formando algo como os kolkhozes na Rússia soviética [2].

*   *   *

Combinamos então com Dom Sigaud e Dom Mayer de elaborar uma réplica, também confidencial, e enviá-la a todos os Bispos do Brasil, objetando contra as teses de Dom Jaime Câmara*.

* Esse estudo foi entregue no Palácio São Joaquim, do Arcebispo do Rio, mediante protocolo, no dia 23 de junho de 1951.

Os Bispos ainda não estavam preparados para as pregações e os desmandos da esquerda católica, movimento esse que apenas começava a colocar a cabeça de fora.

Eles se chocaram muito com a circular de Dom Jaime [3]. Cerca de vinte Bispos se negaram a assinar. Logo em seguida veio uma chamada de Roma em Dom Jaime Câmara, e a Pastoral que ele projetava não saiu [4]. E Dom Jaime entendeu que era preciso deixar a poeira e o tempo passar sobre o episódio, para depois, mais tarde, começar outro esforço pela Reforma Agrária.

Essa circular de Dom Jaime Câmara passou a ser chamada entre nós de Natimorta, porque, apenas saída da mente de Dom Jaime para o tinteiro, morreu.

Então, em 1951, foi o primeiro brado do grupo, através dos dois Bispos, contra a Reforma Agrária.

Se a Reforma Agrária tivesse sido aprovada em 1951, é mais ou menos certo que o Brasil há muito tempo seria comunista. Se naquela época o Brasil tivesse ficado comunista, dificilmente não estaria comunista também a maior parte dos países da América espanhola. E se esse imenso bloco de nações tivesse se tornado comunista, o comunismo teria podido tomar conta do mundo [5].

Capítulo II

Pastoral de Dom Mayer: a retomada

1. Lançamento e repercussões

Outra medida que sugeri a Dom Mayer foi lançar, como Bispo de Campos, uma Carta Pastoral retomando e defendendo todas as teses do Em Defesa da Ação Católica*.

* Foi com base nessa sugestão que saiu em 1953 a Carta Pastoral sobre Problemas do Apostolado Moderno. O modo de apresentação dessa Carta Pastoral trazia uma inovação: apresentava uma espécie de catecismo, com as teses erradas em uma coluna à esquerda, e as teses verdadeiras em outra coluna à direita.

Seu lançamento foi anunciado em artigo de primeira página do Catolicismo n° 31, de abril de 1953.

Para a redação dessa Pastoral, Dom Mayer teve ampla e quiçá total colaboração de Dr. Plinio, a se julgar pelo que o Prelado disse em carta ao mesmo Dr. Plinio: “Há outras pessoas, que se reservam horas mais tranqüilas para lerem com vagar meu modesto e seu brilhante trabalho (carta de Dom Mayer a Dr. Plinio, escrita de Itaperuna-RJ em 27/7/53, contendo diversas repercussões da Carta Pastoral — destaques nossos).

A Carta Pastoral teve uma repercussão curiosíssima, quase inesperada, no que toca ao número da correspondência recebida de eclesiásticos brasileiros.

Dom Mayer foi elogiado com calor por 7 Arcebispos, 25 Bispos e 104 sacerdotes, sem contar as cartas de religiosas e leigos de todo o País [6]. No total, foram mais ou menos 250 cartas.

Nessas respostas, ficava claro quanta gente conhecia por experiência própria os erros que a Carta Pastoral condenava. E quanta gente achava a Pastoral benfazeja e muito oportuna. E quanta gente lhe apreciou a doutrina e o método de exposição (sistema de tese errada à esquerda e tese verdadeira à direita)* [7].

* Vale registrar que a Pastoral foi enviada aos Cardeais Dom Carlos Carmelo e Dom Jaime Câmara, bem como a todos os Arcebispos e Bispos das 113 dioceses e prelazias então existentes no Brasil. Responderam 32 Arcebispos e Bispos, e 81 não responderam. Destes, certo número provavelmente não respondeu por não a terem recebido, por causa dos péssimos serviços postais da época. Os demais, ou por um vivo receio de tomar posição, ou por desinteresse, ou ainda por hostilidade.

Do Sr. Cardeal de São Paulo, Dom Mayer não recebeu resposta, apesar de ter-lhe enviado uma dedicatória especial. Tampouco dos Bispos liturgicistas, nem de nenhum dos membros da Comissão Episcopal da Ação Católica, exceto Dom Jaime Câmara, que enviou um bilhete de felicitações, afirmando que estava começando a ler o texto. Mas não se pronunciou depois sobre o total da obra (cfr. Carta de Dom Mayer ao Padre Leiber, 1°/11/53).

*   *   *

Então, divulgação da carta da Santa Sé ao livro Em Defesa da Ação Católica, de um lado; depois um Bispo que retoma aquelas teses todas do mesmo Em Defesa... era para os progressistas uma atitude arrasadora! Ainda mais naquele tempo, em que se considerava medonho dizer que havia cisão no Episcopado.

Aliás, essa cisão é de fato horrível em si mesma. Hoje estamos super-habituados a essa realidade, mas naquele tempo era realmente medonho. E nossos adversários evitavam o quanto possível levar a público o confronto.

Imprimiu-se essa Pastoral e a pequena pré-TFP, então grupo do Catolicismo, começou a fazer propaganda dela.

Nesse tempo eu dava aulas na Universidade Católica, e nos intervalos encontrava o creme dos professores “do outro lado”. E eu via as caras desapontadas. Não ousavam me dizer nada [8].

Houve também uma manifestação de desagrado. Dias antes do 1° Congresso da Padroeira do Brasil, realizado em São Paulo em setembro de 1954, o Sr. Arcebispo de Manaus, Dom Alberto Gaudêncio Ramos, fez um discurso, irradiado para todo o Brasil, em que fazia uma alusão inamistosa, e muito notada pelos ouvintes, à Carta Pastoral de Dom Mayer [9].

*   *   *

Nossos recursos de difusão eram pequenos naquela época, mas sabíamos bem em que mãos colocar essa Pastoral para agitar as águas no meio católico de São Paulo, do Rio, de Belo Horizonte e onde mais pudéssemos atuar. E de fato a colocamos, e a efervescência continuou.

Quer dizer, saíamos de nossa catacumba diretamente para a guerra por Nossa Senhora, e dizíamos como quem toca um clarim: “Aqui está a bandeira da Rainha, de pé de novo! Lutemos, pois!”

2. A tradução italiana

Monsenhor Roberto Ronca

Qual não foi a nossa surpresa quando Dom Mayer recebeu de repente, pelo correio internacional, a Pastoral dele traduzida para o italiano por ordem de Monsenhor Roberto Ronca [10], Arcebispo Titular de Lepanto e Prelado de Pompéia, na Itália, a famosa Pompéia das ruínas romanas. Ele havia traduzido para o italiano a Carta Pastoral, e a havia editado na Itália [11].

Ele empacotou o livro e o enviou a nós sem uma palavra de explicação.

Fizemos uma festa: parecia que íamos colocar fogo na Itália...

Dom Mayer escreveu a Monsenhor Ronca dizendo que noticiamos essa edição italiana na imprensa do Brasil* [12].

* Parece que não estava tão longe da realidade a idéia de que a Pastoral poderia pegar fogo na Itália, pelo que pudemos ler em uma carta de Dom Mayer ao Padre Leiber: “Segundo rumores existentes no Brasil, a tradução de minha Carta Pastoral sobre problemas do apostolado moderno para o italiano, teria dado lugar a polêmicas de caráter político-partidário relativas à apreciação do Governo Democrata Cristão desse país. Tais polêmicas se teriam revestido de um caráter particularmente acerbo, e teriam sido julgadas inoportunas pela Santa Sé. Por esse motivo, a edição italiana de minha Carta Pastoral teria sido retirada da circulação. Não sei bem em que medida essas notícias merecem crédito”.

Em seguida, Dom Mayer explicava: “A minha Pastoral foi traduzida para o italiano sem que eu tivesse disto qualquer notícia”. E acrescentava este comentário: “Que essa tradução de um documento exclusivamente doutrinário tenha produzido eventualmente repercussões de caráter político-partidário num país tão remoto, e de uma cultura tão superior à das jovens repúblicas latino-americanas, é o que nunca imaginei ao escrever minha Pastoral” (Carta de Dom Mayer ao Padre Leiber, 28/4/56).

A Carta Pastoral fora publicado pelo Instituto Editorial Bartolo Longo, de Pompéia. Essa edição, embora impressa em 1954, só chegou ao conhecimento do grupo de Catolicismo em novembro de 1955, conforme notícia desse lançamento no n° 60 de Catolicismo, de dezembro de 1955 (p. 2), o qual traz também notícia de outras edições: na França, pelas revistas Verbe e Cité Catholique; na Espanha, pela editora Fé Integra, de Madri e pelas revistas Cristiandad e San José Oriol, de Barcelona; também em Québec, no Canadá francês. Civiltà Cattolica, revista jesuíta de alta cultura religiosa de Roma, e mundialmente conhecida, publicou em seu número de 15/11/55 um comentário elogioso sobre a edição italiana.

Por causa dessa edição, Monsenhor Ronca foi chamado pelo Cardeal Piazza, representante do Vaticano, que o destituiu do cargo (isto em dezembro de 1955). Ele, Monsenhor Ronca, era direitista e dirigia o serviço de capelania de todas as prisões da Itália* [13].

* O Cardeal Adeodato Giovanni Piazza (1884-1957) acumulava na época os cargos de secretário da Sagrada Congregação Consistorial e de presidente da Conferência Episcopal Italiana.

Sobre o Cardeal Piazza, assim escreveu Dom Mayer ao Padre Leiber, em carta de 3 de junho de 1954: “Estando em Roma com S. Eminência [o Cardeal Piazza], tanto o Exmo. e Revmo. Snr. Bispo de Jacarezinho quanto eu procuramos instantemente informá-lo sobre a situação brasileira, e não encontramos qualquer ressonância para nossas apreensões e preocupações. De outro lado, os fatos não deixam margem a dúvidas quanto à simpatia de S. Eminência por Prelados e Sacerdotes que veem os fatos de maneira diametralmente oposta à do Snr. Bispo de Jacarezinho e minha.

*   *   *

Nossa situação já era então muito mais forte. Não era mais como na época do porão do Legionário, propriedade da paróquia de Santa Cecília, do qual eles podiam nos expulsar.

Éramos donos das nossas sedes, instaladas em casas alugadas por nós. Nem éramos tampouco uma associação religiosa dependente da Arquidiocese. Pelo Direito Canônico, não dependíamos dos Bispos progressistas para mais nada, a não ser no que diz respeito à doutrina e aos bons costumes, no que éramos ilibados. Fazíamos todas as coisas dentro do caminho reto. E eles, boca chiusa! De boca fechada.

Lentamente, lentamente, lentamente a batalha se tinha invertido. E a contra-ofensiva recomeçava em posições bem mais seguras [14].

Capítulo III

Congresso Eucarístico do Rio em 1955

Em julho de 1955 realizou-se no Rio de Janeiro, no aterro do Flamengo, o 36° Congresso Eucarístico Internacional.

Vista da Missa de Encerramento do 36º Congresso Eucarístico do Rio

Como era um Congresso Internacional, vinham personalidades de todos os países. E calculamos que seria uma boa ocasião para projetar a imagem do jornal Catolicismo junto ao público.

O Congresso em si era controlado pela ala progressista, e nós estávamos fora da organização*.

* O verdadeiro organizador do Congresso, escolhido pelo Cardeal Dom Jaime Câmara, foi Dom Helder Câmara, Bispo auxiliar do Rio, o qual já era então um destacado líder e propulsor do progressismo e da Ação Católica no Brasil.

Dom Helder na instalação de placa alusiva ao Congresso

Nessa ocasião montamos ali um stand. Foi instalado numa Escola Pública, cujo prédio nos foi emprestado por inteiro [15].

Pusemos uma faixa enorme de propaganda do Catolicismo, dando para a esplanada. E quando, às noites, realizavam-se as reuniões do Congresso, um projetor de luz ia passando pela faixa, chamando assim a atenção dos Bispos, dos padres e dos leigos que estavam lá.

Dom Mayer, bem corajoso, sentado impávido no meio dos Bispos, ia vendo que vários deles estavam detestando. Mas o cumprimentavam: “Dom Mayer, como vai?” Não havia clima para dizerem nada [16].

Havia, portanto, uma espécie de dissidência. E o grupo aí já era grande.

Tudo isto servia para levantar o nosso estandarte. Era um show, produzia um rebuliço colossal e marcava a nossa presença.

Os rapazes mais novos do nosso grupo faziam propaganda de Catolicismo no meio dos congressistas. Muitos se interessaram e começaram a freqüentar o nosso stand. Fizemos na ocasião muitas relações com membros do Episcopado latino-americano, bem como com personalidades de vários países e de vários Estados brasileiros.

*   *   *

Nosso QG era na tal Escola. E em alguma medida também no Hotel Glória, no qual o grupo da Vieira, da Martim e os demais colaboradores nos hospedamos.

O hotel estava lotado do que havia de mais conhecido em São Paulo e nos outros Estados.

Chegada a hora do almoço e do jantar, eles viam aquela mesa enorme de congregados marianos (não tínhamos outra qualificação oficial). Entrávamos todos juntos [17], com distintivo mariano, fazíamos o Nome do Padre como se fosse num convento, rezávamos e depois nos sentávamos.

Nessa ocasião, tomamos contato com um mundo de Bispos de fora. E os convidávamos para conversas.

Os que pareciam dar mais esperanças, convidávamos para almoçar ou para jantar no Hotel Glória. O que também contribuía para impressionar o público do Hotel Glória: rodas de sete ou oito Bispos, almoçando ou jantando com vinte homens leigos... não estavam habituados a ver nada daquilo.

O Congresso Eucarístico representou um triunfo enorme. Mas representou também uma lição para nós. Acreditávamos que a crise religiosa era mais brasileira, pois não tínhamos informação do exterior.

Mas percebemos a tibieza, a moleza, a indiferença doutrinária e às vezes coisa pior.

*   *   *

Vários jovens do Rio, nessa ocasião, começaram a entrar para o nosso grupo. Depois levavam irmãos, primos, amigos à sede e aí o grupo do Rio de Janeiro começou a florescer.

Capítulo IV

Formação dos primeiros grupos

1. Expansão: viagens de propaganda pelo Brasil

Mesmo antes do Congresso Eucarístico, o jornal Catolicismo era utilizado como meio de recrutamento.

Os rapazes do grupo da Martim começaram [18] a realizar uma série de viagens pelo Brasil afora, com muita dedicação e capacidade de ação [19], fazendo propaganda do Catolicismo nas Faculdades, nos colégios e em diversos outros ambientes, recolhendo nomes de simpatizantes [20].

E assim começou a fundação de núcleos de Catolicismo pelo Brasil afora [21], formando-se vários grupos [22].

2. Semanas de Estudo: consolidação dos grupos novos

Primeiras Semanas de Estudo

Surgiu então entre eles a idéia de organizar um movimento. Eu já tinha essa idéia em mente, e então lançamos uma Semana de Estudos [23], para a qual convidamos nossos simpatizantes dos outros Estados. Foi a 1ª Semana de Estudos de Propagandistas de Catolicismo, realizada em 1953. Dessa primeira Semana de Estudos participaram seis pessoas de fora.

À primeira vista, parecia um esforço completamente insensato. Como querer espalhar-se para outras cidades do Brasil, se já era tão difícil formar grupo em São Paulo? O que dizer dessa tentativa de grupos no Rio de Janeiro, em Belo Horizonte, no Rio Grande do Sul, no Ceará, na Paraíba?

Nas escadarias do Teatro Municipal de São Paulo, onde se deu o encerramento da VII Semana de Estudos em 1959

Seguiram-se outras Semanas de Estudo [24], e as fazíamos seriamente para oito ou dez pessoas vindas de fora de São Paulo. E julgávamos um resultado importante [25].

Aspecto do I Congresso Latino-Americano de Propagandistas de Catolicismo, realizado em 1961 no Hotel Pavani , Serra Negra, ao qual compareceram 400 pessoas

Essas Semanas de Estudos atingiram o seu auge no Congresso de Serra Negra (1961)*.

* Ele ficou conhecido como o I Congresso Latino-Americano de Catolicismo, e realizou-se entre os dias 25 de janeiro e 1º de fevereiro de 1961, no Hotel Pavani, da cidade de Serra Negra, estância hidromineral muito conhecida do Estado de São Paulo.

A ele compareceram, além dos brasileiros, cerca de vinte participantes de fora do Brasil, iniciando-se assim a expansão de nossos ideais para além de nossas fronteiras.

Na época, esse congresso representou um grande sucesso, tendo a ele comparecido cerca de 400 pessoas [26], vindas inclusive de outros países latino-americanos*.

Nota em "O Estado de S. Paulo" anunciando o Congresso de "Catolicismo" de Serra Negra

* Foi um congresso tão momentoso, que deixou incomodado Dom Helder Câmara, o qual o chamou de "reunião clandestina".

Interpelado o Cardeal Jaime Câmara por Dom Sigaud e Dom Mayer, em carta de 24/6/61, a respeito desse dito caviloso de seu Bispo Auxiliar, o Cardeal do Rio encaminhou no dia 24/7/61 cópia da resposta do próprio Dom Helder, que assim se justificava:

"Quando aludi à 'reunião clandestina' de Serra Negra não o fiz pretendendo exercer qualquer missão fiscal ou supervisora do Episcopado, atribuições que seriam absurdas e ridículas", lembrando a seguir que "ocorrera também a publicação de 'Reforma Agrária, questão de consciência', fato que não era muito propício a uma melhor sintonização entre todos nós".

Era uma reunião tão "clandestina", que foi matéria dos jornais O Estado de S. Paulo [25/1/61, pág. 15], Diário de S. Paulo e Diário da Noite de 24/1/61, que noticiaram a realização desse congresso, destacando a chegada à capital paulista das delegações de Medellin (Colômbia), Quito (Equador) e Santiago (Chile).

As Semanas de Estudos estão, de fato, na origem da fundação dos principais grupos do Brasil [27].

3. Delineia-se o Movimento de “Catolicismo”

Desde logo a Providência suscitou em vários lugares alguns primeiros fundadores capazes de escorar o peso de um grupo local, na etapa inicial desse grupo.

Esses rapazes vinham a São Paulo durante o ano, em visitas ou para as Semanas de Estudo, e aqui chegando participavam da vida cotidiana de nossas sedes e eram preparados para entrar dentro daquilo que seria a TFP.

Quando voltavam para suas cidades, muitas vezes fincavam — nem sempre, porque houve muitas decepções — uma estaca na qual nosso movimento podia se apoiar.

Frequentemente mandávamos alguém de São Paulo fazer visitas aos núcleos mais distantes. E, por esta forma, fomos constituindo grupelhos de cinco, seis, sete pessoas aqui, lá e acolá. Era um trabalho imenso [28].

A partir daí, nova frente de atividade se abriu: deu-se início ao sistema de viagens periódicas para visitar e consolidar os diversos grupos de outros Estados, fazendo conferências e dando apoio. Eu mesmo fiz algumas viagens dessas [29].

Desse trabalho, todo o grupo de São Paulo participava. Porque, como o grupo era pequeno, o visitante queria conhecer todo mundo. Havia ainda tempo para tudo. Todo mundo falava, todo mundo apoiava, todo mundo estimulava. Era um esforço enorme do conjunto do grupo.

Isto durou anos, num esforço miúdo, mas terrível, que quase não pode ser narrado porque os dados desapareceram, ninguém se lembra mais dos detalhes.

Não seria justo fazer esta história sem realçar a soma enorme de trabalho de todos dentro desse crescimento. Mas enorme! [30]

*   *   *

Saíramos assim da imobilidade absoluta para um crescimento lento, para um crescimento corpuscular. Nós desejaríamos um crescimento imediato. Entretanto o crescimento continuava, mas devagar.

Sentíamos a necessidade urgente de entrar em luta, de agir, de bradar, de clamar. Mas aquela dádiva do Céu pingava gota a gota, num gotejamento que não enchia a concha da mão.

Era preciso, portanto, esperar o dia, que haveria de chegar, em que tudo estivesse pronto e a caminhada pudesse começar [31].

4. Grupo da Aureliano

Nessa fase de expectativa, Nossa Senhora nos favoreceu e começaram a se formar grupos maiores aqui em São Paulo. Esta frutificação se deu de várias formas. Uma delas veio com a fundação do chamado grupo da Aureliano [32].

Como se iniciou esse grupo?

Os bons tratadistas de História, quando falam da história da Igreja, eles naturalmente contam muita coisa bonita. Mas a Igreja tem o elemento divino e o elemento humano. O elemento divino é sempre perfeito. Mas o elemento humano... é humano.

Então, há defecções e outras coisas do gênero na história da Igreja, que é preciso contar também. E o método que os bons historiadores seguem, sobretudo os historiadores católicos, é, na fase anterior à defecção, se a pessoa fez um bem, não ocultar este bem, mas apresentá-lo tal como ele foi. E dizer honestamente: enquanto correspondeu à graça, fez tais e tais coisas boas; depois começou a decair, defeccionou, e fez tais e tais coisas ruins. É sempre a política da verdade que se deve seguir.

Eu tinha na Faculdade de História do São Bento um aluno [33] de estatura entre média e baixa, olhar extremamente vivo, e sempre com um topete louro virado para a frente [34].

Ele se sentava nos primeiros bancos e acompanhava minhas aulas com um interesse extraordinário [35]. Quando eu relatava cenas da Revolução Francesa, ou descrevia fatos da Idade Média, ele se manifestava extremamente receptivo. Eu notava nele o coruscar de uma inteligência privilegiada [36]. Seu nome era Orlando Fedelli.

Ele se revelou dentro de pouco tempo um recrutador de primeira categoria.

Expositor agradável, nas horas vagas mantinha uma conversa que também agradava às pessoas da geração dele. Em pouco tempo recrutou um grupo de pessoas que ele reunia em torno de si para conversarem, contar coisas sérias e engraçadas.

Isto cresceu e atingiu logo vinte, trinta, quarenta pessoas.

Sentimos com alegria a necessidade de alugar uma sede para eles. Os componentes do grupo da Martim forneceram o dinheiro e assim se formou o grupo da Aureliano Coutinho, que tomou esse nome por causa da rua onde ficava a sede*.

* Esta casa existe até hoje, na rua Aureliano Coutinho n° 23, no bairro de Santa Cecília, em São Paulo. Depois foi alugada também a casa geminada, de nº 25, formando um conjunto só.

5. Grupo do Alcácer

Concomitantemente à formação do grupo da Aureliano, vinha nascendo um outro grupo de rapazes composto de alunos do Colégio São Luís, já não mais do Padre Mariaux, que voltara para a Europa.

Esse grupo foi chamado dos Juniores, porque alguns eram irmãos ou estavam na idade de irmãos mais moços dos do grupo da Martim.

Tinham uma sede pequena na rua Martim Francisco n° 518, não muito distante da sede do grupo da Martim*.

* Posteriormente esse grupo passou a ocupar uma nova casa na rua Aureliano Coutinho n° 258, a que se deu o nome de Alcácer, em lembrança do Alcácer do Sal, onde havia se travado uma das gloriosas batalhas da reconquista portuguesa. Desde então o grupo passou a ser chamado de grupo do Alcácer.

*   *   *

Dois ilustres participantes das Semanas de Estudo: os Príncipes D. Luiz e D. Bertrand de Orleans e Bragança, que ingressariam na TFP

Um dos membros desse grupo era habitué das Semanas de Estudo desde muito menino, numa idade quase não regulamentar. Ele vinha trazido por seu pai, o Príncipe Dom Pedro Henrique de Orleans e Bragança, o que lhe abria todas as portas. Chamava-se Dom Bertrand de Orleans e Bragança.

Dom Pedro Henrique tinha sido uma das únicas pessoas que se acercara de nós no momento em que estávamos no fundo do abismo, circunstância da qual eu nunca me esquecerei.

De vez em quando ele me dizia: “Plinio (ele tinha uma pronuncia ligeiramente afrancesada), eu já disse a você, hein? É preciso manter umas vagas para os meus filhos”.

Eu, com toda a alegria, toda satisfação, respondia:

— Dom Pedro, esteja tranqüilo, não faltarão vagas.

O primogênito, Dom Luiz, estava fazendo estudos na Europa nessa época.

Mais tarde, sopraram bons ventos e Dom Luiz, que sempre foi católico praticante, freqüentando os sacramentos, voltou para o Brasil. E com inteira naturalidade entrou também para a TFP, passando a fazer parte desse grupo dos Juniores-Alcácer [37].

*   *   *

O grupo do Alcácer, junto com alguns outros da Aureliano, foi o grupo nosso que com mais brilho agiu na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco.

Dom Bertrand era aluno dessa Faculdade e causou uma certa sensação a notícia de que um Príncipe ia ser aluno lá. Dom Bertrand, com o apoio dos companheiros de grupo, criou tal atmosfera em torno de si, que todos o chamavam de Príncipe. E a passagem de Dom Bertrand pela Faculdade foi muito marcante.

O grupo dos Juniores, em boa parte representado lá, e mais outros do grupo da Aureliano, “pintaram o caneco” dentro das Arcadas*.

* Foram várias as tomadas de atitude, entre elas as seguintes:

1°. Manifesto, em abril de 1961, de repúdio à atuação de núcleos comuno-progressistas em diversas universidades de São Paulo e Curitiba (adesão de 1200 universitários);

2°. Abaixo-assinado, em junho de 1962, de interpelação à JUC para que explicasse declarações a favor de uma ambígua e misteriosa “terceira posição, nem capitalista nem comunista” (os fatos posteriores, de envolvimento de elementos da JUC com a agitação comunista e até com o terrorismo, não deixaram dúvida no público sobre essa “terceira posição”, muito comunista e visceralmente contrária à propriedade privada).

3°. Manifesto Dez afirmações anticomunistas (setembro de 1962), contrárias às agitações e greves da UNE, e a outros acontecimentos favorecedores do comunismo no âmbito nacional e internacional.

4°. Abaixo-assinado, em julho de 1963, ao então deputado democrata-cristão André Franco Montoro, pedindo que definisse de público suas declarações contra o livro Reforma Agrária—Questão de Consciência, declarações estas em que se afirmava, tal como a JUC, adepto a uma terceira-posição nem capitalista nem comunista, mas democrata-cristã. O abaixo-assinado obteve a adesão de 7.400 universitários de várias faculdades.

5°. Manifesto, em outubro e novembro de 1964, que frustrou manobras de membros da JUC e de comunistas, os quais se esforçavam por eleger personalidades esquerdistas como paraninfos dos bacharelandos. Ao fim da formatura, os bacharelandos da TFP distribuíram aos colegas outro manifesto, recapitulando a luta anticomunista que mantiveram nas Arcadas (cfr. Meio século de epopéia anticomunista, Ed. Vera Cruz, São Paulo, 1980)

Os campos estavam tão divididos que a formatura no Teatro Municipal foi acompanhada de palmas e de vaias. A presença de Dom Bertrand e a atuação dos colegas do grupo de Catolicismo cortou a Faculdade de Direito em duas. Foi uma bela realização [38].

Assim, depois de anos e anos sem aparecer ninguém, a árvore começava a frutificar e a florescer. E aquele bairro de Santa Cecília ficou formigando de sedezinhas de membros do grupo de Catolicismo, os quais mais tarde ingressaram na TFP [39].

Capítulo V

“Revolução e Contra-Revolução” (R-CR) — 1959

A definição de um ideário

Em 1959, Plinio Corrêa de Oliveira lança o livro Revolução e Contra-Revolução. O intuito é definir para o público o ideário do movimento que se formara em torno de Catolicismo.  Hoje, com edições no mundo inteiro, é o livro de cabeceira de seus seguidores em países dos cinco continentes. O livro encontra-se online aqui em vários idiomas.

1. Razão de ser da obra

Em 1959, julguei chegado o momento de definir nosso ideário e darmos assim um brado. E o brado adequado pareceu-me ser o livro Revolução e Contra-Revolução, que ficou conhecido entre nós pela abreviatura de R-CR [40]. Nele condenso o essencial de meu pensamento e explico o sentido de minha atuação ideológica [41].

Num Brasil extremamente tranqüilo como o daquele tempo, um tema doutrinário e histórico de grande envergadura era o que se impunha para pormos a cabeça fora d’água [42].

A intenção era publicar e fazer uma larga divulgação do livro no Brasil e no Exterior [43].

Naquela época éramos ainda pouco numerosos: menos de uma dezena de grupos no Brasil que, com o correr do tempo, foram constituindo o núcleo inicial do que seria logo depois a TFP. Era, portanto, uma espécie de pré-TFP que se restringia a publicar o Catolicismo [44].

Era fácil explicar a escolha do assunto. Catolicismo era um jornal combativo. Como tal, devia ser julgado principalmente em função do fim que seu combate tinha em vista. Ora, a quem, precisamente, queria ele combater? [45] Qual era o unum dessa batalha?

Na elaboração desse livro, creio que fui capaz de proporcionar uma resposta unitária a esse problema. E também ao fato de que todo esse caos em que vivemos tem uma só causa profunda, que gera todos os males do mundo moderno, e com personalidade e uma razão de ser próprias.

O nome dessa raiz comum foi-me facílimo encontrar, pelas razões que em seguida explicarei: Revolução [46].

2. Temporada em Campinas

Lembro-me de que escrevi este livro fora de São Paulo [47].

Disse aos rapazes:

— Vou a Campinas passar quinze ou vinte dias para escrever um livro. Devo ir no dia tanto e voltar no dia tanto.

— Oh! mas o que é?

Expliquei-lhes então resumidamente o que seria o livro.

E já contava que fossem comigo os mais velhos da rua Vieira de Carvalho.

Mas na hora de partir, para minha surpresa, encontrei todos os jovens do grupo da rua Martim Francisco de malas e maletas prontas. Estava ali todo o mundo. Era a grande maioria do Grupo de Catolicismo que assim se deslocava comigo...

Eu fiz o meu programa de horários e afinal consegui trabalhar em Campinas com uma relativa regularidade. E escrevi o livro [48].

A R-CR foi revista, quanto a precisões de linguagem e citações, por Dr. Castilho e por outros ainda. Por Dom Mayer, certamente.

Afinal, nós a publicamos em primeira mão no número 100 de Catolicismo, e logo depois em formato de livro [49].

Capítulo VI

Inesperada viagem à Europa

1. Pesando as circunstâncias

Nisto, minha sobrinha telefona para casa e diz:

— Tio Plinio, meu marido acaba de receber um oferecimento para ir como convidado de honra para o vôo inaugural do avião Caravelle da Air France, do Brasil para a Europa. Mas ele não pode ir por negócios e manda lhe oferecer esta passagem [50].

Logo depois ela acrescentou que tinha uma necessidade premente de que eu fosse, para fazer em Roma certo favor para ela.

Eu pensei: “Para o lançamento do livro, não poderia haver coisa mais inconveniente do que ir à Europa agora [51]. Mas, de outro lado, uma viagem gratuita para contatos no Velho Continente sempre valia a pena aproveitar” [52].

Pesei as duas coisas e achei que devia viajar. Então, fazendo-me de muito alegre, respondi a ela: “Oh! mas excelente! Muito bem, vamos pois.” [53]

Antes da viagem, deixei o livro em vias de ser impresso, a propaganda organizada, a lista de pessoas a quem distribuir, tudo o mais perfeitamente planejado para o nosso pessoal executar [54]. E fui para a Europa [55].

2. Gripado em Paris

Lembro-me de que convidei Dr. Fábio Xavier da Silveira para ir comigo. E ele pegou fogo com a idéia [56].

Foi uma viagem relâmpago, de corre-corre e com muitas provações. Durou talvez umas três ou quatro semanas [57].

O vôo era propriamente São Paulo-Paris-Roma, e não São Paulo-Paris [58].

Muito francesamente cada avião tinha o nome de Ciel. Então, era Ciel de Bretagne, Ciel d’Anjou, Ciel de Normandie, cada nome mais bonito do que o outro. Se não me engano, viajei no Ciel de Lorraine [59].

Mas o ar condicionado sempre me resfria. O resultado é que cheguei a Paris gripadíssimo [60]. Comunguei e fui direto para o hotel me tratar. O hotel, Le Claridge, era pago pela Air France.

Na manhã seguinte, amanheci com febre alta [61].

Telefonei para a companhia de aviação:

— Olhe, eu não posso seguir para Roma porque estou com febre. Estou hospedado num hotel pago pelos senhores na Avenida Champs-Eliseés. Os senhores vejam o que é possível fazer, estou à disposição.

Obtive a seguinte resposta:

— O senhor me desculpe, mas é preciso sujeitar-se a um exame médico. Nos nossos vôos inaugurais há muitas pessoas que, por causa da atração de Paris, aqui chegando, declaram estar doentes, e ficam aqui se divertindo.

— Bom, pode vir.

Na manhã seguinte apareceu o médico, que constatou que realmente se tratava de uma febre alta.

*   *   *

Logo depois apareceu o Fábio para me visitar. E eu pedi a ele me comprar um livro interessante, agradável para se ler. E acrescentei:

— Eu fico sozinho aqui, enquanto você vai passear pela cidade, pois não tem propósito estar numa cidade como Paris e você ficar trancado aqui dentro.

Daí a pouco ele volta com um livro: “Mémoires du Cardinal de Retz”.

Abri o livro e logo nas primeiras linhas leio: “Estas memórias do Cardeal de Retz são tidas como um dos documentos históricos mais confusos e mais monótonos da história da França”.

Resultado: passei esses três ou quatro dias de cama devorando as indigestíssimas memórias do Cardeal de Retz... [62]

Afinal sarei e fui para Roma [63].

3. Em Roma: cãibras e Monsenhor Casaroli

Em Roma, hospedamo-nos no Hotel Excelsior [64].

No terceiro dia, se não me engano, amanheço com crises de cãibra, com suas contrações bruscas dos músculos e sua dor pungente. Eu não conseguia andar [65].

Então foram mais três ou quatro dias de cama em Roma, esperando passar essas crises para ir ao Vaticano estabelecer contatos e desincumbir-me logo da tarefa — aliás simplíssima — dada pela minha sobrinha.

*   *   *

Afinal, já sem cãibras, dirigi-me ao Vaticano [66]. E encontro o expediente semifechado, devido a um feriado.

Apesar de proibida a entrada, como estava tudo meio aberto, fui entrando [67].

Apresentei-me dizendo que queria falar com o encarregado dos assuntos brasileiros e com Monsenhor Valentini, que me havia atendido nas viagens anteriores.

Disseram-me que ele não se encontrava no Vaticano, mas que estava sendo substituído por Monsenhor Casaroli [68].

Encontrei Monsenhor Casaroli no pátio de São Dâmaso, conversando em uma roda. Em torno dele havia vários leigos, numa prosinha de dia de feriado. Eu o reconheci, porque os interlocutores mencionaram o nome do personagem.

Eu havia levado um livro de um clérigo brasileiro*, no qual ele narrava em tom erótico a prevaricação de um sacerdote. Como esse padre era progressista, era uma larga página de vergonha para o progressismo essa literatura.

* Seu nome era Padre João Mohana (1925-1995), sacerdote, médico e escritor piauiense. Escreveu vários livros de orientação progressista, entre eles, em 1952, o romance místico-erótico O outro caminho, no qual ele romanceou as reações psicológicas de um sacerdote quando este celebrou a sua primeira missa sacrílega. Segundo o blog Chave de Leitura, o romance O Outro Caminho "não é uma obra totalmente escrita por João Mohana. Como deixa claro nas primeiras páginas, trata-se de relatos autobiográficos escritos por seu irmão e publicados após sua morte por Mohana" (cfr. http://chavedeleitura.blogspot.com.br/2012/05/o-outro-caminho-joao-mohana.html)

Eu disse a Monsenhor Casaroli, em francês [69]:

Excelência, sou do Brasil. Chamo-me Plinio Corrêa de Oliveira e queria trazer para o senhor um livro do Clérigo João Mohana, em que ele conta a apostasia de um sacerdote e [70] a primeira Missa sacrílega que esse padre celebrou depois de ter pecado contra a castidade na noite anterior.

E entreguei-lhe também um número de uma revista católica, fazendo o elogio desse livro [71].

Ele me cortou a palavra e disse com cara alegre [72]:

— Ah! João Mohana. É um amigo íntimo que eu tenho!

Eu olhei para ele e pensei [73]: “Não tenho mais nada a conversar com este homem [74]. É melhor entregar o livro com uma palavra salgada”.

— Excelência, então o livro deverá lhe interessar a duplo título.

— Vou lê-lo [75].

E nos despedimos.

*   *   *

Fui depois procurar o Cardeal Tardini, Substituto de Secretário de Estado. Bati-me para a ala onde ele tinha seu escritório. Vazio.

Cheguei até a sala dele:

— Monsenhor Tardini não está?

Ah! não, foi à montanha.

— A que montanha ele foi?

Não quis dizer, pensando que eu fosse correndo atrás do Cardeal.

Dei então por encerrada a minha missão no Vaticano [76].

*   *   *

O tempo inteiro da viagem houve transtornos desses, pequenos e grandes, um em cima de outro. E a volta foi como a ida, uma coisa do outro mundo [77].

Capítulo VII

Dificuldades iniciais e, por fim, êxito da R-CR

1. Volta ao Brasil: notícia do fracasso da campanha

De Roma embarquei novamente para Paris, para tomar o avião de volta ao Rio de Janeiro, o que representava uma viagem de perto de 24 horas naquele tempo.

Quando o avião desceu no Rio, eu estava ansioso por notícias da propaganda da R-CR. Encontro Dr. Paulo Barros de Ulhôa Cintra, Dr. Sérgio Brotero Lefevre e Dr. Adolpho Lindenberg, que tinham vindo de São Paulo para me esperar no aeroporto do Rio.

Primeiros cumprimentos, primeira pergunta: “Que notícias têm da R-CR”?

Dr. Paulo manteve silêncio, Dr. Sérgio tomou uma atitude vacilante.

Dr. Adolpho, com muito tato, com muita gentileza, disse o seguinte:

— “Foi um êxito relativo, muito poucos agradecimentos à sua dedicatória e todo mundo tirando o corpo”.

Chego a São Paulo e por outra via me informam que os jornais todos não publicaram nenhuma notícia: boicotaram. Algumas livrarias recusaram de colocá-lo à venda. Outras, aparentemente aceitaram, mas empurraram o livro para um canto. A um ou outro amigo que passava pela livraria pedindo a R-CR, eles diziam que não tinham.

Resultado: pilhas de R-CR acumuladas: era a implosão, quando eu esperava uma explosão.

A nossa primeira campanha pós-catacumba não poderia terminar mais melancólica. A série de reveses que acompanhou esta nossa primeira tentativa publicitária foi verdadeiramente trágica [78].

2. Por fim, “Revolução e Contra-Revolução” levanta vôo

Algum tempo depois, fizemos uma edição em francês com prefácio de Dom Pedro Henrique [79].

Aí começaram a vir do Exterior pedidos de pessoas querendo comprar a R-CR, e então fizemos edições da R-CR em alguns países [80].

E o livro começou a levantar vôo. Atualmente é um de nossos livros de maior divulgação [81].

Nosso grupo seria incompreensível sem a R-CR. E o que hoje é a vida da TFP, começou com um fracasso monumental. Nossa Senhora pode fazer conosco coisas incompreensíveis dessas ao longo do caminho* [82].

* O livro Revolução e Contra-Revolução teve ampla expansão, inspirando a fundação de TFPs e entidades afins em diversos países. A obra teve quatro edições no Brasil e numerosas outras no mundo hispânico. Foi publicada também na França, Alemanha, Itália, Estados Unidos, Canadá, Polônia, Romênia. Foi igualmente difundida na Austrália, África do Sul e Filipinas. As mais recentes edições foram em japonês, estoniano, lituano e a última em bielo-russo, esta divulgada a partir de fevereiro de 2014.

Fac-símiles da edição francesa original e da edição em português comemorativa dos trinta anos do lançamento da R-CR

 


NOTAS

[1] RR 21/1/95.

[2] Palestra sobre Memórias (X) 15/8/54.

[3] RR 21/1/95.

[4] Palestra sobre Memórias (X) 15/8/54.

[5] RR 21/1/95.

[6] Memorando sobre a crise religiosa brasileira por ocasião do 36° Congresso Eucarístico Internacional (Rio, 1955).

[7] Carta de Dr. Plinio a D. Sigaud, 20/9/54.

[8] Jantar EANS 17/6/82.

[9] Memorando sobre a crise religiosa brasileira por ocasião do 36° Congresso Eucarístico Internacional (Rio, 1955).

[10] Jantar EANS 17/6/82.

[11] SD 5/5/73.

[12] Jantar EANS 17/6/82.

[13] SD 5/5/73.

[14] Jantar EANS 17/6/82.

[15] SD 14/7/73.

[16] Jantar EANS 17/6/93.

[17] SD 14/7/73.

[18] Jantar EANS 17/6/82.

[19] Almoço EANS 10/4/87.

[20] SD 14/7/73.

[21] Jantar EANS 17/6/82.

[22] SD 17/6/89.

[23] Almoço EANS 10/4/87.

[24] SD 14/7/73.

[25] SD 16/6/73.

[27] SD 14/7/73.

[28] SD 21/7/73.

[29] SD 17/6/89.

[30] SD 21/7/73.

[31] CCEE 8/11/92.

[32] SD 14/7/73.

[33] Almoço EANS 10/4/87.

[34] SD 14/7/73.

[35] Almoço EANS 10/4/87.

[36] SD 14/7/73.

[37] Almoço EANS 10/4/87.

[38] SD 14/7/73.

[39] Almoço EANS 10/4/87.

[40] SD 24/11/73.

[42] SD 24/11/73.

[43] SD 14/7/73.

[44] SD 11/8/95.

[45] Revolução e Contra-Revolução, Artpress, São Paulo, 4ª edição em português, 1998.

[46] SD 11/8/95.

[47] SD 14/7/73.

[48] Chá 15/2/95.

[49] SD 24/11/73.

[50] SD 24/11/73.

[51] Palestra 1/8/92.

[52] SD 24/11/73.

[53] Palestra 1/8/92.

[54] SD 14/7/73.

[55] Palestra 1/8/92.

[56] SD 24/11/73.

[57] SD 14/7/73.

[58] SD 24/11/73.

[59] Chá 15/2/95.

[60] SD 24/11/73.

[61] Chá 15/2/95.

[62] Palestra 1/8/92 — Jean-François Paul de Gondi, Cardeal de Retz (1613-1679), foi um homem de Estado francês e memorialista nascido de uma família de pequena nobreza florentina que veio para a França com Catarina de Médicis. Personagem controvertida e dada à intriga e ambições políticas, fez parte da Fronda e depois exilou-se em Roma, escapando de uma prisão onde o havia encerrado Mazarino. De volta à França após a morte deste, não obteve as boas graças de Luís XIV, renunciando à Sé de Metz. Morreu como abade de Saint-Denis.

[63] Chá 15/2/95.

[64] SD 14/6/80.

[65] Chá 15/2/95.

[66] Palestra 1/8/92.

[67] Chá 15/2/95.

[68] SD 14/6/80.

[69] Chá 15/2/95.

[70] Palestra 1/8/92.

[71] SD 14/6/80.

[72] Palestra 1/8/92.

[73] Chá 15/2/95.

[74] SD 14/6/80.

[75] Chá 15/2/95.

[76] Palestra 1/8/92.

[77] Chá 15/2/95.

[78] SD 24/11/73.

[79] Palestra 1/8/92.

[80] Chá 15/2/95.

[81] Chá 30/4/93.

[82] Palestra 1/8/92.