Nosso Grupo sobreviveu, suas idéias se aprofundaram,
seus conhecimentos doutrinários se ampliaram, as relações com Roma se
estabeleceram, a sede começou a existir com função definida. E o Grupo
mudou de patamar, com situação definida dentro da Igreja
[1].
Das desgraças que o nosso Grupo sofreu, ele retirou
uma espécie de transformação na própria estrutura e nos seus objetivos [2]:
Se não tivéssemos sido afastados do Legionário,
a direção de nossa organização teria continuado eternamente nas mãos de
prelados solidários com os erros da Ação Católica, e dirigidos por gente
assim nunca poderíamos constituir uma entidade que visasse metas mais
altas.
Excluindo-nos, eles julgavam nos liquidar, e nos
libertaram. Nós, sendo excluídos, receávamos deixar de existir, mas
estávamos recebendo a libertação [3].
Éramos antigamente um grupo que visava um apostolado
genérico. Esta finalidade passou por uma transformação: do apostolado que
tínhamos antes, visando a conquista do Brasil para a Igreja, nós nos
transformamos num Grupo que visava a conquista interior dos meios
católicos para a mentalidade da Igreja [4].
Por outro lado, foi nesse período que idealizamos o
nosso brasão com o leão rompante [5],
executado por monjas dominicanas amigas. Esse estandarte tinha no começo
as duas chaves da Santa Sé.
Manifestação de ignorância de nossa parte, porque não
sabíamos que as chaves da Santa Sé só podem ser usadas por organismos
pontifícios. Mas eu queria exprimir esse traço fundamental do nosso Grupo,
que é o serviço da Santa Sé, a defesa da Santa Sé contra seus adversários
declarados ou ocultos. Inclusive os adversários encastoados n’Ela [6].
Foram lançados, então, os fundamentos de todos os
trabalhos que fazemos hoje [7].
Era um alicerce bem firme construído nas lágrimas, na dor [8].
No meio de uma série de tragédias, a Providência dispôs que fosse
germinando a TFP [9].
2. Expansão das relações no Exterior
Vem também desse tempo um comecinho da expansão de
nossas relações no Exterior, porque apareceu na França uma revista muito
contra-revolucionária, chamada La Pensée Catholique. Gostamos muito
dela e começamos a escrever para um de seus brilhantes colaboradores, que
era o Abbé Luc Lefebvre [10].
Detectamos também a existência de uma revista, então
muito em voga, muito boa, Cristiandad, editada na Espanha, em
Barcelona, pelo grupo de um padre chamado Orlandis [11],
jesuíta bem inteligente.
Começamos a escrever cartas, manter relações com
eles, os quais também nos ajudaram em outros relacionamentos [12].
3. Gratidão pelos dons superabundantes de Nossa Senhora
Quando olho para todo esse passado, sou obrigado a
reconhecer que tudo isto se deveu a dons superabundantes de Nossa Senhora.
Não fosse o fato de Ela nos ter dado, antes de tudo e
acima de tudo, a devoção a Ela; não fosse o fato de Ela nos ter dado esse
senso contra-revolucionário, que fazia com que, no primeiro momento,
pudéssemos detectar o adversário da boa doutrina e perceber a extensão da
trama que esse adversário havia articulado; não poderíamos ter concebido o
livro [Em Defesa da Ação Católica] que de tal maneira se opôs aos
planos por ele armados.
Depois disto, Nossa Senhora coroou o gesto de
fidelidade que foi o Em Defesa, fazendo nascer das cinzas de toda a
batalha em torno desse livro a flor maravilhosa que é o nosso Grupo. E a
partir desse momento a flor se desenvolveu, cresceu, e de sua haste
nasceram outras flores [13].
1. Apostolado difícil
|
D. Pedro
Henrique de Orléans e Bragança |
Nós passamos talvez cinco ou mais anos procurando
gente para aumentar o nosso movimento [14].
Poucos eram os que compareciam. E dos que compareciam, só dois ficaram
amigos do Grupo: Dom Pedro Henrique de Orleans e Bragança [15]
e o advogado Carlos Mazagão, que depois se afastou [16].
Nosso número não crescia e nós parecíamos fadados à
estagnação [17].
Mas um acontecimento sobreveio, que marcaria a fundo nosso futuro [18].
2. Colégio São Luís: congregados da melhor elite orientados pelo Padre
Mariaux
Nesse tempo todo, a amizade entre o Cônego Mayer, o
Padre Mariaux e eu não fez senão crescer. Nós gostávamos muito do Padre
Mariaux, suponho que o Cônego Mayer gostasse também. E tudo corria muito
bem.
Algum tempo depois o Padre Mariaux me disse:
— Ah! eu agora compreendo por que é que o senhor
me aconselhou São Paulo. Porque os alunos do Colégio São Luís estão
começando a me procurar, e o meu apostolado está tendo êxito.
|
Pe. Mariaux com a Congregação
Mariana por ele fundada, semente do "grupo da Martin" |
De fato, entrou para a Congregação Mariana do colégio
um grupo grande de rapazinhos, entre os quais, alguns muito ilustres:
Plinio Vidigal Xavier da Silveira, Luiz Nazareno Teixeira de Assumpção
Filho, Sérgio Brotero Lefèvre, Paulo Corrêa de Brito Filho, Celso da Costa
Carvalho Vidigal [19].
Estes formaram depois o chamado “grupo da Martim Francisco” [20]
ao qual se agregaram Eduardo de Barros Brotero, Caio Vidigal Xavier da
Silveira, Fábio Vidigal Xavier da Silveira. E ainda outros que — é
doloroso dizer — foram saindo no decurso do tempo.
A Congregação Mariana que o Padre Mariaux formou no
Colégio São Luís era modelar [21].
Ele dava uma formação muito boa aos congregados marianos, especialmente
debaixo de três pontos de vista: acentuada devoção a Nossa Senhora, muita
devoção à Igreja e muita formação para a pureza, conjugada com a coragem.
Os rapazes dele eram corajosos, firmes, batalhadores [22].
3. Oposição do corpo docente do Colégio
Mas, ao contrário do que se poderia esperar, o Padre
Mariaux encontrou viva oposição de quase todos os membros do corpo docente
daquele colégio.
Ele era muito expansivo, dizendo o que entendia,
falando dos padres e do Reitor à vontade. Eu fiquei com a impressão de
que ele possuía uma gradação superior à do próprio Padre Reitor, e que,
portanto, podia fazer aquilo sem lhe acontecer nada.
Ele entendeu a politicagem interna dos alunos dentro
dos recreios do colégio. Compreendeu perfeitamente o jogo dos maus contra
os bons. Entrou de pára-quedas dentro da vida dos meninos, pegando aqueles
que faziam propaganda da imoralidade e da impiedade, coibindo-os
duramente: “Saia você daqui! Cale a boca você! Olha, este aqui é um bom
menino. Venha cá”. Dava prestígio aos bons e esmagava os maus. Era
este um ato raríssimo, dificílimo de encontrar nas Congregações Marianas e
nos colégios católicos em geral.
Naturalmente, os maus meninos tinham-lhe um ódio
assinalado. Iam-se apoiar nos outros professores. Estes, por ingenuidade,
ou por alguma outra razão, apoiavam os maus meninos contra o Padre
Mariaux.
* *
*
Ele contava-me episódios curiosos. Por exemplo, o
caso de uma greve dos alunos ruins contra o colégio. Foi uma agitação nos
jardins e por toda parte. E os padres se sentiam muito atrapalhados.
Como ele era o diretor espiritual da Congregação
Mariana de lá, ele tinha muita ascendência sobre os alunos congregados. E
ele me contou que se colocara ostensivamente ao alcance dos outros
padres, os quais sabiam que, a partir do momento em que ele pedisse o
concurso dos congregados marianos para furar a greve, ela seria desfeita.
Mas os padres preferiram sofrer as conseqüências da
greve, do que dar força ao Padre Mariaux, de tal maneira havia uma
coligação contra ele, embora todas as razões estivessem de seu lado [23].
Quando a II Guerra Mundial terminou, o Padre Mariaux
um dia me procura e diz:
— Dr. Plinio, preciso lhe falar uma coisa
confidencialíssima. A guerra terminou, caiu o nazismo. Enquanto o nazismo
estava lá, eu não poderia ser mandado para a Alemanha. Agora os meus
superiores me destinaram a voltar para a Europa, em parte por causa da
reclamação do Arcebispo daqui, Dom Carlos Carmelo de Vasconcelos Motta,
contra mim. Ele diz que eu sou um reacionário, que crio oposição contra
ele, e ele então pediu que eu fosse tirado de São Paulo. De maneira que
está tudo perdido. Eu vou ser removido” [24].
A desavença com o Cardeal Motta se explicava, porque
o Cardeal queria favorecer só a Ação Católica e via como um perigo a
permanência de uma Congregação Mariana florescentíssima, esplêndida, de
primeira ordem, numa diocese de onde ele queria eliminar todas as
Congregações Marianas [25].
Eu perguntei:
— Padre Mariaux, posso fazer alguma coisa pelo
senhor?
— Sim. Guardar reserva. Porque se o senhor mexer
nisso, só vai piorar a minha situação. Mas eu quero do senhor outros
favores.
— Mas o senhor pretende sair dessa história de que
jeito?
— Ah! Eu fui convidado para pregar um retiro no
Rio de Janeiro e nesse retiro quero abordar o Cardeal Arcebispo de lá, Dom
Jaime Câmara, e obter dele que consiga da Santa Sé que não me removam.
Eu conhecia bem Dom Jaime Câmara... Mas não disse
nada.
Daí a alguns dias ele voltou do retiro.
Perguntei: “Padre Mariaux, como foi o retiro? E
sua conversa com Dom Jaime?”
— Bom, eu conversei com Dom Jaime e fiz a ele o
meu pedido [26].
E ele me disse: “Olhe padre, não espere nada de mim. O Cardeal de São
Paulo é irredutível e ganhou a partida contra o senhor em Roma” [27].
Passado um certo tempo, o Padre Mariaux me diz:
— Estou num problema. Esses padres daqui não
merecem confiança. Eu preciso deixar esses rapazes com um bom padre.
Dom Mayer estava em Campos, não servia. Dom Sigaud
estava em Jacarezinho, também não servia. Quem seria um bom padre?
— Padre Mariaux, tem Frei Jerônimo.
— Diga-me quem é esse Frei Jerônimo.
— É holandês, assim.
— Holandês?
Durante a guerra tinha havido coisas sérias entre
Alemanha e Holanda, de parte a parte. Eu disse:
— Holandês. Mas é um homem muito bom, o senhor
faria bem em conhecê-lo.
— Bom, vejamos.
Aproximei o Padre Mariaux de Frei Jerônimo.
E Padre Mariaux viu que Frei Jerônimo era uma pessoa
muito ortodoxa, um homem bem inteligente, e notou que era capacitado para
dar uma boa orientação aos meninos. E aí aproximou os rapazes dele [28].
Daí a alguns dias, ele me telefona de novo:
— Dr. Plinio, os padres da Companhia deram-me um
prazo: depois que eu sair do Brasil, os meus rapazes têm que desocupar os
locais onde se reúnem. E eles precisam se refugiar em algum lugar. Na sua
sede teria lugar para eles?”
Eu disse que sim, que poderiam se instalar lá na rua
Martim Francisco.
No dia seguinte, alguns daqueles rapazinhos
apareceram trazendo os primeiros objetos da mudança [29]:
a batuta com que o Padre Mariaux, homem muito musical, regia a orquestra
deles, também partituras de música [30]
e alguns outros objetos do mesmo Padre Mariaux [31].
O grupo era de uns vinte e tantos rapazes. Mal
cabíamos lá dentro. Mas não tínhamos dinheiro para os alojar noutro lugar.
E então demos a sala da frente para esse pessoal do Padre Mariaux, e nós,
os antigos, ficamos na sala dos fundos.
* *
*
Bem, o Padre Mariaux preparou-se para ir embora, nos
despedimos, ele seguiu viagem [32]
e os rapazes começaram a freqüentar a sede.
Começamos a notar que alguns deles tinham interesse
por nós e eram cordiais. Os outros eram esquivos [33].
Mas não demos importância a isto.
Mas ficou criado o problema da superlotação da sede.
Antes de morrer, o José Gustavo de Souza Queiroz nos
havia deixado um apartamento no 6º andar da rua Vieira de Carvalho n° 27,
em um ponto da cidade que naquele tempo era muito prestigioso. Passamos
então, em agosto de 1948, para este apartamento e deixamos a sede da rua
Martim Francisco térrea, toda, para os rapazes do Padre Mariaux* [34].
* A partir daí os
mais antigos do movimento ficaram conhecidos como Grupo da Vieira.
Mais tarde, quando foi alugada uma sede da rua Pará, nº 50, eles passaram
a ser conhecidos como o Grupo da Pará.
Eu convidava a todos eles para aparecerem na sede da
rua Vieira de Carvalho em determinadas noites da semana e assistirem à
reunião. E depois íamos todos juntos à Confeitaria Fasano, em frente a
essa sede. Ali fazíamos uma grande mesa, conversávamos, comíamos alguma
coisa e depois íamos embora.
Os mais abertos a nós, a certa altura, vieram
procurar-nos e pediram para fazer parte de nosso grupo. E comunicaram isso
aos outros [35].
Esses outros seguiram o caminho deles, se dispersaram
e não ouvi mais falar deles. Os primeiros [36]
passaram a militar de nosso lado [37].
Pertenciam todos eles a famílias influentes de São
Paulo [38].
E foram os que constituíram o chamado grupo da Martim*.
* O nome de
grupo da Martim vinha, por simplificação, do fato de a sede estar
situada na rua Martim Francisco n° 665. Este costume de designar os
diversos grupos internos pelo nome da rua onde se situava a sede de cada
um, ou pelo bairro onde esta se localizava, foi comum dentro do grupo de
Catolicismo e depois na TFP.
* *
*
Não preciso explicar o enriquecimento que a adesão
desse conjunto de rapazes representou para o nosso grupo. Foi para nós uma
revitalização muito grande.
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Os grupos da
Pará e Martim |
Imaginem um grupo que passa anos e anos sem ver
entrar ninguém, e no qual ingressa, de repente, um conjunto de dez [39]
congregados marianos excelentes, de muito zelo, de muita boa vontade [40],
inteligentes, pessoas de futuro, com boas relações, e desde logo com uma
união de espírito muito íntima, muito estreita conosco [41].
Era ar puro, ar fresco [42],
que prometia os melhores resultados [43].
Era o pagamento que Nossa Senhora dava. Nossa Senhora
tinha querido de nós perseverança. Ela entrou com o resto do capital, que
foi a misericórdia d’Ela.
E aí aquelas velas, que estavam quase para se apagar,
iluminaram-se de novo, e tudo mudou [44].
1. Grandes possibilidades de apostolado
A adesão do grupo da rua Martim Francisco trouxe
resultados incalculáveis para o nosso apostolado [45].
O Padre Mariaux tinha modelado esses rapazes com uma
formação muito varonil, o que me agradava enormemente. Vários deles eram
bem inteligentes. Alguns outros, não só inteligentes, mas com boa
capacidade de ação.
Todos eles muito representativos, mantinham num alto
nível nosso apostolado, como eu desejava.
Eram possibilidades de apostolado verdadeiramente
colossais que se abriam, homens com full time para o apostolado e
com possibilidades de ação muito grandes [46].
2. Fundação do mensário “Catolicismo”
Daí veio a idéia de lançarmos um jornal e começarmos
a expandi-lo pelo Brasil afora [47].
Dom Mayer, mediante solicitação nossa, fundou o
mensário Catolicismo, que ele nos entregou para dirigir e
constituir o corpo de redatores. Era o Legionário aparecendo sob
outro nome [48]
e sustentando posições absolutamente idênticas [49].
Era editado em Campos e impresso em São Paulo [50].
Catolicismo, entretanto, diferia do
Legionário num ponto fundamental: este havia sido apenas um jornal;
aquele, além de jornal, era um movimento [51].
Tirávamos mais ou menos 5 mil exemplares. Para um
jornal era muito pouco. Mas para um grupinho de pessoas poder dirigir-se
todos os meses a 5 mil leitores era um alto-falantezinho que atingia o
quarteirão [52],
mas atingia.
Começamos a mandá-lo para [53]
assinantes do antigo Legionário e para simpatizantes espalhados
pelo Brasil, que imediatamente começaram a assinar o Catolicismo [54].
Íamos também a várias Congregações Marianas por aí afora para apresentar o
jornal.
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