Plinio Corrêa de Oliveira

 

 

Minha

 

Vida Pública

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Parte IV

Como foi desviado o Movimento Católico

 

 


 

Capítulo I

Os inimigos da Igreja colocam a máscara do sorriso

Eu alcancei restos do tempo em que a impiedade se apresentava escarnecendo e insultando o bem. Os inimigos da Igreja falavam abertamente contra a Igreja, queriam agredi-la, queriam fechá-la, increpavam-na, caluniavam-na de frente. Caluniavam o Clero, os Bispos, os padres, debicavam dos sacramentos, queriam destruir materialmente as igrejas. Enfim, estavam numa oposição completa contra a Igreja [1].

Mas tais adversários perceberam que o Movimento Católico se tornara no Brasil uma potência. E as forças do mal entenderam que seria inútil atacar essa potência de frente. Era preciso miná-la, dessorá-la, desviá-la, dividi-la, de maneira que ela caísse vergada ao peso de suas divisões internas e de sua deterioração [2].

Para isto, a impiedade viu que era vantagem mascarar-se e iniciar uma conversa nova com os católicos.

Lembro-me do meu desconcerto quando, pelo ano de 1932, dando minhas costumeiras investidas contra os erros, comecei a ver o adversário — que em 1930 me fazia caretas — agora como que me dizer: “Sua lança não me machuca. Você não tomou em consideração que estou mudando, que estou ficando outro?”

No fundo, vinha o seguinte recado: “Os séculos mudaram e a Igreja não vai mais ser militante assim. Os inimigos dela passaram a ser mansos e ela também. E, para todo o sempre, essa sua posição combativa deve não só ser posta fora de uso, mas esquecida. Uma nova era começou”.

Procurei observar em torno de mim e vi os próprios católicos que aplaudiam a minha combatividade um ano antes, agora olhavam com simpatia para o adversário. E implicitamente davam a entender que, se eu insistisse em minha posição combativa, eles me atacariam [3]. Pessoas antes resignadas a lutar comigo por verem o adversário fazer cara feia, agora que viam o adversário sorrir, passaram para o outro lado. E eu fiquei só [4].

Tristão de Athayde era um grande adepto dessa nova posição. Ele e eu tínhamos fricções violentas a esse respeito. O temperamento dele era todo feito de trato ameno, cordial, de homem fino, muito interessante, de uma conversa agradável. Era o contrário do truculento. Ele dava de si e das coisas que dizia só impressões amenas. Era o literato do ameno, não era o literato do forte. E eu era entusiasta da virtude da fortaleza [5].

Esta era portanto a nova estratégia do ataque das forças do mal contra a Igreja.

Este princípio de ataque procurou minar aquilo que havia de mais ardoroso dentro do Movimento Católico, que era o movimento dos congregados marianos [6].

Desarticulada pela base essa força católica, destruía-se o que ela tinha de melhor. E, liquidado isso, o resto se desarticularia.

Como isto se fez? [7]

Capítulo II

No terreno político: prestigia-se o Integralismo e desprestigia-se as Congregações Marianas

1. Posição pouco varonil diante do comunismo

Considerem a situação em 1934. Movimento mariano pujante, movimento comunista desenvolvendo-se muito também [8]. A Liga Eleitoral Católica havia se transformado em um mamute [9].

Qual era então a esperança natural de todo o mundo? Que o Movimento Católico fornecesse as armas espirituais para abater o comunismo, que o movimento mariano fosse a solução contra o movimento comunista. Seria o curso natural dos acontecimentos.

Vivíamos num período em que havia a idéia de que o comunismo era um perigo grave e que só por meio de um regime firmemente anticomunista se resistiria a esse perigo. Essa idéia estava cada vez mais acreditada e todo mundo a achava razoável. E todos que tinham uma mentalidade capaz de ser bem orientada, simpatizavam com um regime anticomunista.

Mas, nessa emergência, o movimento mariano começou a tomar diante do comunismo uma posição pouco varonil, que era proveniente, infelizmente, da própria posição pouco varonil das autoridades eclesiásticas. E todo mundo sentia que as Congregações Marianas só poderiam mover-se pela direção da autoridade eclesiástica nesse terreno.

2. Balde de água fria no entusiasmo dos melhores congregados

Menciono apenas um caso.

Para comemorar o primeiro aniversário da vitória das emendas católicas na Constituinte de 1934, foi convocada pela Federação das Congregações Marianas de São Paulo, para o dia 16 de julho de 1935, uma concentração mariana monstro, na Praça da Sé, em São Paulo [10]. Foi precedida por três dias de conferências solenes na igreja de São Bento, feitas por leigos, com uma afluência colossal. A igreja estava repleta.

Aí começam a correr boatos de que os comunistas iriam entrar em choque com os congregados marianos.

Isto desceu como corisco para todos os congregados que estavam reunidos na igreja de São Bento. E todos ficaram elétricos de contentamento de irem enfrentar, sem armas, os comunistas no Largo da Sé.

Dom Duarte estava assistindo, um dia antes da prevista concentração, à sessão solene atrás do órgão da igreja de São Bento, sem ser visto, por estar adoentado.

De repente, ele vê entrar o secretário da Justiça e Segurança Pública, Artur Leite de Barros, que trazia um recado do governador do Estado, Armando Sales, pedindo que ele impedisse aos congregados marianos de desfilar em praça pública, pelo receio de um insucesso com os comunistas. E acrescentou que, se houvesse choque e morresse algum congregado, o governo de São Paulo lavava as mãos.

E o velho Arcebispo, de aproximadamente setenta anos, naturalmente pensando nos filhos de família que poderiam morrer, nas mães que poderiam chorar, em outros aspectos sentimentais da mesma tecla, e sobretudo na oportunidade de fazer uma gentileza ao governador do Estado, o que é que fez?

Mandou Dom José Gaspar, Bispo Auxiliar nessa ocasião, dirigir-se aos congregados aproximadamente nos seguintes termos:

Meus caros congregados marianos, eu venho vos pedir um sacrifício tremendo, um sacrifício formidável: não fazer amanhã a concentração mariana no Largo da Sé, mas no pátio do Liceu Coração de Jesus. Depois nós faremos o desfile [11].

Os congregados marianos receberam essa comunicação com um desapontamento respeitoso, sem revolta, mas com tristeza por não poderem oferecer a vida pela causa católica [12]. Mas, diante da perspectiva de um desfile posterior, aceitaram mais ou menos bem a idéia da concentração no Coração de Jesus. E a concentração foi transferida do Largo da Sé para o pátio do Liceu.

No dia seguinte, realiza-se a concentração.

Uma imensidade de congregados marianos! Foi uma das cenas mais bonitas que eu tenha visto em minha vida! Era uma quantidade que correspondia ainda à idéia de qualidade, não era pura inflação. Foi o mais bonito episódio, esteticamente falando, do movimento mariano [13].

Naquela efervescência, com todo o mundo esperando o momento do desfile, Dom José comunica “outro desejo” de Dom Duarte, “um segundo sacrifício”: que os congregados marianos não realizassem o desfile.

Dom José Gaspar de Affonseca e Silva

Aquilo foi, na concentração, uma espécie de balde de água fria.

Todo mundo sentiu perfeitamente que, no momento em que era preciso tomar diante do comunismo uma atitude máscula, a autoridade eclesiástica queria uma atitude débil.

Isto desacreditou o movimento mariano aos olhos dos melhores, dos mais dedicados, daqueles que naturalmente seriam nossos. Quer dizer, foi uma desmoralização das elites do Movimento Católico.

E o pior é que toda a conversa, toda a atitude da autoridade eclesiástica estava nessa orientação.

Nós, congregados marianos, íamos reagir? Podíamos reagir?

Não podíamos reagir quando a palavra de ordem era: “Não se metam na política e não criem dificuldades”.

3. Decepção e migração de muitos para o Integralismo

Justamente nesse momento, aparece o Integralismo [14], servido por uma propaganda muito boa da mídia, promovendo desfiles aparatosos, portando camisas verdes, e dando a idéia de uma arregimentação muito forte contra o comunismo.

Então, qual era a força naturalmente capaz de reagir? Era o Integralismo.

E assim a dialética integralismo-comunismo enlouqueceu os meios católicos, estabelecendo-se a idéia de que quem não era integralista era comunista. E quem não era integralistizante era bolchevizante [15].

Alguns elementos excelentes, próximos de nosso grupo, de primeira ordem [16], pessoas bem inteligentes, se bandearam nessa época para o Integralismo, apesar de todo o meu esforço para os manter no nosso movimento [17]. O Integralismo levou muitos e muitos dos nossos elementos e dos melhores. Diziam que não queriam ser congregados marianos, porque a Congregação Mariana era uma bobagem, enquanto o Integralismo é que era positivo [18].

E mesmo católicos que foram postos de lado pelos integralistas davam um certo apoio a eles, dizendo que era melhor o Integralismo do que o comunismo, e que só o Integralismo poderia salvar o Brasil, e outras coisas do gênero.

4. Ascensão e queda do Integralismo: Estado Novo de Getúlio Vargas

Nessa época, Dom Helder Câmara [19] tornou-se um chefe integralista no Norte do País, apesar de ser padre. Diz-se que, quando ele foi ordenado padre, ele levou a camisa verde integralista por debaixo da batina, no dia da ordenação.

Tristão de Athayde também se dizia simpático ao fascismo e ao Integralismo. E escreveu um artigo aconselhando todos os católicos a entrarem no Integralismo [20].

Remoção de feridos da manifestação integralista da Praça da Sé em São Paulo

Engrossando muito as suas fileiras, os integralistas começaram a organizar marchas. Realizaram então, na Avenida Paulista, uma manifestação contra o comunismo.

Nessa marcha havia integralistas com botas, camisas verde-oliva, e no braço uma faixa com um círculo, tendo no fundo a letra grega Sigma - ∑ - que queria dizer totalidade.

Promoveram também, no Largo da Sé, uma manifestação colossal. Comunistas postados no alto de alguns prédios desse Largo fizeram uma fuzilada em cima deles. Por uma coincidência feliz feriram só uns três ou quatro. Então, houve dispersão. Mas ficou assim provado o “perigo do comunismo” [21].

A imprensa informou que tinha sido descoberto um papel revelando que se preparava um tremendo golpe comunista no Brasil. Esse papel teria sido perdido por um judeu chamado Cohen e por isso ficou chamado “Plano Cohen”.

Então o Getúlio, “alarmado”, aproximou-se dos integralistas, teve várias conferências com Plínio Salgado, com Rocha Miranda*.

* Rocha Miranda pertencia a uma família de integralistas muito conhecida na época.

Jornal do Brasil noticiando o golpe de 1937

E nessas conferências ficou mais ou menos entendido que o Getúlio daria um golpe de Estado, dissolveria a democracia-liberal e chamaria Plínio Salgado para ministro da Educação.

No dia 10 de novembro de 1937, o Brasil todo foi surpreendido pela notícia de que o Getúlio tinha dado um golpe, que acarretou a dissolução da Câmara dos Deputados, do Senado e a suspensão da Constituição; os governadores foram nomeados interventores federais demissíveis ad nutum nos Estados em que até o momento eram governadores e o Getúlio promulgou uma Constituição federal de caráter absolutamente fascista [22].

Mas Plínio Salgado não foi chamado e, para encurtar a história, antes de terminar o mês de novembro, Getúlio declarou dissolvido o Integralismo [23]. No ano seguinte, ou seja, 1938, Plínio Salgado exilou-se em Portugal [24].

 

Capítulo III

Nos ambientes católicos, a infiltração do comunismo e da mentalidade modernista

1. Ambiente católico antes da crise

Depois de ter tratado das circunstâncias que minaram o Movimento Católico no terreno político, falo agora das que minaram esse movimento no terreno propriamente teológico e eclesiástico [25].

E aqui começa a história da crise católico-progressista [26].

Pelos idos de 1935, eu já contava com sete anos de militância dentro do Movimento Católico. E tinha presenciado uma série de mal-entendidos entre os membros desse movimento, mas que eram resolvidos logo; e sempre me edificava ver a facilidade com que aqueles mal-entendidos se dissipavam.

Às vezes ocorria uma pequena concorrência entre uma associação e outra, uma pequena rivalidade, uma coisinha assim: não havia nada mais fácil de se resolver.

A concórdia que reinava era portanto completa [27] e, como não havia ainda o fenômeno da esquerda católica, todos estavam unidos em torno da mesma doutrina. Por causa disso via-se muita união e coesão [28].

Nós vivíamos numa paz religiosa completa, numa confiança inteira de uns católicos para com os outros, e a concórdia das associações religiosas entre si era a maior possível.

Não passava pela cabeça de um congregado mariano, ou de uma outra congregação ou associação, qualquer intenção desleal, malévola, anticatólica, fazer um trabalho de sapa em relação a outros. Inclusive pela minha cabeça a idéia de que isto poderia acontecer não passava.

As crises internas que atingiam a Igreja na Europa e um pouco nos Estados Unidos ainda não haviam chegado ao Brasil.

E eu julgava que havia de um lado os católicos, e do outro o mundo. E achava que a parte da população sensível à influência cinematográfica de Hollywood, às más revistas, à má imprensa, constituía uma massa diferente da nossa, que não estava diretamente em guerra contra nós, mas que nos via com maus olhos.

Havia, sim, um começo de movimento comunista. E esse movimento comunista era o grande dragão, o grande adversário.

2. Incubação progressista em pequenos núcleos

Na realidade, essa idéia de uma grande concórdia do Movimento Católico e da inexistência de inimigos internos era um quadro irreal, porque precisamente dos movimentos de esquerda católica da Europa já começavam a vir propagandistas apoiados por pessoas de prestígio de dentro desse mesmo Movimento Católico.

Tristão de Athayde, Sobral Pinto [29] e numerosos eclesiásticos começaram a convidar esses propagandistas, que vieram ao Brasil com a missão de fundar grupos e veladamente espalhar as idéias da esquerda católica.

O Movimento Litúrgico e a Ação Católica foram, dentre todos, os grandes meios de penetração da mentalidade esquerdista. Esses grupos, instalados no Movimento Católico, dispunham do apoio de forças católicas consideráveis [30].

Eram movimentos visivelmente voltados para destruir aquele tom contra-revolucionário que o ambiente católico brasileiro tinha, para transformá-lo num movimento revolucionário [31].

Eu evidentemente ia vendo a JOC — Juventude Operária Católica, ramo da Ação Católica, que trabalhava a favor de uma modificação da organização social — promovendo no fundo uma luta de classes para acabar com os ricos e com a propriedade privada, e promover a igualdade completa das classes sociais [32].

Era o adversário que penetrava nos porões do navio, estabelecendo-se nele [33].

Sustento mesmo que estávamos em presença de um verdadeiro renascer do modernismo: as mesmas tendências, o mesmo espírito, os mesmos métodos sinuosos e camuflados, o mesmo espírito de revolta contra todo o freio, toda autoridade, toda tradição [34].

*   *   *

Julgo não ser ocioso acentuar que esse espírito novo não pairava nas nuvens, como uma ideologia subtil e impalpável. Esse espírito tinha chefes que o introduziram no Brasil, possuía uma ideologia muito precisa, tinha na Ação Católica um instrumento de difusão de primeira ordem, e era portanto uma verdadeira organização [35].

Os seus propagadores eram fanáticos e dissimulados, viviam em estado de conjuração, e tinham a suprema arte de impugnar como agressivos aqueles mesmos que eles queriam agredir.

Quando surgia uma polêmica sobre suas posições erradas, uma de suas táticas era tentar impedi-la sob o pretexto de paz e evitar de todos os modos que a questão subisse até a Santa Sé.

Aos poucos, essa corrente foi dominando inteiramente a situação e acabou por destruir todos os óbices com que se defrontava [36].

Estávamos com o inimigo dentro de casa e tínhamos que lhe fazer face, numa luta de natureza completamente diferente da que até então havíamos travado [37].

3. Robert Garric e as Equipes Sociais

A primeira notícia que tive dessa tentativa para destruir o movimento das Congregações Marianas e, portanto, implantar o progressismo no Brasil, veio singularmente através de Mamãe, que me abriu os olhos.

Eu era deputado e passava boa parte do tempo no Rio. Um dia recebi dela uma carta que infelizmente não guardei, em que vinha junto, preso com muito esmero por um alfinete, um pedacinho de notícia de jornal, creio que de O Estado de S. Paulo, cortado com tesourinha bem fina.

Depois de tratar de vários assuntos, em certo momento ela disse: “Agora sua mãe vai passar para um outro ponto. Leia a notícia acima, a respeito do professor francês fulano de tal” [38].

Pouco depois a Agência Havas começou a telegrafar para todos os jornais do Brasil [39], distribuindo uma notícia que vinha apresentada da maneira como os jornais costumam fazer quando querem valorizar alguém [40].

Essa notícia dizia mais ou menos o seguinte: “Encontra-se no Brasil o professor Robert Garric, notabilidade francesa (nem era tão notável assim) que vem a São Paulo para lançar as ‘Equipes Sociais’, movimento que visa interessar a juventude católica pelo destino dos operários e movimentar a fermentação das idéias sociais no Brasil” [41].

A notícia não falava uma palavra a respeito das Congregações Marianas, mas dava a entender que qualquer organização de apostolado tornava-se caipira em comparação com a grande novidade que vinha da França [42].

Mamãe, que entendia pouco de tudo isto, pôs entretanto na carta o seguinte comentário: “Filhão, veja se isto não é feito para derrubar as Congregações Marianas e prejudicar você” [43].

Não sei como ela percebeu atrás dessa notícia a intenção de acabar com as Congregações Marianas [44].

Eu gostei que Mamãe me escrevesse, mas não gostei da notícia que ela me havia transmitido [45].

O Tristão me escreveu: “Garric está para chegar. E vocês precisam se interessar pelo Garric etc.”.

*   *   *

Garric apresentava-se como professor da Sorbonne, uma espécie de agregé ou coisa que o dera e que viera ao Brasil, sendo contratado como professor pelo governo do Estado de São Paulo para a cadeira de Literatura Francesa na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras. E aqui ele queria fundar as Equipes Sociais [46].

4. Conversa com Robert Garric

Eu havia conhecido de passagem esse Robert Garric no Rio, e consegui esquivar-me do contato com ele [47]. Mas em uma das minhas vindas de fim de semana a São Paulo, recebo um telefonema:

— O professor Garric está hospedado no Hotel Terminus e gostaria de travar contato com o senhor, e falar das Equipes Sociais.

Fui ao Hotel e tivemos ali uma conversa, estando junto um rapaz carioca que o acompanhava, chamado Roberto Pantoja, pessoa de trato muito agradável, de muito boa apresentação e falando o francês na perfeição [48].

O Pantoja simplesmente assistiu à nossa conversa. Tinha ficado mais ou menos no ar que, após esse encontro com o Garric, o Pantoja iria almoçar comigo e teríamos uma conversa só os dois. Mas, na hora de sair, ele não formulou o convite para o almoço, e as nossas relações pararam aí [49].

Muito amável, Garric explicou que estava no Brasil para lançar o movimento das Equipes Sociais, destinado a conglomerar jovens, e capaz de fazer muito bem à juventude católica brasileira, porque a tirava da obsessão dos assuntos de piedade e ajudava-a a se preocupar também com as questões sociais.

Não gostei nada dessa maneira de abordar o assunto, porque, segundo a boa doutrina, o principal é a vida de piedade, a vida interior, a devoção; as outras coisas vêm depois, em segundo lugar. E esse movimento já vinha para inverter esta boa ordem [50].

M. Garric contou então que ele tinha participado da guerra de 1914-1918 e que, junto com outros companheiros, tinha conhecido nas trincheiras homens de classes sociais diversas. E eles perceberam que esse convívio entre classes sociais diferentes aproximava os homens entre si. Então era preciso continuar esse convívio depois da guerra, para estabelecer um vínculo entre as classes sociais [51].

Segundo ele, isto se deveria fazer assim: os estudantes irem aos bairros de operários e conviver com estes. Nesse convívio, se operaria um apostolado "fantástico": davam aos operários algumas noções culturais complementares, ensinavam-lhes a ler e a escrever, mas não lhes falavam de religião [52].

Então os operários, "comovidos", acabavam um dia perguntando ao estudante: “Mas o senhor o que é: católico?”

E o estudante respondia: “Sim, eu sou”. E então o operário tinha uma como que "revelação" e alguns se convertiam.

Ele apresentava isto como fantástico, como o que poderia haver de melhor.

Eu perguntei: M. Garric, mas então o seu movimento é católico?

— No sentido de movimento cristão.

— Mas eu queria saber bem precisamente o seguinte: é católico ou não é?

— Não, os católicos devem tomar o cuidado de evitar que o movimento apareça como católico.

Eu pensei de mim para comigo: “Para que deixar as Congregações Marianas, movimento brilhante, para me meter nisso”? [53].

Garric ainda acrescentou:

— As Equipes atuam nos meios operários também para ensinar-lhes a reivindicar os seus direitos. Afinal, eles não podem ficar dependendo de bons patrões que queiram dar-lhes o que é o direito deles. Os operários, ou arrancam seus direitos da mão do patrão, ou nunca ficarão bem instalados na vida. É preciso ensinar-lhes esse senso de inconformidade.

Eu fui ouvindo aquela conversa toda e sorrindo. Sorri o tempo inteiro. E perguntei:

— Professor Garric, o seu movimento é bem visto pela Igreja?

— Ah! muito. Tais Arcebispos, tais Cardeais vêem muito bem o meu movimento enquanto movimento leigo, enquanto movimento não oficialmente católico. Eu sou católico. Eu tenho vários jovens que são de comunhão diária. Mas isto não tem nada que ver com a religião.

Ora, na concepção contra-revolucionária, todas essas questões sociais são principalmente questões morais. Se se procura tirar a resolução de tais questões da influência da Igreja, caminha-se para a Revolução [54].

Ele por fim me pediu que eu desse a ele vários congregados marianos, como se os congregados fossem móveis que a gente dá de presente para alguém. São entes vivos que não podem ser "dados" como quem dá dez laranjas. Eu naturalmente não dei... [55]

— Pois não, professor Garric. Eu vou pensar. Depois, conforme for, comunico-me com o senhor. Até logo.

Nunca mais nos vimos. Ele era um homem bem mais velho do que eu.

O fato concreto é que eu senti uma coisa muito singular se mover nisso tudo [56].

*   *   *

Dom Duarte não quis saber dessas Equipes Sociais.

Mas, apesar de Dom Duarte não querê-las e de elas não se terem fundado em São Paulo, foram fundadas no Rio. E, mesmo aqui em São Paulo, alguns rapazes do Movimento Católico acabaram entrando para essas Equipes. E passaram a constituir uma oposição liberal contra nós [57].

Desde logo, essas Equipes Sociais foram promovidas por Tristão de Athayde. Foi ele quem impulsionou o Movimento Litúrgico, a Ação Católica e tudo aquilo que seria depois objeto de minha denúncia no livro Em Defesa da Ação Católica.

No carteio de ruptura entre Tristão e eu a propósito desse livro, ele se eriçava, porque cada letra da obra era contrária às convicções e sobretudo ao programa dele [58].

Os rapazes das Equipes Sociais do Rio formados por ele vieram a constituir o elemento inicial do Movimento Litúrgico carioca [59].

5. As “construtivas” em São Paulo

Relato um outro episódio, que prenunciou essa ofensiva para a derrubada do Movimento Católico por pessoas provenientes da Europa, antes mesmo da vinda de Garric ao Brasil.

Em 1932, apareceu em São Paulo uma senhora belga, Mlle. Adèle de Loneux, professora da Escola Católica de Serviço Social de Bruxelas.

Essa belga se apresentava de uma maneira bem singular: cabelos pretos lisos com um coque atrás, com aparência de pessoa muito bem nutrida, toda vestida de preto, sapatos sem salto para uns pés de tamanho considerável. Ar misterioso, muito ruminativa, tinha olhos impassíveis com aparência de cândidos, muito úmidos. Mas no fundo da aparente impassibilidade do olhar, cintilava uma esperteza que, creio eu, poucas pessoas percebiam.

Promoveu ela uma série de conferências no Colégio Des Oiseaux. Eu mesmo fui encarregado de fazer duas ou três conferências nessa série, direcionada para um público que era a nata, o creme, a flor de farinha do movimento feminino católico em São Paulo [60].

Lembro-me que, enquanto eu fazia as conferências, Mlle. Loneux permanecia no fundo da sala observando.

Naqueles dias começou a correr a notícia de que Svend Kok se iria ordenar sacerdote*.

* Ele de fato entrou pouco depois, em 1934, para a Ordem de São Bento, passando a ser conhecido como Dom Teodoro Kok. E em 1955 tornou-se monge trapista.

Perguntaram-me então se eu também não iria ficar padre. E soube depois que Mlle. Loneux, ouvindo isto, havia feito o seguinte comentário, que julguei um tanto esquisito: “Ele é bom católico demais para se tornar padre”. Comentário um pouco sinuoso, mas, enfim, a coisa passou.

*   *   *

Eu soube com toda a certeza, cerca de dez anos depois, por informação do próprio Arcebispo Dom José Gaspar, e também de uma moça que fora convidada para o movimento de Mlle. de Loneux e não aceitou, que Mlle. de Loneux havia fundado aqui uma congregação religiosa secreta de freiras, as quais deveriam trajar-se como leigas, mas que ficavam ligadas pelo voto de obediência a essa congregação.

Essa congregação religiosa secreta havia sido fundada na Bélgica pelo Cardeal Mercier [61] e chamava-se Auxiliares do Apostolado. Tinha dois ramos, um dos quais especialmente destinado a auxiliar os padres da Companhia de Jesus.

Essas Auxiliares do Apostolado aliciaram várias moças desse grupo feminino e fizeram algumas delas passarem um, dois ou três anos estudando numa Escola de Serviço Social de Louvain ou de Bruxelas, para depois voltarem ao Brasil. Quer dizer, fizeram ali um verdadeiro noviciado [62].

As pessoas das relações delas não sabiam que tinham se tornado religiosas: nem o público sabia, nem eu sabia.

E isto ajuda-nos a compreender a gênese do movimento liturgicista no Brasil, pois com elas se formou toda uma organização com muita influência no Movimento Católico de São Paulo. Eram moças na sua quase totalidade ricas, das melhores famílias de São Paulo, inteligentes, capazes, sabendo dirigir muito bem as coisas, e que haviam recebido uma formação errada proveniente da Bélgica*.

* O grupo do Legionário costumava apelidá-las intramuros de “construtivas”, por elas afirmarem que a Ação Católica reformularia completamente os métodos de apostolado da Igreja, inaugurando uma nova era de “boa vontade”, na qual as divergências, as polêmicas e as condenações ao erro seriam deixadas de lado. E seriam estabelecidas relações construtivas, cordiais e amigáveis com todas as pessoas e correntes até então consideradas adversárias do catolicismo, para supostamente conseguir a sua conversão.

6. De início as vi com simpatia, depois percebi...

Quando em determinado momento notei que elas apareceram, vi com muita simpatia o fato de que o ambiente católico de São Paulo estava enriquecido pelo surgimento de um grupo de moças de boa sociedade (eram dez, mais ou menos), extraordinariamente capazes e inteligentes.

A princípio eu julguei que se tratava do aparecimento de mais uma força definida, decidida, capaz de lutar a favor da causa católica.

De onde, então, eu as ter acolhido muito bem e, guardadas as diferenças que naturalmente deve haver entre os sexos, ter feito com elas boas relações, bom equilíbrio.

Mas, ao cabo de algum tempo, comecei a perceber que havia qualquer coisa de esquisito, de meio modernoso, meio arrojado, meio igualitário na atitude que elas vinham tomando. Eu tinha a sensação de que a elas faltava exatamente a mentalidade católica*.

* O então Cônego Antonio de Castro Mayer delas dizia, em carta (data desconhecida) ao Cardeal Dom Sebastião Leme:

“Quase todos os membros da Ação Católica incipiente eram pessoas mais ou menos convertidas, moças todas elas. Mais ou menos convertidas, pois, se não passaram da infidelidade para a Fé, passaram de uma falta de interesse pelas coisas da Igreja para um aparente fervor maior. Diziam: foi a A.C. que nos entusiasmou. [...] Pode bem dizer-se que a A.C. entrou pela janela, excluindo as pessoas mais recomendadas pelo senso da pureza dos costumes católicos e integridade de fé. Mais. A Ação Católica apareceu como francamente revolucionária”.

Elas procuravam agradar o nosso grupo do Legionário, procuravam ter boas relações conosco. Eu até certo ponto fiquei com um pé atrás, mas de outro lado achando que, quem sabe, a situação ainda se recomporia se um bom padre, um bom diretor espiritual desse a elas uma boa orientação.

Elas começaram a trabalhar em torno da Ação Católica, e apresentavam a Ação Católica como ultra novidade de apostolado, uma novidade que haveria de reformular completamente os métodos de ação da Igreja, e que teria uma capacidade de conversão extraordinária, uma espécie de raio laser em matéria de apostolado. E eu achando aquilo uma coisa esquisita.

7. O “serviço social” das “construtivas” era socialismo puro

Esta formação tinha como seu ponto principal de atração a idéia do serviço social, que era no fundo, e continuou depois a ser, socialismo puro.

Depois dessas conferências, Mlle. de Loneux voltou para a Bélgica e nunca mais retornou ao Brasil, que eu saiba.

Edith Junqueira Azevedo Marques fundadora do Centro Social Leão XIII

Mas as suas discípulas foram as moças que fundaram em São Paulo, em 1932, o Centro de Estudos e Ação Social; e em 1936 a Escola de Serviço Social.

Todo o elemento de esquerda do movimento feminino liturgicista recebeu sua formação social (em última análise, socialista) nessa Escola de Serviço Social [63]. Essa escola foi o foco da Ação Católica e do maritainismo feminino em São Paulo [64].

Também criaram aqui o Centro Leão XIII e A Lareira [65], esta última uma organização interconfessional em que trabalhavam sacerdotes conhecidos como liturgicistas e modernistas por suas doutrinas e hábitos: o Padre Benedito Mário Calazans e o Padre Ramón Ortiz, de quem falaremos mais adiante [66].

Segundo me consta, a Escola de Serviço Social do Rio de Janeiro também foi fundada por elas.

*   *   *

Vimos, portanto, no ano de 1932, a penetração do socialismo nos meios católicos de São Paulo, feito de um modo muito velado, muito indireto.

O que correspondia à tática modernista de divulgação de idéias: formação socialista feita em um nucleozinho, mas isto não se dizia para fora. Depois, aos poucos, divulgação dessas idéias por meias palavras, de maneira a não se perceber logo o seu fundo doutrinário [67].

8. As "construtivas" tomam os postos-chave da Ação Católica

Prestigiadas pelos conhecimentos especializados que traziam da Europa, e pela magnífica bandeira sob a qual trabalhavam, ou seja, a Ação Católica, elas começaram a fundar núcleos em vários lugares como São Paulo, Rio, Belo Horizonte.

Dentro em breve, esses núcleos se irradiaram por todo o Brasil, atraindo a si elementos do melhor quilate intelectual e religioso da mocidade.

Por meio de viagens, de contatos epistolares freqüentes e diversos outros meios, elementos vindos da Bélgica formaram, a bem dizer direta e pessoalmente, todos os dirigentes dos principais núcleos.

Decorreu daí para a Ação Católica em todo o Brasil uma tal homogeneidade de espírito e uniformidade de ação, que dela fizeram uma potência de primeira ordem para difundir idéias e diretrizes nos círculos católicos do País [68].

9. Dom Martinho Michler, propulsor do liturgicismo

Enquanto a Escola de Serviço Social, de origem predominantemente belga, se desenvolvia em São Paulo, o Movimento Litúrgico, de origem alemã e francesa nascia no Rio de Janeiro por volta de 1933 [69].

O grupo de litúrgicos no Rio surgiu da convergência de influência dos padres dominicanos de Toulouse, França; e dos beneditinos de Beuron e de Maria Laach, Alemanha [70].

O Rio de Janeiro tornou-se a cidadela do Movimento Litúrgico. Um bom número de monges do prestigioso mosteiro de São Bento, e leigos como Tristão de Athayde (homem da total confiança do Cardeal-Arcebispo do Rio, Dom Sebastião Leme da Silveira Cintra) apoiaram esse movimento.

E em São Paulo, a Ação Católica gozava de todo apoio do jovem Bispo Auxiliar Dom José Gaspar de Affonseca e Silva [71].

Alceu Amoroso Lima (o Tristão de Athayde na literatura), foi um dos que se fizeram mais ardorosamente entusiastas da nova tendência. Escritor de grande prestígio, presidente da Ação Católica de todo o Brasil; também presidente do Centro Dom Vital, organização católica com sua rede de filiais em várias cidades do País e muito conhecida da intelectualidade brasileira; e além do mais diretor da revista Ordem, lida e assinada em todo o nosso território, inclusive nos seminários, seu prestígio levou muitos a passarem para o campo liturgicista [72].

*   *   *

O monge alemão que dirigia toda essa investida era Dom Martinho Michler [73], do mosteiro de São Bento no Rio.

Foi um dos homens mais atraentes que eu tenha conhecido.

Alto, esguio, com um sorriso muito comunicativo, maneiras muito afáveis, as quais davam à pessoa com quem tratava vontade de estar de acordo com ele. Tinha um modo de ser que realmente encantava [74].

Muito inteligente, muito enjôleur sobretudo, havia nele uma espécie de irradiação que lhe dava uma verdadeira graça [75].

Mas era o mentor de todas essas idéias com que não se podia estar de acordo [76].

Eu me lembro que assisti a algumas conferências dele no Centro Dom Vital, no Rio.

Ele dava a impressão singular de uma extraordinária maestria em todos os seus movimentos. Os seus movimentos, mesmo os menores, eram bonitos: ele se dobrava para apanhar um pedacinho de papel que caiu no chão, aquilo era feito com naturalidade, com uma beleza quase clássica; ele dava uma risada, a risada dele era cativante; ele olhava, o olhar era aveludado e agradava; ele descansava, o repouso dele era comunicativo.

Entretanto — é um mistério — ele era feio, e até bem feio. E um pouco pesadão [77].

*   *   *

Eu me lembro também do último encontro que tive com ele.

Os componentes do grupo do Legionário e eu tínhamos ido visitar Dom Mayer na Diocese de Campos.

Estávamos andando por uma das praias de lá, daqueles arredores. Tempo lindo, sol magnífico, praia enorme, areia estupenda, mar muito mais bonito do que a areia.

Conversávamos sobre várias coisas, quando vimos ao longe uma camionete que se aproximava e uma pessoa que de longe nos sorria.

Mais perto, percebemos que usava batina. Eu, sem reconhecer bem (nunca fui bom fisionomista), sorria amavelmente também.

Quando ele chegou próximo de nós, vi que era Dom Martinho Michler.

Eu já havia escrito o livro Em Defesa da Ação Católica e estávamos rompidos. Mas ainda olhei para ele e pensei: “Como é um homem atraente e encantador”!

Passamos um pelo outro em meio às mostras da maior cordialidade. E depois nunca mais nos vimos [78].

O fato concreto é que este monge começou a dar, para os membros da Ação Católica do Rio de Janeiro, cursos sobre a Sagrada Liturgia inteiramente na orientação condenada pela encíclica Mediator Dei [79].

Esses cursos atraíram vários jovens, que dentro em breve se fizeram notar por seu excessivo liturgicismo. Eram jovens inteligentes, que abraçaram a vida religiosa na Ordem de São Bento e na de São Domingos, e que desenvolveram um trabalho ativo em favor do liturgicismo no Brasil.

Dom Martinho Michler irradiou sua mentalidade em São Paulo, em Belo Horizonte e em várias outras cidades, sempre com o apoio de bom número de seus irmãos de hábito. Em escala menor, o mesmo se deu junto a outras abadias e mosteiros beneditinos.

Assim, o espírito da abadia de Maria-Laach, no que ele tinha de temerário, penetrou largamente no Brasil, atingindo de preferência os próprios círculos da Ação Católica, tão preparados para o receber. E, por fim, os dois movimentos, o liturgicista e a Ação Católica, se fundiram inteiramente [80].

10. Meu primeiro contato com o Movimento Litúrgico

A primeira vez que tomei contato com esse Movimento Litúrgico foi através do Tristão de Athayde.

O Tristão realizava todo mês uma reunião de líderes católicos no prédio da Coligação Católica, da qual ele era o presidente, que ficava em frente ao prédio da Assembléia Constituinte. E ele convidava um deputado por mês para falar.

Às horas tantas ele se lembrou de me pôr como orador. E me pediu que tratasse de um tema de vida espiritual.

Eu ignorava a existência desse Movimento Litúrgico, e por pura coincidência expus várias coisas que estão no livro de Dom Chautard [81] a respeito de liturgia e do bom movimento litúrgico de Dom Guéranger. E falei disso com muito calor.

Notei que, pelo meio deles, um grupo de rapazes que eu não conhecia se movia com um afã, mas uma coisa única!

Terminada a conferência, o Tristão, que morava pelos lados do meu hotel, me disse:

— Você me espere um pouquinho que eu vou com você e o deixo junto ao seu hotel.

— Pois não.

Descemos, sentei-me no automóvel, e foi a única vez que Tristão elogiou uma conferência minha na vida.

— Plinio, você hoje falou de um modo fantástico! Estou encantado com seu discurso! Tem um grupo de rapazes doidos para se aproximar de você, e que quer ter contato. São tais rapazes assim, assim, bons católicos.

Eu, naquela confiança que reinava entre católicos naquele tempo, pensei comigo: “Como, afinal de contas, ele está mudado comigo”! Porque ele era muito amável na aparência, mas no fundo muito frio.

No primeiro convite que me fizeram, eu fui. E me deparei com o quê?

Numa sala do prédio da Coligação Católica, com os móveis afastados de lado, eles todos com breviários e roupa de leigos, recitando o Ofício Divino, um fazendo papel de abade, outros fazendo papel de monges.

Isto, de si, não tem nada de mau [82]. Mas curiosamente me disseram, com ar de mistério: “Dr. Plinio, é uma coisa muito interessante. Mas é reservada”.

Dessa história de “reservada” eu não gostei.

Reservada por quê? Nosso Senhor recomenda que os filhos da luz proclamem do alto das casas o que fazem. Reserva para quê? Que negócio é esse?

Terminado o Ofício, era natural que me apresentassem aos rapazes e que conversássemos um pouco.

Não! Os rapazes foram em fila para uma outra sala e sumiram.

— O que você achou?, perguntou o Alceu.

Eu disse:

— Bom, é uma oração da Igreja, uma oração do Breviário... É um pouco curioso que os rapazes usem o Breviário.

— É, porque... você sabe? Isso corresponde a uma coisa nova. Um frade alemão do Mosteiro de São Bento aqui do Rio está nos ensinando uma nova forma de piedade, que já está sendo divulgada pelo mundo e que faz parte do que se chama Movimento Litúrgico.

— Em que consiste?

— Valorizar a Sagrada Liturgia, as pessoas serem levadas a gostar do Ofício Divino. Você não acha isso bom?

— É uma coisa excelente, mas qual é a razão do caráter reservado? Uma coisa tão boa pode-se fazer na frente de todo o mundo.

— Não, não, porque não convém atrair muita gente.

Eu achei a coisa meio esquisita: “Como não convém? Se é uma coisa muito boa, quanto mais gente entrar, melhor é. Por que panelinhas fechadas? Não senhor, abra esse negócio! Que negócio é esse”?

Somente mais tarde é que vim a perceber que se tratava de um movimento que trazia doutrinas erradas, paralelas às doutrinas da Ação Católica [83].

11. A influência de Maritain, Mauriac e Bernanos

Além de todas essas influências tivemos a atuação, como já disse, de certos dominicanos franceses, cuja Província no Brasil dependia da Província de Toulouse, toda ela formada no espírito do semanário Sept, ou do semanário Aurore. Em conseqüência, no espírito dos escritores franceses Maritain, Mauriac [84] e Bernanos [85], e dentro da mentalidade da "politique de la main tendue".

Por outro lado, vários dominicanos brasileiros foram estudar na França. E também hauriram essa mentalidade.

Todas essas tendências, as de Maria-Laach como as de Toulouse, e ainda as da Ação Católica desviada, a bem dizer se fundiram em uma só. Elas tinham entre si uma afinidade profunda, que o gênio essencialmente intuitivo e latino dos brasileiros bem percebeu. Maria-Laach era em teologia o que Toulouse era em filosofia e sociologia, e o que os erros e exageros da Ação Católica eram em Pastoral.

Assim, de tudo isto se formou um imenso corpo de doutrinas, adotadas de Norte a Sul do Brasil pelas mesmas pessoas, defendido concretamente por grandes organizações religiosas, verdadeiras potências, tendo a seu serviço a autoridade de sua situação eclesiástica e as vantagens do dinheiro, do número e do talento.

A tantas influências somava-se ainda a de numerosos sacerdotes que, um pouco por toda a parte, no púlpito, no confessionário, nos seminários favoreciam esse espírito.

12. Também do Canadá e dos Estados Unidos chegam influências laxistas

E, para complicar mais o quadro, a isto deve se acrescentar ainda a aproximação entre os círculos católicos brasileiros e norte-americanos inovadores, as bolsas de estudo para brasileiros nos Estados Unidos, a criação de casas religiosas de congregações norte-americanas e canadenses no Brasil etc. As idéias, hábitos e tendências liberais desses católicos norte-americanos e canadenses penetraram assim entre nós, festivamente recebidos pelos inovadores brasileiros, os quais tinham, todos eles, uma tendência manifestamente laxista em matéria moral [86].

Era com suma preocupação que eu via uma nação, na época com 40 milhões de católicos, e uma das maiores esperanças da Igreja, ser trabalhada em suas vísceras por uma grande força de desagregação religiosa e moral que agia em nome da própria Igreja [87].

13. Padre José Gaspar: entusiasmo pela Ação Católica; Dom Cabral: propugna liturgicismo

Um fato pequeno, mas que também prognosticava o futuro.

Era diretor espiritual da Federação das Filhas de Maria de São Paulo, o então Padre José Gaspar de Affonseca e Silva, o qual escreveu um prefácio para o anuário delas. Nesse prefácio ele falava com grande entusiasmo e pela primeira vez da Ação Católica [88].

*   *   *

Outro foco intenso de liturgicismo foi Belo Horizonte.

O então Arcebispo de Belo Horizonte, Dom Antonio dos Santos Cabral, tomou imediatamente partido das idéias novas. E passou a ser um dos propugnadores mais enérgicos delas.

Belo Horizonte transformou-se numa Meca (Tristão de Athayde chegou a escrever que havia se transformado numa Roma...) dos movimentos liturgicistas dentro do Brasil [89].

A serviço desse liturgicismo colocou-se desde logo o primeiro e maior diário católico de nosso País, o Diário, de Belo Horizonte, lido em todo o território nacional. Ao lado da revista Ordem, acolitado por revistas menores como Vida, órgão da Ação Católica de Porto Alegre, o Diário foi mais uma grande força a serviço do liturgicismo [90].

14. Conclusões a que cheguei

Depois de muito ouvir e observar, não tardei a perceber:

— Que a tal ordem religiosa clandestina trazida da Bélgica para cá por Mademoiselle de Loneux tinha instalado, na Ação Católica de São Paulo, uma mentalidade que era a mesma versão da mentalidade que havia no Movimento Litúrgico de Tristão de Athayde no Rio.

— Que essa gente da Ação Católica de São Paulo colaborava intimamente com Tristão de Athayde, e que esses dois movimentos (Movimento Litúrgico e Ação Católica) constituíam o verso e o reverso de uma só coisa, embora cada um deles quase não falasse a respeito do outro [91].

— Que havia um certo número de padres, e mesmo um certo número de Bispos que davam apoio a esses movimentos: viam o que eles diziam e faziam, estavam de acordo, e por debaixo do pano até sopravam essas ideias.

— Que esses clérigos, antigamente amigos do Legionário e meus, iam nos colocando à margem e pondo esse pessoal na direção do movimento católico.

— Que estava se armando uma verdadeira conspiração para introduzir essas ideias novas no lugar das ideias antigas [92].

— Que essa conspiração tinha caminhado muito e até galgado graus dos mais excelsos na Hierarquia Eclesiástica, entre os quais se destacava, a perder de vista, Dom Antonio dos Santos Cabral, Arcebispo de Belo Horizonte [93].

— E que, por fim, o principal patrono dessa mentalidade nova era um homem de seus 37 anos, resplandecente, encantador: o Bispo Auxiliar de São Paulo, Dom José Gaspar de Affonseca e Silva [94].

15. Jesuítas perseguidos apóiam Dr. Plinio

Os litúrgicos, os maritainistas, o pessoal do Serviço Social, os componentes da Ação Católica começaram as atividades deles com uma propaganda violenta contra a Companhia de Jesus.

Essa propaganda não se voltava contra os homens da Companhia de Jesus, mas contra a própria instituição e os métodos de apostolado que esta empregava: contra os Exercícios Espirituais de Santo Inácio, reputados antiquados, nocivos; contra a ascese inaciana; contra a espiritualidade dos jesuítas.

Como as Congregações Marianas e também as federações marianas eram em geral dirigidas por jesuítas, vieram os ataques às Congregações Marianas.

*   *   *

Talvez por isto, entre as pessoas que se levantaram para combater esses erros não figurávamos apenas nós. Desde o início, destacou-se um jesuíta extraordinariamente capaz, inteligente, o Padre César Dainese [95].

Além dele, levantou-se mais tarde outro jesuíta de quem já falei, o Padre Arlindo Vieira, este brasileiro, orador verboso, popular, boa alma dedicada e que fez conferências célebres contra Bernanos e escreveu artigos contra Maritain. E também o Padre Louis Riou, provincial da Companhia de Jesus.

Esses três jesuítas tomaram partido muito a favor das boas idéias. Também o padre Felix Pereira de Almeida e o padre Walter Mariaux [96]. Sobre como conheci este último, falarei mais adiante.

Mas, notem uma coisa curiosa: vários outros jesuítas eram de uma indiferença soleníssima em relação a nós, uma indiferença que chegava às vezes até à hostilidade. A impressão curiosa que se tinha era de uma espécie de divisão dentro da Companhia. O Padre Sabóia [97], por exemplo, desde que chegou dos Estados Unidos, já desceu no Brasil falando mal de nós [98].

Capítulo IV

Doutrina do Movimento Litúrgico e da Ação Católica

1. Co-participação no poder de santificar dos sacerdotes

Tanto no que se referia à liturgia quanto à Ação Católica, os erros da nova corrente que tínhamos de enfrentar giravam em torno do conceito do sacerdócio dos leigos.

Segundo a doutrina tradicional, o sacerdote traz consigo um poder que lhe vem da ordenação sacramental. E os leigos participam passivamente do sacerdócio do padre.

Segundo os inovadores, Pio XI teria acrescentado algo ao sacerdócio passivo dos leigos, de sorte que, com a inscrição de um leigo na Ação Católica, este adquiriria ipso facto um modo de participação no sacerdócio, participação essa que já não seria inteiramente passiva [99], mas lhe conferiria certa parcela no poder de jurisdição, visando assim estabelecer uma transformação do estatuto do leigo na Igreja [100].

De onde eles deduziam que os membros da Ação Católica participariam da liturgia, não passivamente, mas ativamente como verdadeiros liturgos oficiantes.

O Movimento Litúrgico também sustentava que eles não pertenciam apenas à Igreja discente, governada e santificada, mas exerciam funções de docência, governo e santificação que lhes pertenciam como atributos próprios de seu novo estado [101].

Seriam, no fundo, uns padrezinhos, um padre em ponto menor. E, como tal, deviam em alguma medida participar do governo da Igreja, deviam santificar e deviam ensinar.

Segundo a concepção deles, quando o padre celebra a Missa (ato central da Fé católica) e faz a consagração da hóstia (ato central da Missa), se o fiel diz as mesmas palavras do padre, tomaria parte ativa no ato da transubstanciação [102], cooperaria com o sacerdote no operar a transubstanciação [103].

Assim também, em todas as orações, pedidos, súplicas, atos de adoração que o sacerdote faz durante a Missa: se o leigo pronunciasse junto com o padre, é como se ele se enxertasse nas palavras do padre e em algo concelebrasse a Missa.

Todos os leigos eram assim mais ou menos sacralizados. E — notem bem — as leigas também. As que entrassem para o Movimento Litúrgico ficariam meio sacerdotisas. E a velha proibição, que vem dos Apóstolos, de mulheres acederem ao sacerdócio ou ao governo da Igreja, saltava pelos ares.

Quer dizer, era a abolição da fronteira sagrada que separava os leigos dos sacerdotes.

2. Co-participação no governo da Igreja

Algo semelhante se dava na Ação Católica no que diz respeito, não mais no santificar pela liturgia, mas no governar a Igreja.

Eles sustentavam que era preciso tomar em consideração o que São Pedro disse de nós, o povo católico: somos um povo sacerdotal e régio.

Então — deduziam os adeptos das idéias novas da Ação Católica — nós, os leigos, somos co-sacerdotes, somos co-reis, somos co-governadores [104].

Em que sentido?

No sentido de uma definição de Pio XI, que dizia ser a Ação Católica uma participação dos leigos no apostolado hierárquico da Igreja.

Daí eles deduziam que Pio XI havia dado aos leigos um poder de fazer apostolado em nome da Hierarquia, como se os leigos fossem uma espécie de padre e participassem das graças muito especiais que tem o apostolado de um sacerdote [105].

Tudo caminhava, portanto, para afirmar que, na Igreja, não havia diferença entre leigos e padres, e que no fundo, na Igreja, o leigo valia tanto quanto o sacerdote. [106].

Daí também a tendência, pelos exageros relativos à Ação Católica e à liturgia, a apagar a noção de que a Igreja é uma sociedade de desiguais, dos quais uns têm a incumbência de ensinar, governar e santificar, e os outros de se deixar governar, ensinar e santificar (cfr. São Pio X, Encíclica Vehementer Nos, de 11 de fevereiro de 1906) [107].

Em conseqüência, o leigo na Ação Católica devia tomar a direção e empurrar o padre de lado [108]. O fundo do pensamento era: “Acabou-se o tempo em que os padres, Bispos e Papas mandavam nos leigos. Chegamos a uma época de liberdade, igualdade e fraternidade. E na Igreja deve também reinar a liberdade, a igualdade e a fraternidade. Nós agora traçamos o nosso caminho. Porque o tempo de hoje é o tempo do povo. E nós somos o povo dentro da Igreja” [109].

Na concepção deles, deveria continuar a haver padres e Bispos, mas com um poder puramente representativo, figurativo; e os leigos deveriam ter independência e resolver dentro da Igreja as coisas como quisessem [110].

De outro lado, segundo essas doutrinas novas, todos os leigos seriam obrigados a inscrever-se como sócios nos quadros da Ação Católica. Desta forma praticamente essas funções governativas seriam estendidas a todo o laicato.

3. Visão panteísta e falsa concepção de “mandato”

Esses inovadores gostavam muito de usar a expressão “Corpo Místico de Cristo”. Para eles não se tratava apenas de uma metáfora para designar uma realidade sobrenatural, mas de uma verdadeira incorporação física. E assim as doutrinas novas caíam no panteísmo, que é o nivelamento estabelecido entre o homem e Deus [111].

*   *   *

Por outro lado, os mentores dessa nova escola diziam que Pio XI, fundando a Ação Católica, tinha dado a ela um “mandato” para fazer apostolado.

Em virtude desse “mandato”, a Igreja tinha restringido apenas à Ação Católica, e a nenhuma outra organização, a incumbência de fazer apostolado. Todas as outras organizações que se dedicassem ao apostolado o fariam a título puramente auxiliar, ou então não deveriam fazer, porque só a Ação Católica tinha o direito, em virtude desse “mandato”, de fazer apostolado [112].

Assim, deviam desaparecer todas as antigas associações religiosas (Congregações Marianas, Ordem Terceira do Carmo, Ordem Terceira de São Francisco, Apostolado da Oração, Filhas de Maria etc.) e deveriam ser substituídas por uma só organização — a Ação Católica —, porque ela sozinha valia mais do que todas as outras, e os seus membros participavam do apostolado do sacerdote [113].

Ademais, diziam eles, Pio XI também tinha dado aos leigos a ordem de fazer apostolado na Ação Católica. De maneira que o leigo que tirasse alguma coisa de seu tempo livre para fazer um apostolado de caráter particular, fora da Ação Católica, era um indisciplinado. Ele deveria entrar na Ação Católica e fazer o seu apostolado dentro dela.

O resultado era o estabelecimento de uma verdadeira ditadura da Ação Católica. Pois, se só se podia fazer apostolado dentro da Ação Católica, e como na Ação Católica todo apostolado era dirigido, ou se fazia o apostolado progressista deles, ou não se fazia apostolado nenhum. Era a implantação de um perfeito nazismo eclesiástico.

Naquele tempo, tudo isso era reputado muito moderno. E eu notei desde logo a que resultados eles queriam chegar: a morte das Congregações Marianas [114].

4. Imunes ao pecado: levar “o Cristo” aos lugares moralmente suspeitos

Esta doutrina vinha acompanhada de outra, atingindo o campo moral.

As “construtivas”, por exemplo, afirmavam, em última análise, que o católico podia freqüentar lugares moralmente suspeitos, até de perdição, sem perigo para a sua alma, desde que ele tivesse comungado antes, porque ele tinha dentro de si "o Cristo" (eles não gostavam de falar “Nosso Senhor Jesus Cristo”) [115]. Ele deveria comungar de manhã, fazer um pouco de oração durante o dia, e à noite ir para esses lugares suspeitos, para ali “levar o Cristo [116].

A idéia era de que, quando a pessoa comungava, a comunhão eucarística fazia com que ela ficasse “vacinada” contra toda tentação, contra toda a solicitação do mal [117]. Na concepção deles, os leigos da Ação Católica estavam de tal maneira “sacralizados”, tinham tais graças novas, e estavam de tal maneira justapostos à Hierarquia, que não havia mais possibilidade de eles pecarem [118].

Por isso mesmo, a pessoa podia ir, por exemplo, ao cassino da Urca (que era naquela época um dos lugares de freqüentação imoral mais conhecidos no Rio de Janeiro), e ela não pecava, antes fazia um ato de virtude.

Por que ela fazia um ato de virtude? Porque ele ia “levar o Cristo’ ao cassino da Urca, que estava cheio de gente que nunca tinha recebido a comunhão, ou que havia tanto tempo que a tinha recebido, que a recordação eucarística estava apagada nessas almas miseráveis.

E essa pessoa da Ação Católica que comungou cedo, recebeu de tal maneira uma união com “o Cristo”, que ela podia levar “o Cristo” até essas pessoas que há trinta ou quarenta anos viviam em estado de pecado mortal.

Haveria então um contágio: “o Cristo” estava no rapaz da Ação Católica e não estava na moça com quem ele dançava. Mas aquela moça acabava recebendo uma ação “do Cristo”, por dançar com um moço que tinha recebido “o Cristo” de manhã [119].

Portanto, para conquistarem o mundo moderno, não deveriam mais sair do mundo, como recomendavam as antigas associações religiosas a seus membros. Pelo contrário, agora deveriam entrar no mundo, misturar-se com ele, fingir não ver o que o mundo tinha de ruim, e meter-se dentro de todos os ambientes [120].

Compreende-se facilmente que essa doutrina acabasse por conduzir a abismos mais profundos. Não faltaram os que começaram a considerar que os atos contrários à moral podiam ser feitos de um certo modo “santo”, quando praticados com “sinceridade”, “inocência” e “simplicidade”. Essa idéia de santidade subsistente na imoralidade se manifestava, por exemplo, na copiosa literatura místico-sensual da revista A Ordem [121].

No fundo, as idéias novas - importa notar este ponto, que é o âmago da questão - constituíam uma tentativa de adaptar o catolicismo aos sistemas filosóficos e aos costumes de nosso século.

Não seria difícil demonstrar que o misticismo panteísta a-racional que caracteriza muitos sistemas filosóficos modernos influenciava também, a fundo, o movimento ideológico dos inovadores. A moral de nossos dias, que favorece de todos os modos o livre exercício dos instintos, e despreza todo o exercício disciplinador que sobre eles pode exercer a inteligência e a vontade, também influenciava profundamente as concepções morais dos inovadores [122].

5. Negação do pecado original e da militância da Igreja. Ecumenismo

Esta concepção envolvia uma virtual negação do pecado original.

A idéia subjacente era a seguinte: “Os homens, no fundo, não são maus. Eles são maus porque os bons desconfiam deles. No dia em que o bom confiar no mau, o mau se converte e se torna bom. Com o mau a gente deve conduzir a política da mão estendida. Deixemos todos os homens fazerem o que quiserem, que tudo correrá bem” [123].

No livro Em Defesa da Ação Católica apontei esse erro fundamental como sendo o ponto de partida de um certo ecumenismo. O ecumenismo pressupõe que, estabelecendo-se relações amáveis, dulçurosas, com os hereges, com os cismáticos, a pessoa os acaba convertendo [124].

O apostolado deveria ser, portanto, ecumênico: discussões jamais, polêmicas jamais; o sorriso seria o veículo natural da graça de Deus.

E se uma pessoa, em vez de sorrir e de ser amável, discutisse com os que estão no erro, essa pessoa rejeitaria o “fiel do Cristo” que quer vir “ao Cristo”.

Era preciso, portanto, jamais dizer a alguém: “Você está no erro, você não pode pensar assim”. Ou: “Tal maneira de proceder é contra tal Mandamento da Lei de Deus”. Não! Sorrir! Somente sorrir [125].

E então a atitude militante da Igreja não tinha mais razão de ser. A atitude da Igreja devia ser conciliante, própria a reconciliar e fazer com que as pessoas boas, as pessoas honestas vencessem sempre a batalha não combatendo. O resultado seria que, diante de tanto amor, tanto amor, tanto amor, a maldade humana não resistiria.

Não havia, pois, razão para estar combatendo. A luta era uma coisa errada [126].

6. Arte sacra extravagante, literatura erótico-mística, combate à “mania” da moral

Uma coisa que me chocava nesses inovadores era também o apoio que davam às realizações mais audaciosas e extravagantes da arte sacra, e uma certa literatura religiosa erótico-mística das mais perigosas.

Por isto também apregoavam nos ambientes católicos uma grande liberdade de costumes.

Acusavam os congregados marianos, as filhas de Maria e outras associações de terem um ideal de pureza farisaico e algum tanto antiquado.

Pregavam o favorecimento da intimidade entre os sexos, dos passeios e excursões em comum, do uso de trajes de banho hipermodernos. E diziam que os problemas sexuais podiam e deviam ser tratados não só em particular e com modéstia, mas em cursos e conferências feitos para ambos os sexos e até pelo rádio e demais meios [127].

Em suma, era preciso acabar com a preocupação moralizante. A “mania” da moral devia desaparecer. A Igreja existia, diziam, não para pregar a moral, mas para o “apostolado” [128].

No fundo, no fundo, no fundo, a Moral deixava de ter importância. E era o próprio perfil do católico que mudava também.

Em geral, o católico do tempo em que fui deputado timbrava por ser sério, rir pouco, apresentar-se com gravidade, dizer coisas que tinham importância, alcance, maturidade, pensamento.

Para eles, não. O católico novo devia estar sempre rindo, sempre brincando, sempre gracejando, tomando tudo com ar de ingenuidade [129].

Resumindo: a Ação Católica era, em matéria de apostolado, o que o Movimento Litúrgico era em matéria de piedade. Ou seja, eram dois aspectos de uma mesma heresia [130].

7. Luta de classes latente na opção exclusiva pelo operariado

Naquele tempo havia um movimento que teve na Europa, sobretudo na Bélgica, um desenvolvimento extraordinário, chamado JOC, Juventude Operária Católica.

Esse movimento era dirigido pelo Padre Joseph-Léon Cardjin, que mais tarde, se não me engano no pontificado de Paulo VI, foi elevado a Cardeal [131].

Esse movimento tinha uma eficácia, tinha uma precisão de movimentos, de atitudes e um bom gosto no realizar as suas manifestações públicas que verdadeiramente entusiasmava.

Lembro-me de ter visto álbuns com fotografias da JOC belga ocupando estádios colossais, com as famílias dos operários católicos nas arquibancadas, e os jovens desfilando e fazendo exercícios. Eu ficava encantado considerando aqueles desfiles.

As primeiras “bandeirantes” do progressismo em São Paulo sustentavam que a única coisa que valia a pena, hoje em dia, era promover movimentos operários, porque as classes mais altas tinham perdido completamente o prestígio. E que a existência dessas classes altas era uma espécie de bossa, de saliência errada, mais ou menos como uma espécie de corcova de zebu na organização social. E que era preciso acabar com essas classes. O que era uma manifestação clara do espírito de luta de classes para a qual tendia esse movimento.

Contra isto, eu — que era entusiasta da JOC belga e dos movimentos que esta fazia, do número impressionante de jovens que recrutou, quer na JOC masculina, quer na JOC feminina — me opus categoricamente [132].

Eu sustentava que era fácil dirigir para o bem as classes populares, desde que as classes altas tomassem a direção boa em relação à Fé, à doutrina católica [133].

8. Balanço final: uma outra “igreja” metida dentro da Igreja

Isso tudo posto, o balanço a ser dado sobre todo esse movimento era:

Estávamos em presença de uma religião nova, otimista, alegre, permissivista e satisfeita, a qual partia da idéia de que o homem, tendo inteira liberdade, se conduz bem.

À maneira da lâmina de uma espada oculta dentro de uma bainha, assim eles queriam ocultar, dentro da bainha da verdadeira Religião Católica, a lâmina de uma religião anticatólica; era uma outra “igreja” metida dentro da Igreja.

Estava sendo pregada uma revolução que vinha a ser, dentro da Igreja, o que a Revolução Francesa foi dentro do Estado. Exatamente a mesma coisa. Era, portanto, um começo de Revolução Francesa que assistíamos dentro da Igreja.

Tudo isto era, antes mesmo da Revolução de Maio de 1968, a implantação na Igreja Católica do ideal da Sorbonne, cujo lema foi: “É proibido proibir”.

Capítulo V

Métodos de difusão dessa doutrina e a expansão do movimento: caráter conspiratório

1. Conspiração feita em surdina. Combate à devoção a Nossa Senhora

Essa doutrina não era enunciada com esta clareza. Ela era toda “conspirada” [134].

Em seus escritos, raramente afirmavam sem rebuços sua doutrina. Mas punham em silêncio todas as verdades que queriam destruir, apresentando uma imagem implicitamente mutilada e deformada do catolicismo. De mais a mais, adotavam uma linguagem ambígua, que tanto podia ser entendida em seu sentido errôneo quanto em seu sentido verdadeiro.

Assim, combatiam a devoção a Nossa Senhora falando dela o menos possível, isto é, quase nunca. E em seus livros de piedade, abstraíam da existência de Maria Santíssima, induzindo o leitor ignorante e desprevenido a julgar a devoção a Nossa Senhora supérflua e de pouca valia [135].

Também elogiavam tanto e tanto o Bispo, que o fiel era levado a ter uma visão falsa da organização da Igreja, pela impressão de que o Bispo era quase tudo e o Papa quase nada [136].

Essa doutrina eles não davam claramente, davam de um modo confuso, para a ir colocando aos poucos na cabeça das pessoas.

Um outro exemplo desse modo confuso eu notei no Movimento Litúrgico: muita correção no recitar o Ofício, muita afinação, tudo muito direito. Só podia impressionar bem as pessoas. Porém, na hora em que explicavam por que faziam aquela oração, vinham os erros: as formas antigas de piedade deviam ser substituídas; não mais o Rosário, não mais a Via Sacra, não mais a comunhão fora da Missa: participe da Missa com o padre e não se preocupe mais com os atos antigos de piedade.

Isto era dito assim: “O leigo participa com o sacerdote da Santa Missa”.

Mas o que é “participar”? Nunca diziam claramente. Davam a entender que era qualquer coisa de muito novo, de muito importante.

Quando notavam que uma pessoa oferecia certa resistência, eles então a sabotavam. E só promoviam, só davam lugares de honra aos que se engajavam em sua escola [137].

E assim na surdina, dentro da obscuridade, no meio católico se fazia uma espécie de conspiração de um “catolicismo” que não era catolicismo, porque não há dois gêneros de catolicismo. Existe uma só Religião Católica Apostólica Romana, e todo tipo de adaptação do catolicismo a uma mentalidade dita “nova” é uma deformação do catolicismo. Portanto uma coisa que não se deve aceitar [138].

2. Núcleos aparentemente desarticulados

Inteiramente outro era o procedimento dessa gente em seus conciliábulos. Nos seus pequenos círculos de estudo e nas suas palestras, de pessoa a pessoa usavam eles de uma franqueza maior e, por um processo de verdadeira iniciação, à medida em que notavam que as tendências de seus ouvintes iam-se manifestando favoráveis, aumentavam suas confidências, até fazer o "apostolado" direto das doutrinas mais audaciosas.

E assim o liturgicismo caminhava cautelosamente, jogando muito mais com palavras que voam do que com escritos que permanecem. E se alguém ousasse denunciar seus manejos, eles se faziam imediatamente de vítimas, dizendo-se caluniados.

Era pois uma das tarefas mais difíceis provar que alguém pertencia ao liturgicismo. Pessoalmente eu possuía um grande arquivo de cartas, artigos de jornais, que me permitiram, com algum trabalho, demonstrar o que está no livro Em Defesa da Ação Católica. Mas poucos teriam sido os que, sem igual esforço e documentação, poderiam exibir esta prova [139].

Já mencionei que havia blocozinhos de pessoas que iam à Europa para formar-se nos movimentos europeus contaminados com essa mentalidade. E que depois voltavam ao Brasil para espalhar esses erros. E que vinham pessoas da Europa com essa mentalidade, para incuti-la nos meios católicos brasileiros.

Esses núcleos eram articulados entre si, mas não apareciam como articulados.

A generalidade dos católicos não percebia esta articulação e foi na onda, pois esses núcleos eram compostos de pessoas de comunhão diária, de aparência muito religiosa, muito católica, mas que sabotavam de todos os modos tudo quanto havia de bom e de antigo, e pregavam sua doutrina de modo velado [140].

Eles em geral procuravam pôr em relevo aspectos legítimos da doutrina católica, mas apresentados de uma maneira exagerada [141]. Era, portanto, uma conspiração velada [142].

3. Alguns Bispos perceberam e fecharam as portas

Houve reação?

Nas principais dioceses o erro não encontrou nenhuma reação: Rio de Janeiro, São Paulo, Porto Alegre, Belo Horizonte e outras. Nelas os liturgicistas assumiram os postos de direção, aí exerceram toda a sua influência e conseguiram afastar os elementos de mentalidade tradicional. E assim trabalhavam à vontade.

Também em centros menores, como por exemplo Guaxupé. O Bispo, Dom Hugo Bressane de Araújo, mandou tirar da matriz de Poços de Caldas, que dele dependia, todas as imagens. E isto depois da publicação da encíclica Mediator Dei, que fustigava essa prática.

Em Uberaba, em Campinas, em Juiz de Fora e outras cidades, a campanha liturgicista continuava infrene.

Muitos de nossos Bispos perceberam o problema, e se defenderam contra ele fechando suas dioceses aos agentes da dissolução. Foi o que se passou por exemplo em Piracicaba, Ribeirão Preto, Bragança Paulista, Curitiba, Jacarezinho, Valença, Mariana e outros lugares.

Mas esses Bispos não ignoravam que a Ação Católica era dirigida, em seus centros principais, por uma mentalidade fundamentalmente imersa no erro, e que, mais cedo ou mais tarde, não conseguiriam evitar que essa mentalidade se propagasse das Juntas Nacionais e Arquidiocesanas para as suas próprias dioceses. E julgaram melhor não lutar de frente contra o mal, mas apenas opor-se a ele pela abstenção e pelo prudente recuo.

Isto subtraiu momentaneamente ao mal certas dioceses. Mas foram resistências individuais, todas elas posteriormente destroçadas. Reação oficial não existiu [143].

Ora, teria sido preciso, para mover à ação os mais fracos, os mais imprevidentes, como também a grande maioria inerte, que se compreendesse que estávamos em presença de um vasto sistema de ideias, constituindo toda uma mentalidade nova. Que a penetração desse sistema de ideias nos meios católicos existiam não só no Brasil, mas em quase todos os países. Que, em última análise, era uma tentativa sutil, e por isto mesmo duplamente perigosa do espírito do século, de arrebatar as almas ao aprisco da Igreja. E que a própria sutileza do perigo o tornava ameaçador, não só para os propensos ao mal, mas até para espíritos sinceramente orientados ao bem.

Nessa tarefa, a cooperação franca e geral dos membros do Episcopado teria sido indispensável para resolver o problema. Sem essa cooperação, não haveria trabalho fecundo e completo [144].

Infelizmente vimos o contrário. E o destroçamento das resistências sadias não teria sido possível se - e este é o ponto básico - a corrente inovadora não tivesse tido o apoio da autoridade eclesiástica nos centros a que acabo de me referir, e também em várias dioceses de importância embora não tão central.

Não julgo as intenções. Verifico o fato concreto. E esse fato concreto foi que, invariavelmente, a autoridade desses focos centrais fez tudo para prestigiar os inovadores e inutilizar, nesses vários centros, a reação sadia. A razão é que o impulso dado pelos centros dirigentes a toda a periferia foi neste sentido [145].

Capítulo VI

Faz-se o vazio em torno de Dr. Plinio e do “Legionário

1. Críticas mordazes para cercear a influência de Dr. Plinio

Foi aí que comecei a notar que se ia fazendo o vazio em torno de mim nos meios católicos [146]. E que, da parte de alguns daqueles que eu tinha em conta de bons católicos, vinha contra mim, e na minha presença, uma série de pequenas críticas mordazes que indicavam uma conspirata qualquer para me afastar e me pôr de lado. E eu não sabia por quê.

Dou aqui um exemplo desse tipo de críticas, muito característico [147].

Em minhas aulas de História na Faculdade Sedes Sapientiae eu colocava um empenho enorme em ser claro. E as alunas achavam minhas aulas realmente muito claras.

Certo dia Mlle. de Loneux, aquela freira que não se dizia freira mas pertencia a uma ordem religiosa meio oculta, disse à diretora da Faculdade: “Eu gostaria de assistir a uma aula do Professor Plinio Corrêa de Oliveira”.

A diretora [148] veio me pedir licença, dizendo que uma compatriota belga queria assistir a uma das minhas aulas, por ter ouvido falar muito delas.

Eu disse: “Pois não, à vontade. Arranjem uma cadeira mais confortável para ela, eu tenho todo o gosto de dar a aula diante dela” [149].

Do fundo da sala, ela observava a minha aula [150].

Terminada a aula, seria normal que ela viesse me felicitar, uma vez que eu tinha dado licença a ela para assisti-la. Ela tinha sumido [151].

Dias depois, a diretora da Faculdade me disse: “O senhor não sabe o que Mademoiselle Loneux achou de sua aula [152]. Ela fez um comentário muito elogioso”.

Eu achei esquisito que esse comentário elogioso ela não o fizesse para mim, fosse fazer para outra. E pensei: “Aqui tem ronha”.

— Ah, sim? O que ela disse?

— Ela disse que o senhor é um professor tão claro, tão claro, tão claro, que ela acha que está mal empregado numa universidade, e que era muito melhor que fosse utilizado numa escola de ensino de débeis mentais. Porque sendo claro como é, nem os débeis mentais conseguiriam não entender o senhor. [153].

Era uma mordida de serpente. À primeira vista, um grande elogio [154]. Mas na realidade um modo de degradar um professor, não por um defeito, mas por uma qualidade. Quer dizer, a qualidade era tão grande que até merecia ser degradado [155].

Aí se vê qual era o método de sabotagem: sob o aspecto de amabilidade [156], aconselhar que me mandassem para junto dos imbecis e evitar que, pela minha influência, eu fizesse apostolado [157].

2. “Recados” sobre o fim das Congregações Marianas

Outro caso de que me lembro, um pouco antes da Ação Católica aparecer, deu-se com uma boa senhora, que eu respeitava muito e até queria bem. Ela não tinha nenhum parentesco comigo e era de muito boa família de São Paulo. Era também muito católica, mas influenciada por alguns padres.

Disse-me ela uma vez:

— Plinio, você está satisfeito de ser congregado mariano? Você não queria alguma coisa a mais?

— Se houvesse alguma coisa melhor, quereria. Mas o que pode ser?

— Ainda virá, você vai ver. Com as viagens de tal e tal pessoa à Europa, virá coisa nova. É feita para você. A Congregação Mariana já fez o seu tempo, é coisa superada!

— Mas superada pelo quê?

— Você vai ver.

— Sim, senhora.

*   *   *

Algum tempo depois, quando a Congregação Mariana estava em pleno esplendor, Monsenhor Gastão Liberal Pinto, que era muito chegado a mim, e que tivera um papel muito grande na minha candidatura a deputado, me disse:

— Então, senhor congregado, como vai você?

— Bem, e o senhor, como vai?

— Bem, obrigado. Ah! a Congregação Mariana já fez seu tempo, hein! já acabou.

— Mas acabou por quê, Monsenhor?

— Tem que vir outra coisa. Não pode ficar eternamente Congregação Mariana. Roda, roda, roda... Congregação Mariana!

Quase lhe perguntei: “Roda, roda, roda... e o senhor é padre sempre? Comigo, roda, roda, roda e sou batizado sempre. O que é que o senhor está querendo?”

Mas não disse nada. Fiquei quieto, procurando ver o que é que vinha.

E me perguntei: por que tubulações chega a mim esta espécie de palavra de ordem? Qual é a fonte emissora? O que essa palavra de ordem contém? “Écoutons, parlons bas, marchons à petits pas, ne faisons point de bruit” — “Escutemos, falemos baixo, andemos devagarzinho, não façamos nenhum ruído”. O que é que vai sair de tudo isso? [158]

3. Conversa com um redator: ultimatum para o grupo do “Legionário”

Em certo momento, notei que um rapaz que pertencia ao nosso grupo ia se deixando envolver pelas construtivas.

Ele era dos mais moços do nosso grupo. Rapaz de razoável inteligência, muito amável no trato com as pessoas, mas sempre disposto a concordar com quem ele notasse que estivesse de cima. Daí o fato de a adesão dele às nossas idéias não me convencer muito.

Certo dia, essas moças da Ação Católica resolveram fazer um congresso no mesmo prédio onde funcionava a sede da Congregação Mariana de Santa Cecília, na rua Imaculada Conceição.

No andar térreo ficava o Legionário, que era o órgão da Congregação Mariana. No 2° andar funcionava a Congregação Mariana. E toda a parte de cima, o 3° andar, era tomado por um salão grande, destinado a conferências, apresentações de teatro e outras atividades.

Enquanto as moças realizavam esse congresso na parte de cima [159], eu embaixo trabalhava com os que estavam preparando o próximo número do Legionário [160], e que pertenciam à equipe formada em boa parte por rapazes que mais tarde seriam os fundadores do jornal Catolicismo e por fim da TFP.

Eles, sentados de modo recolhido na sala de redação, diante de suas mesinhas, estavam compondo as notícias com as matérias que lhes eram fornecidas.

Enquanto na sala do Legionário havia aquela quietude de trabalho e silêncio religioso, em cima, na reunião progressista, eu ouvia palmas, palmas e mais palmas [161].

Achei aquilo estranho, porque era um gênero de palmas frenético, e gargalhadas a propósito de coisas que pareciam engraçadíssimas. O modo pelo qual uma pessoa ri de uma piada imoral, este era o modo pelo qual se ria naquele andar de cima.

Terminada a festa, vejo aquele mundo de gente que desce. E afinal aparece o tal redator do Legionário (mais tarde tornou-se um político) que naquele dia tinha deixado de trabalhar na redação para ficar com as construtivas lá em cima.

Ele se dirigiu à minha sala, pôs-se de pé em frente a mim, numa atitude de quem esfrega as mãos.

Olhando-me meio de cima, ele disse [162]:

— Plinio, note a diferença entre os dois andares. Você aqui em baixo com os jovens do Legionário representam a Igreja antiga, séria, que reza, que trabalha, que luta contra o adversário. Em cima é a Igreja nova, que ri, que dança, que se diverte, que vai à praia, que vai à piscina, que vai para toda a parte levando o Cristo. E eu queria avisar a você que há uma combinação de mudar completamente a Igreja. Se você aderir à Igreja nova, nós teremos muita força política e não há cargo a que você não possa ser elevado. Mas se você continuar nessa sua posição, você vai ficar só e completamente esmagado, e o seu futuro terá acabado [163].

Você será cancelado e sua carreira como homem público ficará cortada também [164]. Ou vocês mudam completamente seus métodos e sua doutrina de ação, ou ficarão completamente postos à margem. Porque a Ação Católica tomou um impulso que não vai mais com os métodos do Legionário. E o Legionário estará liquidado [165], será posto completamente de lado pela Hierarquia. E seremos nós que passaremos à sua frente [166].

Era evidentemente um recado vindo de mais altas paragens [167].

4. Prossegue a conversa: informações importantes

Eu disse a ele:

— Fulano, espírito não se escolhe por política. Ou você me explica o que é esse espírito, e então eu analiso, e se estiver de acordo sigo, ou por política não vai: não espere que, por causa de um estardalhaço desses, eu vá mudar de posição.

Ele se sentiu apanhado, mas retrucou:

— Você se fecha. Até nos dancings imorais nós levamos o Cristo. Você não iria a um lugar desses. Se lhe levassem lá amarrado, você ficaria vituperando e com cara furiosa. E logo que lhe desamarrassem, você sairia. Você sabe nós o que fazemos? Dançamos! Não se choque nem se irrite, nós dançamos. Porque nós vamos com o espírito desprevenido, alegre, e nós levamos o Cristo em nós. Resultado: o Cristo entra naquele lugar e produz conversões.

Eu disse:

— É verdade, mas não é Cristo que entra nesses lugares, mas Satanás que entra em vocês. Num lugar desses, qualquer homem normalmente constituído tem tentações, não é possível que vocês não as tenham. Ou vocês foram concebidos sem pecado original? Se assim é, e se me demonstrarem isso, presto minha homenagem, está aqui um vassalo disposto a admirá-los, mas demonstrem.

— Não. Essas coisas não são assim. Se você entra lá procurando o mal que há lá, há mesmo. Se você, lá, pensa nisso, é claro que o mal lhe entra pelos olhos. Mas se você vai lá com a idéia de não ver o mal, o mal não te assalta. Não veja o mal!

— A mim assalta! Então, você e todo o mundo que está no andar de cima desse prédio é muito mais virtuoso do que eu. Os de cima são imunes ao mal. Aqui em baixo, não. Resultado: nós combatemos e vocês não combatem [168].

Eu percebi que ele estava transmitindo coisas que se conversavam nas rodas confidenciais. E que era um bom momento de eu me informar do que é que diziam lá.

Ele então me disse:

— A questão é a seguinte: você representa aqui no Legionário um tipo antigo de católico. Você é combativo. Você acha que a doutrina católica deve ser desfraldada por inteiro aos olhos dos outros. Você acha que a discussão é um bom meio de firmar os princípios. Você acha que quando uma pessoa não anda bem na doutrina e nos costumes, é preciso dizer isso de frente. Você acha que o tipo do homem e da moça deve ser um homem sério, uma moça séria, que vivem pensando em coisas elevadas, que têm uma linguagem nobre e bonita. Não, acabou! Agora é uma era nova. Nós vivemos no mundo da igualdade, no mundo da Ação Católica. A meta da Ação Católica é fazer a Igreja lutar por uma revolução social. É preciso acabar com as classes sociais, acabar com as desigualdades, acabar com a seriedade carrancuda. Nós vivemos em uma época de alegria, de despreocupação. A gente deve pensar nas alegrias de Cristo. As dores de Cristo passaram.

Eu:

— Ah! sei, sei [169].

Todo mundo tem medo de você, com essas suas certezas, com este seu autoritarismo, com este seu modo de discutir que vai empurrando a pessoa contra a parede. Nós não estamos mais na época disso.

Eu interrompi:

— Perdão, nós estamos numa época de quê?

Não se falava ainda em diálogo, mas já a mentalidade do diálogo super-ecumênico estava no veneno da víbora.

Ele disse:

— Nós não estamos mais na época em que um homem com aspecto aristocrático, com aspecto de professor de todo mundo, desce e resolve um problema, e depois ninguém mais tem nada que dizer. Nós estamos na época dos círculos de estudos, na época em que ninguém é mestre de ninguém na busca do caminho. Mas chegamos à época em que todos fazem uma roda, cada um dá um fragmento de opinião amiga, desprevenida, dá opinião como colaborador entre outros colaboradores, sem dizer a ninguém que ele está errado. Não se faz mais tanta carga nessa distinção entre erro e verdade, bem e mal, ortodoxia e heterodoxia. Não! Temos de caminhar juntos, procurando a verdade, a mão na mão, com caridade.

Eu pensei: “Aqui está o espírito da Revolução Francesa, aqui está a víbora contra a qual eu consagrei a minha vida. Depois de eu ter martelado contra essa víbora de todas as formas, fora dos ambientes católicos, vejo que ela se fez de morta fora e entra por debaixo do assoalho”.

Eu disse a ele:

— Mas eu faltei com a atenção a alguém, para meter tanto medo?

— Não, mas o seu modo anacrônico mete medo.

— Mete medo em quem?

— A mim e a todo o mundo.

— Mas, é curioso, aqui a sala está cheia de gente que não tem medo de mim.

— É, mas é porque você não sabe, você precisa ver o vazio que está se cavando em torno de você. Você é muito afirmativo. Hoje não se deve mais ser afirmativo. Estamos em uma época de liberdade de opiniões. Opiniões que tendem a se encontrar e se conciliar, e não de opiniões que querem se apresentar por esta forma.

Eu pensei: “Ah! aqui está outro aspecto”. E deixei-o falar, para ver o que é que vinha.

— Deve haver colaboração feminina, os sexos hoje são iguais, todos colaboram de igual a igual [170].

5. Fim da conversa: “eu prefiro tudo a me vender”

Eu retruquei:

— Você está querendo, afinal de contas, me comprar. Porque vejo um companheiro de armas que me pede para largar a luta, misturar-me com o adversário, para depois ser recompensado generosamente por todo tipo de promoções. E me diz que, se não for isto, rua.

E então me levantei e falei cortesmente, mas firme [171]:

Fulano, eu prefiro tudo a me vender. Ainda que eu tenha que ser o último dos homens, eu serei o último dos soldados da Igreja tradicional, mas a Igreja tradicional nunca morrerá. Dizer que eu serei o último dos soldados é um modo de dizer, porque depois de mim virão outros que pensarão como eu, pois a Igreja não morre [172]. A Igreja Católica nunca mudará e ela nunca se venderá. Ela nunca adotará uma modernidade falsa e contrária aos princípios dela só para se encontrar bem nesse mundo. Ela está no mundo não para se reformar segundo o mundo, mas para reformar o mundo segundo ela. Ou isto é assim, ou quem não pensa assim não pensa com a Igreja Católica. E eu prefiro tudo, prefiro ser cancelado, barrado, empurrado de lado, ignorado, caluniado, esquecido; eu prefiro tudo isso a trocar a verdadeira imagem da Igreja Católica que conheci quando aprendi o meu catecismo nos braços de minha mãe [173].

— Bem, você foi avisado. Depois não se queixe.

— Eu só me queixaria se soubesse que Deus vai me abandonar na luta. Mas isso nunca acontecerá, porque eu tenho confiança n’Ele e confiança em Nossa Senhora. E eles não abandonam nunca, isto não acontecerá. Poderei ser derrotado, mas outros virão que vencerão. Portanto, eu não abandono a minha posição [174].

Era a pré-TFP que se enunciava nesse projeto de sacrifício total, de renúncia total, desde que Nossa Senhora fosse servida até ao fim.

*   *   *

O fato concreto é que aquele jovem que me falava deixou as fileiras do antigo Legionário, entrou para o movimento progressista, aderiu àquele clima de alegria excitada que se realizava no andar superior, e que era símbolo de um estado de espírito, de um modo de ver as coisas que depois chegou ao seu auge.

Este rapaz depois galgou as posições mais brilhantes da vida política brasileira. E ajudou a conduzir o Brasil para a triste situação em que está, uma situação de pré-comunismo, a dois passos do comunismo.

E nós, lutando na trincheira oposta, ajudamos muitos brasileiros a se porem na brilhante situação em que estão: de uma minoria, mas uma minoria que disse energicamente não, que se fez conhecer no Brasil inteiro, porque não há no Brasil lugar onde não se saiba da existência da TFP.

Mas aquela intimação que esse pobre jovem enunciou, realizou-se. Nós fomos relegados, fomos postos de lado, procuraram pôr-nos na penumbra [175].

6. O que está por detrás?

Essa conversa com esse rapaz deixou-me intrigado [176].

Parecia que ele estava instruído a fazer uma provocação para ver se me induzia a uma imprudência qualquer que pudesse servir de slogan numa campanha de difamação contra a nossa orientação [177].

E pensei o seguinte: “Esse rapazinho (isto foi em 1939 e ele tinha cerca de 23 anos e eu 30-31) e essas senhoras devem se sentir apoiados de cima, para iniciar essa luta. Quem é, em cima, que os apóia? [178]

Então resolvi o seguinte: “Em vez de combater, eu vou ouvir, para descobrir o que está atrás da cabeça deles; eu vou fazer com que, apesar do suposto medo de mim, eles digam o que está na ‘arrière-pensée’ deles; e quando eu tiver descoberto, aí eu tomo as providências que as circunstâncias possam comportar”.

Então, convívio, conversa, gentilezas, sorrisos [179].

7. Convidado para uma reunião da Ação Católica

Um dia o meu vigário, chamado Padre Luiz Gonzaga de Almeida [180], me diz:

— Plinio, vai haver uma reunião da Ação Católica aqui, uma coisa extraordinária, você não quer comparecer?

— Vou.

Creio que o Dr. Paulo Barros de Ulhôa Cintra estava nessa reunião. Fomos até lá, uma casa alugada pela paróquia no próprio largo de Santa Cecília [181].

Chegando lá, encontrei esta situação: uma mesa, no centro dela um jarro verde-claro que comunicava uma impressão colorida agradável, com umas flores comuns, digamos copos-de-leite. Aquelas flores pareciam sorrir [182].

Estavam presentes três senhoras de boa família, de trinta e tantos anos, mas com ares de moças, e vestidos com desenhos de florezinhas claras.

— Então, vai haver uma reunião aqui?

— É, mas não na sala de reuniões, porque não fazemos reuniões. Nós fazemos círculos de estudo. Passou-se o tempo em que um falava e outros ouviam (já era a tendência para a colegialidade). Na Europa ninguém aceita mais isso, não se tolera mais. Nem nos Estados Unidos. E aqui no Brasil vai mudar também.

Elas fizeram um círculo e disseram: “Em vez de entrar aqui uma pessoa que conheça a doutrina e a justifique por argumentos, e os outros ficam quietos, cada um de nós dá um fragmento da verdade. E daí, de fragmento em fragmento, compomos uma verdade completa, sem polêmica, numa discussão de amigos [183].

Eu estava entre os assistentes da história. Sentaram-se três moças e começaram um diálogo, de cujos termos exatos não me lembro, mas era mais ou menos nessa linha:

— Fulana, o que você acha da definição da Ação Católica? Ela é uma participação ou é a colaboração no apostolado da Igreja?

A outra responde em tom sorridente e melífluo:

— Ah! Beltrana, você sabe que é até difícil responder?

— É difícil, sim. Mas se nós nos quisermos bem e discutirmos com amor, haveremos de chegar a uma definição.

— Você acertou. O amor resolve tudo!...

Eu achei aquilo uma coisa espantosa! Encontrar uma definição por meio do amor e não da lógica, isto extrapolava completamente de meu modo de ser, era uma coisa inaudita. Mas eu fiquei quieto, tomei uma atitude urbana [184].

E continuei a observar tudo aquilo arregalando os olhos, mas disfarçando. Eu só me espantava de elas não perceberem o que eu estava achando [185].

A idéia de fundo era de que, por processos muito amistosos, havia uma forma de adocicar os homens que os faria mudar de pensamento, faria com que o ecumenismo fosse possível a partir da idéia da queda da razão.

Era evidentemente uma escola filosófica, mas uma escola filosófica completamente errada [186].

Era uma nova forma de governo que entrava na Igreja. Era uma nova Igreja. Mas, à noite, os congêneres dessa gente no Rio de Janeiro iam ao Cassino da Urca para dançar e levar “o Cristo ao Cassino”. Iam assistir à Missa liturgicista de Dom Martinho Michler, com oferendas de hóstia na mão e todas essas coisas que já eram o prenúncio da liturgia modernizada que vemos hoje, com todos os seus erros. Todos eram amigos de todos e constituíam uma conspirata [187].

Capítulo VII

Papel de Dom José Gaspar de Affonseca e Silva na articulação

1. Perfil do Arcebispo                                                         

Já me referi a isto, mas vale a pena repetir: em 1935, o então Padre José Gaspar, na qualidade de diretor espiritual da Federação das Filhas de Maria de São Paulo havia escrito um prefácio para o Anuário dessa Federação, em que falava com entusiasmo da Ação Católica [188]. Ele tinha a intenção de fechar as Congregações Marianas e transformá-las em Ação Católica [189].

Mas ainda era Arcebispo o velho Dom Duarte Leopoldo e Silva, que manteve a rédea firme durante todo o seu longo governo episcopal. Como já estava velho e muito cardíaco, a Santa Sé deu-lhe como Bispo Auxiliar o jovem sacerdote Padre José Gaspar de Affonseca e Silva. E a Ação Católica passou a gozar de todo o apoio deste [190].

*   *   *

Dom José Gaspar era da cidade de Araxá, no Estado de Minas Gerais [191]. Era uma pessoa que valia a pena ter conhecido.

D. José Gaspar

Era o contrário do velho Arcebispo de granito, Dom Duarte Leopoldo [192]. Pessoa de uma presença muito agradável, as fotografias dele não dão bem idéia de como ele era.

Homem alto, ainda moço (tinha 34 anos na época em que foi elevado a Bispo Auxiliar), com uma contradição curiosa: apesar de uma tez morena, era ao mesmo tempo muito corado [193]. Sobrancelhas pretas um pouco grossas, que terminavam num ponto meio indefinido. E com olhos pretos meio aveludados [194], muito atraentes, que davam à pessoa a vontade de concordar com ele [195]. Com um ar muito sonhador [196], e um tom de voz também aveludado [197], assim:

— Bom diiia, Dr. Plinio. Como vai passando? Vai bem? Como vão os senhores seus pais, vão passando bem?

— Bem, e Vossa Excelência como vai, Senhor Bispo?

— Ah! vou bem, obrigado, obrigado.

Era ao mesmo tempo uma pessoa extremamente política, labiosa, atraente [198], muito afável, muito amável, mas também muito voluntarioso. O que ele queria, ele queria.

Era também bom orador [199], de inteligência mediana e com ares de muito culto. Qualquer coisa que se falasse diante dele, ele deitava um olhar de profunda compreensão, não dizia nada e, depois, conforme fosse o caso, sabotava ou não. Mas a sabotagem dele era sempre suave, mansa, em geral acompanhada de um suspiro.

Debaixo de certo ponto de vista, era a antítese do meu modo de ser.

Plinio Corrêa de Oliveira, após o término da Constituinte, assume efetivamente a direção do Legionário.

Para quem conhece o meu retrato em moço, pode imaginar o encontro dos dois homens: um definido, categórico, tom de voz firme, dizendo as coisas como são; o outro, suave, gentil, amável, atraente [200].

Ele era um homem de temperamento, curso de idéias, doutrinas, em tudo completamente diferentes de como eu entendia como as coisas deveriam ser na Igreja [201].

No meu trato com ele, sempre mantive as mais cordiais relações. E tinha por ele um sentimento de viva e natural simpatia, desde que o conheci, quando ainda era simples sacerdote. Mas inegavelmente era uma pessoa em cuja mentalidade a contradição era um hábito, a irreflexão um sistema e a ingenuidade uma segunda natureza. O modo pelo qual ele concebia a humanidade e julgava dever tratar as pessoas fazia abstração completa dos efeitos do pecado original no homem.

2. Dom José Gaspar dava provas de confiar nos adversários da Igreja

Sua tática constante e uniforme, sempre que encontrasse diante de si um adversário da Igreja, consistia em procurar desarmá-lo por múltiplas manifestações de afeto e carinho. Mais grave ainda: dando-lhe provas efetivas e indiscutíveis de confiança. Assim, ele não temia entregar assuntos dos mais delicados a adversários declarados do catolicismo. Esse era, para ele, o modo de “conquistar” as almas.

*   *   *

Havia em São Paulo um banqueiro, conhecido por sua vida não muito recomendável. Mas o Sr. Arcebispo queria “conquistar” essa alma pelos “seus” métodos.

Para isto, logo que foi nomeado Arcebispo, mandou que seu secretário, o Padre Rolim Loureiro [202], levasse ao banqueiro a minuta da Pastoral de saudação a fim de que fizesse sugestões quanto à parte referente às questões sociais. O banqueiro, que também era grande industrial, cancelou todo um trecho, alegando que, por seu tom, poderia favorecer a propaganda comunista. O Sr. Arcebispo se queixou do fato ao Padre Rolim Loureiro... mas não publicou o trecho incriminado.

Esse banqueiro foi o único leigo consultado sobre a Pastoral.

Tudo isto me foi narrado pelo Cônego Loureiro [203].

*   *   *

Certa noite, enquanto escrevíamos as matérias para o Legionário, vieram nos avisar que estava na entrada do prédio o automóvel do Bispo Auxiliar (Dom José), que vinha nos fazer uma visita.

Visita de D. José Gaspar à sede do Legionário, recebido por Plinio Corrêa de Oliveira

Fiquei surpreso, mas imediatamente fui recebê-lo e ele veio para nossa sala trazendo para os redatores um bolo enorme que lhe haviam dado de presente. E também um quadro de Nossa Senhora Aparecida. Dei o bolo para os rapazes e começou uma conversa.

A certa altura desvenda-se o objetivo da visita: ele, Dom José, havia conversado com um padre beneditino chegado da Alemanha. E este explicara para ele que o problema nazista não estava sendo bem focalizado pelas pessoas aqui do Brasil. Que de fato a Anschluss [204] tinha sido um benefício para a Áustria. E que o Episcopado austríaco não tinha sabido ver bem a necessidade premente da entrada dos nazistas naquele país.

Ora, a Anschluss havia indignado todo o mundo. E nós, no Legionário, havíamos publicado artigos e mais artigos cuja tese era: o problema alemão só tinha como solução a restauração da dinastia dos Habsburgos, a derrota dos Hohenzollerns, a supressão da República de Weimar e de todo o nazismo. Isto o Legionário sustentava com todas as notas.

Dom José ainda acrescentou que o único homem que vira bem essa situação, e o grande homem capaz de salvar a Áustria, era o Cardeal Theodor Innitzer, Arcebispo de Viena entre 1932 e 1955.

Por causa disso, ele vinha pedir um obséquio ao Legionário: que suspendêssemos todo ataque ao nazismo. Esses ataques, afinal de contas, só poderiam magoar a colônia alemã e desorientar os espíritos, porque era evidente que nós estávamos errados, uma vez que esse padre beneditino havia dito o contrário.

Por respeito a ele, não respondi aquilo que me saltava aos lábios: não é porque nos vem dizer isso um padre beneditino que esteve na Alemanha, que todos os argumentos de caráter histórico e doutrinário, e os fatos evidentes não ficam valendo nada.

Então eu disse:

— Senhor Bispo, é muito fácil cessar de atacar o nazismo. Basta V. Excia. mandar. O que eu não posso é escrever um artigo elogiando a anexação da Áustria, o que é contra a minha convicção.

Dias depois vinha um artigo do Osservatore Romano criticando a anexação da Áustria e sustentando mais ou menos a mesma posição do Legionário.

Mostrei a ele o artigo do Osservatore e ele disse:

— Ah! bem, neste caso pode deixar.

*   *   *

Outro fato que me chamou imediatamente a atenção dizia respeito à mudança de orientação que ele imprimiu no governo da Arquidiocese.

Até o momento da morte de Dom Duarte, em que Dom José Gaspar era ainda Bispo Auxiliar, sempre que havia algum assunto importante ligado aos interesses católicos, nosso grupo era chamado para opinar. E era regra da Cúria evitar de tratar tais assuntos com católicos suspeitos, liberais e de meias tintas. Estes ficavam à margem [205].

Quando se tornou Arcebispo, Dom José Gaspar já tomou como lema de seu brasão de armas Ut omnes unum sintPara que todos sejam um.

É um belíssimo desejo expresso por Nosso Senhor no Evangelho, no sentido de que todos se unissem em torno d’Ele, portanto se tornassem católicos.

Mas Dom José era levado a entender o lema no sentido ecumênico de hoje, ou seja, para que os católicos se confundissem e se misturassem com os outros [206].

Imbuído dessa mentalidade, na hora de escolher pessoas para cargos de confiança em instituições católicas, a solução do caso terminava sempre assim: para tal incumbência ou tal encargo, não vamos nomear os católicos líderes; estes poderiam ficar na sombra, porque eram servidores com os quais a Igreja contava em qualquer situação. Vamos chamar pessoas que sejam ovelhas perdidas e dar a elas os cargos e as incumbências de direção.

*   *   *

Não posso deixar de contar um fato muito exemplificativo dessa mentalidade.

A certa altura do ano de 1936, ainda como Bispo Auxiliar, ele resolveu instituir uma estação de rádio católica.

Como não tinha dinheiro para montar uma nova, ele fez um contrato de compra e venda de uma rádio leiga, dirigida por um homem que nada tinha a ver com a Igreja.

Um dia ele disse que queria minha opinião de advogado sobre o contrato, concebido nos seguintes termos: ele entraria com uma quantia “x”, obtida em donativos, como sinal do pagamento. As outras parcelas deveriam ser pagas em mensalidades de 40 contos [207], que a Cúria arrecadaria junto à massa dos fiéis. E, como medida de economia, para não ter de pagar funcionários para organizar a coleta, o tal homem da rádio se incumbiria de receber as mensalidades. E, quando tudo estivesse pago, a rádio passaria para a Cúria.

Ele me perguntou:

— O senhor, como advogado, Dr. Plinio, o que acha deste contrato?

— Senhor Bispo, há uma escrituração qualquer para tomar nota das entradas dos donativos, para controlar a rádio? Sem esse controle, esse homem da rádio não poderá receber mais e dizer que recebeu menos?

— Não há esse controle. O senhor acha necessário?

— Como advogado, acho necessário. Mas se V. Excia. confia no tal homem, e tem razões para agir como um advogado não agiria, isto é uma decisão pessoal sua sobre a qual não saberia opinar.

— Eu vou lhe contar um segredo: o Padre Tal disse-me que ele, o tal homem, está se convertendo nessas relações comigo. E que vai até doar a rádio à Cúria muito antes do pagamento completo.

Ao ouvir isto, entendi que não era para dizer mais nada. E fiquei quieto.

Dentro de algum tempo, a rádio começou a receber os donativos e anunciou quantias muito menores do que o esperado. Acabou saindo uma polêmica pelos jornais. E Dom José Gaspar ficou sentidíssimo com o negócio.

Logo depois, os banqueiros a quem ele devia 15 contos o apertaram de um modo brutal para que ele pagasse as dívidas. Isso ele mesmo me contou. Não sei como ele conseguiu pagar essas dívidas, mas a aventura da rádio católica acabou.

Esse fato mostra bem o modo pelo qual o problema das relações com pessoas infensas à Igreja se punha aos olhos dele. E como era um homem feito para ver preto em tudo quanto nós víamos branco, e ver branco em tudo quanto nós achávamos que era preto.

3. Hostilidade declarada contra as Congregações Marianas

Ele tomou aquele redator do Legionário de quem falei acima, tomou aquelas moças do Centro de Estudos de Ação Social e organizou com eles a Ação Católica. Depois convidou-nos também para entrarmos na organização. E começou uma luta declarada contra as Congregações Marianas.

Houve até uma solenidade de recepção de membros da Ação Católica em que ele fez um discurso tão violento contra as Congregações Marianas, que chegou a provocar uma pergunta oficial da Nunciatura Apostólica a ele: qual a razão daquela virulência? [208]

4. Morte de Dom Duarte

Manhã do dia 13 de novembro de 1938. Minha criada portuguesa bate na porta e me acorda.

Eu me levanto e pergunto: “Ana, o que há de novo”?

— Sua tia, Dona Fulana, telefonou dizendo que o Senhor Arcebispo Dom Duarte está muito mal.

— Ah! está muito mal, é?

Ela era uma portuguesa fidelíssima. Até hoje não posso me esquecer do jeito dela, uns brações roliços de camponesa. Ela deu uma pirueta e respondeu: “Já se foi!” [209].

Imediatamente me compenetrei do que o acontecimento tinha de triste, de grave e de importante para nós. E me preparei para comparecer aos funerais.

*   *   *

Pôs-se um primeiro problema para mim.

Naquele tempo, em funerais de grandes autoridades, ia-se de fraque. Quando era uma pessoa comum, ia-se de terno azul-marinho e gravata preta.

Minha pergunta: “Hoje, com tudo mudado, os leigos irão de fraque ou de roupa azul comum?”

Eu pensei: “É inegável que eu fui o braço direito de Dom Duarte para grande número de assuntos, e que era tido e havido como tal. Tendo ele sido um homem de tanto cerimonial, vou comparecer de fraque. Os outros que compareçam como quiserem”.

O corpo dele foi exposto na igreja de Santa Ifigênia, naquele tempo catedral provisória, pois a catedral do Largo da Sé estava em construção. E me dirigi para lá.

À medida em que eu me aproximava da igreja, fui notando a massa de povo que afluía.

Chegando ao local, lá rezei, e a certa hora o enterro se organizou para sair.

Fizeram uma procissão imponente, com todo o Clero, mas absolutamente todo o Clero de São Paulo representado. Depois vinham os Arcebispos e Bispos da Província Eclesiástica de São Paulo, mais os Arcebispos e Bispos vindos de outras dioceses de fora.

Havia representantes das autoridades civis e outras pessoas gradas, várias de fraque. E os sinos do mosteiro de São Bento tocavam o dobre de finados.

Foi um cortejo muito bonito. Saiu em linha reta através do viaduto de Santa Ifigênia rumo ao Largo de São Bento. Em seguida tomou a rua Boa Vista, depois a rua 15 de Novembro e daí seguiu até o Largo da Sé, cheio de povo.

O povo era tanto que nos vários prédios do percurso as pessoas subiam ao alto do teto.

Era uma manifestação da popularidade de Dom Duarte, como eu nunca pensei que em São Paulo pudesse haver para alguém. Era a popularidade desse alto respeito, dessa alta seriedade, dessa consciência de sua própria dignidade que habitualmente o povo não elogia, mas na hora de ele deixar o cenário, percebe o vazio imenso que deixa. E o povo todo compareceu para acompanhar, ao menos com o olhar, a ida do Arcebispo para a sua última morada [210].

5. Sede vacante em São Paulo: decepção de Dom José Gaspar

Cessadas as funções do antigo Arcebispo, a sede arquiepiscopal de São Paulo ficou vacante.

Quem seria o sucessor de Dom Duarte? [211]

Dom José não era Bispo Auxiliar da sede, mas Bispo Auxiliar do Arcebispo, de maneira que, com a morte de Dom Duarte, as funções de Dom José automaticamente cessavam.

E aconteceu que o cabido metropolitano não elegeu Dom José Gaspar como Vigário Capitular, mas sim a um velho monsenhor: Monsenhor Martins Ladeira.

Quando soubemos do resultado dessa eleição, o Legionário noticiou e publicou duas fotografias, uma do novo Vigário Capitular, e outra de Dom José Gaspar, com uma homenagem muito carinhosa.

Naquela noite mesmo eu fui visitar Dom José Gaspar no Seminário, fui lá para consolá-lo. Ele estava abatidíssimo por não ter sido escolhido.

Ele me abraçou, eu abracei a ele, conversamos, ambos lamentamos o acontecido. E na hora da saída, ele me disse: “Dr. Plinio, o senhor creia que, para qualquer lugar onde eu vá, eu nunca me esquecerei do Legionário.

Eu respondi: “Excelência, creia que nós também nunca nos esqueceremos de V. Excia.”

Despedimo-nos. Foi uma despedida muito amável, até afetuosa.

*   *   *

O fato concreto é que, por uma série de circunstâncias, essa não nomeação de Dom José representou uma ducha de água fria no movimento da Ação Católica em São Paulo. Isto porque, não tendo sido eleito Vigário Capitular, ele teve que abandonar a Arquidiocese de São Paulo. E durante todo o tempo da vacância da sede — perto de um ano — ele passou fora de São Paulo. E com isto todas essas questões progressistas ficaram amortecidas [212].

Nisto morre Pio XI. E ficaram vacantes ao mesmo tempo o Papado e a sede arquiepiscopal de São Paulo. Foi preciso então aguardar a eleição do novo Papa (Pio XII), e esperar que ele elegesse o sucessor de Dom Duarte [213].

Sendo São Paulo, já naquele tempo, uma grande sede arquiepiscopal, fazia parte do estilo da Igreja levar muito tempo para a preencher. Em parte porque a Igreja ouvia opiniões de vários lados, em parte também porque era bonito a Igreja mostrar sua sabedoria sendo lenta nas grandes ocasiões. Isto incutia confiança na maturidade de seus juízos, de maneira que se passaram muitos meses em que nós ficamos com esta interrogação: Quem será o Arcebispo de São Paulo? [214].

*   *   *

José Carlos de Macedo Soares desejou ardentemente a vinda de Dom José Gaspar para São Paulo.

Quando o Cardeal Eugenio Pacelli (futuro Pio XII) esteve no Brasil de volta da Argentina, onde havia ido como legado papal para o Congresso Eucarístico Internacional que se realizara em Buenos Aires [215], José Carlos de Macedo Soares foi visitá-lo. E disseram-me que ele, nesse encontro, falou umas dez ou quinze vezes do Padre José Gaspar de Affonseca e Silva, recomendando-o, inculcando-o, dizendo que fez isto, que acha aquilo, pensa de outro jeito. Tudo indica que sua intenção era fazer, assim, com muita antecedência, propaganda para que Dom José fosse eleito Arcebispo de São Paulo.


NOTAS

[1] SD 14/6/82.

[2] SD 18/6/88.

[3] Jantar EANS 14/6/82.

[4] Reunião com os mais antigos do movimento 16/5/93.

[5] Jantar EANS 14/6/82.

[6] SD 18/6/88.

[7] SD 25/6/88.

[8] Palestra sobre Memórias (III) 8/8/54.

[9] Palestra sobre Memórias (II) 7/8/54.

[10] — Esta concentração mariana, para a qual acorreram congregados da capital e de todo o interior do Estado, revestia-se em seu plano inicial de grande solenidade, e estava destinada a marcar de alguma forma a história de São Paulo, com repercussões no Brasil inteiro. O Legionário publicou o seguinte programa, o qual depois foi modificado, como se verá mais adiante:

"[No dia 16, às 15 horas], após a passeata pelas ruas principais da cidade, as duas colunas marianas dirigir-se-ão à praça da Sé, onde no alto da escadaria da Catedral de São Paulo estarão as altas autoridades religiosas e civis: o Episcopado, o Governador do Estado, o Secretariado, a Magistratura, o Prefeito Municipal, os deputados à Constituinte [estadual] e os representantes diplomáticos. Falarão nessa ocasião os drs. Plinio Corrêa de Oliveira, Cassio Vidigal, Cônego Manuel Macedo e Padre Antonio de Moraes" (Legionário n° 175, 7/7/35).

[11] Palestra sobre Memórias (III) 8/8/54.

[12] SD 4/11/92.

[13] — Segundo matéria publicada no Legionário, o número calculado foi de 15 mil participantes. Não há exagero nessa cifra, considerando-se que o prédio do Sagrado Coração de Jesus ocupa dois quarteirões de comprimento, por um quarteirão de largura, sendo o pátio interno de proporções imensas. As fotos do evento mostram esse pátio inteiramente tomado por compacta multidão de marianos (cfr. Legionário n° 176, 21/7/35).

[14] — O Integralismo se consubstanciava na chamada Ação Integralista Brasileira (AIB), fundada em 7 de outubro de 1932 por Plinio Salgado (1895-1975), escritor, jornalista e político brasileiro.

[15] Palestra sobre Memórias (III) 8/8/54.

[16] Almoço 8/5/87.

[17] SD 25/2/89.

[18] Palestra sobre Memórias (III) 8/8/54.

[19] — Dom Helder Pessoa Câmara (1909-1999) foi um sacerdote cearense ordenado em 1931. Participou ativamente da Ação Integralista Brasileira, tornando-se em 1937 membro do conselho supremo da AIB, composto de 12 membros.

Quando em 1946 o Arcebispo do Rio, Dom Jaime de Barros Câmara o quis como seu Bispo Auxiliar, encontrou dificuldades da parte da Santa Sé, dada a participação que teve no Integralismo. O Papa negou a nomeação, que chegou apenas seis anos depois, ou seja, em 1952, graças à intercessão de Monsenhor Montini, então sub-secretário de Estado da Santa Sé e futuro Papa Paulo VI.

Nesse período deu-se a rotação ideológica de D. Helder do Integralismo para o progressismo militante. Sempre com o apoio de Monsenhor Montini, foi o grande articulador para a criação, em 1952, da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), da qual se tornou Secretário Geral; e da criação, em 1955, do Conselho Episcopal Latino-Americano (CELAM).

Teve participação ativa no Concílio Ecumênico Vaticano II e foi um dos propositores do Pacto das Catacumbas, assinado por cerca de 40 Padres conciliares no dia 16 de novembro de 1965, pacto este que teve forte influência, décadas depois, no desenvolvimento da Teologia da Libertação.

As divergências de posições com o Cardeal Dom Jaime Câmara tornaram difícil sua permanência no Rio de Janeiro, sendo então designado para Arcebispo de Olinda e Recife, no Estado de Pernambuco, múnus que exerceu até 2 de abril de 1985, quando resignou (cfr. Roberto De Mattei, O Cruzado do século XX — Plinio Corrêa de Oliveira, cit.; e dados de conhecimento geral).

[20] Palestra sobre Memórias (II) 7/8/54.

[21] SD 25/2/89.

[22] O novo regime ditatorial, conhecido como Estado Novo, durou até outubro de 1945.

[23] Palestra sobre Memória (IV) 9/8/54.

[24] SD 25/2/89.

[25] Palestra sobre Memórias (V) 10/8/54.

[26] SD 18/3/89.

[27] Palestra sobre Memórias (IV) 9/8/54.

[28] SD 16/6/73.

[29] Heráclito Fontoura Sobral Pinto (1893-1991) foi um jurista brasileiro. Considerado como católico de esquerda, enquanto advogado defendeu o chefe comunista Luís Carlos Prestes, preso por ter encabeçado o levante comunista de 1935.

[30] SD 2/7/88 — As bases da Ação Católica haviam sido lançadas no Brasil durante durante o 1° Congresso Eucarístico Nacional, realizado em Salvador-Bahia nos dias 3 a 10 de setembro de 1933. Dois anos depois, a 9 de junho de 1935, a ACB foi oficialmente criada com a aprovação de seus estatutos pelo Episcopado brasileiro.

[31] SD 18/2/89.

[32] SD 18/6/88.

[33] SD 18/2/89.

[34] Carta de Dr. Plinio ao Abbé Luc Lefebvre, 7/11/47.

[35] Carta de Dr. Plinio ao Padre José Antonio Labúru Olascoaga, SJ, 30/4/48.

[36] Memorando para o Cônego Antonio Leme Machado, data provável 1948.

[37] Palestra sobre Memórias (IV) 9/8/54.

[38] SD 16/4/94.

[39] Palestra sobre Memórias (II) 7/8/54.

[40] Almoço EANS 10/6/82.

[41] SD 26/11/88.

[42] Almoço EANS 10/6/82.

[43] SD 26/11/88.

[44] Almoço EANS 10/6/82.

[45] SD 26/11/88.

[46] Palestra sobre Memórias (I) 6/8/54 (v. também notícia no Legionário n° 145, 13 de maio de 1934) Robert Garric (1896-1967): admitido em 1914 na Escola Normal Superior francesa, foi professor adjunto (agrégé, ou seja, contratado temporariamente) de Letras em 1919 e, como tal, nomeado em 1928 assistente de Filosofia na Sorbonne. Ele fundou em 1920 as Équipes Sociales e fazia parte do meio católico reformista. Sua primeira vinda ao Brasil está assinalada no Legionário n° 124, de 16/7/33. E sua contratação em 1934 como professor de literatura francesa pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras foi noticiada no Legionário n° 145, de 13/5/34. Ele chegou a São Paulo, proveniente do Rio, em 12 de junho de 1934. Os jornais leigos da capital paulista noticiaram a sua vinda com grandes elogios. Em 4 de dezembro de 1934, O Estado de S. Paulo publicava matéria com o título “A Questão Social”, assim introduzida (mantemos a grafia da época): “A conferencia de hoje do professor Robert Garric será sobre as ‘Equipes Sociales’, grande movimento social que está prestando os melhores serviços á França — Uma conferencia que interessa aos intelectuais, estudantes e demais pessoas de boa vontade.”

[47] Almoço EANS 10/6/82.

[48] SD 26/11/88.

[49] SD 16/4/94.

[50] SD 26/11/88.

[51] — A líder feminista Simone de Beauvoir, que além de discípula de Jean Paul Sartre e admiradora de Che Guevara, tinha sido aluna de Garric no Instituto Sainte-Marie de Neuilly, explicava com menos véus o fundo do pensamento de seu professor: "Aos seus vinte anos, explicava-nos ele, havia descoberto nas trincheiras as alegrias de uma camaradagem que suprimia as barreiras sociais. […] Negar todos os limites e todas as separações, sair de minha classe, sair de minha pele: esta palavra de ordem me eletrizava" (Simone de Beauvoir, Mémoires d'une jeune fille rangée, Gallimard, 1979, p. 173. — Os destaques são nossos).

[52] — Para medirmos o grau de desprevenção dos meios católicos em relação à infiltração que ia entrando, remetemos o leitor a um artigo em tom laudatório das Equipes Sociais, publicado no dia 13 de maio de 1934 no Legionário, nº 145, numa época em que Dr. Plinio ainda não exercia efetivamente a direção do jornal:

"Fundaram-se as primeiras 'equipes'. Em que os universitários vinham dar às classes proletárias o ensino complementar que lhes faltava. O preparo técnico que havia de lhes facilitar a vida. [...] E essas preleções familiares, em que eram excluídas obrigatoriamente a religião e a política, cimentavam simpatias, desfaziam prevenções. [...] Nos passeios em comum, se requeria a camaradagem mais perfeita" (doc. cit., p. 5 - destaque do original).

[53] Palestra sobre Memórias (II) 7/8/54.

[54] SD 26/11/88.

[55] SD 17/9/88.

[56] SD 26/11/88.

[57] Palestra sobre Memórias (II) 7/8/54.

[58] Almoço EANS 10/6/82.

[59] Palestra sobre Memórias (II) 7/8/54.

[60] — Esse Curso Intensivo de Formação Social para Moças, organizado pelas Cônegas de Santo Agostinho entre 1° de abril e 15 de maio de 1932, tinha em sua direção Mlle. Adèle de Loneux (1886-1969), diretora da Escola Católica de Serviço Social de Bruxelas, auxiliada por Mademoiselle Christine de Hemptinne, presidente fundadora da ACJBF (Ação Católica das Jovens Católicas Belgas). Desse curso participaram moças da melhor sociedade de São Paulo (cfr. http://www.prof.joaodantas.nom.br/materialdidatico/material/1_-_O_significado_socio-_historico_da_profissao.pdf; e Dicctionaire des femmes belges, Éliane Gubin etc., Editions Racine, Bruxelas, 2006).

[61] — Cardeal Désiré-Félicien-François-Joseph Mercier (1851-1926), Primaz da Bélgica, foi Arcebispo de Malines desde 1906 até sua morte, elevado ao cardinalato em 1907.

[62] — Em artigo de 16/8/2010, assinado pela assistente social baiana Talita Carmona Vieira, encontramos a seguinte informação:

“Em 1932 o Brasil contou com a visita de Adèle de Loneux, trazendo novos ideais europeus acerca do Serviço Social por meio de diversas conferências que fez pelo país e ao retornar para a Bélgica levou consigo duas brasileiras, Maria Kiehl e Albertina Ramos, que ao se formarem sob influência européia, voltaram ao país e fundaram a Escola de Serviço Social de São Paulo” (cfr. http://www.webartigos.com/artigos/a-historia-do-servico-social/44882).

[63] Palestra sobre Memória (IV) 9/8/54.

[64] Palestra sobre Memórias (III) 8/8/54.

[65] Palestra sobre Memórias (IV) 6/8/54.

[66] Relatório enviado por Dr. Plinio ao Padre Labúru, SJ, data provável 1950 — O Padre Calazans dedicou-se também à política, tendo sido eleito duas vezes deputado estadual em São Paulo e depois senador. O Padre Ramón Ortiz, sacerdote natural de Taubaté, foi também professor de jornalismo na Fundação Cásper Líbero e Vice-Reitor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC).

[67] Palestra sobre Memória (IV) 9/8/54.

[68] Carta de Dr. Plinio ao Padre José Antonio Labúru Olascoaga, SJ, 30/4/48.

[69] Palestra sobre Memória (IV) 9/8/54.

[70] Palestra sobre Memórias (V) 10/8/54.

[71] SD 2/7/88.

[72] Carta de Dr. Plinio ao Padre José Antonio Labúru Olascoaga, SJ, 30/4/48.

[73] — Dom Martinho Michler, O.S.B., nasceu em 1901 em Ravensburg, na Alemanha e faleceu em 1988, no Rio. Formado na escola de Romano Guardini, ele trouxe para o Brasil, segundo Dom Clemente Isnard, "as elaborações da Escola Litúrgica de Maria-Laach e do movimento litúrgico belga" (cfr. Frei José Ariovaldo da Silva, O.F.M., O Movimento Litúrgico no Brasil — Estudo histórico, Vozes, Petrópolis, 1983). Ele chegou ao Brasil em 1933 e promoveu em julho desse ano o primeiro retiro com a participação de seis jovens, no qual celebrou entre nós a primeira missa dialogada e versus populum [voltada para o povo] (cfr. Laudimiro de Jesus Borges, estigmatino, artigo A participação da juventude no movimento litúrgico no Brasil, Revista de Liturgia - www.revistadeliturgia.com.br).

[74] SD 18/6/88.

[75] Palestra sobre Memória (IV) 9/8/54.

[76] SD 18/6/88.

[77] Palestra sobre Memória (IV) 9/8/54.

[78] SD 18/6/88.

[79] — Muitos anos mais tarde, por ocasião do Concílio Vaticano II, D. Clemente Isnard, seguidor de D. Martinho Michler em questões litúrgicas, deu um testemunho eloqüente de quanto a Encíclica Mediator Dei havia obstaculizado os planos dos liturgicistas, sobretudo ao comprovar meridianamente as teses do livro de Dr. Plinio, Em Defesa da Ação Católica, prefaciado pelo Núncio Apostólico no Brasil, Dom Aloisi Bento Masella.

D. Isnard, eufórico, opõe o documento conciliar sobre liturgia à Encíclica de Pio XII, a qual considera ter sido superada pela Constituição conciliar; posição esta, diga-se de passagem, bastante singular na pena de um Bispo católico. O documento conciliar sobre liturgia parece ter significado, para D. Isnard, uma espécie de redenção dos erros do liturgicismo condenados na Mediator Dei, e já anteriormente no livro de Dr. Plinio.

Chama também a atenção que, no próprio momento em que D. Isnard comemorava com D. Martinho Michler o que eles consideravam uma hora de triunfo da causa liturgicista, seus pensamentos estavam centrados na oposição levantada por Plinio Corrêa de Oliveira no livro Em Defesa da Ação Católica aos erros liturgicistas. Sinal de como o livro calou fundo!

Segue a expansão de D. Isnard:

“Uma cena para mim inesquecível. Na manhã de 4 de dezembro de 1963 ia ser promulgada a Constituição Sacrossanctum Concilium, sobre a liturgia. Milhares de bispos estavam chegando à Basílica de São Pedro.

“No momento em que eu, comovido, ia transpondo os portões de entrada, encontro providencialmente no pórtico o abade D. Martinho Michler, OSB. Eu vinha da ‘Domus Mariae’ e ele do Colégio Santo Anselmo, e ali nos encontramos, nos abraçamos e nos felicitamos. O que ele havia ensinado em 1933, sua definição de liturgia, sua visão da integração da liturgia na vida da Igreja, tudo estava lapidarmente formulado no texto que foi aprovado por 2147 bispos contra 4 e promulgado pelo Santo Padre.

“A Igreja dava um passo além da Mediator Dei. Quantos pontos que os inimigos do Movimento haviam condenado como ‘liturgismo’ ou ‘liturgicismo’ iam ser canonizados pela Constituição conciliar! Que confusão para aqueles que haviam duvidado da ortodoxia de D. Martinho, que haviam atirado pedras no movimento, que haviam acoimado os beneditinos de hereges!

Não creio que o Cardeal Bento Aloisi Masella tenha se lembrado naquela manhã do prefácio que escrevera para o livro de Plinio Corrêa de Oliveira. Mas o sorriso de D. Martinho era a expressão do gáudio, dom do Espírito, que tudo fazia esquecer para apenas agradecer aquele dia de alegria e vitória” (cfr. Bernard Botte, OSB, O Movimento Litúrgico-Apêndice de D. Clemente Isnard, OSB, Editora Paulinas, São Paulo, 1978, Coleção Igreja Eucaristia, pág. 230).

[80] Carta de Dr. Plinio ao Padre José Antonio Labúru Olascoaga, SJ, 30/4/48.

[81] — Dom Jean-Baptiste Chautard (1858-19350), abade de Sept-Fons, França, autor da famosa obra A Alma de todo o Apostolado.

[82] Reunião com os mais antigos do movimento 8/6/86.

[83] SD 18/6/88.

[84] — François Mauriac (1885-1970), escritor francês pertencente à Academia Francesa de Letras e prêmio Nobel de literatura em 1952. Frequentou entre 1905 e 1907 os círculos do movimento Sillon, de Marc Sangnier, movimento este condenado por São Pio X. O Sillon lhe deixou marcas profundas, apesar de haver rompido com esse mesmo movimento posteriormente. Sua linha política foi guiada por um ideal de socialismo cristão, que o levou, por exemplo, a sustentar durante certo tempo o prócer socialista Pierre Isaac Mendès Frances.

[85] — Georges Bernanos (1888-1948), romancista francês de orientação católica, tendo várias de suas obras alcançado grande repercussão no mundo literário, entre elas o Diário de um pároco de aldeia e Diálogo das carmelitas, ambos posteriormente adaptados ao cinema. Morou no Brasil de 1938 a 1945 e aqui estreitou laços com Alceu Amoroso Lima, sobre quem teve influência. Em sua trajetória ideológica passou por variações e mutações análogas à de seu amigo carioca, dizendo de si mesmo que não era "democrata nem republicano, homem de esquerda nem homem de direita" mas "cristão".

[86] — Um relatório, provavelmente do ano de 1951, de D. Antonio de Castro Mayer, já como Bispo de Campos, informava que “S. Emcia. [o Cardeal D. Carlos Carmelo] introduziu na Arquidiocese [de São Paulo] os dominicanos canadenses, que desde logo chocaram a população por suas maneiras pouco sacerdotais e francamente levianas. Um destes, Padre Marcelo Desmarais, pronunciou pelo rádio conferências que se tornaram famosas por sua condescendência para com os piores vícios modernos e sua linguagem escandalosa”. Referia-se também a “uma Congregação feminina norte-americana [...] que dá aulas de danças modernas às moças da classe rica”, iniciando-as “nos encantos de um catolicismo ‘renovado’ e liberal’”.

[87] Carta de Dr. Plinio ao Padre José Antonio Labúru Olascoaga, SJ, 30/4/48.

[88] Palestra sobre Memórias (III) 8/8/54.

[89] Palestra sobre Memórias (V) 10/8/54.

[90] Carta de Dr. Plinio ao Padre José Antonio Labúru Olascoaga, SJ, 30/4/48.

[91] Discurso no 25° aniversário do Em Defesa da Ação Católica, 8/6/68.

[92] SD 16/6/73.

[93] Discurso no 25° aniversário do Em Defesa da Ação Católica, 8/6/68.

[94] SD 16/6/73.

[95] — Padre César Dainese (1894-1986) era natural de Luvigliano, Pádua. Entrou para a Companhia de Jesus no Brasil, em 1912. Estudou filosofia em Roma, e teologia no Heythrop College, Inglaterra. Ordenado sacerdote em 1927, em 1930 voltou para o Brasil, onde ocupou os cargos de Reitor do Colégio Anchieta em Nova Friburgo (1934-1935 e 1940-1945), do Colégio Antonio Vieira em Salvador (Bahia), onde foi provincial (1953-1957), e do Colégio Santo Inácio do Rio de Janeiro (1963-1964) (cfr. Roberto De Mattei, O Cruzado do século XX — Plinio Corrêa de Oliveira, Livraria Civilização Editora, Porto, 1997).

[96] — Padre Walter Mariaux (Ülzen, 1894-Munique,1963): sacerdote jesuíta alemão, iniciou o seu apostolado junto das Congregações Marianas em Colônia (1929) e em Münster (1933). Em 1935, já em Roma, trabalhou no Secretariado Central das Congregações Marianas. Sua luta aberta contra o nazismo tornou impossível a sua volta à Alemanha. No ano de 1940 veio para o Brasil, onde, no mesmo ano, conheceu e tornou-se grande amigo de Dr. Plinio e se ligou ao grupo do Legionário. Em 1949, voltou para a Alemanha, onde, desde 1953, dirigiu o Paulus-Kreis, a célebre congregação Maior Latina e o secretariado nacional das Congregações Marianas. A revista Die Sendung foi expressão do seu apostolado leigo. Sob o pseudônimo Testis Fidelis, publicou El Cristianismo en el Tercer Reich (Editora La Verdad, Buenos Aires, 1941), documentada e implacável análise do anticristianisimo nazi (cfr. Roberto De Mattei, O Cruzado do século XX — Plinio Corrêa de Oliveira, cit.).

[97] — Padre Roberto Sabóia de Medeiros (1905-1955), o qual era qualificado por Alceu Amoroso Lima como “uma ponta de lança nas conquistas sociais”. O site da Fundação Educacional Inaciana Padre Sabóia de Medeiros afirma que “sua grande preocupação era a questão social” e informa ter sido ele “ardoroso adepto do filósofo francês Maurice Blondel e leitor assíduo de Aldous Huxley”, tendo mantido correspondência com ambos (cfr. http://www.fei.org.br/PadreSaboiaMedeiros.aspx).

[98] Palestra sobre Memórias (V) 10/8/54.

[99] Memorando para o Cônego Antonio Leme Machado, data provável 1948.

[100] Memorando sobre a crise religiosa brasileira por ocasião do 36° Congresso Eucarístico Internacional (Rio, 1955).

[101] Memorando para o Cônego Antonio Leme Machado, data provável 1948.

[102] SD 25/6/88.

[103] SD 18/6/88.

[104] — Interpretavam assim, de modo extrapolado, a linda frase da Sagrada Escritura que dizia: “Vós, porém, sois uma raça escolhida, um sacerdócio régio, uma nação santa, um povo adquirido para Deus, a fim de que publiqueis as virtudes daquele que das trevas vos chamou à sua luz maravilhosa” (I São Pedro, 2, 9).

[105] SD 25/6/88.

[106] SD 16/6/73.

[107] Relatório apresentado por Dr. Plinio a Monsenhor Valentini no ano de 1950, em Roma.

[108] SD 16/6/73.

[109] SD 18/6/88.

[110] Conversa 7/2/93.

[111] Relatório apresentado por Dr. Plinio a Monsenhor Valentini no ano de 1950, em Roma.

[112] Palestra sobre Memórias (V) 10/8/54.

[113] SD 25/6/88.

[114] Palestra sobre Memórias (V) 10/8/54.

[115] RR 16/4/94.

[116] SD 18/6/88.

[117] RR 16/4/94.

[118] SD 25/6/88.

[119] RR 16/4/94.

[120] SD 25/6/88.

[121] Memorando para o Cônego Antonio Leme Machado, data provável 1948.

[122] Minuta de relatório para Monsenhor Ottaviani (Santo Ofício), oferecida por Dr. Plinio a Dom Mayer, ano 1950.

[123] SD 25/6/88.

[124] RR 16/4/94.

[125] Palavrinha canadenses 17/8/93.

[126] RR 16/4/94.

[127] Relatório apresentado por Dr. Plinio a Monsenhor Valentini no ano de 1950, em Roma — Um relatório de membros da Federação Mariana encaminhado por Dr. Plinio ao sacerdote espanhol Padre José Antonio Labúru Olascoaga, SJ, professor de Psicologia da Universidade Gregoriana, em Roma (data provável 1950), dizia:

“O ambiente mundano sensual penetrou nessa Congregação Mariana [do Ginásio do Estado] também por outra via. Sendo seu diretor ao mesmo tempo Assistente Geral da Ação Católica, deliberou emprestar a sede da Congregação Mariana para cursos mistos (isto é, com a participação simultânea de jovens de ambos os sexos) da J.O.C. Esses cursos [...] são ministrados por jovens da J.U.C. No encerramento dos cursos houve uma reunião festiva, com música e canto. Uma dessas músicas foi um samba [...] intitulado ‘Chiquita Bacana’. As palavras deste samba são extremamente imorais [...]. Cantar este samba é evidentemente um descrédito para qualquer pessoa decente. Contudo, durante a festa da J.O.C. foi ele cantado, com uma letra diferente, que assegurava que a própria Chiquita Bacana seria atraída para a J.O.C.

“Aliás, os contatos da Congregação com a A.C. têm sido desedificantes para aquela. Assim, numa reunião conjunta de congregados e jecistas, [...] resolveu a J.E.C. organizar conferências sobre ‘assuntos atraentes como os assuntos sexuais’, segundo disse um de seus dirigentes. [...] Se os congregados não quisessem comparecer por se sentirem chocados, melhor seria que não comparecessem. [...] Um fato, entre outros, impressionou muito desfavoravelmente os marianos: uma retirante acendeu seu cigarro na lamparina que ardia na capela, diante do Tabernáculo”.

[128] SD 18/6/88.

[129] SD 25/6/88.

[130] SD 18/6/88.

[131] — O Cardeal Joseph-Léon Cardijn (1882-1967) foi diretor das Obras Sociais de Bruxelas, capelão dos sindicatos cristãos e coordenador da Juventude Operária Cristã. Em 1920 fundou a Ação Católica belga. Participou do Concílio Vaticano II e em 22 de fevereiro de 1965 recebeu de Paulo VI o capelo cardinalício.

[132] — O acerto de Plinio Corrêa de Oliveira ao detectar a tendência de luta de classes nascente na JOC, encontra hoje uma confirmação impressionante. A JOC belga, depois de se aprofundar no espírito marxista, chegou ao ano de 2014 renunciando até ao nome de católica ou cristã. O boletim francês La Vie, pertencente ao grupo do jornal Le Monde, de Paris, informa em sua edição de 14 de abril de 2014:

“Após debates e votos, o Conselho Nacional da JOC belga concluiu que não tem mais significado chamar-se ‘Juventude Operária Cristã’, mas sim ‘Jovens Organizados Combativos’ (Jeunes Organisés Combatifs). [...] Há alguns meses o movimento escolheu um novo nome para si, mais de acordo com suas lutas atuais.

“‘Um desafio importante era poder nos definir, não por aquilo que não somos, mas por aquilo que somos’, informa a revista do movimento. ‘Tornara-se evidente que uma grande parte dos jovens não se viam refletidos nas palavras cristão e operário’”.

“O qualificativo cristão era visto também como impeditivo da inclusão de pessoas de outras confissões religiosas:

“‘Há dois anos que os jovens jocistas decidiram entregar-se a um longo processo de reflexão sobre a identidade da JOC’, explica um comunicado de imprensa do movimento. Agora, ‘os membros da JOC buscam organizar todos aqueles que se revoltaram e querem combater todas as formas de opressão causadas notadamente pelo sistema capitalista’”.

[133] SD 14/10/94.

[134] SD 25/6/88.

[135] — Padre Arlindo Vieira, então em Belo Horizonte, escreveu em 13 de maio de 1943 a Dr. Plinio, dizendo:

“As coisas aqui não vão nada bem. É inconcebível a confusão que reina nos espíritos. As almas simples e verdadeiramente piedosas mostram-se escandalizadas. As tais ‘sacerdotisas’ são de uma petulância irritante. Há pouco uma delas iniciou um círculo de estudos no Colégio Imaculada observando que ali reinava um grande mal que inutilizava os esforços da Ação Católica (!) e era que as alunas punham exagerada devoção a Maria no centro da vida espiritual... A superiora tomou em seguida a palavra e enalteceu os benefícios imensos que nos traz a devoção a Nossa Senhora. As meninas prorromperam em aplausos e a herética orientadora saiu furiosa. Estamos evidentemente diante de uma perigosa heresia, cujas conseqüências são imprevisíveis”.

[136] Carta de Dr. Plinio ao Padre José Antonio Labúru Olascoaga, SJ, 30/4/48.

[137] SD 25/6/88.

[138] Palavrinha canadenses 17/8/93.

[139] Carta de Dr. Plinio ao Padre José Antonio Labúru Olascoaga, SJ, 30/4/48.

[140] SD 25/6/88.

[141] Palavrinha canadenses 17/8/93.

[142] SD 25/6/88.

[143] Carta de Dr. Plinio ao Padre José Antonio Labúru Olascoaga, SJ, 30/4/48.

[144] Minuta oferecida por Dr. Plinio a Dom Mayer, para relatório a ser entregue no Santo Ofício a Monsenhor Ottaviani, 1950.

[145] Memorando enviado por Dom Mayer ao Padre Leiber, provavelmente em 1949.

[146] Jantar EANS 23/11/90.

[147] Palestra para Neocooperadores 28/2/95.

[148] SD 25/6/88.

[149] Palestra para Neocooperadores 28/2/95.

[150] Palestra sobre Memórias (IV) 9/8/54.

[151] Palestra para Neocooperadores 28/2/95.

[152] SD 25/6/88.

[153] Palestra para Neocooperadores 28/2/95.

[154] Palavrinha canadenses 17/8/93.

[155] Palestra para Neocooperadores 28/2/95.

[156] SD 25/6/88.

[157] Palavrinha canadenses 17/8/93.

[158] RR 23/11/85.

[159] SD 16/6/73.

[160] Palestra para Neocooperadores 28/2/95.

[161] CCEE 5/8/90.

[162] SD 16/6/73.

[163] Palestra para Neocooperadores 28/2/95.

[164] CCEE 8/11/92.

[165] SD 16/6/73.

[166] Palavrinha canadenses 17/8/93.

[167] CCEE 8/11/92.

[168] Jantar EANS 19/6/82.

[169] SD 16/6/73.

[170] Discurso no 25° aniversário do Em Defesa da Ação Católica, 8/6/68.

[171] Palavrinha canadenses 17/8/93.

[172] Palestra para Neocooperadores 28/2/95.

[173] CCEE 8/11/92.

[174] Palestra para Neocooperadores 28/2/95.

[175] CCEE 8/11/92.

[176] SD 16/6/73.

[177] Discurso no 25° aniversário do Em Defesa, 8/6/68.

[178] SD 16/6/73.

[179] Discurso no 25° aniversário do Em Defesa, 8/6/68.

[180] — O Padre Luiz Gonzaga de Almeida era então pároco da igreja de Santa Cecília, em São Paulo. Nomeado em 27 de janeiro de 1936, deixou a paróquia em setembro de 1946.

[181] RR 23/11/85.

[182] Despacho Itália 24/7/95.

[183] RR 23/11/85.

[184] Despacho Itália 24/7/95.

[185] RR 23/11/85.

[186] Despacho Itália 24/7/95.

[187] RR 23/11/85.

[188] Palestra sobre Memórias (III) 8/8/54.

[189] SD 6/8/88.

[190] SD 2/7/88.

[191] Entrevista à Rádio São Miguel de Uruguaiana, 21/6/90.

[192] SD 16/6/73.

[193] SD 9/7/88.

[194] SD 16/6/73.

[195] SD 9/7/88.

[196] SD 16/6/73.

[197] SD 9/7/88.

[198] SD 16/6/73.

[199] SD 6/8/88.

[200] SD 16/6/73.

[201] SD 6/8/88.

[202] — O Padre Paulo Rolim Loureiro (1908-1975) foi ordenado sacerdote em 15 de agosto de 1934. Mais tarde elevado a Cônego, foi posteriormente sagrado Bispo (em 22 de maio de 1948), nomeado Bispo Auxiliar de São Paulo e posteriormente titular de Mogi das Cruzes. Morreu em acidente automobilístico em 2 de agosto de 1975.

[203] Notas de Dr. Plinio sobre D. José Gaspar, ainda em vida deste, sem data definida.

[204] — A anexação da Áustria por Hitler deu-se em 1938, É conhecida como Anschluß ou Anschluss, palavra do idioma alemão que significa conexão ou anexação.

[205] Palestra sobre Memória (IV) 9/8/54.

[206] SD 2/7/88.

[207] — Conto de réis era um valor monetário que equivalia a um milhão de réis, até a reforma de 1942, que substituiu o réis pelo cruzeiro como unidade monetária no País.

[208] Palestra sobre Memórias (I) 6/8/54.

[209] SD 16/6/73.

[210] Chá 19/9/94.

[211] SD 16/6/73.

[212] Palestra sobre Memórias (V) 10/8/54.

[213] — Dom Duarte faleceu a 13/11/38 e Pio XI no dia 10/2/39. Vinte dias depois (2/3/39), Pio XII era eleito Papa. Somente a 29/7/39 Dom José Gaspar foi designado Arcebispo de São Paulo, mais de oito meses depois da morte de Dom Duarte.

[214] SD 16/6/73.

[215] — O 32° Congresso Eucarístico Internacional realizou-se em Buenos Aires de 9 a 14 de outubro de 1934. Ao retornar, o Cardeal Eugenio Pacelli permaneceu no Brasil nos dias 20 e 21, tendo-se hospedado, a convite do governo brasileiro, no Palácio do Catete (Rio de Janeiro), sede do poder executivo até 1960, data da mudança da capital do País para Brasília.