1. Uma cascata de inautenticidades contra o Brasil católico
Pouco depois de
amainadas as invasões, li a notícia de que o povo brasileiro fora
convocado para escolher uma Assembléia Nacional Constituinte, que
funcionaria concomitantemente como Congresso nacional (Câmara e Senado) [137].
Uma vez chegado o
período eleitoral, começou um estilo de propaganda, o mais lamentável
possível [138].
A propaganda que os políticos faziam costumeiramente era da respectiva
cara.
Era uma cara com
bigodinho, sorrindo, ou outra cara com olhar wagneriano, como quem
prometesse ao Brasil um futuro gigantesco. E daí para fora.
Eram caras, caras e
caras; nomes, nomes e nomes... e só. Eles não apresentavam nenhum
princípio, não davam nenhuma meta, não articulavam nenhum programa [139].
Lembro-me de ter visto,
na campanha para a Constituinte, um desses cartazes de propaganda com a
cara enorme de um homem, e apenas os dizeres: "Fulano de tal é federal" [140].
Mais nada. A cara dele era o único argumento para ser eleito [141].
O mandato popular para
fazer a nova Constituição foi conferido, na maior parte dos casos, a
cidadãos brasileiros acerca dos quais o eleitorado ignorava o que pensavam
no tocante aos grandes problemas nacionais [142].
E isto concorreu gravemente para a inautenticidade daquele pleito [143].
O alheamento entre o povo e os candidatos, daí
decorrente, era tão grande que foi impressionante o número de votos em
branco ou nulos [144].
A classe política não tinha o entusiasmo de ninguém no Brasil [145].
* *
*
A essa carência de
representatividade congênita veio somar-se outra, decorrente do
funcionamento tumultuado e anômalo da própria Constituinte, em que as
inautenticidades se sucediam em cadeia.
O plenário era menos
conservador do que o eleitorado. As comissões temáticas eram mais
esquerdistas que o plenário. E a Comissão de Sistematização (que
coordenava o trabalho preparado pelas comissões temáticas) apresentava a
maior dose de concentração esquerdista da Constituinte.
E, assim, uma minoria esquerdista ativa, articulada,
audaciosa ameaçava arrastar o País para rumos não desejados pela maioria
da população [146],
numa atmosfera de caos marcada pelo pipocar dos insultos, pelo estalido
das taponas, e pelas querelas decorrentes das insuficiências dos prazos
regimentais.
Os que me conhecem pessoalmente sabem que não sou
“queixoeiro” nem pessimista. Mas não havia setor da vida nacional em que
alguém não estremecesse na antevisão dessas reformas que abalavam tudo,
desde a segurança e incolumidade do Poder Judiciário, que deveria ser
intangível, até a integridade e a própria existência da família, ameaçada
de deixar de vez de ser uma realidade, para ficar reduzida a mera ficção
literária de mau gosto [147].
2. Necessidade urgente de intervir: “Projeto de Constituição angustia
o País”
Impunha-se fazer um estudo que versasse ao mesmo
tempo sobre a representatividade da Constituinte então eleita e sobre o
Projeto de Constituição que ela estava elaborando.
O resultado desse estudo
foi o livro
Projeto de Constituição angustia o País, que concluí em
outubro de 1987 [148],
quando os trabalhos da Constituinte atingiam o seu clímax [149].
Após exaustivo trabalho
de coleta e análise dos dados disponíveis, o estudo versava não só sobre a
representatividade da Constituinte, como também sobre o Projeto de
Constituição em elaboração, bem como o desfecho que se podia vislumbrar
ante o eventual divórcio do novo texto constitucional em relação ao
pensamento majoritário da Nação [150].
3. Algumas propostas fundamentais do livro
Mostro no livro que esse
projeto de Constituição estava dando um grande passo rumo à socialização
integral do Brasil, sobretudo em relação à desagregação da família e ao
minguamento da propriedade particular [151].
E faço severas admoestações e observações, não contra o regime, mas contra
o modo pelo qual este vem sendo vivido por nós. Porque, salvo as
raríssimas exceções, a classe política é, entre nós, a-ideológica [152].
Como resolver a complexa e espinhosa situação de
inautenticidade constitucional assim criada?
Que os Constituintes votassem uma Constituição
dispondo sobre a organização política do País, segundo uma linha geral em
que facilmente se poderia conseguir o consenso notório de toda a
população. A parte sócio-econômica seria deixada pela própria Constituição
para outra Assembléia, a ser eleita com poderes constituintes especiais
para dispor sobre tal. O que lhe evitaria de atirar o País num dédalo de
complicações fatais para a boa ordem, o desenvolvimento, e quiçá a
soberania dele.
Era para evitar à nossa Pátria essa catástrofe por
antonomásia que a TFP, em espírito de concórdia e de cooperação, dirigia
esse brado de apelo e essa cordial proposta aos senhores Constituintes.
Como tal não ocorreu, o divórcio entre o País legal e
o País real foi inevitável. Criou-se então uma daquelas situações
históricas dramáticas, nas quais a massa da Nação saiu de dentro do
Estado, e o Estado viveu vazio de conteúdo autenticamente nacional.
As correntes de esquerda conseguiram envolver a
maioria conservadora, de forma a fazer prevalecer os pontos de vista delas
e incluir na Constituição dispositivos que implantavam no País as Reformas
Agrária e Urbana, ao mesmo tempo que abriam caminho para a Empresarial
- as duas primeiras com o apoio
oficial do Poder Executivo, e a terceira com claras simpatias em altas
esferas políticas e publicitárias.
O livro levantava
reparos a outros tantos dispositivos de capital importância, como sejam a
aniquilação do matrimônio e da família legítima; prejuízos causados à
multiplicação da espécie, ao livre exercício da profissão médica, à
organização do ensino etc. [153].
4. Um dos livros mais complicados
que eu já tenha escrito
Não se pode calcular o
trabalho que me custou fazer este livro [154].
A dificuldade estava em encontrar a
maneira de apresentar as coisas que levasse esse jogo a ser outro.
Começava por aí: a democracia era um
conceito político, mas os constituintes queriam entendê-la como uma
atitude social. Democracia seria, por exemplo, uma postura contra a
discriminação racial, contra isso, contra aquilo.
Eu havia estudado Direito
Constitucional e tinha sido uma das poucas matérias jurídicas que me
interessaram.
E eu sabia, daquela época em que
estudei esse ramo do Direito, que essas matérias sociais, segundo os
melhores juristas, não devem fazer parte de uma Constituição. Porque a
Constituição diz respeito só à estrutura política de um país, mais nada.
As outras matérias deviam ser tratadas na legislação ordinária.
Então senti a necessidade de
restaurar no livro o conceito de democracia, como também o de
representatividade.
Repito: nunca havia escrito um livro
que me desse tanto trabalho como esse. Quem lê o livro não faz bem idéia
disso. Pensa que estava tudo arranjadinho na minha cabeça, e que eu fui
pensando e escrevendo. Não é verdade [155].
5. Campanha de alerta de Norte a
Sul
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Início da
campanha de divulgação do livro sobre a Constituinte no centro de
São Paulo |
Sócios e cooperadores da
TFP consagraram-se, durante cinco meses, a difundir a obra por mais de 240
cidades de 18 Unidades da Federação, fazendo escoar os 73 mil exemplares
editados.
Ressalte-se a média
recorde de 1.083 exemplares diários vendidos durante os dezenove dias de
difusão intensiva na Grande São Paulo.
Finalmente, esboçou-se
uma certa reação dos elementos mais conservadores no seio da
Constituinte*.
* Formou-se na
Constituinte um bloco de deputados que se diziam inconformados com os
rumos que a mesma estava tomando, e que recebeu o nome de “Centrão”. É
esclarecedor, a esse respeito, o discurso em plenário do deputado Bezerra
de Melo (PMDB-CE), em 3 de dezembro de 1987, no qual dizia: “Não
concordávamos com os rumos tomados pela Comissão de Sistematização da
Assembleia Constituinte Nacional. E para tanto formou-se o Centrão, cuja
missão dentro do Parlamento é salvar a nova Constituição das graves
ameaças por que está passando” (cfr. Procurando o Centrão: Direita
e Esquerda na Assembléia Nacional Constituinte 1987-88, tese de
pós-graduação de Rafael Freitas, Samuel Moura e Danilo Medeiros, 2009).
Porém faltavam-lhes o
ímpeto e a determinação necessários para reverter o processo descrito no
livro. E o Brasil foi presenteado com uma Constituição que criaria em
seguida toda a espécie de embaraços para a governabilidade do País [156].
O Brasil havia iniciado,
bom grado, mau grado, uma nova etapa de sua História, na qual a caminhada
para a esquerda se tornara compulsória, acelerada.
Resultou gravemente
golpeada a instituição cristã da família, bem como profundamente
danificadas, em muitas de suas características mais essenciais, a
propriedade privada e a livre iniciativa [157].
A alvissareira
abertura de ontem nos conduziu à terrível “apertura” de hoje.
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Aspecto da
campanha de difusão do livro sobre a constituinte no centro de São
Paulo |
NOTAS
Índice da parte XI
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