1. Numa primeira fase, candidatos chocantemente esquerdistas
Na eleição presidencial
seguinte, as três primeiras grandes candidaturas foram de políticos
notória e até chocantemente esquerdistas*.
* Apresentaram-se
inicialmente como candidatos nessa eleição, entre outros, Luiz Inácio Lula
da Silva, Leonel Brizola e Mário Covas. Foi também candidato Ronaldo
Caiado. Só mais tarde apareceu a candidatura Collor.
Isto explica que incontáveis brasileiros tivessem
feito grise mine ou até faccia feroce diante da perspectiva
de os candidatos irem sendo escolhidos dentre líderes
político-partidários, por equipes estritamente político-partidárias. Tudo
sob o bafejo da esquerda [158].
* *
*
Aí o Sr. Ronaldo Caiado
teve sua candidatura lançada pelo presidente regional da UDR paraibana
(cfr. Folha de S. Paulo, 11/5/88) [159].
E foi, durante bom tempo, um "favorito", um campeão para o Grande Prêmio
Presidência da República, senão de toda a mídia, pelo menos de grande
parte dela.
Houve depois considerável retrocesso de alguns
candidatos. E o retrocesso mais considerável foi o do Sr. Ronaldo Caiado.
Segundo as pesquisas de opinião, ele estava colocado nos últimos lugares.
E as duplas de
propagandistas da TFP que percorriam o interior do País confirmaram tal
retrocesso, através dos contatos mantidos no próprio meio de onde se podia
esperar que lhe viesse maior apoio, isto é, o ruralista.
O mito, a aura de invencibilidade jovem, jubilosa e
irreversivelmente triunfante que se havia constituído em torno dele,
encontrava-se dessa forma desfeita pelos fatos.
A TFP está certa de que
seus numerosos alertas (sem réplica da parte do Sr. Caiado), a respeito da
política suicida do "ceder para não perder" adotada pelo então
presidente da UDR, contribuiu em larga medida para o desestufamento desse
mito, que ia conduzindo a classe rural, talvez irreversivelmente, e com
ares de vitória, abismo abaixo [160].
2. Perplexidade do eleitorado e perguntas à TFP
No imbroglio político de então, o afã de
conhecer a opinião da TFP se manifestou. Dos mais variados lados se nos
perguntava, com confiança tocante, qual seria o candidato mais desejável.
Ou, antes, qual o menos indesejável.
Por vezes, a mesma pergunta se voltava contra nós,
com certo cunho de intimação: que candidato potável a TFP tinha para
propor? E, se não o tivesse, que solução ela encontrava para tirar o País
da perigosa mixórdia em que parecia ir soçobrando?
Que solução apresenta
então a TFP? Que o país recorra às cúpulas das grandes associações de
classe? Tal proposta, a TFP não a faria. Pois, ao longo dos debates da
Constituinte, as cúpulas profissionais que falaram, o fizeram quase sempre
no sentido de favorecer o esquerdismo do plenário constitucional que tanto
já se ia extremando neste sentido. Ou, então, se assinalaram na prática da
ruinosa política do "ceder para não perder", isto é, do ceder muito,
diante das esquerdas, para tentar não perder tudo... E quando não agiram
assim, foi porque se calaram completamente [161].
3. Collor: candidatura-surpresa muito bafejada pela mídia
Nesse clima despontou
uma nova figura, a de Fernando Collor de Mello [162],
que se apresentou como se fosse um campeão de corrida que havia entrado no
páreo eleitoral.
Neto de Lindolfo Collor,
político gaúcho muito saliente na era getuliana, ligado por vínculos
familiares mais ou menos desfeitos, como por vínculos familiares atuais,
ao grande capitalismo, ele próprio um capitalista de considerável fortuna,
o nome de Fernando Collor começou a despertar em certos setores
brasileiros a esperança de que viria a representar uma solução centrista,
com alguma tendência à direita, para a solução da situação caótica que
submergia o País.
Começava entretanto a cercá-lo uma “aura” parecida
com a que há pouco havia favorecido Caiado. E a mídia projetava dele a
imagem de pessoa resplandecente de otimismo, de êxitos passados e de
esperanças para o futuro. E de pessoa que trazia em si uma como que
promessa “evidente” de vitória.
* *
*
Não era minha intenção,
nem da TFP, impugnar a atitude dos que consideravam a presença de Collor,
na lista dos mais cotados presidenciáveis, como representando certa
distensão e certo alívio quanto à pressão das esquerdas.
Mas vi que era preciso
tomar cuidado. Eu sustentava que era necessário acompanhar com atenção o
que ele dizia, para ter idéia exata do voto que se iria dar.
Collor me parecia, de
fato, um candidato preferível aos outros.
Mas, daí a depositar
nele — como se fosse um candidato talismânico — a confiança cega, presente
em certas formas de entusiasmo sugeridas por elementos das comunicações
sociais, isso se me afigurava excessivo.
Esse utopismo otimista
poderia marcar a atmosfera do primeiro período de governo. E acabava
beneficiando prematuramente um novo Presidente de República com uma carga
de confiança que ele talvez merecesse... mas que talvez não merecesse.
Meus comentários não
eram anti-Collor. Eram comentários pró-Brasil. Comentários que convidavam
portanto à vigilância e à atenção.
Eles não desviavam votos
de Collor. Apenas procuravam atenuar fanatismos que facilmente se poderiam
tornar excessivos [163].
4. TFP toma posição e o debate se ideologiza
Veio então o primeiro
turno das eleições, com Fernando Collor obtendo vantagem considerável (por
volta de 12%) sobre o segundo colocado, Luís Inácio Lula da Silva.
Em quem votar no próximo
turno da eleição, de dramática importância para o País?
Eu não podia deixar sem
resposta as numerosas perguntas que neste sentido me chegavam, não só dos
sócios, cooperadores e correspondentes da TFP, como de bom número de
simpatizantes de todo o Brasil.
Isto se tornou ainda
mais premente à vista do fato de que Lula, interrogado pela Folha de S.
Paulo (18/11/89) sobre se era verdade que tinha o apoio da corrente da
Teologia da Libertação, respondeu que não havia nenhuma novidade nisso. E
que todo mundo sabia que havia um setor progressista da Igreja que apoiava
a campanha dele.
Lula terminou por dizer
que Collor deveria ficar com o pessoal da direita da Igreja, e que ele
ficaria com o da esquerda.
Essas declarações justificavam completamente uma
tomada de posição nossa, não só entre as candidaturas Collor e Lula, como
também ante a Teologia da Libertação e as CEBs.
* *
*
Não era minha intenção
dar à voz da TFP outro alcance senão o de um conselho fraternalmente
oferecido por membros do laicato católico a membros do laicato católico,
acerca do segundo turno da eleição presidencial. Redigi então um
manifesto.
Eu lembrava nesse
manifesto que, enquanto a TFP defendia o princípio da propriedade privada
e o sistema de livre iniciativa, as CEBs eram adeptas do sistema
socialista de inspiração confessadamente marxista.
E frisava que a anterior
figura política de Lula, sempre marcada por uma nota esquerdista, havia se
radicalizado ao longo da campanha. Resultava isto do fato de as CEBs terem
tomado vulto preponderante nas fileiras do “lulismo” e do PT. CEBs nas
quais o público via um caráter radicalmente esquerdista.
Em vista de tudo isto eu
recomendava no manifesto, a todos os eleitores com opiniões consonantes
com as da TFP, que não dessem seu voto a Lula. E que a alternativa era
votar no candidato Collor.
Eu deixava bem claro que
a meta da TFP não era oferecer votos a ninguém. E que ela não via na
candidatura Collor senão uma contingência a ser aceita quase
automaticamente pelo eleitor, quer centrista, quer direitista, pois
decorria de modo inexorável da candidatura Lula.
O fato é que, depois
desse comunicado, o conflito ideologizou-se, ficando Lula de um lado, e de
outro Collor. E um certo anticomunismo começou a novamente se definir no
Brasil* [164]
* Este manifesto
foi publicado na
Folha de S. Paulo, 29 de novembro de 1989, no
caderno Exterior, p. A-7, sob o título
Face à dramática situação
do Brasil, a TFP toma atitude entre as candidaturas Collor de Mello e
Lula, como também ante a Teologia da Libertação e as CEBs.
5. Processo contra a “Folha” e ameaça de
processo contra Dr. Plinio
Depois de publicado esse
comunicado, li na imprensa que o Procurador Geral da República em Brasília
moveu um processo criminal contra a Folha de S. Paulo, na pessoa de
seu diretor, Otávio Frias de Oliveira, pelo fato de o jornal ter publicado
um pronunciamento a favor do Collor e contra o Lula.
Razão: a lei eleitoral
considerava crime, passível de um a cinco anos de prisão, o responsável
por uma entidade que não fosse um partido político, se pronunciar a favor
de um candidato durante o período eleitoral.
Percebi logo que queriam processar-me a mim também.
Se processassem o Frias, o processo sairia contra mim também.
Ele tinha publicado, e eu tinha escrito. Era o mesmo
“crime” para quem escreveu e para quem publicou. Sem saber, eu tinha
cometido esse “crime” [165].
Passou-se mais ou menos
um ano [166]
e no fim o tribunal criminal declarou absolvido o Sr. Frias e, com
surpresa para mim, mandou-me um ofício muito gentil, comunicando-me essa
absolvição e dizendo que a lei que proibia essas intervenções eleitorais
já não tinha mais aplicação em vista da Nova Constituição [167].
NOTAS
Índice da parte XI
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