Noite Sandinista, um evento da Teologia da
Libertação (1980)
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1. Evento público na PUC e reuniões sigilosas em Taboão da Serra
No início de 1980, já em pleno clima da “abertura”
do regime militar, presenciamos em São Paulo as jornadas realizadas
pela Teologia da Libertação no Teatro da Pontifícia Universidade Católica
(TUCA). Portanto, na Arquidiocese do Cardeal Arns, e sob o patrocínio
deste.
Chegou-me a informação de que reuniões mais
reservadas se realizariam em Taboão da Serra [1],
cidade próxima a São Paulo, numa antiga fazenda que pertence à Cúria, e na
qual foram construídos prédios de tamanhos muito consideráveis [2].
Ali funcionava o Instituto Paulo VI (Centro de Treinamento de Líderes da
Arquidiocese de São Paulo).
O Congresso — cuja programação interna foi cercada de
grande sigilo — contou com a participação de mais de 160 Bispos, Padres,
freiras, leigos de ambos os sexos (sociólogos, economistas, agentes de
pastoral, membros das Comunidades de Base) e pastores protestantes de 42
países*.
* Este IV Congresso
Internacional Ecumênico de Teologia foi promovido pela Associação
Ecumênica de Teólogos do Terceiro Mundo, organização integrada por
protestantes e católicos de esquerda. O tema geral do Congresso era
Eclesiologia das comunidades eclesiais de base. Realizou-se de 20/2 a
2/3/80. Guardas de uma segurança privada evitavam a aproximação de
estranhos.
Enquanto presumivelmente se procedia em Taboão da
Serra a secretas elaborações doutrinárias e articulações táticas,
realizava-se no teatro da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo —
TUCA (rua Monte Alegre, 1024), uma Semana de Teologia subordinada
ao título A Igreja na América Latina, promovida pelo Departamento
de Teologia do Instituto de Estudos Especiais da mesma Universidade. A
Semana de Teologia se estendeu de 21 de fevereiro a 1º de
março, com sessões públicas e diárias.
Conforme declaração do Cardeal Arns, no discurso de
abertura, a Semana de Teologia resultou de um pedido da Associação
Ecumênica de Teólogos, que desejava “entrar em contato” com os
membros das Comunidades Eclesiais de Base e movimentos populares da
periferia de São Paulo.
As sessões noturnas do TUCA constituíam um
desdobramento do Congresso, pois os temas tratados em Taboão da Serra eram
em alguma medida transmitidos aos militantes das Comunidades de Base, os
quais representavam a maioria dos assistentes [3].
2. Incitamento à violência e à guerrilha em nome da doutrina católica
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“Yo me siento con esta ropa de guerrillero, como me
podría sentir revestido de sacerdote”, declara Mons.
Pedro Casaldáliga, Bispo de São Félix de Araguaia, Brasil,
em meio a aplausos e gritos frenéticos em evento na PUC de
São Paulo no anos 80 [Para
mais detalhes ver aqui] |
Nessa parte pública, mandei pessoas da TFP assistirem
e colherem algumas observações. Contaram-me eles que essa sessão foi muito
além de tudo quanto se podia imaginar, e tinha o calor de uma verdadeira
conclamação à guerra civil [4].
Aquilo foi, do começo ao fim, um incitamento à
violência e à guerrilha, em nome da doutrina católica e de uma nova
interpretação do Evangelho [5].
3. Dom Arns: ir para a Nicarágua, “para aprender”
Escandalosa foi a sessão de 28 de fevereiro realizada
no teatro da PUC, que ficou conhecida como Noite Sandinista [6].
O ponto alto da noite consistiu na entrega a Dom
Pedro Casaldáliga, Bispo de São Félix do Araguaia, de um uniforme de
guerrilheiro sandinista, cuja jaqueta o Prelado vestiu no mesmo instante.
Os oradores da sessão — todos personagens com
participação intensa na Revolução Sandinista, ou no governo nicaragüense
de então — constituíam uma equipe coesa e bem articulada. Seus discursos
consistiam em apelos, ora mais ora menos explícitos, a que os espectadores
— quase todos filiados a movimentos ou correntes católicas de esquerda —
redobrassem de esforços para empurrar o Brasil pelas vias a que eles
conseguiram arrastar a Nicarágua.
Coube ao Cardeal-Arcebispo de São Paulo, Dom Paulo
Evaristo Arns encerrar o ciclo de conferências no TUCA, a 1º de
março. Eis suas significativas palavras, na ocasião:
-
“Como concluir? Não há uma conclusão. A coisa apenas começou.
[...] “Vejam esta pergunta — chega de
teologia e vamos à prática: onde estão os grupos que vão para a Nicarágua,
para aprender? Eu respondo: sei que, em São Paulo, há grupos se preparando
e de malas prontas para partir. Até com a permissão do Arcebispo de São
Paulo...” (cfr. O São Paulo, 7 a 13 de março de 1980) [7].
Os nossos observadores gravaram todas as partes do
evento, porque, como eram sessões públicas, se adotava o sistema de
simplesmente pôr o gravador na mesa, até sem pedir licença do
conferencista. E depois pegar o gravador e levar embora. Portanto, todo o
material que temos foi obtido do modo mais honesto e correto possível.
4. Sandinismo, fruto da Teologia da Libertação e das CEBs. Larga
difusão
Estudando esse material, pudemos perceber que [8]
o caráter radicalmente igualitário da ideologia sandinista não deixava
dúvidas de que o sandinismo, ou se identificava com o comunismo, ou se
situava nos subúrbios deste.
Portanto, o sandinismo era uma frente única de
várias forças, nas quais ocupavam posição de destaque os “cristãos
revolucionários”. Estes últimos se agrupavam, por sua vez, em uma só
frente constituída por Comunidades Eclesiais de Base e movimentos
análogos.
Vários sacerdotes atuaram como verdadeiros pregadores
e capelães da Revolução. E essa revolução eclesiástica era de índole
teológica. E identificava-se com a Teologia da Libertação, que tinha por
mestre o sacerdote peruano Gustavo Gutiérrez, participante do IV Congresso
Internacional de Teologia, e um dos oradores da sessão de abertura da
Semana de Teologia, presente, aliás, à “Noite Sandinista”.
Em suma, estávamos postos assim em presença de uma
Igreja-Nova, com uma estrutura nova, com uma moral social nova,
inspiradora de uma luta de classes sócio-econômica, a qual não era
possível distinguir da que Marx ensinava. Essa luta, a ser travada, quando
necessário, até de armas na mão. O que, tudo, a identificava assim com a
subversão [9].
Catolicismo ficou com a gravação da sessão
(facultada, como já disse, a qualquer pessoa presente) e a publicou, com
comentários meus, no número de julho-agosto de 1980.
As caravanas de propagandistas da TFP divulgaram
essa
reportagem por todo o território nacional (36.500 exemplares). As TFPs da
Argentina, Colômbia, Equador, Uruguai e Espanha reproduziram meu estudo
sobre a Noite Sandinista em seus respectivos países, totalizando,
com a edição do Brasil, 80.500 exemplares [10].
5. Perguntas incômodas a Dom Pelé:
resposta evasiva
Durante uma dessas sessões públicas no teatro da PUC,
a mesa era dirigida por Dom José Maria Pires, então Arcebispo de João
Pessoa, mais conhecido no Brasil como “Dom Pelé”. A ele foi
encaminhado, por um dos nossos, um conjunto de 7 perguntas que eu havia
redigido.
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Dom Pelé [no
centro da foto] e camponeses reunidos em Alagamar. A organização dos
cerca de 7 mil trabalhadores de Alagamar teve origem nas Ligas
Camponesas, proibidas pelo golpe militar de 1964. |
Dom José Maria Pires recebeu as perguntas, leu-as em
silêncio, fez cara de muita preocupação e, na hora de responder, disse
mais ou menos o seguinte: “Este é um questionário muito bem feito, mas
são muitas perguntas e já é tarde. Vou tentar responder dando uma idéia
geral”.
Apresentou em seguida uma resposta confusa à primeira
pergunta e depois não respondeu mais nada. E o público ficou ignorando as
outras seis questões* [11].
* As perguntas
encaminhadas a Dom José Maria Pires foram as seguintes:
“1. Em Puebla
João Paulo II fez expressas censuras à Teologia da Libertação. O congresso
admite essas censuras como doutrinariamente coerentes com a Revelação e o
Magistério da Igreja? 2. O congresso admite que os abusos denunciados por
João Paulo II existiram? 3. Respondidas afirmativamente ambas as
perguntas, o que o congresso faz ou pretende fazer para consertar a
Teologia da Libertação e as comunidades de base? 4. O congresso pretende
agradecer a João Paulo II o corretivo e exprimir a sua submissão? 5.
Respondidas pela negativa as perguntas 1 e 2, o congresso pretende
defender-se ante João Paulo II, ou manter-se em silêncio? 6. Em que forma
seria feita essa defesa? Seria ela dada a público? 7. A defesa seria
mandada a João Paulo II antes da vinda dele ao Brasil, ou os líderes
brasileiros da Teologia da Libertação esperariam a vinda dele ao Brasil
para uma mensagem pública, ou para pedir uma audiência com ele?”
Essas perguntas, se fossem lidas, teriam sido uma
“bomba” dentro do congresso. Sem violar a lei do Estado e obedecendo
às leis da Igreja, essa bomba da TFP foi posta lá dentro [12].
NOTAS
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