1. Expectativa em face do novo Papa
No meio desses vaivéns políticos, veio a notícia da
morte de Paulo VI a 6 de agosto de 1978.
Ele havia anunciado que a Igreja estava sendo vítima
de um misterioso "processo de autodemolição" e que nela penetrara a
"fumaça de Satanás" [235].
O falecido Pontífice — ante cujos restos mortais me
inclinei com a devida veneração — partia pois para a eternidade com a
autodemolição em curso, e a fumaça de Satanás em expansão. O que pensaria
seu sucessor sobre a autodemolição e a fumaça? [236]
Em 1974 as TFPs então existentes publicaram a
declaração concernente à Ostpolitik vaticana e ao conjunto da
atuação de Paulo VI face ao comunismo, tão diversa da de seu antecessor
Pio XII.
Até então eu não conhecia, de fonte vaticana, um só
pronunciamento sobre o comunismo próprio a compensar o que se poderia
chamar pelo menos de unilateralidade dessa Ostpolitik [237].
Os Papas até João XXIII ensinaram e agiram de tal
forma que todos os católicos sabiam ser impossível tal saída (de
colaboração com o comunismo), pois fundamentalmente contraditória com a
doutrina e a missão da Igreja [Nota do Site: Sobre a candente
questão da possibilidade de colaboração entre a Igreja e os
regimes comunistas o Prof. Plinio escreveu o ensaio
Acordo com o regime comunista - Para a Igreja, esperança ou
autodemolição? cuja leitura recomendamos vivamente a
nossos visitantes] .
Era fato notório que, no decurso dos Pontificados de
João XXIII e Paulo VI, esta convicção se foi apagando no espírito de
muitos e muitos católicos. E que não poucos chegaram a afirmar,
impunemente, a conciliação entre a Religião católica e o comunismo.
Qual seria, nesta matéria, a atuação de João Paulo
II? [238].
2. Em Puebla, gravíssima advertência sobre a Teologia da Libertação
Foi aí que João Paulo II esteve em Puebla, México, em
janeiro de 1979, para a 3ª Conferência do CELAM [239].
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João
Paulo II na sessão de abertura da CELAM em Puebla, México.
Afirmou Plinio Corrêa de Oliveira que os pronunciamentos do
Pontífice nem deixaram o caminho aberto para o comunismo,
nem lhe cortaram o passo inteiramente |
Ele se encontrou com os representantes dos
Episcopados das 22 nações latino-americanas, e em meio a palavras de
saudação e carinho, lhes fez gravíssima advertência: a Teologia da
Libertação era um câncer instalado nas entranhas da catolicidade
ibero-americana. E, como todo câncer, ia deitando gradualmente metástases [240].
João Paulo II mostrava que os propugnadores de uma
Igreja meramente terrena tinham uma peculiar noção sobre Jesus Cristo, "não o verdadeiro Filho de Deus", mas um
"profeta", um "anunciador do Reino e do amor de Deus", e mais precisamente um
profeta e anunciador de um reino que por sua vez tinha peculiaridades: era
um líder político em revolta contra a dominação romana, um "revolucionário" envolvido na
"luta de classes", era, em suma,
o "subversivo de Nazaré" [241].
Propagada inclusive por clérigos, ela inculcava
quanto podia uma pastoral tendente a laicizar a ação da Igreja e a
projetar para segundo plano o que deveria estar no primeiro, isto é, a
catequese, a formação moral do povo cristão, a distribuição dos
sacramentos, enfim, a salvação das almas. Em primeiro plano ficava a luta
de classes desejada pelo marxismo. O Pontífice recomendava aos Bispos que
tomassem medidas [242].
A grande esperança da Igreja para o século XXI era a
América Latina — tudo aqui é católico, pelo menos de nome e de intenção [243].
Assim, a conferência de Puebla brilhou como uma luz nascente aos olhos de
muitos.
Se ela confirmasse as esperanças que ia despertando
aqui ou acolá, poderia minguar o perigo do comunismo em uma das frentes
que com maior eficácia tinha este utilizado: o ambiente católico. E seria
possível conter essa apresentação deformada que hoje se faz da Religião
para justificar o ateísmo e o coletivismo [244].
3. Uma folha da porta é fechada, a outra permanece aberta
Estudei a alocução do Pontífice em Puebla, e expus na
Folha de S. Paulo as interrogações, e também as alegrias e
esperanças que a propósito experimentei [245].
Evidentemente, essa posição de João Paulo II era de
grande alcance, uma vez que os meios católicos estavam largamente
infiltrados por "apóstolos" da dupla tese de que a Igreja existe somente a
serviço do homem e de que só Marx aprendeu e ensinou acertadamente o que é
o homem, e como servi-lo.
Contudo, quem, com as noções atualizadas sobre esta
matéria, lia a mensagem de João Paulo II, não podia deixar de se perguntar
se nesse documento, em que era tão certa a posição antimarxista, havia
também uma condenação ao regime comunista enquanto tal, abstração feita da
filosofia de Marx.
Pois o mais moderno sopro do comunismo consistia em
admitir que um não marxista pudesse propugnar, com fundamento filosófico
não marxista, o regime sócio-econômico do comunismo. Mas era livre de
procurar em qualquer sistema religioso ou ateu a fundamentação filosófica
que mais lhe parecesse adequada para justificar as respectivas
preferências sócio-econômicas.
Não havia na mensagem tal condenação. Ou seja, para o
coletivismo marxista a mensagem fechava uma folha da porta. Para o
coletivismo não estritamente marxista deixava a outra folha aberta [246].
4. Bispos do Brasil em face da mensagem de Puebla
Em última análise, o que mais importava no caso era
saber qual seria, ante a mensagem, a reação quase unânime que teriam os
Bispos reunidos em Puebla [247].
Neste sentido, no Brasil a alocução de João Paulo II
em Puebla fora até certa época de uma ineficácia absoluta. Podem atestá-lo
todos os que presenciaram consternados o apoio dado por Bispos e padres às
variadas formas de agitação e contestação, de que o País foi teatro em
1979 [248],
e nos anos subseqüentes, como veremos a seguir.
NOTAS
Índice da "Parte X"
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