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1. “Igreja e Problemas da Terra (IPT)”, uma bomba de nêutron
agro-reformista
Um pouco antes dessa reunião de Taboão da Serra,
havia sido lançada uma verdadeira bomba de nêutron: a CNBB publicou o
documento Igreja e problemas da terra (IPT), que bafejava a divisão
compulsória das grandes e médias propriedades. Cento e setenta e dois
Bispos aprovaram o documento [13],
o qual ecoou como um ribombo publicitário em todo o País* [14].
* Esta reunião do
Episcopado nacional ocorreu em Itaici de 5 a 14 de fevereiro de 1980.
Os termos do documento foram tão categóricos que
facilmente poderiam dar a leitores desavisados a impressão de que ser
favorável à Reforma Agrária preconizada por Igreja e problemas da terra
era condição de fidelidade de todo católico à Santa Igreja* [15].
* Essa visão
deturpada do dever de fidelidade às opiniões errôneas dos Bispos
agro-reformistas estava bastante disseminada entre conhecidos membros do
Episcopado nacional. Basta ver a seguinte declaração de Dom Moacir Grechi,
então Bispo-Prelado do Acre Purus: “O empresário cristão que investe
contra a reforma agrária se coloca em confronto direto com a Igreja e está
em contradição absoluta com a sua fé” (Folha de S. Paulo,
29/8/85).
2. Fatos não comprovados; doutrina sem fundamento nos ensinamentos da
Igreja
Analisando acuradamente o documento Igreja e
Problemas da Terra (IPT), como também os numerosos pronunciamentos
episcopais sobre o problema fundiário no Brasil, eu me perguntei se toda
essa massa de documentos estava em conformidade com os ensinamentos
emanados de Roma. Pergunta legítima, pois a autoridade magisterial suprema
pertence ao sucessor de Pedro. E ela se exerce diretamente sobre cada
fiel.
Ora, procedendo a tal confrontação, cheguei a
conclusões preocupantes.
Antes de tudo, em vários de seus tópicos, o documento
Igreja e problemas da terra favorecia conclusões agro-reformistas
que não encontravam fundamento nos ensinamentos tradicionais do Magistério
supremo. Ou seja, nas definições impostas a todos os católicos pelo
Supremo Magistério, bem como no ensinamento uniforme de seu Magistério
ordinário e universal no decurso dos séculos (cfr. Henricus Denzinger,
Enchiridion Symbolorum, Herder, Friburgi Brisgoviae, Editio 21-23,
1937, n°s 1683 e 1792).
Ademais, verifiquei discrepâncias da posição
agro-reformista da CNBB e de numerosos Bispos brasileiros com relação aos
ensinamentos dos documentos pontifícios.
Por fim, na apreciação das situações de fato, o
documento se contentava com afirmações genéricas, apoiadas por vezes em
documentação escassa, e o mais das vezes destituídas de documentação [16].
O documento fazia notória sua má disposição para com
as propriedades de tamanho médio ou grande. E proclamava sua veemente
opção em favor da pequena propriedade: isto é, da que pode ser
integralmente aproveitada pelo trabalho de uma só família, sem a
cooperação de qualquer assalariado.
3. Reformas de base
Indo além, o IPT anunciava para 1981 outro documento
da CNBB reivindicando uma reforma urbana, a qual seria a aplicação dos
princípios fundiários agro-reformistas — por analogia — ao solo urbano.
Para data posterior entrevia-se que ficava uma reforma — também
análoga — das empresas industriais e comerciais, a qual figuras altamente
representativas da CNBB não têm deixado de preconizar [17].
Muito de passagem, notei que no documento, do ponto
de vista doutrinário, havia vários traços de influência marxista. E
implicitamente de desinformação (para dizer só isso) da doutrina católica [18].
4. Direito dos católicos de opor-se à Reforma Agrária
Entrementes, vinha eu elaborando, no silêncio de meu
gabinete, o livro
Sou católico: posso ser contra a Reforma Agrária?
Pensado e escrito nas minhas parcas horas de lazer,
ao longo de vários meses de reflexão e de estudo, o trabalho se destinou a
reivindicar, em face do IPT, meu direito de católico e de
brasileiro de me opor à Reforma Agrária.
Não só meu direito, mas o de todos os intelectuais
católicos analogamente discordes do IPT. Mais ainda, o direito de
todos os proprietários rurais ou urbanos, grandes ou médios, de
conservarem — tanto quanto os pequenos — na santa paz de suas
consciências, suas legítimas propriedades.
Paralelamente comigo, trabalhou, na confecção de uma
análise econômica do IPT, para ser publicada no mesmo livro, meu
jovem amigo, o brilhante economista Carlos Patricio del Campo*.
* Engenheiro
agrônomo pela Universidade Católica do Chile e formado em Economia Agrária
(Master of Science) pela Universidade de Berkeley, Califórnia
(EUA).
5. Em Itaici-81, uma rotação vertiginosa: saem de pauta as reformas
Ao contrário do que esperávamos de início, a
elaboração de nossos estudos foi longa e complexa. Planejado para antes de
Itaici-81, só saiu a lume em princípios de março de 1981*.
* A 19ª Assembléia
Geral da CNBB havia se realizado em Itaici (Indaiatuba-SP) de 17 a 26 de
fevereiro de 1981.
Quando deitamos mão à faina, supúnhamos que muito
naturalmente ele levantasse — quando publicado — uma celeuma proporcionada
ao categórico de suas teses, bem como, e principalmente, à amplitude de
sua difusão* [19].
* Dr. Plinio havia
anunciado com antecedência, em artigo para a Folha, que sobre o
documento Igreja e Problemas da Terra estava acabando de “limar
um estudo”.
Esse artigo tinha
como título
O cavalo, a bruxa e o filhinho, e foi publicado pela
Folha de S. Paulo em 22 de maio de 1980.
Ele adiantou nesse
artigo que, do ponto de vista doutrinário, havia notado vários traços de
influência marxista no IPT. E que a desinformação sobre a realidade
brasileira estava presente no documento de ponta a ponta. As parcas fontes
mencionadas não cobriam a larga faixa das afirmações feitas e que o
documento aprovado em Itaici fugia da realidade concreta e regurgitava de
pressupostos gratuitos, como de generalizações vagas ou ambíguas.
* *
*
Entretanto, impetuosa e açodadamente agro-reformista
em seu comunicado de Itaici-80, a CNBB parecia recuar surpreendentemente
no comunicado de Itaici-81 [20].
O grande tema abordado em 1981 foi o das vocações
sacerdotais...
Nada mais próprio do que este último tema, para uma
reunião de tão alto órgão eclesiástico. Contudo, sendo de notoriedade
pública que os Srs. Bispos agro-reformistas continuavam exatamente nas
mesmas posições doutrinárias de 1980, era impossível não sentir algum
desconcerto à vista de que em 1981 tenham julgado
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Stand de
difusão do "Sou Católico" em feira agropecuária (Londrina) |
sem importância nem
urgência a cascata de reformas, as quais haviam proclamado indispensáveis
e urgentes doze meses atrás.
Como explicar essa contradição? Que poder, que
circunstância, que acontecimento sobreveio, bastante forte para
determinar, de um ano para outro, tal diversificação de rumos? Não sei.
6. Grande difusão do livro “Sou católico: posso ser contra a Reforma
Agrária?”
Sou Católico teve de Norte a Sul do País
difusão digna de nota, graças ao zelo desinteressado e admirável dos
jovens cooperadores da TFP. Honro-me em notar, de passagem, que foi na
qualidade de presidente do Conselho Nacional da entidade que escrevi meu
trabalho [21]
Escoaram-se vinte e nove mil exemplares, em 4 edições. Excelente acolhida,
portanto [22].
E aqui entra um ponto estranho: diante dessa grande
difusão, não houve nos arraiais dos agro-reformistas católicos quem
opusesse ao meu livro qualquer réplica. E assim continuou, escoando-se
placidamente março, abril, maio e junho.
7. Nova reviravolta no Episcopado: Bispos incitando até à luta armada
De repente, a partir de julho de 1981 (isto é, cinco
meses depois de Itaici-81 e quatro meses depois do
Sou Católico),
começou a se fazer ouvir uma rajada de declarações reformistas de
procedência episcopal* [23].
* Transcrevemos
três delas, a título de exemplo:
Dom Pedro
Casaldáliga, Bispo de São Félix do Araguaia: “O ideal cristão
equivale ao ideal do socialismo”. “Não canonizo o socialismo soviético ou
cubano, mas existem aspectos positivos: Cuba deu lições de saúde e
educação para todo seu povo [...]. O socialismo da Nicarágua é um
bom caminho” (cfr. Jornal do Brasil,
17/6/81).
Dom Quirino
Schmitz, Bispo de Teófilo Otoni: “Quando as famílias pobres estão
cada vez mais pobres e os ricos afirmam [...] que está tudo bom, o
povo deve utilizar meios agressivos de reivindicar seus direitos”.
Pouco antes, o prelado havia sublinhado que “São Tomás de Aquino
[...] fala nas perspectivas de conflitos civis armados, como estratégia
para o restabelecimento da justiça e liberdade” (cfr. Jornal do
Brasil, 6/7/81).
Dom Ivo
Lorscheiter, Bispo de Santa Maria e presidente da CNBB: “Em casos
extremos, a única solução para a conquista de mudanças sociais [...]
é a luta armada, e a Igreja deve aceitar esta situação como
inevitável.” Disse ele também que o Clero “não pode ficar de braços
cruzados [...] à espera de que as coisas aconteçam. Precisa ser
combativo” (cfr. Jornal do Brasil, 5/7/81).
Quer dizer, a revolução comunista estava sendo
impulsionada no Brasil pelos Bispos.
E ficava mais do que claro o alcance do livro e a
oportunidade em que ele havia sido lançado. Pois, se na época de Jango, a
CNBB era um apoio da esquerda, agora ela se tinha transformado na cabeça
da esquerda.
Essa revolução era muito menos uma revolução
violenta, do que uma revolução psy, quer dizer, uma operação de
guerra psicológica revolucionária. E se dava através da chamada Teologia
da Libertação, que João Paulo II havia condenado, mas que ia se acentuando
apesar da condenação de Puebla. Nada diminuiu de intensidade, nada
diminuiu de carga.
A perspectiva na qual nos encontrávamos era a de que,
se o comunismo entrasse no Brasil, entraria pela mão da CNBB e pela porta
da Reforma Agrária.
8. “Somos católicos, o IPT não é”
Em esgrima, quando o adversário puxa a espada, o
outro apara o golpe.
No nosso caso concreto, o esforço para aparar o golpe
agro-reformista foi representado por este nosso novo livro,
Sou
católico: posso ser contra a Reforma Agrária? Ele deixava muito claro
que o documento de Itaici era socialista, e que a doutrina sustentada pelo
IPT não era compatível com a doutrina católica.
Na realidade, o sentido de nosso livro era: “Somos
católicos, vosso documento não é”.
Este era o fundo do livro, embora isto não estivesse
dito formalmente [24].
E a nossa condição de católicos era tão notória, tão fora de qualquer
dúvida, que foi a nossa melhor arma para avançar [25].
Em suma, era a Reforma Agrária que começava a erguer
a cabeça de novo, depois das pancadas que recebera da TFP.
Imediatamente depois iniciou-se a nossa reação. Era o
primeiro livro em que tocávamos na questão álgica, ou no ponto dolorido. A
CNBB dava a entender que o católico não poderia ser contra a Reforma
Agrária. Então, o título do livro levantava a questão: pode ou não pode?
Resposta: o católico não só pode, mas deve ser contra a Reforma Agrária!
Nenhuma réplica [26].
Não foi refutado por ninguém nem condenado por ninguém [27].
NOTAS
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