D. Geraldo de Proença Sigaud

 

Carta Pastoral sobre a seita comunista

1a PARTE

Do Marxismo

 

 

 

 

 

 

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Procuraremos desenvolver o comunismo desde os seus fundamentos doutrinários, a fim de que possais ver o abismo que separa um católico de um adepto desta seita.

Devemos porém notar que nem todos os que pertencem à seita comunista conhecem toda a doutrina da mesma.

Não falaremos do comunismo chamado «utópico». Falaremos do comunismo atual, materialista, histórico, o comunismo marxista. Procuraremos expor toda a doutrina fundamental, preocupando-Nos de apresentar com clareza a maneira de pensar dos marxistas, comparando-a à maneira de pensar dos católicos. É necessário conhecer o modo de pensar de nossos inimigos, para nos defendermos, e para poder argumentar com eles. Se as palavras que nós usamos têm para nós um significado e para eles têm outro, como poderemos discutir? Se ignoramos os fundamentos do pensamento comunista, como poderemos convencer estes pobres homens de que estão no erro? Se ignoramos a técnica de sua propaganda, como poderemos avaliar o significado real de suas iniciativas?

Assim, pois, tanto para nos imunizar contra os erros do comunismo como para os combater, e para trazer ao seio da Igreja aqueles nossos pobres patrícios que se deixaram enganar pela seita tenebrosa, convém que Nossos amados Filhos tenham uma noção clara das doutrinas desta seita.

Capítulo I

As teorias fundamentais do marxismo

A doutrina comunista denomina-se marxismo. Seu autor foi o judeu alemão Carlos Marx, nascido em Treveres em 1818, e falecido em Londres em 1883. Sua doutrina foi continuada por Frederico Engels e por Lenine, e forma o sistema que hoje se denomina «marxismo-leninismo», e é como que a filosofia do comunismo.

Desta seita dizia Leão XIII na Encíclica «Quod Apostolici Muneris»: «Vós compreendereis facilmente que Nos referimos a essa seita de homens que, debaixo de nomes diversos e quase bárbaros, se chamam socialistas, comunistas... e que, espalhados sobre toda a superfície da terra, e estreitamente ligados entre si por um pacto de iniquidade, já não procuram um abrigo nas trevas dos conciliábulos secretos, mas caminham ousadamente à luz do dia, e se esforçam por levar a cabo o desígnio, que têm formado de há muito. É a eles certamente que se referem as Sagradas Letras quando dizem: «Eles mancham a carne, desprezam o poder blasfemam a majestade» (Jud. 8)» (Edit. Vozes, pp. 3-4).

1. O evolucionismo materialista — teoria marxista

A base de toda a concepção marxista é o evolucionismo materialista. Ensina o evolucionismo materialista: no universo só existe a matéria. Ela é eterna, necessária. Esta matéria se encontra em um processo de desenvolvimento, partindo da forma mineral e anorgânica em direção de formas mais perfeitas. Uma força cega e irresistível impele a matéria no sentido de aperfeiçoar-se. Cada dia que passa, este processo dá um imperceptível passo à frente. Deus não existe, não existe espírito nem alma. Portanto, não foi Deus que criou a matéria, não foi Ele que estabeleceu um plano de desenvolvimento da matéria imperfeita à procura da maior perfeição. Não há uma inteligência infinita que concebeu um grande plano, nem uma Providência sabia e onipotente, que dirige o desenrolar das várias fases da história do universo. O universo evolui para sua perfeição levado por dinamismo interno, do qual Deus está ausente.

Há muitos bilhões de anos o processo começou. Lentamente a matéria foi se organizando e se aperfeiçoando, por uma lei interna. Um dia ela chegou a um estado tão perfeito, que algumas partículas se uniram e deram origem ao primeiro ser vivo, a uma célula, ainda muito imperfeita, mas já viva. Foi o aparecimento da vida. Não foi Deus quem a criou. Ela foi produzida pela matéria cega. Esta vida, porém, não ficou neste estado imperfeito. Algumas células, devido a condições especiais, se foram aperfeiçoando, e assim se originaram seres mais perfeitos, os vegetais. A mesma força cega foi aperfeiçoando os vegetais, e um dia surgiu um vegetal que sentia: era o primeiro animal. Os animais foram se aperfeiçoando até chegarem a formas muito perfeitas. O animal chegou à forma de macaco, que é o ser mais perfeito entre os antepassados do homem. Um dia uma serie de macacos chegou a uma perfeição extraordinária — chegou a ser homem. Ergueu-se sobre as mãos posteriores, os braços correspondentes se transformaram em pernas, seu tronco modificou-se para que pudesse erguer a cabeça e o busto, seu cérebro aperfeiçoou-se, e o macaco começou a pensar e a falar. Eis os primeiros homens, ainda imperfeitos, e primitivos. Estes homens-macacos foram se aperfeiçoando, e hoje se contam quase três bilhões de homens sobre o mundo.

Ao passar de macaco a homem, não foi preciso receber uma alma espiritual e imortal. O marxismo exclui a intervenção de Deus na origem do homem. Nem Deus dirigiu a evolução do corpo, nem criou e infundiu uma alma espiritual no corpo. A razão é simples: não existe Deus, nem existe alma.

Se compararmos os vários estados da matéria, veremos que a partir da forma anorgânica, mineral, ela subiu à forma de vida vegetal, dai passou à vida animal, e por fim chegou à vida intelectual. O cérebro humano é o estado mais perfeito da matéria, que se conhece. Toda a vida que os católicos chamam de espiritual, os marxistas consideram simples secreções do cérebro: a vida intelectual, afetiva, volitiva, religiosa, artística. São variações de uma única coisa: a matéria. São secreções e reações da massa encefálica, e das glândulas do nosso organismo.

O homem é um simples animal bem equipado, diferente dos outros, complicado, porém nada mais que um animal.

* Doutrina católica

Em oposição a tais erros, a Igreja ensina que Deus criou a matéria do nada. Em seguida a Providência Divina, dispondo as forças da natureza de acordo com um plano infinitamente sábio, promoveu a formação do mundo com ordem, medida e beleza. Chegada a matéria anorgânica a certo ponto de resfriamento, Deus criou os primeiros seres vivos, as plantas. Mais tarde Deus criou os animais, de uma maneira cujos pormenores nós não conhecemos. Se os corpos dos animais superiores provêm do desenvolvimento de espécies inferiores, nós não sabemos. A alma sensitiva é criada por Deus no corpo animal; ela é imaterial, mas não é espiritual. Um dia Deus criou o homem. Quanto à maneira exata como Ele formou o corpo do primeiro homem, nós pouco sabemos. Sabemos que Deus aproveitou da matéria já existente. Ignoramos se formou o corpo humano diretamente da matéria anorgânica ou Se serviu do corpo de um animal já existente, o qual a onipotência divina modificou o necessário para poder receber uma alma imortal. Em ambos os casos a alma do primeiro homem foi criada por Deus do nada, como substância espiritual, e unida substancialmente ao corpo.

Sendo dotado de uma alma espiritual, o homem é um animal racional. Sua alma informa o corpo, dando-lhe vida vegetativa e sensitiva, pela qual o homem pertence ao reino animal. Mas, por ser um espírito, a alma dota o homem de vida intelectual, com todas as suas modalidades. O homem é pois essencialmente superior aos animais, é um ser racional, exerce atividades que são essencialmente superiores à matéria.

2. Primeiras consequências

A. A verdade

* Doutrina católica

Deus criou o universo de acordo com suas Ideias, e assim as criaturas todas representam as Ideias divinas. As coisas têm sua natureza estabelecida pela Inteligência de Deus. A alma humana é capaz de conhecer a natureza das coisas e enunciar juízos a seu respeito. Estes juízos são objetivamente verdadeiros e universais se estão conforme à natureza das coisas, ou são errados se estão em desacordo com esta. Assim, a afirmação «o homem é composto de corpo material e alma espiritual» é uma afirmação verdadeira. Outra: «a alma humana é imortal», é igualmente verdadeira. Isto é: é verdade que toda alma humana é imortal. Esta verdade é universal e vale em qualquer hipótese. Tais verdades não dependem de nós. Quer pensemos nelas, quer não, quer elas nos agradem, quer nos desagradem, são verdades e continuam verdades. Não é minha inteligência que as cria, mas elas são objetivas e minha inteligência as contempla e as conhece.

Nossa inteligência se acomoda à realidade. O papel da inteligência é, sob este aspecto, passivo.

a. Princípio de identidade

A inteligência humana contempla o universo e descobre uma lei do ser, universal e evidente. A inteligência é ferida pela luz interna que esta lei possui, e que subjuga o intelecto humano. Quer o homem queira, quer não, basta que ouça o enunciado desta lei, e nela medite, para que sua inteligência se veja obrigada por uma necessidade irresistível a reconhecer que esta lei é verdadeira. Esta lei, ou melhor, este princípio ontológico é o princípio de identidade: cada ser é idêntico a si mesmo.

Este princípio é a base de todo o pensamento humano, e não pode ser negado nem posto em dúvida. A inteligência não o cria, mas o reconhece como verdadeira. Ele está subjacente em toda afirmação, em toda negação. Sua expressão é o verbo ser.

b. Princípio de contradição

Com idêntica evidencia a inteligência vê a verdade de outro princípio, ligado ao primeiro pelo laço do ser: o princípio de contradição. Uma coisa não pode ser e não ser sob o mesmo ponto de vista. Basta a inteligência refletir sobre este princípio, para ver com irresistível perfeição a sua verdade. A inteligência de novo não cria este princípio. Ele existe independente de nós, ele preside o universo. Se uma coisa possui uma qualidade, não pode, sob o mesmo ponto de vista, não a possuir.

c. Valor dos conhecimentos — Teoria marxista

Neste ponto está a radical diferença entre a metafísica católica e o marxismo. Para o marxista não há verdades abstratas universais. Nós não conhecemos a natureza íntima das coisas, e isto por dois motivos.

Primeiro, porque nossa inteligência é um fenômeno da matéria, as ideias não passam de secreções da massa encefálica. Não têm valor objetivo, não reconhecem a essência real e universal das coisas.

As ideias são criadas pelo cérebro. Seu valor é pois relativo. Uma vez que o cérebro evolui, pode ser que aquilo que me parece hoje verdadeiro, amanhã pareça errado a um cérebro cuja massa encefálica é mais aperfeiçoada do que a minha.

Segundo: porque nada há no mundo de estável em sua essência. Aqui entra a teoria marxista sobre o movimento.

d. O movimento

* Doutrina católica

Com exceção de Deus, todo ser é limitado, portanto sujeito a mudanças. A filosofia chama estas mudanças de movimento (em latim: motus), dando a este termo um sentido mais amplo do que o simples movimento local. Assim, a passagem da vontade do estado de indecisão para a resolução é um «motus», um movimento. Todo ser criado se muda, move-se. No movimento porém nós distinguimos um elemento estável, e outro que se muda. O sujeito do movimento é o mesmo no início, durante e no fim do movimento. Portanto, o movimento não o atinge em toda a extensão de seu ser, mas só sob um ou outro aspecto. Há um elemento estável no qual se verifica a mudança. Se uma criança cresce, a mudança se opera no campo do peso, tamanho, órgãos, faculdades. Mas a essência humana é a mesma, e a pessoa é a mesma.

* Teoria marxista

O marxismo contradiz a doutrina católica radicalmente. Diz ele: nada existe de estável no universo. Só existe matéria, mas a matéria está em contínua mudança, em contínuo movimento. De modo especial o ser vivo, orgânico. Não há dois momentos em que ele seja idêntico a si mesmo. Se tomarmos espaços maiores, por exemplo, em relação com o corpo humano, de sete em sete anos ele se mudou completamente. Se falo hoje com um homem, e daqui a dez anos nós dois nos encontrarmos, serão dois corpos completamente novos (com exceção de umas partes mortas dos ossos) que se encontrarão. Não seremos mais nem o «eu» nem o «ele» de hoje.

«O descanso é relativo, o movimento é absoluto» (Politzer, «Princípios Fundamentais da Filosofia», edição francesa, p.24).

O marxismo considera que nada «é», tudo está sob todos os pontos de vista num perpétuo «vir-a-ser».

e. Princípio de identidade e de contradição rejeitados — Teoria marxista

Por conseguinte, os seres não são. Estão continuamente vindo-a-ser, devenindo. O ser não é idêntico a si mesmo. O ser é o que ele não é, e não é o que ele é.

Dentro de cada ser há uma contradição imanente. Em cada ser há ele e o contrário dele. Em cada qualidade há ela e o contrário dela.

A existência da contradição dentro do ser é a causa da continua mudança do ser.

«A Dialética é a teoria que mostra como os contrários podem ser e são habitualmente idênticos, em que condições são idênticos convertendo-se um no outro, porque o espírito humano não deve considerar estes contrários como mortos, paralisados, senão como vivos, condicionados, moveis, convertendo-se uns nos outros» (Lenine, apud Jean Ousset, «El Marxismo-Leninismo», p. 93).

Em lugar de procurar conhecer a natureza íntima das coisas e os desígnios de Deus a respeito dos homens, em lugar da filosofia, da metafísica e da teologia, o marxismo se interessa somente pela evolução do animal chamado homem, e pelo estudo dos fatores econômicos que provocaram o aparecimento dos outros fatores — sociais, religiosos, culturais, políticos — que determinaram o rumo que tomou a vida dos povos. A História materialista é a única ciência que interessa a respeito do homem. Tudo o que a filosofia e a teologia ensinam são quimeras.

f. A essência das coisas: o ser

* Doutrina católica

A base, o fundamento de tudo é o Ser. Deus é o Ser. As criaturas participam do Ser de Deus. Elas têm uma natureza fixa. Apesar das mudanças acidentais, a essência das coisas é permanente.

* Doutrina marxista

Nada existe de fixo, de permanente, tudo está em contínua mudança. Não existem essências fixas; existem apenas estados da matéria. Não existe Verdade. Só existe a História materialista.

B. A moral

* Doutrina católica

Deus, o Criador do universo e do homem, é essencialmente Santo. Por isto, todas as coisas têm sua ordem, são destinadas a um fim, e por último são destinadas à gloria de Deus. O homem existe para a glória de Deus, e todas as suas ações devem estar de acordo com a ordem estabelecida por Ele. Deus estabeleceu assim na própria natureza das coisas sua Lei. O que está conforme com a Lei de Deus é bom. O que contradiz a Lei de Deus é mau. O homem deve conformar a sua conduta à santidade de Deus. Há virtudes e há vícios. Por exemplo: a gratidão é uma virtude, um bem moral; a ingratidão é um mal moral. A generosidade é uma virtude; a traição é um pecado, um mal moral. Respeitar os pais é uma ação boa; faltar-lhes com o respeito é uma ação má.

Existe uma moral objetiva, que obriga o homem. O que é bom não é mau, o que é mau não é bom.

Não somos nós que criamos o bem e o mal. Nossa inteligência contempla as coisas e vê que há ações boas, ações más. Independente de nossa inteligência e de nossa vontade, há coisas moralmente boas e coisas moralmente más.

* Doutrina marxista

Não existe Deus nem espírito. Só existe a matéria. Daí se segue uma conseqüência muito grave: não existe moral. Em si, não há virtudes nem vícios. A verdade não é boa nem má. A mentira não é boa nem má. Ela pode ser útil ou prejudicial. Mas não há uma ordem objetiva, uma moral universal que obrigue o homem. Tudo é fruto das secreções do cérebro. É o homem que cria o bem e o mal. Ele é o senhor do bem e do mal, como ele é senhor da verdade e do erro. Para o marxista não há bem nem mal em si. Bom é o que ajuda a Revolução, mau é o que a prejudica. Outra moral não há. Vede o que escreve Lenine: «Há uma moral comunista? Certamente, sim. Imaginam que não temos nossa moral, e a burguesia nos acusa de negar toda moral... Em que sentido negamos a moral, a ética? No sentido pregado pela burguesia, que deduz a moral dos mandamentos de Deus... Repudiamos toda moralidade inspirada fora da humanidade, estranha às classes sociais. São só mentiras, velhacarias. Dizemos que nossa moral está inteiramente subordinada aos interesses da luta de classes do proletariado.

«... Nosso dever é subordinar (à luta de classes) todos os interesses. Nós lhe subordinamos nossa moral comunista. Dizemos: é moral o que contribui para a destruição da antiga sociedade de exploradores» (Lenine, «Obras Completas» — tomo XXV, pp. 465-466 — apud Leon de Poncins, «L'Enygme Communiste», p. 56).

C. Processo histórico — Teoria marxista

a. Materialismo histórico

Não havendo senão matéria em mudança continua, não há verdade nem moral. Os católicos e os pagãos se ocupavam com a filosofia, e de modo especial com a metafísica, para conhecerem a natureza íntima e última dos seres. O marxismo despreza a filosofia e mais ainda a metafísica. Em lugar de ambas interessa-se pela História da matéria que alcançou aquele estagio onde ela se chama «homem». A História é a ciência fundamental, mas não a História que parte da filosofia católica, e sim a que se chama Historia materialista. Mas como ela é a essência do materialismo aplicado ao homem, os marxistas, invertendo os termos, chamam a sua filosofia de materialismo histórico.

A História é um movimento contínuo da matéria-homem, resultante dos conflitos nascidos constantemente das forças da matéria em oposição umas às outras.

b. Materialismo dialético

As coisas não têm natureza fixa, estável, mas, como ondas tangidas pelo vento para a praia, estão em um contínuo fluxo e refluxo causado por aquela força misteriosa que impele o universo a uma perfeição sempre maior. Por isto em cada coisa há uma contradição. A coisa é e não é ao mesmo tempo. Isto vale para todos os seres do universo. Em lugar de identidade dos seres consigo mesmo, o que existe é a contradição do ser em si mesmo. Em lugar da harmonia do universo, do «kosmos», o que há é a perpétua luta. Esta luta é a essência do universo. Para compreender a matéria é necessário encará-la debaixo da luz desta perpétua luta. O materialismo histórico não é um materialismo estático, que considera a matéria parada, mas um materialismo dialético. Ao falarem de dialética, os marxistas não entendem este termo no sentido clássico, de arte de argumentar e discutir. Eles o entendem como a «ciência das leis gerais da mudança, da contradição, tanto no mundo exterior como no mundo do pensamento humano».

Não se trata pois de um materialismo «contemplativo», mas de uma maneira de conceber o universo como uma matéria em um imenso processo de mudanças. O que interessa são as formidáveis forças, as energias irresistíveis que impelem o universo para a frente. O que interessa é conhecer os perpétuos e tremendos conflitos que geram o progresso, a fim de saber agir sobre o processo.

c. Hegelianismo

Assim, o marxismo adota a maneira de conceber o universo que o filósofo alemão Hegel ensinou. Tudo se faz em três etapas. Na primeira, o ser parece em repouso. É a tese. Mas aos poucos a contradição que nele existe começa a aparecer, e põe em choque a tese. Eis a antítese. Depois de um período de luta, tese e antítese desaparecem, e surge um novo estado, que parece definitivo. É a síntese. Mas este estado, que vem a ser uma nova tese, traz em si também sua própria negação, isto é, sua antítese, e assim surge novo conflito, e daí nova síntese. Esta série de conflitos leva o universo para uma perfeição sempre maior, mas sempre relativa e instável.

3. Conclusão

Com esta exposição terminamos o primeiro capítulo, que trata do fundamento do marxismo. Vimos que ele parte do mais crasso materialismo, e que considera a verdade uma quimera. Em lugar de nós conhecermos a verdade, nós a criamos. O que existe realmente é a contradição, o contrário da verdade. Nós devemos conhecer as leis que regem esta contradição, que são as forças que agem no universo, para podermos dominar o universo.

 

Capítulo II

Outras conseqüências

1. O direito

O marxista conseqüentemente desconhece o Direito. Realmente, se não há Deus que estabeleça uma ordem que a criatura deve respeitar, e se o homem não tem alma, o Direito não existe.

* Doutrina católica

Direito é uma prerrogativa sagrada que liga certos bens a certa pessoa, de maneira que ela deles pode dispor, os pode gozar, os pode atribuir a terceiros, e de modo que deles terceiros não a podem privar.

A existência de tal prerrogativa provém do fato de Deus, o Senhor das criaturas, ter destinado assim uma criatura para o bem da outra. Por isto, quem não respeita tal prerrogativa viola a ordem estabelecida por Deus.

* Doutrina marxista

Não existe tal prerrogativa. O Direito é uma quimera que os homens inventaram, e não precisa ser respeitado. O que realmente existe e é respeitado é a Força.

Observação - O marxismo é o materialismo levado a todas as suas conseqüências. Se o homem não tem alma e é apenas um animal mais evoluído, não se distingue essencialmente de um bruto. É diferente dos outros animais, porque anda ereto, tem certas qualidades como a reflexão, o raciocínio, a técnica, a arte, mas tudo isto não passa de coisas materiais. Ora, os animais não têm direito. O direito é uma prerrogativa do ser espiritual. Assim, se o dono dá um osso a seu cão, não se estabelece entre o cão e o osso a relação sagrada do direito. O patrão pode retomar o osso sem violar direito algum. Nem um terceiro pode impedir que o patrão tire o osso ao cão, sob pretexto de que o osso passou a ser propriedade do cão.

E se um cão mais forte vier a tomar o osso ao primeiro, não violará o seu direito. O mesmo vale para o homem. Não há direito.

2. Alienações — teoria marxista

Em épocas passadas os homens não compreenderam sua soberana posição, e se privaram desta posição de independência. Alienaram assim a sua própria liberdade. Muitos povos hoje se sentem atados por coisas do passado. Entre elas avultam: as tradições, a vida social, as Forças armadas, a propriedade, as ciências, a família e a Religião.

Vejamos as principais.

A. A maior de todas estas alienações é a Religião. O homem imagina um Deus, um céu, um inferno, uma moral intangível, que não existem, e diante destas quimeras perde a sua soberana liberdade. Em lugar de ele agir com absoluta desenvoltura, põe limites à vontade, faz isto e deixa de fazer aquilo, pensando que assim deve ser.

B. Outra grande alienação é a propriedade. O homem pensa que o direito de propriedade é sagrado, e quer que outros respeitem a sua propriedade. Mas ele mesmo, por sua vez, abstém-se de apoderar-se do que pensa que é dos outros. Assim os movimentos da paixão humana da cobiça são tolhidos.

C. Uma terceira grande alienação é a família. A autoridade paterna, que o homem considera como vinda de Deus e sagrada, tolhe a liberdade dos filhos. A santidade do lar obriga o homem a respeitar a mulher do próximo, e a castidade o obriga a refrear as próprias paixões. Ele é escravo da ideia da família.

«O homem nasce livre, e no entanto, por todas as partes está acorrentado», dizia o pai da Revolução, Rousseau.

Assim, o homem criou uma grande quantidade de cordas com que ligou a si mesmo. O marxismo pretende libertá-lo, e prepará-lo para reger soberanamente os seus próprios destinos.

 

Capítulo III - Da primazia do econômico à Revolução

1. O trabalho na teoria marxista

Não há espírito, não há verdade. O homem não está diante de um ser que ele deve conhecer e reconhecer. Não existe um universo criado de acordo com uma Ideia, um Logos. Existe um mundo em contínua mudança. O homem intervém neste mundo e o transforma. Esta é a nota característica do homem: o animal que intervém no mundo por sua ação. O homem é «homem» porque age. Enquanto ele age, é homem. Cessando de agir, deixa de ser homem. Quanto mais ele age sobre o meio que o cerca, mais homem é. Quanto mais poderosa é a sua ação material, mais homem ele é. Pela ação o homem faz a História. A história humana é a história da ação produtora do homem. Cada época da História se define pela luta entre os homens tangidos pelas forças de produção em choque.

Ser trabalhador é a essência do homem: «homo faber», oposto ao «homo sapiens».

O trabalho não existe para o homem, mas o homem para o trabalho.

Pelo trabalho o homem transforma o mundo.

Pelo trabalho o homem transforma a si mesmo. O essencial é pois o trabalho, a produção de bens econômicos pela transformação da natureza. Pelo trabalho o homem é criador da humanidade.

* Doutrina católica

O homem tem uma natureza estável e definitiva. O homem trabalha para adquirir certos bens que lhe são úteis ou necessários. O trabalho existe para o homem. Não é o homem que existe para o trabalho.

* Doutrina marxista

Dentro do quadro do evolucionismo, o homem é um estágio da matéria, mas não é um estágio definitivo. Pelo trabalho ele pode modificar a sua própria natureza. As condições de trabalho têm influência sobre a própria natureza do homem. Por isto os trabalhadores do século XVI eram homens diferentes dos trabalhadores do século XIX. Será possível, assim, organizar o trabalho humano de tal maneira que surjam homens diferentes dos homens de hoje, mais perfeitos, mais felizes. Uma Nova Humanidade será criada pelo comunismo, tão diferente da humanidade de hoje como esta é diferente dos homens das cavernas, e o homem primitivo era diferente dos macacos. Será o Homem Novo! O comunismo é o limiar da Idade Nova!

* Consequência: primado da indústria sobre a agricultura

Daí vem a tendência dos marxistas para a industrialização, e sua pouca simpatia para com à agricultura. Daí vem a mania da ação, do trabalho, a divinização do trabalhador manual e o ódio contra a vida contemplativa e contra os que procuram trabalhar o suficiente para viver, buscando gozar das coisas belas que Deus colocou no mundo.

2. Primazia do econômico - teoria marxista

Uma vez que a essência do homem é o trabalho de produção, o que há de mais importante na vida humana é a transformação das coisas em bens úteis ao homem. O econômico é o fundamental.

* Infra-estruturas — Superestruturas

Nos vários aspectos da vida humana há umas coisas fundamentais e decisivas, outras, secundarias e relativas. As coisas fundamentais são aquelas que estão diretamente ligadas à matéria. Tais: a geografia, os transportes, a economia, o clima, a saúde. Podemos resumi-las denominando-as «aspectos econômicos». Elas são a base de tudo. Sobre estas infra-estruturas elevam-se as superestruturas: a vida social, o direito, a religião, as artes, a filosofia, a moral. Estas superestruturas dependem das infra-estruturas, e são consequência das mesmas. A certo tipo de economia corresponde certo tipo de sociedade, de moral, de religião e de arte. Não é o direito, a moral, a religião que determinam a economia, mas o contrário.

Mudando-se a economia, cria-se uma crise. As superestruturas vão ficando desajustadas, e aos poucos trava-se o conflito entre as estruturas novas que surgem, e as antigas que querem se perpetuar. Por fim, privadas de suas bases, as antigas ruem por terra.

Assim, mudando-se a economia de um povo, automaticamente também a religião, a moral, o direito serão mudados. Não há religião objetiva, moral absoluta. Tudo isto é relativo, sem valor real, embora tenha grande influência sobre o comportamento de muitas classes sociais «alienadas».

3. Primazia da ação

* Doutrina católica

De acordo com a doutrina católica, o fundamental a tudo é o ser. Do ser provém a natureza da coisa, da natureza provém a ação: «agere sequitur esse», «a ação segue o ser». Daí se deduz que é importante o conhecimento da natureza das coisas. Quem conhece a natureza das coisas sabe agir. Eis a razão porque nós meditamos. Pela meditação conhecemos a verdade. Do conhecimento da verdade nasce a ação.

* Teoria marxista

Ao marxista não interessa o conhecimento teórico da essência das coisas, pois que as coisas não têm ser fixo. Não lhe interessa o valor do ser e da verdade, e sim o valor da eficiência e ação.

Este ponto é fundamental para compreender o marxismo. O marxismo não procura organizar uma sociedade conforme à natureza humana. Ele não admite a natureza humana como algo de fixo, que sirva de norma absoluta, que tenha que ser assim e não de outro modo. Como o homem pode ser modificado em sua essência pelo trabalho, pela ação, o papel que na sociologia e na teologia tem o ser, a natureza, é abandonado definitivamente. Para a concepção marxista o fator decisivo é a ação. Para o católico, a experiência, a ação devem realizar aquilo que a inteligência conhece como verdadeiro e bom. A vontade segue a inteligência, a consciência. No marxismo dá-se o contrário.

Ouvi o que diz Lenine: «A concepção da prática da vida é que deve determinar a concepção fundamental da teoria do conhecimento» («Matérialisme et Empiricocriticisme», Edit. Sociales, Paris, p. 123).

Para o católico a palavra de ordem é: «Vive como pensas!» Para o marxista é: «Pensa como vives!»

«Uma das particularidades do materialismo dialético é seu caráter prático, sublinhando-se o fato de que a teoria depende da prática, o fato de que o fundamento da teoria é a prática, e que, por sua vez, a teoria é a prática... O critério da verdade não pode ser senão a prática social. O ponto de vista da prática é o ponto de vista primordial, fundamental da teoria marxista dialética do conhecimento» (Mao Tse-tung, «Oeuvres Choisies», Edit. Sociales, Paris, tomo I, pp. 349-350).

Não há, portanto, «doutrina» propriamente dita.

«Resulta pois que no marxismo não existe a filosofia, e sim a ação, que a filosofia se confunde com a ação mesma, uma vez que ela só afirma o que a ação a obriga a afirmar, de tal sorte que não há filosofia sem ação marxista, que a ação revolucionaria é da própria essência da filosofia, porque a missão da filosofia é realizar a mais eficaz ação material. Para um comunista consciente do seu marxismo, o comunismo não é uma verdade..., o marxismo é uma ação» (Jean Daujat, «Connaitre le Communisme», p. 25).

A prática é a única regra da prática, a ação é a única regra de ação. O ideal absoluto é obter a ação material levada ao máximo, ao paroxismo de eficiência e vigor.

4. Formação ideológica

No entanto os comunistas, como os católicos, têm uma grande preocupação da formação ideológica, e combatem ferozmente em suas fileiras os desvios ideológicos.

* Doutrina católica

Nós, católicos, nos preocupamos com a formação doutrinaria e combatemos os desvios doutrinários porque temos o culto da verdade. «A verdade vos libertará», disse-nos o Senhor (Jo. 8, 32). E «Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida» (Jo. 14, 16).

A verdade é para nós um bem absoluto. Em consequência da verdade nasce a ação. Mas não é a ação que determina a doutrina, e sim a doutrina, a verdade que rege a ação.

* Teoria marxista

Uma teoria tem valor para o marxista não pelo fato de ser verdadeira. O marxista não tem o culto da verdade. Para ele a teoria tem valor enquanto é capaz de desencadear e orientar a ação material vigorosa no sentido da Revolução.

Dizia Marx, com Engels: «Nossa doutrina não é dogma, e sim uma guia - para a ação» (cf. Lenine, «Karl Marx et sa Doctrine», Edit. Sociales, Paris, p. 79).

Lenine comenta esta observação de Marx, dizendo: «Esta formula clássica sublinha com força e de maneira surpreendente este aspecto do marxismo que se esquece constantemente. Em consequência fazemos do marxismo uma coisa unilateral, disforme, morta. Nós o esvaziamos de sua medula, minamos suas bases teóricas fundamentais, a dialética, a doutrina da evolução histórica, multiforme e cheia de contradições» (Lenine, ibid.).

Para os marxistas não há «doutrinas». Há o fenômeno de ideias que existem no cérebro de alguns. Eles preferem falar de «teorias», «ideologia», «mentalidade», «dialética». Mas não se deve agir de qualquer modo. Deve-se agir de acordo com a teoria marxista, de acordo com aquilo que a História, considerada como a evolução da matéria, nos revela. Agir com disciplina de ferro, para acelerar o movimento material que leva a humanidade à Revolução.

Existe uma ciência da ação marxista. Em Moscou há uma Universidade da Revolução, que estuda cientificamente todos os aspectos que deve ter a ação marxista nos vários estágios da sociedade. É a «Ciência da Revolução».

5. Ciência da revolução

É uma ciência que estuda o passado, e que dele tira conclusões práticas para a ação. Estuda a psicologia humana, a economia, a situação política e econômica, as forças sociais, as que dificultam, as que favorecem a Revolução. Com seriedade, objetividade, procura o meio mais eficiente de impelir a Revolução para a frente.

6. Revolução espontânea e organizada

Com a mudança das infra-estruturas, dos aspectos econômicos da vida, acabam ruindo as superestruturas. Mas o processo natural de mudança da infra-estrutura e a demolição natural das superestruturas são processos lentos. Aquela força formidável que preside a evolução do universo age lentamente, embora inexoravelmente no sentido da Revolução. O papel do comunismo é acelerar este processo, modificando energicamente as infra-estruturas, e destruindo violentamente as superestruturas que querem impedir ou retardar o processo. O marxismo procura intervir nesta evolução cientificamente, à maneira como os homens de hoje estudam e procuram conhecer os segredos da meteorologia, para controlarem o sol e a chuva.

7. Ateísmo prático

O marxismo não se preocupa em negar teoricamente que Deus existe. Isto seria, dizem seus adeptos, uma negação dogmática, abstrata, que supõe que haja verdade.

Não se deve negar a existência de Deus apenas teoricamente, deve-se apagar o seu conceito nas memórias, nas inteligências. O melhor método para demolir a lembrança e o conceito de Deus é a ação intensa em que Deus está ausente das cogitações. Se durante algumas gerações os homens de um país agirem intensamente sem pensar em Deus, no fim Deus será um conceito cujo sentido se procurará nos dicionários, e cuja ideia pertencerá à História, como hoje o conceito do deus Saturno. Não se nega apenas teoricamente que Deus existe. O marxismo é mais radical que o ateísmo teórico, ele desencadeia a luta contra tudo o que lembra a Deus, contra todos os apoios sociais da Religião: a verdade, a moral, o direito, a Igreja, a família, as tradições, de maneira que no fim já nada lembra o homem de que possa existir Alguém que o criou, que tem direitos sobre ele. Por isto a Liga que é encarregada de lutar contra a Religião chama-se «dos Sem-Deus Militantes»: é a luta pela ação mais do que pela teoria.

«A religião é um aspecto da opressão espiritual que pesa sobre as massas populares oprimidas pelo trabalho perpétuo em proveito alheio, pela miséria e pela solidão. A religião é uma espécie de aguardente espiritual na qual os escravos do capital afogam seu ser humano e suas reivindicações em favor de uma existência um pouco digna do homem» (Lenine, «Oeuvres Completes», tomo VIII, p. 520).

«Não olvidaremos nunca o ensinamento de nosso querido Lenine: a religião e o comunismo são incompatíveis tanto teórica como praticamente. Nossa tarefa é destruir toda espécie de religião e de moral, pois para nós só é moral o que é útil ao bolchevismo» (Stalin).

8. Revolução

No marxismo o homem rejeita tudo o que significa alguma dependência. Senhor absoluto de si mesmo, ele cria a sua própria natureza pela ação, e por ela transforma a natureza das coisas. Nenhuma lei ou direito o sujeita. Nenhuma ordem o obriga. Ele leva o mundo para onde quer, ele se torna o senhor do mundo. Ele é deus de si mesmo.

* Doutrina católica

O mundo foi feito para a glória de Deus. Enviando-nos seu Filho, Jesus Cristo, Deus O constituiu Rei do mundo, e assim sujeitou a vida humana à doutrina e aos preceitos de Jesus Cristo. A humanidade deve pois marchar para a aceitação da realeza de Cristo, e nessa aceitação está a sua felicidade. A repercussão da realeza de Cristo na sociedade, ou a sociedade baseada, orientada e constituída de acordo com Jesus Cristo e para a sua gloria, é o que chamamos de Cristandade, a «Cidade de Deus».

* Teoria marxista

O homem não admite nem os direitos de Jesus, nem Jesus Cristo. Nem aceita suas doutrinas, nem acata seus mandamentos. O homem não se interessa por uma vida eterna em que seria infinitamente feliz, nem tem medo do inferno, onde seria eternamente desgraçado. Em lugar de instaurar a Cristandade, o homem quer derrubar tudo o que provém de Deus e de Cristo: direito natural, metafísica, Igreja, Cristandade, autoridade. Esta derrubada total se chama a Revolução. E sobre si mesmo o homem procurará construir sua vida, orientado por suas luzes, satisfazendo as suas mais profundas paixões. A sociedade humana assim organizada será a «Cidade do Homem».

9. Fim último: a Revolução permanente

* Doutrina católica

Para o católico, na fé e na vida prática, o fim último do homem é a vida eterna. Para ela dirigimos nosso amor, nossa esperança, ela nos orienta, nos dá força e ânimo. A ela se dirigem nossas ações, e nós lhes damos valor enquanto nos levam à vida eterna, e de acordo com o prejuízo que ela possa sofrer consideramos uma ação má e a evitamos. A vida eterna é nosso anelo, nosso estímulo, é a estrela que nos guia e norteia. É o fim último.

* Teoria marxista

O que para o católico é a vida eterna, é para o marxista a Revolução.

«A Revolução representa o papel que representou a vida eterna» (Malraux). Seu grande ideal é este: acabar com tudo o que lembre a Deus, Jesus Cristo, Igreja, tudo o que limite o homem, limite a sua liberdade, tudo o que o faça esperar a felicidade no outro mundo, tudo o que tolha as suas paixões. Revolução! Destruição do Direito, da autoridade, da moral, da beleza. Para a criação de um homem novo, de um mundo novo.

Não se deve pensar que os marxistas encaram este ideal de maneira tradicional. Muitos poderiam pensar: os marxistas desejam tal ou tal tipo de sociedade, de vida humana, e trabalham para realizá-lo. Quem pensasse assim não teria entendido o marxismo. Não havendo Deus nem uma natureza humana fixa, não há um ideal detalha do que deva ser realizado. A grande tarefa é destruir todas as amarras que ligam o homem e tolhem a sua ação livre e soberana. Uma vez solto o homem, ninguém pode imaginar como será a nova humanidade. O que São Paulo diz do Céu: «Olho humano jamais viu, ouvido humano jamais ouviu, coração humano jamais sentiu o que Deus prepara aos que O amam» (1 Cor. 2, 9), pensam os marxistas da humanidade «remida» pela Revolução.

O marxista diz da Revolução: ninguém pode imaginar como será feliz a humanidade quando se libertar completamente de Deus e de tudo quanto a liga ao passado e ao presente. Jean de Fabrègues comenta: «A noção do reino temporal da Fé, que Marx recebe da Religião de Israel, vai ser por ele desviada e invertida (melhor, subvertida)... A Revolução é explicação do mundo, de seu movimento, de seu ritmo. Ela lhe dá sentido, lhe dá objetivo. Ela é a esperança e será o final da obra... A Revolução é redentora, é também criação, a Nova Criação do mundo... a Revolução gera também um Homem Novo» («La Revolution ou la Foi», p. 65).

A Revolução não tem um programa prefixado a atingir. Realizado o programa negativo de destruição das alienações, está aberto diante dos homens o infinito. A natureza humana não representa um limite. Ela será continuamente modificada pela ação revolucionária, pelo trabalho, e ao homem novo se abrirão possibilidades inauditas. Marx dizia: «A História não é outra coisa que uma modificação constante da natureza humana» («Miséria da Filosofia»).

Com uma firmeza infalível, dizem os comunistas, o seu Partido guiará a humanidade para o Progresso.

Amados Filhos, será útil ouvirdes o que Adolf Hitler pensava do futuro da humanidade, guiada pelo marxismo. Herman Rauschning, em seu livro «Hitler m'a dit» (Paris, 1939, p. 312), conta uma entrevista que teve com o «Fuehrer»:

« (Hitler) — O Sr. é vítima de um velho sofisma, de que deve libertar-se. O essencial do marxismo é a vontade de construção revolucionária, que já não necessita apoiar-se sobre muletas ideológicas, que forja para si um instrumento de poder implacável, para se impor às massas populares e ao mundo inteiro. De uma teleologia de base científica surge assim um verdadeiro movimento revolucionário, provido de todos os meios necessários para a conquista do poder.

«(Rauschning) — E qual é a meta desta vontade revolucionária?

«(Hitler) — Não tem meta precisa. Nada de fixo, de uma vez por todas. Custa-lhe tanto compreender isto?

«Respondi-lhe que realmente estava um pouco desconcertado por estas insólitas perspectivas.

«(Hitler) — Somos um movimento. Esta é a palavra que diz tudo... Sabemos que não há estado definitivo, que não há nada durável, que somente há uma evolução perpétua. O que não se transforma é o que está morto. O presente já é passado. Mas o porvir é a corrente inesgotável das possibilidades infinitas de uma criação sempre nova».

Uma coisa, apenas; é certa. Esta nova civilização será a Civilização do Trabalho. Nesta civilização o trabalho será o valor supremo, o supremo critério da humanidade. A alma, a criadora desta civilização será a Ação.

Reflexão

A Cristandade nasce dá Verdade.

A Revolução nasce da Ação.

Para o cristão: no princípio era o Verbo (Jo. 1, 1).

Para o marxista: no princípio era a Ação (Goethe).

*

Diz o marxismo que, liberto de Deus, de Cristo, da Igreja e de tudo o que lembra a Deus, o homem iniciará uma nova etapa em sua vida e construirá o Paraíso na terra. Amados Filhos, estais penetrando no mistério da iniquidade. Parece que temos diante dos olhos o retrato daquilo de que fala São Paulo: para que o Anticristo venha, é necessário que «venha primeiro a apostasia, e seja revelado o homem do pecado, filho da perdição, que se opõe e se eleva contra tudo o que se chama Deus, ou que recebe culto, de tal sorte que se sente no templo de Deus, ostentando-se como Deus» (2 Tess. 2, 3-4).

O marxismo é o paroxismo da impiedade, a tentativa de destruir radicalmente Deus e sua Igreja.

Tudo quanto ele ensina é o oposto mais radical do que Jesus Cristo ensinou.

Ele afirma que só existe a matéria, mas nós sabemos que «no princípio era o Verbo, e o Verbo existia em Deus, e o Verbo era Deus. Tudo foi feito por Ele, e nada do que existe foi feito sem Ele» (Jo. 1, 1-3).

O marxismo afirma que não há verdade, mas nós sabemos que «Cristo é a Verdade» (1 Jo. 5, 6), que Jesus Cristo de Si mesmo afirmou: «Eu sou o Caminho, a Verdade, a Vida» (Jo. 14, 6).

O marxismo afirma que não há bondade nem moral, mas nós sabemos que há o Bem substancial: «Porque Me chamas de bom? Um só é bom: Deus» (Marc. 10, 18).

Para ele o homem é um animal a que só interessa o econômico, e nós sabemos que não «adianta ao homem ganhar o mundo inteiro, se vier a perder a sua alma» (Mat. 16, 26).

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