Plinio Corrêa de Oliveira

 

- VII -

O idealista e a realidade

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Deixar de formar juízo ou suspeita quando o caso se apresenta, pode ser defeito, e grave defeito.94

Plinio Corrêa de Oliveira

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Neste capítulo

“Ele é um idealista, vive com a cabeça nas nuvens”. É uma crítica que se ouve com freqüência. Mas, se é um verdadeiro idealista, dá-se o contrário: ninguém o ultrapassa no sentido da realidade. Ao mesmo tempo, tem aquela nobreza de alma característica do idealista.

 

O Tributo de César. Gravura de Lucas Vorsterman the Elder sobre pintura de Peter Paul Rubens - 1621 - Achenbach Foundation - Holland

Idealismo e perspicácia

Muitos católicos se terão por certo espantado quando afirmamos que o Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo é uma inigualável escola de energia e heroísmo, no sentido mais belicoso da palavra.

Sua surpresa não será menor se lhes dissermos hoje que o Evangelho é uma inigualável escola de perspicácia, e que Nosso Senhor Jesus Cristo inculcou reiteradamente esta virtude.

O que vem a ser perspicácia? É a virtude pela qual nosso olhar, transpondo as aparências enganosas apresentadas pelas pessoas com que lidamos, penetra até à realidade mais recôndita de sua mentalidade.

Assim, diz-se de uma autoridade eclesiástica ou civil que é perspicaz se, através da prolixidade dos conselhos e informações que recebe, sabe discernir a verdade do erro, adotando em conseqüência uma linha de conduta conforme aos interesses que tem em mãos.

Dentro da mesma ordem de idéias, pode-se dizer que é perspicaz um médico que sabe discernir a existência de uma moléstia através dos mais ligeiros indícios. E se chamaria perspicaz o detetive que sabe interpretar as circunstâncias aparentemente mais insignificantes, delas deduzindo com segurança qual foi o autor de um crime.

Difícil seria imaginar uma profissão ou condição social em que a perspicácia não fornecesse ao homem os mais inestimáveis recursos para o cumprimento de seus deveres.

O pai de família, o professor, o diretor de consciências precisa discernir em seus alunos, dirigidos ou filhos, os mais ligeiros sintomas das crises que se esboçam, a fim de prevenir o que de futuro seria talvez impossível remediar.

O homem de Estado não pode deixar de distinguir, por entre as múltiplas manifestações de amizade que seu alto cargo suscita, os amigos sinceros dos insinceros: todo o êxito de sua carreira política está condicionado a esta aptidão.

Os advogados, militares, industriais, comerciantes, banqueiros, jornalistas etc., não podem exercer convenientemente suas funções, nem poupar os mais graves sacrifícios aos interesses que têm em mãos, se não estiverem munidos de uma perspicácia hoje mais necessária do que nunca.

Nosso Senhor não se limitou a pregar a perspicácia, mas deu dela exemplos insignes e memoráveis.

Assim, quando o Divino Mestre denunciava os fariseus, o que fazia senão estimular a perspicácia de seus ouvintes, desmascarando aqueles sepulcros caiados, brancos por fora e por dentro cheios de podridão?95

São José (Giuseppe) Moscati (Benevento, 7-25-1880 – Nápolis, 4-12-1927), o terceiro contando da esquerda (sentado), jovem e brilhante médico-professor com seus primeiros estudantes.

Abulia da inteligência

Abulia é a completa inércia da vontade. Um autor diz: há uma abulia da vontade, mas também outra muito menos mencionada: a abulia da inteligência.

É a preguiça de a inteligência dar-se conta da realidade, e a preguiça de formar um juízo arquitetônico a respeito dela.

É a preguiça de se dar conta de quanto a realidade é alta em cores vivas, magníficas, e convida a estados de alma também imensos.96

A objetividade é seriedade

Uma inteira objetividade consiste em ver a realidade inteiramente como ela é, sem véus nem preconceitos, nem torcidas, nem distorções.

A objetividade de espírito é a posição da alma por onde ela, por honestidade, por probidade, procura ver as coisas absolutamente como são, sem nenhuma dessas fraquezas, como a de não olhar de frente a realidade.

Eu me lembro do choque que tive certa vez quando, pouco antes de se ter afastado da religião, uma pessoa me fez a seguinte queixa a respeito do Legionário:97 “É um jornal que a gente abre e não encontra nenhuma notícia que alegre, que alente. Acaba-se desanimando”. Eu caí de várias nuvens. Porque, se as notícias são ruins, eu digo que são ruins.

Ele diz: “A gente lendo o jornal, acaba desanimando”. Isso é outra coisa. Há um remédio chamado “Calmina”. Tome “Calmina”, tome outras coisas, trate-se, mas não venha querer que num quadro sério eu diga: “Caiu o Império Britânico, foi morta a rainha da Inglaterra. Uma pequena compensação, o lulu da Pomerânia da rainha Fabíola teve crias”.

Isso é uma falta de seriedade fundamental, de cretino!

A seriedade, exatamente, é a disposição de espírito de ver a verdade de frente, por inteiro, como ela é, e em sua hierarquia. Portanto, dando maior valor às coisas altas do que às que não o são.98

Nem otimista nem pessimista, mas pessimólogo

Não sou propriamente pessimista. Sou “pessimólogo”, o que é diferente.99

A despreocupação não suprime os problemas nem os resolve, muitas vezes até os agrava tragicamente, pois é a grande adormecedora das sentinelas.100

O otimismo fraco e fácil — “tudo vai muito bem, vai no melhor dos mundos” — não corresponde à verdade; em segundo lugar, amolece, degrada e dissipa tudo.101

O clamor dos indícios veementes

Justiça é retribuir a cada qual segundo seus méritos. E não retribuir de modo igual a gênios e medíocres, heróis e pusilânimes, homens beneméritos ou egoistarrões.

Um homem de caráter firme e varonil sente uma dissonância interior cada vez que nota que, em torno de si, as coisas se passam de modo contrário à glória de Deus, à exaltação da Santa Igreja e à doutrina católica. Deixar de formar juízo sobre o que é evidente, deixar de ouvir o clamor dos indícios veementes, ou é imbecilidade ou fraqueza de princípios. Não há por onde escapar.

Deixar de formar juízo ou suspeita, quando o caso se apresenta, pode ser defeito, e grave defeito.102

Segundo Marquês de Comillas, Dom Claudio Lopez Bru (1853-1925), ardoroso católico, empresário e promotor de grandes obras como a Universidade Pontifícia Comillas

Pieguismo não é bondade. Estupidez não é generosidade

Ingênuos como crianças de berço até o dia em que não cai sobre os ombros uma função de responsabilidade, o que faremos quando depender de nós a defesa dos mais importantes interesses espirituais ou temporais, contra os lobos disfarçados na pele da ovelha?

A este respeito, queremos insistir muito especialmente: todo mundo tem, em certas circunstâncias, o direito de arcar com prejuízos que afetem seus interesses individuais. Ninguém, entretanto, tem o direito de expor os interesses de terceiros.

Haverá situação mais ridícula do que a de alguém que declare romanticamente haver comprometido os interesses de terceiros que lhes estavam confiados, porque “foi bom demais e confiou excessivamente na bondade alheia”?

“Bom demais”? É realmente ser “bom demais” sacrificar ao amor próprio de uma meia dúzia de aventureiros os interesses sagrados confiados à pessoa que assim procura se inocentar? Quem não percebe que essa “bondade” fora de propósito redundou em uma injustiça cruel para com os terceiros prejudicados no caso?

Decididamente, renunciemos a toda esta pieguice. Ela só serve para prejudicar a Igreja, dando a entender que a descrição que seus adversários fazem do “carola”, tipo imbecil de um sentimentalismo romântico e estúpido, é produto genuíno de seu espírito.

Sursum corda.103 Pieguismo não é bondade. Estupidez não é generosidade. Inocentes como as pombas, nem por isto deixemos de ser astutos como as serpentes.104

É Nosso Senhor que, em termos expressos, no-lo impõe. Queremos porventura ser melhores do que Ele?105

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