Plinio Corrêa de Oliveira

 

- VI -

Velhos sempre acomodados?

jovens sempre idealistas?

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Pensa o jovem: "Será possível que se leve a vida inteira para chegar a essa idade e ficar desse jeito? É uma coisa pavorosa, eu não quisera isto nunca!"

Plinio Corrêa de Oliveira

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 Batalha de Lepanto (7 de outubro de 1571), em que a Cristandade venceu, por milagrosa intervenção de Nossa Senhora, os maometanos que estavam invadindo a Europa

  

Neste capítulo

Uma juventude ardorosa e idealista, uma idade madura ponderada e venal, uma velhice arrastada: este é o pensamento mais freqüente a respeito das idades do homem.

Essa concepção é a expressão da verdade?

É o que o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira analisa nos pensamentos recolhidos neste capítulo.

      

Sebastião Veniero, aos 70 anos, foi um dos heróis vencedores da batalha de Lepanto,

 junto com Andrea Doria

e Dom João de Áustria. Belo exemplo da soma das idades.

Ideal e idades

Napoleão se referia com freqüência à venalidade da idade madura.

Ele parecia insinuar que toda idade madura é necessariamente venal, e que toda juventude é necessariamente abnegada e altruísta. Que toda idade madura é sem ideal, sem vôo.

O idoso não veria o maravilhoso, não veria os imponderáveis.81

A vista se torna fraca no sentido material da palavra, e ao mesmo tempo a mente fica cada vez mais circunscrita às coisas imediatas, preocupando-se com o momento imediato, com o prático, com o concreto.

Um casal meu velho conhecido, de uns 60 anos mais ou menos, tem duas preocupações exclusivas.

Uma é tocar uma chacarazinha onde moram: galinha, bomba de água, para eles são um acontecimento. Outra é a fiscalização da saúde. De manhã comentam se o coração palpitou durante a noite, e vivem num pavor da próxima peça que a doença lhes possa pegar.

Vendo chegar com a velhice a doença e as sombras da morte, vão se defendendo freneticamente. Não têm outra preocupação.

Uma pessoa mais jovem poderia pensar: será possível que a gente leve a vida inteira para chegar a essa idade e ficar desse jeito? É uma coisa pavorosa, e eu não quisera isto nunca! Mas eu vou afundando nuns horizontes e numas coisas que acabam dando nisso”.82

Luta de classes, luta de idades

Existe a respeito das várias idades do homem uma espécie de concepção ao modo da luta de classes.

A pessoa mudando de era na vida perde as qualidades e os defeitos da era anterior, e entra em qualidades e defeitos diversos.

A infância sonha com o maravilhoso: ela é fraca, débil, pequenina, mas ela é pura. Então o puro e o maravilhoso são próprios do menino.

Depois vem o moço. Puro, já não ouso afirmar, mas é idealista, forte, romântico, amoroso. As más tendências entram com o romântico e o amoroso.

Depois começa a maturidade. Ele perdeu o idealismo, perdeu o élan. A força dele é uma força de estabilidade, de fixação. Ele vê a realidade mais concreta, ele manda, ele governa. Não tem mais a força de um soldado de vanguarda, mas tem o vigor de um general.

Depois começa a velhice. É outra forma de “sabedoria”, é o desencanto. “Nada é nada. Meu egoísmo é tudo. Fico chupando minha boca vazia de dentes, tolerando minha cabeça vazia de idéias, carregando meus olhos vazios de luz e os meus ouvidos vazios de som. Posto na minha poltrona, no meu chinelo, contemporizando com a morte e gozando um pouco a vida, até que a morte chegue. Quando chegar o fim, não há mais remédio, morro blasfemando”.

É a trajetória de uma vida. É uma luta de classes de uma época contra outra na vida.

Essa concepção faz parte do evolucionismo, que é sempre a destruição de uma coisa em nome da outra, dando a isto o nome de continuidade, embora sendo a descontinuidade por excelência.83

As idades não se opõem, se somam

A teoria correta a respeito das várias idades é que, no homem fiel, as qualidades das várias idades se somam.

Ele deve conservar até a velhice todas as qualidades da infância.

Na juventude, deve ter as qualidades da infância. Na idade madura, as da juventude e da infância. Na velhice, um requinte por onde tenha todas as qualidades das idades anteriores.

Quando morre, ele entrega sua alma a Deus com as riquezas de toda a vida que ele teve.

Assim, é muito mais bonito exalar o último suspiro. A pessoa entrega-se a Deus como quem entrega o conjunto dos tesouros que Deus lhe deu, implorando a misericórdia para aquilo que não esteja completo.

Esta é a morte do varão católico.84

As idades anteriores enriquecem o presente

Devemos ter como pressuposto, nas várias idades, os dons da idade anterior.

É preciso conservar a vida inteira, como pressuposto básico inicial, as qualidades do tempo de criança.

Uma boa criança tem uma forma de abertura de alma por onde ela é muito pouco interesseira.

Ela é desinteressada, é meiga, é afável; com facilidade dá o que tem. Toda criança boa faz pequenos desenhos que procura dar aos outros.

Tem um senso de admiração muito grande em relação aos mais velhos. Procura vê-los sob os melhores aspectos e se encanta com esses aspectos.85

O idealismo infantil

A criança boa é movida pelo princípio de que a vida dá certo, e de que vale a pena viver porque é algo grande. Embora tenha sofrimentos, tudo no fim tem sua explicação, e ela é verdadeira.

Resulta daí aquela espécie de otimismo que caracteriza a infância.

Ela é cheia de esperança, crê com facilidade no que lhe contam, e é toda voltada para entregar-se, para servir, para admirar.

O contrário é o sovina qüinquagenário que diz: “não, a época de invalidez está chegando, agora quero acumular dinheiro, dinheiro, dinheiro, para não ter perigo de ficar pobre”.86

A criança boa não crê na descrença

A criança boa nada tem a ver com criança boba, cretina.

Por ser muito pura e ter muita candura, sempre que o mal aparece, ela o recusa. Ela se torna contestatária contra o mal.

Ela não crê na descrença. Se alguém lhe diz: “Ora, Deus não existe...”, nesse alguém a criança não crê.

No fundo, a criança tem virginalmente um senso de distinção entre a verdade e o erro, o bem e o mal, que depois pode ir-se embotando ao longo da vida.87

Apogeu, “des-apogeu”...

Por causa das graças do batismo, a infância é um apogeu. Trata-se de saber se a vida do homem cresce depois, de apogeu em apogeu até a ancianidade, ou se tem “des-apogeus”...

Daí vem o fato de as pessoas conservarem uma espécie de nostalgia do seu tempo de criança, que é uma nostalgia meio parecida com a de um paraíso perdido.

Ninguém tem saudades dos seus 20 anos como tinha do seu tempo de criança!88

O ancião idealista

Se um homem soube crescer durante toda a vida, não só em experiência, mas em penetração de espírito, em bom senso, em sabedoria, sua mente adquirirá na velhice um esplendor e uma nobreza que transluzirá em sua face e será a verdadeira beleza de seus últimos anos.

Seu físico poderá sugerir a lembrança da morte que se aproxima, mas em compensação sua alma terá lampejos da imortalidade.89

Qüinquagenários, sexagenários, poderiam pensar:

“Como é bela a juventude! Tenho saudades da minha inocência. Daquela candura de alma, daquele frescor”.

“Não quero morrer sem ter readquirido minha infância, de maneira que, quando me apresente diante de Nossa Senhora, eu possa dizer:

“Minha Mãe, minha vida inteira está posta em vossas mãos. De tudo quanto me destes, não perdi nada. Vós me fizestes fortificar tudo quanto me destes. Mas houve algumas coisas que me foram dadas nos meus primórdios, que assim nunca mais tive, e que preciso recuperar”.90

A inocência medieval

A Idade Média, a meu ver, foi a era em que os homens conservaram este espírito de infância.

Eles eram corajosos, leais, honrados, piedosos; criam, mas criam com este espírito, que nada tem de comum com o que por aí se vê.

Por exemplo, São Luís rei, todo armado com uma armadura de ouro, mais alto do que todos os homens do seu exército, pulou para dentro das águas do Mediterrâneo e entrou pela praia adentro, cheio de entusiasmo, porque tinha chegado ao lugar da batalha.

Um rei que pula fora da sua barca, e que é o primeiro!

E São Tomás de Aquino? Ele acreditou no raciocínio com todo frescor com que uma alma assim acredita na verdade.

Ele acreditou inteiramente na lógica, na fé. Ele conseguiu a perfeita conciliação entre a lógica e a fé. E voou — porque aquilo já não é andar, é voar — nos horizontes do raciocínio, com uma pureza de serafim.

A lógica dele é tão pura quanto é puro o azul, o vermelho ou o dourado dos vitrais de uma catedral! Nele, os conceitos de pureza, de sublimidade e de radicalidade se unem.91

Resumindo: somar as idades

Tudo isto não significa que não devemos amadurecer, mas sim que precisamos somar as perfeições próprias de cada idade. E chegar à extrema idade com o idealismo da infância e com todas as características das idades anteriores.

Isto, o homem do século XIX habitualmente não fazia: era uma maturidade sem infância.

Em sentido contrário, por exemplo, Monsieur Martin, pai de Santa Teresinha, tinha um esplendor de maturidade, mas com infância no olhar.

 

Maior esplendor ainda, a meu ver, é o Beato [hoje Santo] Charbel Macklouf.91 É um homem virgem, aquele. Mas que catedral...

 

São Pio X, que maravilha! Tinha um olhar de criança, mas era um leão!92

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