Plinio Corrêa de Oliveira

 

 

Guerreiros da Virgem

 

A Réplica da Autenticidade

 

A TFP sem segredos

Capítulo I

Antes, durante e depois de sua permanência na TFP, o lúgubre itinerário do autor de “Guerreiros da Virgem”

Seu libelo contra a TFP, o sr.  José Antônio Pedriali quis fazê-lo sob a forma de uma autobiografia – ou antes, de uma novela autobiográfica – na qual focaliza sua vida em três fases distintas: a anterior a seu ingresso na TFP, ocorrido em 1971; os seis anos que permaneceu na entidade; e por fim o período posterior a seu afastamento dela.

1. Psicologia do mocinho J.A.P., antes de seu ingresso na TFP

Natural de Londrina, o sr. J.A.P. se descreve a si próprio, aos 15 anos, como um jovem posto em condições de vida corrente.

Procede ele de uma simpática e operosa família católica, com prática religiosa freqüente. Fundamentalmente, dava-se ele bem em casa. Mas com discrepâncias, das que são habituais sobretudo na crise da adolescência.

Essas discrepâncias não chegam a produzir movimentos de alma sísmicos como os narra, por exemplo, com referência a si próprio, o sr. Domingos Pellegrini, no prefácio que escreveu para Guerreiros da Virgem [1]. Mas existiram.

Resultaram elas sobretudo de confusos mas vivazes anseios de alma do sr. J.A.P., de conhecer e degustar novos aspectos da existência impregnados de maior elevação e beleza, do que os encontrava na própria família e na Londrina daquele tempo. Parece ter sido disto que sentia falta, ser esse “o elemento que tanto perseguira desde criança e que me fora negado seguida e impiedosamente” (GV p. 14).

Teria sido essa também a causa da “série de frustrações” de que responsabiliza seus pais, “pois nem tinham como responder às minhas inquietações” (cfr. “Folha de S. Paulo”, 29-6-85).

Não é apenas a seus pais que ele critica dessa forma. Todo o ambiente natal é por ele julgado com severidade: “Meus professores, em geral, sabiam muito mal aquilo que atiravam ao vento nas salas de aula, os amigos desprezavam tudo o que não se referisse a si próprios, as poucas pessoas de meia idade ou de idade avançada que conhecia se limitavam a olhar para trás, lembrar o que julgavam as façanhas de suas vidas e não tinham estrutura para analisar e interpretar o que acontecia a um palmo dos próprios narizes. Havia exceções, e meu avô materno era uma delas”.  (GV p. 14).

Sem embargo da pequena ressalva quanto a seu avô, já se nota aqui o feitio de espírito acentuadamente pessimista do sr. J.A.P., tendente a criticar tudo e todos, em torno de si, a se considerar incompreendido nos diversos ambientes que freqüenta. Este é um traço psicológico que convém notar, pois explica muito da animosidade dele em relação à TFP.

Também a arquitetura “simples ou mesquinha da maioria das casas e edifícios de nossa cidade” o desgostava; frustrava-se por “ter de conviver com mentalidades tão provincianas” (GV p. 18).

Entregando-se a longos devaneios interiores e sonhando de olhos abertos, habituou-se ele a fugir dessa realidade que não o agradava: “Esse horizonte estreito me asfixiava – diz ele. Meu refúgio eram as longas horas que passava recolhido, lendo, ouvindo música ou simplesmente deixando vagar meu pensamento, sonhando com outros países, outros horizontes, outros costumes” (GV p. 17).

Era católico praticante, e chegara a liderar um grupo católico de jovens, os quais também critica pela tibieza e falta de espírito religioso. Mas o motivo pelo qual o atraía a Igreja parece ser muito preponderantemente um misticismo difuso e sentimental, um anseio interior pelos aspectos por assim dizer psico-artísticos dos templos e das cerimônias católicas. Não se nota nele um empenho por exprimir seu pensamento sobre a doutrina, nem sobre a História, nem sobre a ação da Igreja no mundo contemporâneo. As impressões causadas nele pela Igreja: eis o que parece ter monopolizado, em matéria religiosa, a atenção desse jovem sensível e imaginoso.

Aliás, o feitio introspectivo, e extremamente impressionável do autor ressalta desde o primeiro capítulo de Guerreiros da Virgem. Nos cinco parágrafos iniciais – que totalizam apenas 23 linhas – lêem-se as seguintes frases: “Eu estava impressionado”;  “sentia grande inclinação”;  “via-me confuso e atordoado”; “não encontrava quem me orientasse e me ajudasse a entender ... o mundo exterior”; “isso explicava meu sentimento”; “estava, finalmente, realizando um grande sonho”:  “penetrar no campo de conhecimentos que tanto me fascinava” (GV p. 11). Todo o enredo do livro, como se verá adiante, se passa no interior de sua alma. Os fatos externos só lhe interessavam na medida que repercutem no âmbito interno.

2. Subjetivismo acentuado, introspecção

O contato inicial com a TFP deu-se em seu colégio, onde se apresentaram alguns cooperadores da entidade. Tempos depois, convidado a assistir a uma palestra na sede local da Sociedade, lá conhece “Rodrigo”, um labioso carioca, cooperador da TFP. Tratando com este – que “cativava pelo sorriso fácil, pelas frases espirituosas e observações sagazes” (GV p. 11) – lhe parece ver que a TFP conduz as almas ao mundo do maravilhoso que apetece ao jovem J.A.P. conhecer: “Eu estava, finalmente, realizando um grande sonho, encontrando pessoas que poderiam fazer-me penetrar no campo de conhecimentos que tanto me fascinava” (GV p. 11).

As boas maneiras, a cultura, a inteligência do carioca – no qual imaginava ver uma como que porta de acesso a um ambiente maior, mais alto – impressionam o mocinho. Atraem-no. E ele, sempre guiado pelas impressões subjetivas, mais e muito mais do que pelo raciocínio, começa então a freqüentar a sede da TFP em Londrina.

E, como tudo lá agradava o mocinho que era, o sr. J.A.P.  deduz hoje, no seu subjetivismo[2], que tudo estava artificialmente disposto para atrair mocinhos como ele. Até os símbolos e a decoração da sede teriam sido habilmente ordenados de maneira a exercer nele e em outros um efeito previamente calculado (cfr. GV pp. 48 e 74).

Naturalmente, poder-se-ia perguntar-lhe por que não via a mesma suposta artificialidade no edifício e nos ritos do culto católico, que também o encantavam. Mas, como já se está vendo, e adiante ainda mais se verá, a lógica de pouco vale no mundo interior do sr. J.A.P.

O imenso trabalho intelectual desenvolvido pela TFP para definir suas posições doutrinárias e justificá-las racionalmente, ocupa um espaço muito secundário, senão irrelevante, na atenção do sr. J.A.P.

Tendo passado seis anos na TFP, e tendo ouvido muitas palestras e conferências, revela entretanto um conhecimento surpreendentemente sumário de toda a produção intelectual da TFP. Menciona quase exclusivamente algumas noções – quão rudimentares – de Revolução e Contra-Revolução.

A obra intelectual da TFP, constante de uma vintena de livros ou ensaios, quase todos com edições de dezenas de milhares de exemplares, e de várias dezenas de documentos de porte – manifestos, pronunciamentos, declarações e comunicados – amplamente difundidos por órgãos de comunicação social de todo o Brasil, pouco ou nada lhe interessa. Também isso tudo só o afeta enquanto explicando reações internas que produziram na sua muito peculiar subjetividade. E pensa que pode dar-se ao luxo de escrever um livro sobre a TFP, capaz de satisfazer a curiosidade dos leitores, sem mencionar o que sobre si mesma escreveu a TFP, nem o que escreveram outros que estudaram a TFP... [3].

 Todo o itinerário dele na TFP é, com efeito, marcado muito mais por um problema subjetivo do que pelo desejo, próprio de um espírito objetivo, de saber se a crítica da entidade aos males do mundo moderno e os remédios que ela propõe para esses males são ou não são verdadeiros. Toda essa problemática, que diz imediatamente respeito aos fins da sociedade contra a qual escreve, não é tratada no seu livro.

O sr. J.A.P.  sente uma necessidade de alma de certos “valores” para seu bem-estar, para seu equilíbrio interno, e isso é o que lhe importa. Seu campo de visão é principalmente interior e, se transborda um pouco deste, é para se estender apenas à realidade concreta e imediata que o circunda.

Assim, não lhe interessam os grandes lances, os êxitos que transformaram sucessivamente um pequeno grupo inicial de amigos católicos residentes em São Paulo em uma organização de âmbito nacional e já agora com irradiação internacional. Como também não lhe interessam os reveses – por vezes dramáticos – que a TFP vem enfrentando, ao longo de sua vida, e que confere particular marca de autenticidade à sua empolgante luta.

Tudo isso, tão revelador do íntimo da entidade, o sr. J.A.P. não o vê: está fora do âmbito imediato de sua pessoa. Como também não lhe interessa saber se a TFP está efetivamente opondo barreiras ao avanço do comunismo, se os métodos que ela usa para tal são lícitos e eficazes, se ela aproveita bem o potencial considerável de dedicações e de recursos com que conta etc. é que tudo isto pertence ao mundo externo. E esse mundo só lhe interessa na limitada medida que lhe diz respeito pessoalmente.

Só um tema lhe interessa. Só a um se refere. Esse tema é ele próprio: o que sente, como o tratam, o que  lhe dizem etc.

Em última análise, é ele, e não a TFP, o tema essencial de seu livro, escrito, na aparência, sobre a TFP.

3. O sr. J.A.P. na TFP: processos paralelos e contraditórios – integração e crise

Algum tempo depois dos primeiros contatos com a TFP, participa ele de uma Semana de Estudos promovida por esta em São Paulo. É nessa ocasião que decide consagrar a vida aos ideais da entidade. No relato que faz de uma decisão tão grave para ele, sobressai mais uma vez seu espírito impressionável e pouco afeito à lógica e ao raciocínio:

Essa escolha eu a fiz com convicção quando assisti a uma conferência do professor Plinio, encerrando o primeiro congresso do qual participei. Nesse congresso .... assistimos a palestras e participamos de debates.  ....

A doutrina, porém, foi o que menos me despertou a atenção. O que mais me tocou foi a proximidade com pessoas que buscavam o mesmo que eu, que se entusiasmavam com as coisas que me sensibilizavam desde a infância. As músicas, os símbolos – todo o ambiente, enfim” (GV p. 38).

Assim, vai ele deitando raízes à sua moda na TFP, a ponto de, a conselho de elementos desta, mudar-se para Curitiba e passar a residir na sede que a Sociedade ali mantém.

Contudo, nesse processo de radicação – jamais será suficiente notar – ele já entra com a alma dividida. É que os peculiares anseios do sr. J.A.P., não foi só a TFP que lhos contentou. Fora também – de outro modo – “Suzan”, colega sua em Londrina, com a qual mantivera um namoro que ele qualifica de “ingênuo e virginal” (GV p. 18).

Ainda em Londrina, a TFP o convidava a dedicar toda a existência a um ideal de cruzado. “Suzan”, possivelmente para conservar o namorado, tentou acertar o passo com a TFP ao longo das conversas com o Sr. J.A.P. Porém ela não conseguiu entender a Sociedade. O sr. J.A.P.  a deixa quando vai morar em Curitiba. Mas leva consigo os nostálgicos langores de seu feitio de alma sentimental.

O gradual distanciamento verificado entre ele e a família constitui um fator a mais de sua divisão interna.

Ao freqüentar em Curitiba dois colégios sucessivos, é tratado com galhofeira hostilidade por colegas opostos à TFP. Três moças que cursam o mesmo ano que ele o submetem, em certa ocasião, a uma tentação obscena, à qual resiste. Não resiste, porém, à  investida de “Marta”, outra colega, por quem tem uma atração sentimental que “por se disfarçar sob a aparência de romantismo ingênuo e puro, seria capaz de neutralizar as resistências e conduzir-me fatalmente ao mesmo ponto, o sexo, o pecado(GV p. 93).

Também essa nova afeição sentimental lhe deixa nostálgicas divisões na alma: “A impossibilidade de dar vazão ao que sentia em relação a Marta criara em mim um foco de atrito que se tornava latente, numa proporção crescente, deixando-me ainda mais atribulado devido à ruptura com minha família” (GV p. 96).

Por outro lado, ao mesmo tempo que a TFP o vai maravilhando com a descrição (por ele vista com utopismo emocional)  da Idade Média e as esperanças luminosas do vindouro Reino de Maria – época de esplendor que, segundo aprendeu na TFP, sucederá à presente era de trevas – alquebra-o com afirmações nas quais esse grande subjetivista julga ver toda espécie de fantasmas de pânico e terror. Nessa mesma linha estariam os castigos com que Deus pune os pecadores já nesta vida, e sobretudo na outra, com os tormentos eternos do Inferno.

Desse modo, e mais de uma vez com implicitudes matreiras, o sr. J.A.P. descreve sua aproximação e conseqüente integração na TFP como um astucioso processo de “lavagem cerebral” (não usa a expressão em nenhum momento, mas tudo é dito para o leitor chegar a essa conclusão). Pois – singular vício de pensamento de um espírito requintadamente fantasioso e egocêntrico – o sr. J.A.P. imagina que tudo quanto os ambientes, as pessoas e os fatos produzem de impressões nele, foi evidentemente disposto, dito e feito para produzir esse resultado.

De qualquer modo, nessa etapa do processo, vê ele formar-se dentro da alma um depósito de nostalgias pelo mundo que deixara. As recordações de “Suzan”, de “Marta”, da família distante, e a sexualidade que vê por toda a parte, e notadamente no colégio, vão deitando germes de divisão em seu interior.

Não tarda, pois, a se instalar nele o conflito interno entre esses dois pólos: o mundo real, que lhe parecia insípido, banal e até prosaico quando o deixara, e que agora, à distância, começa a lhe parecer atraente, e, de outro lado, o mundo maravilhoso da TFP, no qual vai adentrando, mas que começa a lhe pesar.

Daí sua evolução marcada por uma profunda divisão interna. E, presumindo-se modelo arquetípico de todos os jovens que, como ele, ingressaram nas fileiras da TFP, imagina que o drama interior que vive está necessariamente no caminho de todos.

4. Composição impossível

Em um espírito de feitio lógico, o remédio para essa situação obviamente tensiva e desgastante consistiria na explicitação e ponderação dos prós e dos contras que se apresentavam em cada pólo de atração, e na elaboração de uma escolha, na fixação de um rumo a seguir de consciência tranqüila, com passo decidido, livre e varonil.

Não é de assombrar, porém, que com sua peculiar conformação psicológica, o jovem J.A.P., em vez de assim proceder, se deixasse dilacerar indefinidamente pela dúvida. E fosse, tomado, desse modo, por uma crise nervosa... pela qual culpa a TFP. E chega, em conseqüência, segundo ele afirma em “OESP” de 30 de junho, “à beira da loucura”!

Aconselhado por amigos da TFP a tratar-se com competentes médicos em Belo Horizonte, ele se hospeda numa sede da entidade. Ora, nessa sede se hospedavam alguns outros sócios ou cooperadores da TFP que estavam em Belo Horizonte para fazer tratamento de saúde gratuito ou a preços muito reduzidos com conceituados profissionais de especializações diversas. E o sr. J.A.P., muito à maneira dele – isto é, tendo-se em conta de indivíduo arquetípico – imagina que aquela sede se destinava exclusivamente a alojar doentes com distúrbios análogos aos seus.

O tratamento não resolve seu caso, o que também não pode espantar, pois não raras vezes temperamentos introspectivos e imaginativos, afeitos a alimentar e a cultivar seus próprios problemas, em lugar de colaborar com a cura, criam obstáculos a esta. Ele se sente cada vez pior. As saudades da vida mundana aumentam. O desejo de permanecer na TFP vai minguando aos poucos. E com isto a divisão interna se agrava.

A própria TFP o aconselha a cessar a sua participação integral na vida da entidade, e a seguir uma via conforme com suas novas disposições de alma, dentro dos princípios estabelecidos pela moral católica para os que não se sentem chamados a uma vocação especial. E se empenha em sustentá-lo passo a passo no percurso dessa via, com uma afabilidade e uma solicitude que ele narra em linhas muito gerais, mas sem uma palavra de agradecimento. Ao longo desse desligamento progressivo da entidade, a efervescência da sensualidade se acentua entretanto cada vez mais, até chegar por fim à cena torpe do último capítulo, em que é descrita sua ida a um prostíbulo de Londrina.

Pari passu, todas as antigas afinidades com o maravilhoso da TFP vão morrendo na alma dele: “Perdia gradualmente a fé no ideal, ideal que iluminara minha adolescência e tumultuara o início de minha juventude” (GV p. 185). Mais uma vez, nessa “perda da fé”, os problemas doutrinários parecem ter pouca influência. O grande papel toca às impressões, emoções e sensações.

Em outros termos, esse minguamento da “fé” não parece resultar de dúvidas doutrinárias, mas apenas de fatores psicológicos e subjetivos, de tal forma que ele, em depoimento à “Folha de S. Paulo” (29-6-85), declarou, à guisa de explicação: “Foi um processo muito lento e doloroso de abandono. Pouco a pouco, sentia que meu entusiasmo já não era o mesmo. Não racionalizei, foi da mesma forma como entrei, inconsciente, e irresistível [4].

Freqüentando cada vez menos a TFP, ele se sente reintegrado aos poucos no ambiente neopagão do mundo contemporâneo. Assim vai cessando a solicitação entre os dois pólos opostos. A crise desaparece – narra ele – e lhe volta um estado de alma que reputa equilibrado: “Superado o trauma e com os nervos em ordem, recuperei, nesses oito anos, as potencialidades que desabrochavam em minha adolescência e que foram, em parte, sufocadas pela TFP” (GV p. 200).

Ele parece, pois, satisfeito com o retorno a esse ambiente do qual se retirara outrora enfastiado, para não dizer enojado. E com o qual acaba por se reconciliar.

5. Uma solução de caráter eminentemente psico-coletivista

Toda essa novela autobiográfica, a par de uma  furiosa ofensiva contra a TFP, é, como se vê, uma como que apologia velada do mundo atual neopagão, objeto de severíssima crítica desta entidade.

Com efeito, para o sr. J.A.P., este mundo é como é. E, se não for aceito como tal, se não se viver nele participando dele como ele é, se entrará no caminho da irrealidade, da severidade, da repressão e do fanatismo. É o que faz, segundo o sr. J.A.P., a TFP. Ao longo da trajetória, haveria grave risco de se cair na vertigem das crises nervosas, rumo ao desequilíbrio. É o que lhe teria acontecido.

Remédio? Voltar ao neopaganismo contemporâneo. Aceitá-lo. Ajustar-se a ele. Deixar-se amoldar por ele. De boa mente aceitar-lhe até o defeitos, inclusive na sua expressão mais repulsiva. A obscenidade, por exemplo. A sujeira. As contradições. Então as tensões internas desaparecem [5].

Aceitar também o colaboracionismo em relação ao pólo vermelho, para o qual marcha o Ocidente, ao invés de se aferrar, como a TFP, na posição anticomunista? Por que não? É preciso superar todas as divergências, aprendendo a conviver com os opostos. Tese, antítese, síntese ...[6]

Importa notar o caráter eminentemente psico-coletivista no qual parece desembocar, muito discretamente, a novela autobiográfica desse subjetivista infrene que é o sr. J.A.P.

O mundo atual – como se explanará mais detidamente no Capítulo X – constitui, para ele, o ponto de regresso e de recuperação que ele descreve, não porque tenha as qualidades e os defeitos que tem, mas simplesmente porque é o mundo. Porque é todo-o-mundo. Porque é a sociedade dos humanos, na qual há que viver em harmonia, sob pena de resvalar para o sombrio abismo das neuroses ou das psicoses.

Em última análise, cumpre aceitar a ditadura psíquica de todo-o-mundo, como que deixar-se “dominar o cérebro” por todo-o-mundo, ou então perecer.

E os que se opõem a essa ditadura, os inconformes, são loucos e causadores de loucura. Para estes não pode haver liberdade, neste século de democracia...

6. O preço da solução

Mais especificamente, essa “reconciliação” do sr. J.A.P.  com o mundo atual teve um preço. As trivialidades, os prosaísmos, as imoralidades, as obscenidades desse mundo, não mais o desagradam hoje. Ele os aceita, os assume. Ele já não os vê como verdadeiramente contraditórios com os fatores positivos que existem nesse mesmo mundo. Pois onde a contradição deve ser assumida e aceita como tal, não há verdadeira contradição, isto é, não há contradição antagônica. Pelo contrário, fatores positivos e negativos devem conviver compensadamente. E é do fato de aceitar essa convivência que resulta para ele o “equilíbrio” descontraído e sem terrores.

Por isso mesmo, a concepção católica tradicional, distinguindo claramente entre verdade e erro, entre bem e mal, e vendo a ambos em oposição perpétua, parece-lhe irreal [7].  É tensiva. Produz desequilíbrios que podem dar origem a neuroses e psicoses.

A realidade que traz tranqüilidade a seu espírito timorato e securitário é a mescla compensada entre verdade e erro, bem e mal. O sorriso descontraído diante do comunismo (que “não virá”, ou que “em última análise não é tão mau”) é o efeito desse “equilíbrio”.

Morreu nele o “guerreiro da Virgem”, o militante anticomunista dos outros tempos.

E por isso ele se apresenta ao público apadrinhado muito caracteristicamente por um escritor que se afirma egresso do comunismo, como o sr. J.A.P. é egresso da TFP e do anticomunismo.

Só que o sr. J.A.P. deixou inteiramente o anticomunismo. Seu padrinho, ao que parece, se deixou o comunismo, não foi para ir morar muito longe dele.


 

[1]Eu fazia as primeiras barbas – diz o prefaciador – e, nas refeições, cultivava uma úlcera em meu pai; se pudesse, cuspia na sopa para respingar na família”  (GV p. VII).

[2] Destinando-se o presente trabalho a um público em sua maior parte não afeito a assuntos filosóficos, emprega-se aqui a palavra subjetivismo tão-só no sentido que lhe dá a linguagem corrente. Ou seja, o mau hábito a que se entregam não poucas pessoas, de ver os fatos como lhes apraz imaginá-los, e não como são na realidade.

[3] Nota do editor – O Serviço de Documentação da TFP possui 248 livros, publicados em oito idiomas, contendo referências à entidade, e à sua fecunda atuação anticomunista. E a obra escrita do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira, desde 1929 até o presente, atinge cerca de 2.300 títulos publicados, entre livros e artigos para a imprensa, e já foi objeto de uma tese de mestrado defendida, em 1984, na Universidade de São Paulo, pelo Prof. Lizâneas de Souza Lima. Também trataram longamente de certos episódios relevantes da atuação de Plinio Corrêa de Oliveira, como homem público, duas teses de doutoramento, aliás bastante polêmicas. A primeira delas foi apresentada em 1971 pela Profa. Margaret Patrice Todaro, na Faculdade de Ciências Políticas da Universidade de Colúmbia, nos Estados Unidos, sob o título: Pastors, Prophets and Politicians: A Study of the Brazilian Catholic Church, 1916-1945; a segunda, defendida em 1981 por Fr. José Ariovaldo da Silva O.F.M., no Instituto Litúrgico do Anselmianum, em Roma, versava sobre O movimento Litúrgico no Brasil – Estudo Histórico e, com esse mesmo título, foi publicada pela Editora Vozes (Petrópolis, 1983, 399 pp.).

[4] Como se vê, a narração do sr. J.A.P. abstrai, ou quase tanto, do livre arbítrio que, segundo a doutrina católica, o homem tem. Quanto mais robustecida a vontade pelo uso virtuoso desse livre arbítrio, tanto melhores as condições para, numa crise como a descrita por ele, chegar a bom termo. Isto é, à recuperação da paz interior e da normalidade.

Diz o sr. J.A.P. que rezou muito (cfr. GV pp. 169, 182-183). Porém o Céu não o escutou. A TFP, também não conseguira ajudá-lo. A conclusão seria que a culpada por ação e omissão teria sido a TFP; e o culpado por omissão teria sido Deus, surdo às muitas e aflitas preces do sr. J.A.P.  Sem culpa, mero paciente e joguete das circunstâncias, só ele!

[5] Em agosto de 1984, quase um ano antes do lançamento de Guerreiros da Virgem, “Brasil Extra”, órgão da chamada “imprensa alternativa”,  de São Paulo, publicou uma fotografia do sr. J.A.P. com breve texto do qual se destacam as frases seguintes: “Este homem passou seis anos dentro da TFP ... e agora escreve as últimas páginas  de um livro – O Guerreiro da Virgem. ... Não quer revelar seu nome, por enquanto. Está com medo. Este homem procura apartamento para se instalar definitivamente em São Paulo. Evita certos bairros e se entusiasma quando encontra um perto da boca do lixo, zona de prostituição. Ali sente-se seguro”.

[6] Segundo o “Jornal do Brasil” (18-7-85), o sr. J.A.P. “garante que hoje tem a cabeça aberta para quaisquer soluções políticas, sejam as de direita, de esquerda ou de centro”.

[7] A “religiosidade” que tem hoje o Sr. J.A.P.  está em inteira coerência com sua nova filosofia de vida: “Admirar um pôr-do-sol, um belo corpo feminino ou o gesto generoso ou desinteressado de alguém é uma atitude de religiosidade mais profunda e pura do que rezar um terço mecanicamente. Não vou freqüentemente à missa” (“Jornal do Brasil”, 18-7-85).

Para a “Folha de S. Paulo” e a “Folha da Tarde” de 29-6-85, o sr. J.A.P. declarou que “nunca mais foi a uma missa” após ter deixado a TFP. E na “Folha da Tarde” da mesma data referiu-se ao mártir São Sebastião com uma observação blasfema, que a decência não permite reproduzir aqui.

 


 

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