Capítulo III

 

O dever de apostolado obriga genericamente
a todos os leigos, não porém em igual
medida: alguns se sentem chamados a fazer
do apostolado a ocupação principal
ou até exclusiva de sua vida; outros levam a
dedicação a ponto de praticarem
– às vezes mesmo com votos privados – os
conselhos evangélicos; e outros,
por fim, chegam a adotar um estado jurídico
de perfeição, nos Institutos Seculares

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229. Todos os católicos têm um dever social de apostolado; mas ao apostolado propriamente dito nem todos se podem consagrar

Do Padre Arturo Alonso Lobo OP, eminente canonista espanhol:

"O Batismo nos constitui pessoas da Igreja e, por isto, "sujeitos de todos os direitos e obrigações dos cristãos' (Cod. Dir. Can., can. 87). (...)

Uma sociedade não apenas confere direitos aos seus membros, mas também lhes impõe deveres

* "Ao homem – diz São Tomás – é necessário viver em sociedade, para que uns recebam a ajuda dos outros'. (De Regimine Principum, lib. I, cap. I). Por conseguinte, na sociedade, todos são obrigados ao trabalho. De uma ou de outra maneira, todos devem contribuir para a consecução do fim que se prefixou como meta. Nela todos se beneficiam da ação comum e todos devem, se querem cumprir com a obrigação de membros da sociedade, contribuir com seu trabalho para a mais perfeita consecução do fim comum. Para ser membros da sociedade não basta receber, também é preciso dar (Suma Teológica, II-II, q. 31 e 32, q. 106; Q.D. de Carit., q. 2, a. 4 ad 2; etc.). Os que fogem da luta, do esforço, da colaboração, não merecem senão o castigo e a privação dos bens sociais. (...)

Na Igreja, sociedade espiritual, os cristãos estão obrigados a prestar seu contributo

"Estas condições, impostas pela sociabilidade humana na ordem temporal, devem ter igual realização, ou maior ainda, na sociedade espiritual a que chamamos Igreja. Nela, os cidadãos não só são sujeito passivo ou receptor dos benefícios da comunidade, mas também estão obrigados a trabalhar ativamente em prol dos demais, sejam estes superiores, iguais ou inferiores. Essa colaboração ativa se traduzirá em palavras e obras, como requer toda sociedade visível; mas também em orações e sacrifícios, como compete a uma sociedade espiritual. (...)

Todos os cristãos devem preocupar-se com a obrigação social própria, por atrair para a Igreja todos os homens

"Possui, ademais, a Igreja, como sociedade, outra característica (...). É a única sociedade universal em seu mais amplo sentido: tem as mesmas fronteiras que nosso planeta, e foi instituída para que entrem a formar parte dela todos os homens. Tal foi a vontade de seu Divino Fundador. Por isto mesmo, os cristãos não só têm obrigação de contribuir para o bem de todos os que com eles formam a comunidade eclesiástica, mas também devem preocupar-se, como uma iniludível obrigação social própria, por atrair ao seio da Igreja aqueles que de direito já lhe deveriam estar adscritos pelo Batismo, mas que de fato ainda "não entraram pela porta no redil de que Cristo é o único Pastor' (Jo. X).

A ninguém é lícito desinteressar-se por completo desse dever social

"É certo que nem todos têm a mesma responsabilidade na sociedade, e que não cabem a todos as mesmas obrigações e no mesmo grau, de interessar-se pelo bem dos demais; não podemos exigir de todos deveres iguais, como tampouco concedemos a todos indistintamente iguais direitos; isto seria perturbar a ordem hierárquica que toda sociedade reclama como elemento indispensável. (...) Se bem que na Igreja existam diversas categorias de pessoas – os que ocupam altos cargos dirigentes e os que são governados, os sábios e os ignorantes, os justos e os pecadores – ninguém deve acreditar que por isso recai só sobre aqueles todo o peso e todas as obrigações, e que a estes correspondam unicamente os direitos. Haverá, voltamos a repetir, maior obrigação e responsabilidade para uns que para outros, mas a ninguém é lícito eximir-se por completo dos deveres sociais, sob pena de converter-se em usurpador dos bens alheios e traidor das próprias obrigações. ("Todos têm obrigação de propagar a sua Fé, quer instruindo ou confirmando outros fiéis, quer reprimindo o ataque dos infiéis' – Suma Teológica, II-II, q. 3, a. 2, ad 2). (...)

As maiores ou menores qualidades naturais de cada um implicam maior ou menor obrigação apostólica

"Nas obras do cristão, ainda que caiba grande parte a Deus, é de todo necessária a colaboração humana: "A graça não destrói a natureza' (S. Tomás, I, q. 1, a. 8, ad 2; q. 2, a. 2, ad 1; II-II, q. 188, a.8) mas colabora com ela para ser co-causa na produção dos efeitos. Assim, pois, não basta estar batizado, gozar da participação de Deus pela graça, ser soldado de Cristo pela Confirmação; é preciso também ter um mínimo de preparo humano que torne possível o exercício daquela capacidade e daqueles instrumentos que foram postos em nossas mãos para a luta. Estas qualidades naturais podem ser de ordem moral, intelectual, corporal, econômica etc.; e segundo se as tenha em maior ou menor grau, assim também será maior ou menor a obrigação apostólica que engendram para determinada pessoa. (...)

As obras de apostolado propriamente dito, Deus não deu a todos a possibilidade de realizar

"Supondo (...) no cristão todas as qualidades sobrenaturais e também as humanas que capacitam para o apostolado, perguntamos agora, com o Papa felizmente reinante (Pio XII): "Pode-se afirmar que todos são igualmente chamados ao apostolado, tomando esta palavra em seu sentido principal? Deus não deu a todos a possibilidade de realizá-lo. Não podemos exigir que se sobrecarregue com obras de apostolado a esposa, a mãe, que educa cristãmente seus filhos e que deve, ademais, ocupar-se em outros trabalhos domésticos para ajudar deste modo a seu marido na alimentação dos filhos. A vocação de apóstolos não foi dada, por conseguinte, a todos'.

Uma linha demarcatória difícil de precisar

* "É difícil – continua o mesmo Pontífice – traçar com precisão a linha demarcatória a partir da qual começa o apostolado dos leigos em seu sentido mais próprio. Pode, por exemplo, contar-se como tal a educação dada, seja pela mãe de família, seja pelos educadores que exercem com santo zelo sua profissão pedagógica? Ou ainda a conduta do médico tido como tal e francamente católico, cuja consciência não transige jamais quando a lei natural ou a divina estão em jogo, e que trabalha com todas as suas forças em favor da dignidade cristã dos esposos e dos direitos sagrados de sua paternidade? Ou, por último, a ação de um homem de Estado católico cuja política sobre as moradias se orienta em favor dos menos afortunados?'

Com o simples cumprimento dos deveres de estado, muitos fiéis já cumprem seu dever social de apostolado

* "Talvez muitos se inclinem pela negativa, não vendo nisto tudo mais que um simples cumprimento, muito louvável por certo, mas obrigatório, dos deveres de seu estado. Sem embargo, Nós – conclui o Papa – conhecemos o poderoso e insubstituível valor para o bem das almas deste simples cumprimento dos deveres de estado, levado a cabo por milhões e milhões de fiéis de consciência e vida exemplar' (Discurso de Pio XII para o I Congresso Mundial para o Apostolado dos Leigos, 14*1951).

Há funções ainda mais apostólicas, às quais o cristão deve consagrar-se quando outras obrigações o permitem

"Ademais destas funções benéficas, com que o cristão cumpre, sem dúvida, seu dever social de apostolado, existem outras, mais apostólicas ainda, nas quais pode ser admitido e às quais se deve consagrar, quando obrigações de outra ordem não lhe ponham obstáculo. "Existem apóstolos leigos – trazemos de novo o testemunho de Pio XII – homens e mulheres, que não têm outro objetivo senão fazer o bem, e o realizam, com efeito, com o único interesse de ganhar almas para a verdade e para a graça. Vêm-Nos agora à mente tantos excelentes leigos que, nas regiões onde a Igreja sofre perseguições semelhantes às dos primeiros tempos do cristianismo, suprem, do melhor modo possível, aos Sacerdotes encarcerados, mesmo com perigo para suas próprias vidas; ensinam a quantos lhes rodeiam a doutrina cristã, instruem acerca da vida religiosa e do verdadeiro pensamento católico, atraem à frequência dos Sacramentos e à prática das devoções cristãs, especialmente da eucarística' (id. ib.).

O laicato tem direito – porque tem um dever correspondente – a um papel ativo no campo apostólico

"Em suma: todos os cristãos membros da sociedade religiosa que é a Igreja, considerados individualmente, estão obrigados a contribuir para o bem dos demais. É esta uma doutrina teologicamente certa, e foi repetidas vezes lembrada a todos pela Igreja. "Os cristãos – disse Leão XIII – nasceram para a luta' (Enc. Sapientiae Christianae, 10-1-1890).

"O laicato tem uma função ativa, de apostolado de exemplo, de contribuição material, de investigação doutrinária, nos diversos campos da cultura, de adaptação da vida cristã às diferentes condições da vida humana; a comunidade cristã, a Igreja discente, não é somente o sujeito receptor da ação da Hierarquia eclesiástica, mas também tem o direito (porque tem o dever correspondente) a um posto ativo no campo apostólico: "é grande a messe' (Mt. IX, 37; Lc. X, 2). E é indispensável que todos sejam, cada qual em sua esfera, operários laboriosos" (Pe. ARTURO ALONSO LOBO OP, Laicología y Acción Católica, Ediciones Stvdivm, Madrid, 1955, pp. 237 a 240, 245 a 249 / Imprimatur Fr. Francisco OP, Obispo de Salamanca, Salamanca, 1-1-1954).

230. "Também vós, a vosso modo, deveis ser ministros de Cristo", afirma Santo Agostinho

Da encíclica Summi Pontificatus, de 20 de outubro de 1939, de Pio XII:

"Uma ardente falange de homens e de mulheres e de jovens de ambos os sexos, obedecendo à voz do Sumo Pastor e às diretrizes dos próprios Bispos, consagram-se com todo o ardor de sua alma às obras do apostolado para reconduzir a Cristo as massas populares que dEle se haviam separado. (...)

Uma elevada e consoladora missão

"Em todas as classes, em todas as categorias, em todos os grupos esta colaboração do laicato com o sacerdócio revela preciosas energias às quais está confiada uma missão que mais elevada e consoladora não poderiam desejar corações nobres e fiéis.

"Também vós, a vosso modo, deveis ser ministros de Cristo"

"Este trabalho apostólico, realizado segundo o espírito da Igreja, consagra o leigo quase "ministro de Cristo' no sentido assim explicado por Santo Agostinho:

" ‘Ó irmãos, quando ouvis o Senhor dizer: "Onde estou Eu aí estará também o meu ministro', não deveis pensar somente nos bons Bispos e nos bons clérigos. Também vós a vosso modo, deveis ser ministros de Cristo, vivendo bem, fazendo esmolas, pregando o seu nome e a sua doutrina a quem puderdes, de modo que cada qual mesmo se pai de família, reconheça dever, também por esse título, um afeto paterno à família. Por Cristo e pela vida eterna, ninguém deixe de exortar os seus, e os instrua, exorte, repreenda, demonstrando-lhes sempre benevolência e mantendo-os na ordem; exercerá assim em casa o ofício de clérigo e, de certo modo, o de Bispo servindo Cristo, para com ele permanecer eternamente' (Do Ev. de São João, LI, 13)" (PIO XII, Summi Pontificatus, Documentos Pontifícios, n. 23, Vozes, Petrópolis, 1951, 3ª. ed., pp. 30-31).

231. Para o apostolado leigo no sentido estrito, só um escol dentre os cristãos é chamado

Alocução de Pio XII, em 5 de outubro de 1957, aos participantes do II Congresso Mundial para o Apostolado dos Leigos:

 "Nem todos os cristãos são chamados ao apostolado leigo no sentido estrito. Já dissemos que o Bispo deveria poder tomar colaboradores entre aqueles que ele achar dispostos e capazes, pois a disposição somente não basta. Os apóstolos leigos formarão, pois, sempre um escol; não por se conservarem afastados dos outros, senão, muito ao contrário, por serem capazes de atrair os outros e de agir sobre eles.

"Assim se compreende que, além do espírito apostólico que os anima, devam eles possuir uma qualidade sem a qual fariam mais mal do que bem: o tato.

"Por outro lado, para adquirir a competência requerida, cumpre evidentemente aceitar o esforço de uma séria formação" (PIO XII, Alocução aos Participantes do II Congresso Mundial para o Apostolado dos Leigos, Documentos Pontifícios, n. 127, Vozes, Petrópolis, 1960, 2.} ed., pp. 22-23).

232. Apóstolos leigos há, que se ocupam exclusivamente da tarefa missionária...

Pio XII, em 1957, falando aos participantes do já referido II Congresso Mundial para o Apostolado dos Leigos:

"Muitas vezes tem-nos impressionado o vermos lembrar, nos Congressos missionários para o apostolado dos leigos, a obrigação de dar a esses colaboradores (leigos) o salário a eles devido; muitas vezes o catequista é completamente ocupado pela sua tarefa missionária, e, por conseguinte, ele próprio e sua família dependem, para viver, daquilo que a Igreja lhes dá. Por outro lado, não deve o apóstolo leigo ofender-se se se lhe pede não fazer à missão que o mantém exigências exageradas" (PIO XII, Alocução aos Participantes do II Congresso Mundial para o Apostolado dos Leigos, Documentos Pontifícios, n. 127, Vozes, Petrópolis, 1960, 2ª. ed., p. 18).

233. ...e se consagram até para sempre ao serviço apostólico

Do Concílio Vaticano II:

"Dignos de especial honra e recomendação na Igreja são os leigos, solteiros ou casados, que se consagram para sempre ou temporariamente, com sua perícia profissional, ao serviço dessas instituições (de apostolado) e de suas obras. É uma grande alegria para a Igreja o fato de aumentar cada dia o número dos leigos que votam a própria atividade às associações e obras de apostolado, ou dentro da nação, ou em âmbito internacional, ou sobretudo nas comunidades missionárias e de Igrejas novas.

"Os Pastores da Igreja recebam esses leigos com gosto e gratidão, procurem satisfazer da melhor maneira possível os reclamos da justiça e da caridade, segundo sua condição, sobretudo no referente ao honesto sustento seu e de suas famílias, e desfrutem eles da instrução necessária, do consolo e do alento espiritual" (Apostolicam Actuositatem, n. 22, Concilio Vaticano II, BAC, Madrid, 1965, p. 534).

234. Grande número de simples leigos praticam a castidade perfeita no século, para melhor servirem a Deus e ao próximo

Da encíclica Sacra Virginitas, de 25 de março de 1954, de Pio XII:

"Não se pode contar a multidão daqueles que, desde os começos da Igreja até aos nossos tempos, dedicaram a sua castidade a Deus, uns conservando ilibada a própria virgindade, outros consagrando-lhe para sempre a viuvez, outros finalmente escolhendo, em penitência dos seus pecados, uma vida perfeitamente casta; todos estes porém propuseram, à uma, abster-se para sempre dos deleites da carne por amor de Deus. (...)

"A castidade perfeita é a matéria dum dos três votos constitutivos do estado religioso (cfr. CIC cân. 487), é exigida aos clérigos da Igreja Latina para as ordens maiores (cfr. CIC cân. 132 parágrafo 1) e também aos membros dos Institutos Seculares (cfr. Const. Apost. Provida Mater, art. III, parágrafo 2; AAS XXXIX, 1947, p. 121). Mas é igualmente praticada por grande número de simples leigos: homens e mulheres há que, sem viverem em estado público de perfeição, fizeram o propósito ou mesmo o voto privado de se absterem completamente do matrimônio e dos prazeres da carne, para mais livremente servirem ao próximo, e mais fácil e intimamente se unirem com Deus" (PIO XII, Sacra Virginitas, Documentos Pontifícios, n. 107, Vozes, Petrópolis, 1954, pp. 4-5).

235. A continência perpétua no mundo, um chamado para almas de eleição

Do Compêndio de Teologia Ascética e Mística, do Pe. A. Tanquerey (1854-1932):

"A continência absoluta é um dever para todas as pessoas que não estão unidas pelos laços de legítimo matrimônio. Deve ser praticada por todos antes do matrimônio, assim como por todos os que estão no santo estado de viuvez. Mas , além disso, almas de eleição, chamadas a praticar a continência, toda a vida, quer no estado religioso, quer no sacerdócio, quer mesmo no mundo" (Pe. A. TANQUEREY, Compêndio de Teologia Ascética e Mística, Livraria Apostolado da Imprensa, Porto, 1955, 5ª. ed., pp. 596-597 / Pode imprimir-se: Porto, 11-5-1953, M. Pereira Lopes, Vig. Ger.).

236. Obediência, castidade e pobreza praticadas no século, sem nenhuma Regra religiosa

Ensinamento do Padre Eterno a Santa Catarina de Sena (1347-1380), proclamada Doutora da Igreja por Paulo VI:

"Também pessoas que não se submetem a uma regra podem achar-se no caminho da perfeição. São leigos que praticam os conselhos evangélicos, sem entrar para a vida religiosa. Eles renunciam às riquezas, às honras materiais e espirituais, vivem na continência ou na virgindade. Praticam a obediência, como disse antes, submetendo-se a uma pessoa (Nota da edição: Ao ditar este parágrafo, Catarina pensava certamente nos seus numerosos "filhos' leigos, de quem ela era a mamma – mãe – e superiora), a quem procuram obedecer perfeitamente até à morte.

"Se me perguntares: "Quem merece mais, os religiosos ou estes leigos?', responder-te-ei: o merecimento de quem obedece não é medido pelas ações boas ou más, nem pelo estado de vida religioso ou leigo, de quem obedece, mas pelo seu amor" (Santa CATARINA DE SENA, O Diálogo, Edições Paulinas, 1984, p. 385).

237. Homens e mulheres, no mundo moderno, se empenham na prática dos Conselhos evangélicos por votos privados e secretos, só de Deus conhecidos

Da alocução de Pio XII, em 11 de dezembro de 1957, aos participantes do II Congresso Geral dos Estados de Perfeição:

"Esse ideal (da perfeição cristã), cada cristão é convidado a tender a ele com todas as suas forças, porém ele se realiza de maneira completa e mais segura nos três estados de perfeição segundo o modo descrito pelo Direito Canônico e pelas já citadas Constituições Apostólicas (Provida Mater, Sponsa Christi e Sedes Sapientiae). Em particular, a Constituição Provida Mater, de 2 de fevereiro de 1947, sobre os "Institutos Seculares', abre o acesso dos estados de perfeição ao maior número possível das almas que hoje em dia aspiram ardentemente a uma vida mais perfeita. Sem dúvida, essa Constituição afirma que as associações que não satisfazem as normas prescritas não constituem "estados de perfeição', mas absolutamente não pretende que fora destes não exista tendência verdadeira à perfeição.

"Pensamos neste momento em tantos homens e mulheres de todas as condições que assumem no mundo moderno profissões e cargos os mais variados, e que, por amor de Deus e para O servirem no próximo, Lhe consagram a sua pessoa e toda a sua atividade. Empenham-se na prática dos conselhos evangélicos por votos privados e secretos, só de Deus conhecidos, e, no que diz respeito à submissão da obediência e à pobreza, fazem-se guiar por pessoas julgadas pela Igreja aptas para esse fim, e a quem ela confiou o encargo de dirigir os outros no exercício da perfeição. Não falta nesses homens e nessas mulheres nenhum dos elementos constitutivos da perfeição cristã e de uma tendência efetiva à aquisição desta: dela eles participam, pois, verdadeiramente, se bem que não estejam engajados em nenhum estado, jurídico ou canônico, de perfeição" (PIO XII, Alocução aos participantes do II Congresso Geral dos Estados de Perfeição, Documentos Pontifícios, n. 139, Vozes, Petrópolis, 1962, pp. 24-25).

238. Com frequência são emitidos os três votos, sem necessidade de uma aprovação especial da Igreja

Do célebre teólogo jesuíta espanhol Francisco Suárez (1548-1617):

"Embora uma aprovação especial da Igreja seja necessária para o verdadeiro estado religioso, (...) não é no entanto necessária para todo modo de viver que de alguma maneira participe do estado religioso ou o imite (...). Por isso, com frequência, quer em certas formas de vida, quer por algumas pessoas, são emitidos os três votos, de pobreza, castidade e obediência, sem especial aprovação da Igreja. E, no entanto, esses votos são verdadeiros e válidos, embora simples (...). Assim sendo, tudo o que dissemos sobre a legitimidade da obediência pode ser aplicado a este voto simples. Pois também tal voto é feito a um homem que representa a Deus, ou melhor, é feito a Deus a fim de que, em nome dEste, um homem dê as ordens que se reputam mais convenientes para o bem das almas.

"E para isso não é necessário que tal pessoa tenha recebido da Igreja algum poder, pois não haverá de dar ordens em nome do poder de jurisdição, mas do poder dominativo, o qual pode privadamente receber da própria pessoa que emite o voto. E também não é necessário que conte com alguma aprovação pública ou de uma autoridade, pois tal voto não é público, mas privado. Basta portanto que, por um juízo prudente e com probabilidade moral, tal pessoa seja considerada apta e hábil a que alguém lhe confie a guarda de sua alma através de uma obediência especial. Normalmente, porém, é mais seguro fazer tal voto a alguém que tenha cura de almas na Igreja, como seria um leigo fazer voto especial de obediência a seu Bispo, ou a um Superior de um Instituto religioso aprovado. Pode também ser feito ao próprio pároco ou a um confessor prudente. Nesses casos, contudo, seria talvez mais seguro

fazer o voto a esta ou aquela pessoa em concreto, cuja virtude e discernimento são conhecidos, do que fazê-lo, de modo genérico, a qualquer confessor" (FRANCISCO SUÁREZ, De Religione, tr. VII, lib. X, cap. I, n.s 22-24, edição Vives, vol. 15, p. 871).

239. Por fim, e já constituindo um estado jurídico de perfeição, os Institutos Seculares

Na constituição apostólica Provida Mater Ecclesia, de 2 de fevereiro de 1947, Pio XII estabeleceu uma lei peculiar para os Institutos Seculares:

"O benigníssimo Senhor, que sem acepção de pessoas convidou repetidas vezes todos os fiéis a visar e praticar a perfeição em todas as partes, dispôs com o conselho de sua admirável Providência divina que, mesmo no século depravado por tantos vícios, sobretudo em nossos tempos, tivessem florescido e floresçam em grande número almas seletas que não somente ardem no desejo da perfeição individual, mas que, permanecendo no mundo por uma vocação especial de Deus, possam encontrar ótimas e novas formas de associação, cuidadosamente acomodadas às necessidades dos tempos, que lhes permitam levar uma vida magnificamente adaptada à aquisição da perfeição cristã.

"Encomendando com toda a alma à prudência e cuidado dos diretores espirituais os nobres esforços de perfeição dos particulares no foro interno, ocupar-nos-emos agora das Associações que ante a Igreja, no foro dito externo, se esforçam e empenham em conduzir seus membros pela mão, para a vida de sólida perfeição. Não se trata aqui, sem embargo, de todas as Associações que no século buscam sinceramente a perfeição cristã, mas só daquelas que em sua constituição interna, na ordenação hierárquica de seu regime, na plena entrega sem limitação de qualquer outro vínculo, que de seus membros propriamente ditos exigem, na profissão dos conselhos evangélicos e, finalmente, no modo de exercer os ministérios e o apostolado, se aproximam substancialmente dos estados canônicos de perfeição, e especialmente das Sociedades sem votos públicos, ainda que não usem da vida comum religiosa, mas de outras formas externas.

"Tais Associações, que por isso receberão o nome de "Institutos Seculares', começaram a fundar-se, não sem especial inspiração da Divina Providência, na primeira metade do século passado, para fielmente "seguir no mundo os conselhos evangélicos e exercer com maior liberdade os deveres da caridade, que a duras penas ou de nenhum modo podiam exercer as famílias religiosas, por causa da malícia dos tempos' (decr. Ecclesia Catholica, de 11-8-1889).

"Havendo dado boa prova de si os mais antigos desses Institutos, e havendo comprovado suficientemente com obras e fatos, pela severa e prudente seleção de seus sócios, pela cuidadosa e bastante longa formação deles, pela adequada e ao mesmo tempo firme e ágil ordenação da vida, que também no século, com o favor de uma peculiar vocação de Deus e com o auxílio da divina graça, se podia obter, certamente, uma consagração de si mesmo ao Senhor bastante estreita e eficaz, não só interna mas também externa e quase religiosa, e se tinha um instrumento bem oportuno de penetração e de apostolado, todas estas razões fizeram que mais de uma vez "essas Sociedades de fiéis, não de outro modo que as Congregações religiosas, fossem louvadas pela Santa Sé' " (ibid.) (PIO XII, Provida Mater Ecclesia, apud. Pe. GERARDO ESCUDERO CMF, Los Institutos Seculares, su naturaleza y su derecho, Editorial Coculsa, Madrid, 1954, pp. 333 a 335 / Imprímase: Juan, Obispo Aux. y Vic. Gen., Madrid, 17-7-1954).

240. Um apostolado exercido no século, e a partir do século

Do motu proprio Primo Feliciter, de 12 de março de 1948, de Pio XII, sobre os Institutos Seculares:

"Toda a vida dos sócios dos Institutos Seculares, dedicada a Deus pela profissão, deve converter-se em apostolado, o qual se há de exercer perpétua e santamente, com tal pureza de intenção, união interior com Deus, generoso esquecimento e forte abnegação de si mesmo, por amor às almas, que não tanto manifeste o espírito interior de que está informado, quanto continuamente o alimente e renove.

"Este apostolado, que abrange toda a vida, costuma-se sentir continuamente tão profunda e sinceramente nesses Institutos, que, com a ajuda e o auxílio da Divina Providência, parece que a sede e o ardor das almas não só deu felizmente ocasião à consagração da vida, mas também impôs em grande parte sua forma e razão própria, e de modo maravilhoso o chamado fim específico exigiu e criou também o fim genérico.

"Este apostolado dos Institutos Seculares deve exercer-se fielmente, não só no século, como também a partir do século; e, por isso, em profissões, atividades, formas e lugares correspondentes a estas circunstâncias e condições" (PIO XII, motu proprio Primo Feliciter, apud Pe. GERARDO ESCUDERO CMF, Los Institutos Seculares, su naturaleza y su derecho, Editorial Coculsa, Madrid, 1954, p. 355 / Imprímase: Juan, Obispo Aux. y Vic. Gen., Madrid, 17-7-1954).

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