Secção II

 

As almas de escol, chamadas por Deus
para um estado de perfeição,
precisam alcançar um alto grau de desapego
em relação à coisas terrenas e, para isto,
devem muitas vezes renunciar até ao convívio da família

 

 

 

 

 

 

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Capítulo I – A todo homem chama Deus para um determinado estado de vida; é de suma importância conhecer os desígnios de Deus a respeito de si mesmo, pois da realização de tais desígnios depende, em grande parte, a felicidade neste mundo e na eternidade

150. É Deus que chama cada homem a um determinado estado de vida

Alguns trechos do famoso Catecismo Católico Popular, de Francisco Spirago:

"A sociedade humana comporta necessariamente estados diversos: médicos, sacerdotes, lavradores, artistas, jurisconsultos, soldados, celibatários e casados; assemelha-se a um corpo em que cada membro tem uma função especial (I Cor. XII, 13), a um relógio, no qual todas as rodas, grandes e pequenas, se entrecham. É Deus que chama cada homem a um determinado estado, chamado por isso vocação, dando-lhe para ele gosto, capacidade e ocasião.

Os pais devem ter cuidado em não violentar a vocação dos filhos

"Por conseguinte o homem sente para esse estado uma atração interior que deve seguir como as aves de arribação seguem no outono o instinto que as impele para os países quentes. Não seguir a própria vocação e abraçar um estado para o qual se não é chamado, o mesmo seria que uma ave de arribação permanecer no inverno nos países frios: num e noutro caso é a morte, temporal para esta, eterna para aquele. Os pais devem, pois, ter muito cuidado em não violentar a vocação de seus filhos. (...)

Na escolha do próprio estado, riquezas e honras não devem ser consideradas um bem supremo

"Erram aqueles que consideram como bem supremo as riquezas e deleites terrenos, e, sem aspirarem a um ideal mais elevado, somente perguntam: "Em que estado terei maiores comodidades, riquezas, honra, abundância de tudo?'

"Como estes não olham senão à sua utilidade, considerarão depois de deveres profissionais como coisa acessória e serão tão perturbadores na sociedade, como num relógio uma roda partida. Eles próprios encontrarão nisto o seu castigo, pois no seu estado conhecerão por experiência que a vida presente não é tempo de procurar satisfações, mas sim de semear virtudes, não de gozar, mas trabalhar e sofrer, encontrarão demasiado graves os deveres de sua profissão, em comparação com os seus prazeres e vantagens, e viverão descontentes, e este mesmo desgosto e incapacidade, manifestando-se exteriormente, fará com que não gozem de respeito, nem de estima.

Fazem os filhos infelizes para toda a vida e contraem uma gravíssima responsabilidade

"Tome-se conselho com os pais e outras pessoas benévolas e experimentadas (para a escolha do estado de vida). (...) Mas nesta matéria costuma cair-se num de dois extremos: ou os filhos não tomam os conselhos de seus pais, ou estes violentam os filhos para que abracem uma profissão para a qual nenhuma afeição os inclina. Neste caso exigem os pais uma obediência que lhes não é devida, pois não são eles, mas o próprio Criador quem dá a vocação a cada um. Os pais que forçam seus filhos a tomar um estado para o qual não têm inclinação, fazem-nos infelizes para toda a sua vida e contraem uma gravíssima responsabilidade. Esta violência costuma nascer do amor próprio, vaidade ou ambição dos pais, e nisto se verificam as palavras de Cristo: – "Os inimigos do homem são os seus próprios domésticos' (Mt. X, 36).

"Assim os pais do príncipe Eugênio de Sabóia pretenderam que ele abraçasse o estado sacerdotal; mas ele sentia-se com grande vocação para a vida militar, na qual, sem dúvida, fez bens infinitamente maiores do que se tivesse sido um Sacerdote descontente com o seu estado.

"Coisa semelhante se narra também de D. João de Ãustria, que, por sua condição de filho natural, os seus queriam dedicar à vida monástica (pelos receios inevitáveis que inspira um príncipe generoso, excluído da sucessão). Mui santo devia ter sido para dar a Deus, na vida religiosa, a glória que lhe deu com suas empresas militares em defesa do Catolicismo.

"Não é menos irracional o modo de proceder dos pais que se opõem a que seus filhos sigam a sua vocação religiosa ou sacerdotal, para a qual se sentem claramente chamados por Deus. Já Cristo, com o seu procedimento, ao ficar no templo aos doze anos, deu a entender aos pais que não têm o direito de estorvar aos filhos o seguimento da vocação recebida de Deus" (FRANCISCO SPIRAGO, Catecismo Católico Popular, União Gráfica, Lisboa, 1951, 5.} ed., vol. II, pp. 148-149, 158-159 / Imprimatur: Em., Card. Patriarca, Olissipone, 13-2-1951).

151. É de suma importância seguir a vontade divina a nosso respeito; dela depende em grande parte nossa sorte na eternidade

De uma biografia do Bem-aventurado Pe. José de Anchieta (1534-1597):

"A vocação é coisa de suma importância na vida do homem: dela depende, em grande parte, não somente a felicidade a que neste mundo podemos aspirar, senão também nossa sorte na eternidade. Por isso é que todos os Santos se mostraram sempre tão solícitos em consultar a Deus na meditação e repetidas súplicas, a fim de bem conhecerem a vontade divina.

"Pelo contrário a maior parte dos mundanos, tratando com deplorável desleixo um negócio de tal transcendência, sem outra guia mais que um interesse passageiro, ou algum motivo, menos digno de um cristão, só seguem na eleição do estado o próprio capricho, ou a vontade não menos caprichosa de seus pais.

"Ora sendo isto assim, como se poderá esperar que Deus abençôe uma carreira abraçada sem consultá-Lo, ou um negócio concluído, sem Ele ser ouvido? Que maravilha pois poderão causar essas esperanças frustradas, esses pesares tardios e inúteis, daqueles que de nada cuidaram menos que de recorrer a Deus para saberem qual era o divino beneplácito a seu respeito?" (CHARLES SAINTE-FOY, Vida do Venerável Pe. José de Anchieta, Typographia de Jorge Seckler, São Paulo, 1878, pp. 6-7 / Com aprovação de D. Lino Deodato Rodrigues de Carvalho, Bispo de São Paulo, São Paulo, 29-6-1877).

152. "O Espírito Santo distribui seu dom segundo sua vontade e não segundo nosso arbítrio"

Da já citada compilação dos ensinamentos morais de Santo Afonso Maria de Ligório, de autoria do Pe. Clément Marc CSSR (1831-1887):

"O que é a vocação para um estado? – A vocação pode definir-se como um ato sobrenatural da Providência, pelo qual Deus escolhe cada homem para um determinado gênero de vida, adornando-o com os dotes e auxílios côngruos para digna e louvavelmente desempenhar as obrigações próprias desse gênero de vida.

"Sem dúvida, muitos estados, por exemplo, o de advogado, o de juiz etc., se considerados em si mesmos, não excedem a ordem meramente natural; mas, se considerados enquanto estados de homens que se destinam a um fim sobrenatural, nenhum há que não esteja subordinado à ordem sobrenatural. – De onde (a palavra de) São Paulo: "Cada um tem seu dom da parte de Deus' (Cor. VII, 7). E São Cipriano: "Ordine suo, non nostro arbitrio, virtus Sancti Spiritus ministratur' ("O Espírito Santo distribui seu dom segundo sua vontade e não segundo nosso arbítrio')" (Pe. C. MARC CSSR, Institutiones Morales Alphonsianae, Roma, 1906, 13ª. ed., t. II, p. 594 / Imprimatur: Iosephus Ceppetelli Patr. Constant. Vicesgerens.).

153. É o próprio Jesus Cristo que dirige a cada fiel um convite pessoal, para o Sacerdócio, ou para a vida religiosa, ou para a vida leiga

De uma obra do dominicano espanhol, Pe. Armando Bandera:

"É a mesma vontade de Jesus Cristo que decide quais, dentre os fiéis, devem viver num gênero de vida e quais em outro, dirigindo a cada um seu chamado pessoal ou infundindo a vocação especial que cada cristão deve seguir. O ministério (sacerdotal), a vida religiosa, o laicato, representam outros tantos tipos de vocação que procedem diretamente da graça de Jesus Cristo.

"Durante muito tempo, o laicato passou por ser algo como a não-vocação. Quem hoje mantivesse refletidamente tal idéia, desarticularia o mistério da Igreja. Também não basta dizer que o leigo tem vocação, mas só enquanto chamado à santidade, porque a santidade não é diversificante, e por isso não pode dar a razão do que é peculiar ao leigo, enquanto grupo caracterizado e específico dentro da unidade de uma mesma Igreja.

"O leigo recebe, por graça de Jesus Cristo, uma vocação especificamente laical que o destina a buscar a santidade e a exercer o apostolado tratando dos assuntos temporais e ordenando-os segundo Deus (LG 31 b ...), ou seja, assumindo e desempenhando as profissões humanas, desde a de operários até a de chefe de Estado, passando pelos graves compromissos do matrimônio e da família" (Pe. ARMANDO BANDERA OP, La vida religiosa en el misterio de la Iglesia, BAC, Madrid, 1984, pp. 35-36 / Con licencia del Obispado de Salamanca, 25-9-1984)

154. Entre as graças que a Providência prepara para cada um de nós, muitas se prendem à nossa vocação

De um sermão publicado pela conceituada revista L'Ami du Clergé, sobre a prudência cristã e a fidelidade à vocação:

"Vocação quer dizer chamado. Usa-se a palavra para designar o chamado através do qual Deus convida os homens a aceitar e a cumprir aqui na terra o papel para o qual os criou.

"Há vocações coletivas e vocações individuais. Todos os homens em seu conjunto são chamados à penitência, à vida cristã e à salvação eterna. Também os povos têm sua vocação nacional. O povo judeu tinha a sua, da qual falam longamente as Escrituras; e por certo já ouvistes algumas vezes falar da vocação da França. – Quanto às vocações individuais, elas são tão numerosas quanto o são os homens; pois, como dizem os escritores espirituais, cada ser humano tem a sua. (...)

"Quando um engenheiro quer construir um mecanismo, não se põe a produzir ao acaso as rodas, as alavancas, as válvulas e outras peças de uma máquina. Mas traça, de sua obra, um plano detalhado. Tal plano contém, em esboço, todos os órgãos do mecanismo a criar. Ele prevê com rigorosa exatidão quais serão eles, as proporções de cada um, o lugar que ocupará, o papel que preencherá. A arte do construtor o ordena assim, nas suas prescrições mais elementares e mais essenciais. E isto se compreende facilmente.

Cada homem tem uma vocação individual, própria e pessoal

"Ora, Deus, o eterno e todo-poderoso artista que criou o mundo, e cuja Providência chama os seres à existência segundo as indicações de uma Sabedoria infinita, procede da mesma forma. Todos os homens são peças desse imenso mecanismo que é o Universo, ou, se preferirdes, o mundo humano. As peças são feitas, elas também, para locais determinados, para missões precisas. E como o divino Autor de todas as coisas não lhes pode designar um lugar sem convidá-los a ocupá-lo, nem uma missão sem convidá-los a cumpri-la, cada um deles tem sua vocação, e sua vocação individual, própria e pessoal.

"Devo acrescentar que, segundo o pensamento dos doutores cristãos, toda vocação traz consigo o conjunto de graças de que terá necessidade, para cumprir seu papel, aquele que ela chama. Essas graças se prendem à própria vocação e a acompanham. Elas estarão lá e em nenhum outro lugar. (...)

Um elemento essencial de felicidade

"De início, todo homem deve seguir sua vocação, quer dizer, abraçar o gênero de vida ao qual Deus o chama. E assim é ordenado, pois Deus tem o direito de indicar um destino às suas criaturas. Se Ele usa de um direito quando lhes dá esse destino, a disposição se impõe a elas; e porque todo direito acarreta um dever, elas têm o dever de se submeter a isso. Ademais, é para elas um elemento essencial de felicidade.

Seguir a vocação, muitas vezes condição de salvação eterna

"Nada torna um homem feliz como levar um gênero de vida conforme a suas capacidades e suas aspirações, como ter oportunidade de se sentir em seu lugar, como se saber feito para a obra que realiza. Nisso experimenta uma satisfação de espírito e de coração, uma paz de consciência, e, quando tem Fé, um bem-estar espiritual cuja doçura eu não seria capaz de exprimir inteiramente.

 "Pelo contrário, experimenta o mais doloroso dos suplícios, se não tem gosto por nada do que faz, se sente a si mesmo fora de seu caminho e suspeita que em relação a Deus é uma pessoa transviada.

"Por fim, é muitas vezes uma condição da própria salvação eterna. Eu explicava há pouco como entre as graças que a Providência prepara para cada um de nós, muitas se prendem à nossa vocação. Nós as encontraremos, se a seguirmos; nós as perderemos, se tomarmos outro caminho.

Esta perda de graças nos colocará fatalmente em situação perigosa. Ela nos tornará mais difícil o cumprimento de nossos deveres, sobretudo de nossos deveres de estado. E, por isso, ela acrescentará um risco a mais aos riscos de ruína espiritual e de perdição que corremos, mesmo quando estamos em nosso caminho" (L'Ami du Clergé, 23-30?6?1921, 2ª. parte, Prédication, Langres, pp. 301-302 / Imprimatur: Lingonis, 29-6-1921, Al. Ravry, Vic. Gen.).

155. Grande é a responsabilidade de quem conhece com especial clareza para onde Deus o chama

Do mesmo Catecismo Católico Popular, de Francisco Spirago:

"Alguns homens sentem-se dotados de particulares aptidões para um estado, ou conhecem com especial clareza onde os chama Deus. Num e noutro caso é grande a sua responsabilidade; pois quanto mais talentos tivermos recebido, tanto maior será a conta que nos será pedida; e se sofreu castigo aquele servo que levando um talento o tornou a entregar sem mais ganhos, que conta dará aquele que, tendo recebido muitos, pela má escolha do estado os não fez frutificar? Meditemos a parábola que Cristo nos propôs (Mt. XXV, 15 ss.).

"Assim como um rio, quando deixa o leito que a natureza lhe designou, produz muito maiores prejuízos que um pequeno arroio que se desvia do seu curso, assim também o homem que, havendo recebido grandes talentos para um estado, levianamente se dedicou a outro, prejudicará gravemente a sociedade e será a causa de grandes males. Também o que conhece claramente a sua aptidão para uma profissão, para a qual Deus o chama, terá grande responsabilidade, porque o servo que conheceu melhor a vontade de seu senhor e não a cumpriu, sofrerá maiores açoites (Lc. XII, 47). Por isso, tais pessoas não se devem deixar vencer pelos obstáculos. Deus permite essas dificuldades com sábio desígnio, porque só aos que houverem combatido varonilmente concederá a bem-aventurança.

"Quando lemos a vida dos grandes heróis e benfeitores da humanidade, vemos com efeito que eles, para seguirem a vocação que sentiam, lutaram com todas as suas forças e não se deixaram vencer por obstáculo algum" (FRANCISCO SPIRAGO, Catecismo Católico Popular, União Gráfica, Lisboa, 1951, 5ª. ed., vol. II, p. 161 / Imprimatur: Em., Card. Patriarca, Olissipone, 13-2-1951).

156. Para qualquer estado de vida conhecido com certeza, a correspondência ao chamado divino é sempre moralmente obrigatória

De um dos mais eminentes canonistas contemporâneos, o Pe. Marcelino Cabreros de Anta CMF:

"Se bem que a vocação à santidade seja universal, não o é a vocação para a prática efetiva dos três conselhos evangélicos, apesar de sua maior excelência objetiva como forma estável de vida cristã.

"O estado religioso não é sempre, subjetivamente ou para cada indivíduo, a forma de vida mais apta para adquirir a santidade: é unicamente mais apta, na ordem subjetiva, para uma pequena minoria; quer dizer, para aqueles que foram especialmente chamados por Deus para uma nova e total consagração. Estes, e só estes, são obrigados a prestar o acatamento de sua fidelidade à vocação religiosa.

"Os vínculos religiosos se chamam "conselhos evangélicos' porque não são obrigatórios para todos; mas isso não significa que deixem também de ser de alguma forma obrigatórios para aqueles que receberam o dom divino da vocação à vida religiosa: a fidelidade ao chamado divino, conhecido com certeza, é sempre moralmente obrigatória em relação a qualquer estado de vida, e mais ainda com relação ao estado religioso, em razão de sua maior excelência" (Pe. MARCELINO CABREROS DE ANTA, Iglesia y Derecho, Hoy – Estudios Canónicos Posconciliares, Ediciones Universidad de Navarra, Pamplona, 1975, p. 265).

157. "Se não segues tua vocação, andas bem, mas fora de tua pista, quer dizer: fora do caminho a que Deus te chamou para salvar-te"

De um escrito de São João Bosco, sobre as Regras da Sociedade de São Francisco de Sales, aprovadas definitivamente pela Santa Sé em 1874:

"Deus misericordioso, e infinitamente rico em graças, assinala para cada homem seu caminho desde seu nascimento, e este, se o seguir, pode alcançar muito facilmente a eterna salvação. Quem toma esse caminho e não se aparta dele, cumpre sem grande esforço a vontade de Deus e encontra paz. Do contrário, corre grave perigo de não obter depois as graças necessárias para salvar-se.

Errada a escolha do estado, toda a vida andará errada

"Por isso, o Padre Granada chama a escolha de estado de roda mestra da vida. Assim como nos relógios, quebrada a roda mestra, fica inútil todo o mecanismo, assim, em ordem à nossa salvação, se errado o estado, toda a vida andará errada, como diz São Gregório Nazianzeno; se nós queremos assegurar a salvação eterna, é necessário que nos resolvamos a seguir essa divina vocação, na qual Deus nos preparou auxílios especiais.

"Porque, como escreve São Paulo, cada um recebe de Deus seu próprio dom (I Cor. VII, 7), ou, o que é o mesmo, segundo explica Cornélio a Lápide, Deus dá a cada um sua vocação e lhe indica o estado em que deve salvar-se. Essa é cabalmente a ordem da predestinação descrita pelo mesmo Apóstolo com estas palavras: "Aos que predestinou, a esses também chamou, e aos que chamou, a esses também justificou e a esses também glorificou' (Rom. VIII, 30).

"Ai de vós, filhos desertores!"

"Convém notar, sem embargo, que o tema da vocação é pouco entendido pelo mundo. Crêem os mundanos que tanto faz viver no estado a que Deus os chama quanto viver no estado escolhido pela própria vontade; e é por isso que são tantos os que vivem mal e se condenam. Mas a verdade é que sobre esse ponto se estriba nossa eterna salvação; porque à vocação sucede a justificação, e a esta, a bem-aventurança.

"Se não segues tua vocação, diz Santo Agostinho, "andas bem, mas fora de tua pista', quer dizer: fora do caminho a que Deus te chamou para salvar-te. E o Senhor ameaça com grandes castigos os que voltam as costas a seu chamado para seguir conselhos de sua própria inclinação, e diz pela boca de Isaías: Ai de vós, filhos desertores! (Is. XXX).

"Os divinos chamados a uma vida mais perfeita são certamente graças especiais e muito singulares que Deus não concede a todos; com muita razão, pois, se indigna contra os que as desprezam. Quanto não ofende a um príncipe que um vassalo, chamado a seu palácio para servi-lo mais de perto, não lhe obedeça! E Deus não haverá de ressentir-se? Começará o castigo do desobediente ainda nesta vida mortal, na qual sempre se achará inquieto. Por isto escreveu o teólogo Habert: "Não sem grandes dificuldades poderá prover este à sua eterna salvação'. Será muito difícil que se salve permanecendo no mundo.

"Eu vos chamei e Me dissestes não"

"É notável a visão que teve um noviço, ao qual (segundo escreve o Padre Pinamonti no seu tratado Da vocação vitoriosa), enquanto pensava deixar a vida religiosa, lhe apareceu Jesus Cristo sobre um trono com o rosto irado, ordenando se apagasse seu nome do livro da vida, com o que, aterrado aquele, perseverou em sua vocação. Diz o Senhor: "Porque Eu vos chamei e Me dissestes não (...), Eu também Me rirei em vossa morte e escarnecerei de vós' (Prov. I, 24 a 26); o que significa que Deus não ouvirá os rogos dos que desprezam sua voz.

"Por conseguinte, quando Deus chama a um estado mais perfeito, quem não quiser pôr em risco sua salvação eterna deve obedecer o quanto antes; do contrário, pode suceder-lhe o que aconteceu àquele jovem do Evangelho que, convidado por Jesus Cristo a segui-Lo, pediu que lhe permitisse despedir-se antes dos de sua casa, e Jesus lhe respondeu que não servia para o reino de Deus, com estas severas palavras: "Aquele que põe a mão no arado e olha para trás, não é apto para o reino de Deus' (Lc. IX, 62)" (São JOÃO BOSCO, Obras fundamentales, BAC, Madrid, 1979, 2ª. ed., pp. 642 a 644).

158. Há muitos homens que, se não deixarem tudo, de nenhuma forma se poderão salvar

De uma obra de Teologia Moral do grande Santo Afonso Maria de Ligório (1696-1787), declarado por Pio XII Padroeiro de todos os confessores e moralistas:

"Pecaria gravemente aquele que, sendo chamado para a vida religiosa, desprezasse a vocação?

"Responde Léssio (De stat. vitae eligend. q. 8, n. 94) que, falando em si, não pecaria, pois os conselhos divinos não obrigam sob culpa; sem embargo do que não poderia ser escusado de pecado se presumisse que iria perder a alma ficando no século. Estas as palavras de Léssio: "Se te ditar a consciência (o que frequentemente acontece) que tu te afastarás de Deus se não obedeceres ao seu chamado, e perder-te-ás ficando no século etc., é então pecado não seguir a vocação divina'.

"Além disso, pondero eu: se, como acima se disse, peca gravemente qualquer pessoa que desvia outro da vocação, por isso mesmo que lhe causa dano, como poderá ser isento de culpa quem se sabe certamente chamado por Deus para a vida religiosa e quer permanecer no mundo com perigo para a própria eterna salvação?

"Diz o douto Habert que embora aquele que escolha um estado de vida para o qual não foi chamado por Deus possa, absolutamente falando, nele se salvar, entretanto dificilmente se salvará; pois, diz, será como um membro posto fora do seu lugar, que dificilmente pode desempenhar sua função. Da mesma forma, quem quer permanecer no século, negligenciando a vocação divina, dificilmente se salvará, se Deus no século lhe negar aqueles auxílios mais abundantes que planejara conceder na Religião, e sem os quais – embora, absolutamente falando, possa salvar-se – de fato não se salvará.

"São Gregório, escrevendo ao Imperador Maurício, que proibira o ingresso de soldados em Religião, declarou ser injusta tal lei, pois fechava para muitos o paraíso: "Pois muitos há – são palavras do Santo – que se não deixarem tudo de nenhuma forma se poderão salvar'.

"De onde nunca me persuadirei de que carece de culpa expor-se a esse perigo de salvação eterna. Se, porém, se trata de culpa grave ou leve, remeto para o juízo dos entendidos (lib. 4, n. 78)" (Santo AFONSO MARIA DE LIGÓRIO, Homo Apostolicus, T. I, H. Dessain, Summi Pontificis, S. Congregationis de Propaganda Fide et Archiep. Mechl. Typographus, Malines, 1867, pp. 428-429).

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