Plinio Corrêa de Oliveira
EM DEFESA DA AÇÃO CATÓLICA |
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O presente texto é transcrição da edição fac-símile comemorativa dos quarenta anos de lançamento do livro, editada em Março de 1983 pela Artpress Papéis e Artes Gráficas Ltda - Rua Garibaldi, 404 - São Paulo - SP - Brasil |
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QUINTA
PARTE - A confirmação pelo Novo Testamento
CAPÍTULO ÚNICO - Importância deste capítulo
Temos tido ocasião de citar
reiteradamente,
no decurso de nossa exposição, as Sagradas Escrituras, mas o leitor terá
notado que as citações do Antigo Testamento têm aparecido com muito mais
frequência nesta obra, do que as do Novo Testamento.
Este fato decorre do propósito que formamos de reservar para
análise dos textos do Novo Testamento um capítulo especial mais amplo, em
que cuidaríamos particularmente da posição em que perante eles se
encontram as doutrinas que defendemos.
É óbvia a vantagem de um estudo especial neste
sentido. Fazemos a apologia de doutrinas de luta e de força, luta pelo bem
é certo, e força a serviço da verdade. Mas o romantismo religioso do
século passado desfigurou de tal maneira em muitos ambientes a verdadeira
noção de Catolicismo, que este aparece aos olhos de um grande número de
pessoas, ainda em nossos dias, como uma doutrina muito mais própria “do
meigo Rabí da Galiléia” de que nos falava Renan, do taumaturgo um tanto
rotariano por seu espírito e por suas obras, com que o positivismo pinta
blasfemamente Nosso Senhor, parecendo ao mesmo tempo enaltecê-lo, do que
do Homem Deus que nos apresentam os Santos Evangelhos.
Costuma-se afirmar, dentro desta ordem de idéias, que o Novo
Testamento instituiu um regime tão suave nas relações entre Deus e o
homem, ou entre o homem e o seu próximo, que todo o sentido de luta e de
severidade teria desaparecido da Religião. Tornar-se-iam assim obsoletas
as advertências e ameaças do Antigo Testamento, e o homem teria ficado
emancipado de qualquer obrigação de temor de Deus ou de luta contra os
adversários da Igreja.
Sem contestar que realmente na lei da graça tenha havido uma
efusão muito mais abundante da misericórdia divina queremos demonstrar que
se dá às vezes a este fato gratíssimo um alcance maior do que na realidade
ele tem. Não há, graças a Deus, católico algum que, por pouco que seja
instruído dos Santos Evangelhos não se lembre do fato narrado por S.
Lucas, que exprime de modo admirável o reinado da misericórdia, mais
amplo, mais constante e mais brilhante no Novo Testamento do que no
Antigo. O Salvador fora objeto de uma afronta em uma cidade de Samaria. E
“vendo isto os seus discípulos Tiago e João disseram: Senhor queres tu que
digamos que desça fogo do céu, que os consuma (aos habitantes da cidade)?
Ele, porém, voltando-se para eles, repreendeu-os dizendo: Vós não sabeis
de que espírito sois. O Filho do homem não veio para perder as almas, mas
para as salvar. E foram para outra povoação” (IX, 50-56). Que admirável
lição de benignidade! E com que consoladora e grande frequência Nosso
Senhor repetiu lições como esta! Tenhamo-las gravadas bem fundo em nossos
corações, mas aí as gravemos de modo tal que reste lugar para outras
lições não menos importantes, do Divino Mestre. Ele pregou certamente a
misericórdia, mas não pregou a impunidade sistemática do mal. No Santo
Evangelho, se Ele nos aparece muitas vezes perdoando, aparece-nos também
mais de uma vez punindo ou ameaçando. Aprendamos com Ele que há
circunstâncias em que é preciso perdoar, e em que seria menos perfeito
punir; e também circunstâncias em que é preciso punir, e seria menos
perfeito perdoar. Não incidamos em um unilateralismo de que o adorável
exemplo do Salvador é uma condenação expressa, já que Ele soube fazer, ora
uma, ora outra coisa. Não nos esqueçamos jamais do memorável fato que S.
Lucas narra no texto acima. E também não nos esqueçamos deste outro,
simétrico ao primeiro, e que constitui uma lição de severidade que se
ajusta harmonicamente a da benignidade divina, num todo perfeito; ouçamos
o que de Corozain e Betsaida disse o Senhor, e aprendamos com Ele, não só
a divina arte de perdoar, mas a arte não menos divina de ameaçar e de
punir: “Ai de ti, Corozain, ai de ti, Betsaida, porque se em Tiro ou
Sidônia tivessem sido feitos milagres que se realizaram em vós, há muito
tempo que elas teriam feito penitência em cilícios e em cinza. – Por isso
vos digo que haverá menos rigor para Tiro e Sidônia no dia do juízo, que
para vós. E tu, Cafarnaum, elevar-te-ás porventura até ao céu? Hás de ser
abatida ao inferno, porque se em Sodoma se tivessem feito os milagres que
se fizeram em ti, talvez existisse ainda hoje. Por isso vos digo que no
dia do juízo haverá menos rigor para a terra de Sodoma, que para ti” (S.
Mat., XI, 21-23). Note-se bem: o mesmo Mestre que não quis mandar o raio
sobre o vilarejo de que acima falamos, profetizou para Corozain e Betsaida
desgraças ainda maiores que as de Sodoma! Não arranquemos ao Santo
Evangelho página alguma, e encontremos elemento de edificação e de
imitação nas páginas sombrias como nas luminosas, pois que tanto umas
quanto outras são salutaríssimos dons de Deus.
Se a Misericórdia ampliou no Novo Testamento a efusão das
graças, a justiça, por outro lado, encontra na rejeição de graças maiores,
crimes maiores a punir. Entrelaçadas intimamente, ambas as virtudes
continuam a se apoiar reciprocamente no governo do mundo por Deus. Não é
exato, pois, que no Novo Testamento só haja lugar para o perdão, e não
para o castigo.
Os
pecadores antes e depois de Cristo
Mesmo depois da Redenção, continuou a existir o pecado original
com o triste cortejo de suas conseqüências na vontade e na inteligência do
homem. Por outro lado os homens continuaram sujeitos às tentações do
demônio. E tudo isto fez com que não desaparecesse da terra o pecado, pelo
que a Igreja continuou a navegar num mar agitado, no qual a obstinação e a
malícia dos pecadores erguem contra ela obstáculos que a todo momento ela
deve romper. Basta um lance de olhos, ainda que superficial, na História
da Igreja, para dar a esta verdade uma evidência cruel. Mais ainda. A
graça santifica os que a aceitam, mas a rejeição de graça fará um homem
pior do que ele era antes de a receber. É neste sentido que o Apóstolo
escreve que os pagãos convertidos ao Cristianismo e depois arrastados
pelas heresias se tornam piores do que eram antes de ser cristãos. O maior
criminoso da História, não foi certamente o pagão que condenou Jesus
Cristo a morte, nem mesmo o sumo sacerdote que dirigiu a trama dos
acontecimentos que culminaram com a crucifixão, mas o apóstolo infiel que
por trinta dinheiros vendeu seu Mestre. “Quanto maior a altura mais fundo
o tombo”, diz um ditado de nossa sabedoria popular. Que profunda e
dolorosa consonância com os ensinamentos da Teologia tem esta asserção!
Assim, a Santa Igreja tem de se defrontar no seu caminho com
homens tão maus ou ainda piores do que aqueles que, vigente o Antigo
Testamento, se insurgiram contra a lei de Deus. E o Santo Padre Pio XI, na
Encíclica “Divini Redemptoris” declara que em nossos dias não só alguns
homens mas “povos inteiros se encontram no perigo de recair em uma
barbárie pior que aquela em que jazia a maior parte do mundo ao aparecer o
Divino Redentor”.
Portanto, a defesa dos direitos da verdade e do bem exige que,
com um vigor maior que nunca, se dobre a cerviz dos múltiplos inimigos da
Igreja. Por isto deve o católico estar pronto a brandir com eficácia todas
as armas legítimas, sempre que suas orações e sua cordura não bastarem
para reduzir o adversário.
Notemos nos textos seguintes quantos e que admiráveis exemplos
de argúcia penetrante, de combatividade infatigável, de franqueza heróica
encontramos no Novo Testamento. Veremos assim que Nosso Senhor não foi um
doutrinador sentimental mas o Mestre infalível que, se de um lado soube
pregar o amor com palavras e exemplos, de uma insuperável e adorável
doçura, soube, também pela palavra e pelo exemplo, pregar com insuperável
e não menos adorável severidade o dever da vigilância, da argúcia, da luta
aberta e rija contra os inimigos da Santa Igreja, que a brandura não puder
desarmar.
*
* *
A
“astúcia da serpente”
Comecemos pela virtude da argúcia, ou, em outros termos pela
virtude evangélica da astúcia serpentina.
São inúmeros os tópicos em que Nosso Senhor recomenda
insistentemente a prudência, inculcando assim aos fiéis que não sejam de
uma candura cega e perigosa, mas façam coexistir sua cordura com um amor
vivaz e diligente, dos dons de Deus; tão vivaz e tão diligente que o fiel
possa discernir, por entre mil falsas roupagens, os inimigos que os querem
roubar. Vejamos um texto. “Guardai-vos dos falsos profetas, que vêm a vós
com vestidos de ovelhas, e por dentro são lobos rapaces. Pelos seus frutos
os conhecereis. Porventura, colhem-se uvas dos espinhos, ou figos dos
abrolhos? Assim toda a árvore boa dá bons frutos, e a árvore má dá maus
frutos. Não pode uma árvore boa dar maus frutos nem uma árvore má dar bons
frutos.
Toda a árvore que não dá bom fruto será cortada e lançada no
fogo. Vós os conheceis pois pelos seus frutos” (S. Mateus, VII, 15 a 20).
Este texto é um pequeno tratado de argúcia. Começa por afirmar que teremos
diante de nós não só adversários de viseira erguida, mas falsos amigos, e
que portanto nossos olhos se devem voltar vigilantes não só contra os
lobos que de nós se aproximam com a pele à mostra, mas ainda contra as
ovelhas, a fim de ver se em alguma não descobriremos sob a lã alva o pêlo
ruivo e mal disfarçado de algum lobo astuto. Quer isto dizer em outros
termos que o católico deve ter um espírito ágil e penetrante, sempre de
atalaia contra as aparências, que só entrega sua confiança a quem mostrar,
depois de exame meticuloso e arguto, que é ovelha autêntica.
Mas como discernir a falsa ovelha da verdadeira? “Pelos frutos
se conhecerão os falsos profetas”. Nosso Senhor afirma com isto que
devemos ter o hábito de analisar atentamente as doutrinas e ações do
próximo, a fim de conhecermos estes frutos segundo seu verdadeiro valor e
de nos premunirmos contra eles quando maus.
Para todos os fiéis esta obrigação é importante, pois que a
repulsa às falsas doutrinas e às seduções dos amigos que nos arrastam ao
mal ou que nos retêm na mediocridade é um dever. Mas para os dirigentes de
Ação Católica, aos quais incumbe, a título muito mais grave, vigiar por si
e vigiar por outrem, e impedir, por sua argúcia e vigilância, que
permaneçam entre os fiéis, ou subam a cargos de grande responsabilidade
homens eventualmente filiados a doutrinas ou seitas hostis à Igreja, este
dever é muito maior. Ai dos dirigentes em que um sentido errado de candura
faça amortecer o exercício contínuo da vigilância em torno de si! Perderão
com sua desídia maior número de almas do que o fazem muitos adversários
declarados do Catolicismo. Incumbidos de, sob a direção da Hierarquia,
fazer multiplicar os talentos, que são as almas existentes nas fileiras da
Ação Católica, não se limitariam eles entretanto a enterrar o tesouro, mas
permitiriam por sua “boa fé” que ele caísse nas mãos dos ladrões. Se Nosso
Senhor foi tão severo para com o servo que não fez render o talento, que
faria Ele a quem estivesse dormindo enquanto entrava o ladrão?
Mas passemos a outro texto. – “Eis que vos mando como ovelhas
no meio de lobos. Sede pois astutos como as serpentes, e simples como as
pombas. Acautelai-vos, porém, dos homens, porque vos farão comparecer nos
seus tribunais, e vos açoitarão nas suas sinagogas; e sereis levados por
minha causa à presença dos governadores e dos reis, como testemunhos
diante deles e diante dos gentios”. (S. Mateus, VII, 16 a 18). Em geral,
tem-se a impressão de que este texto é uma advertência exclusivamente
aplicável aos tempos de perseguição religiosa declarada, já que ele só se
refere à citação perante tribunais, governadores e reis, e à flagelação em
sinagogas. À vista do que ocorre no mundo, seria o caso de perguntar se há
um só país, hoje em dia, em que se possa ter a certeza de que, de um
momento para outro, não se estará em tal caso.
De qualquer maneira, também seria errado supor-se que Nosso
Senhor só recomenda tão grande prudência diante de perigos ostensivamente
graves, e que de modo habitual pode um dirigente de Ação Católica
renunciar comodamente à astúcia da serpente, e cultivar apenas a candura
da pomba. Com efeito, sempre que está em jogo a salvação de uma alma, está
em jogo um valor infinito porque pela salvação de cada alma foi derramado
o sangue de Jesus Cristo. Uma alma é um tesouro maior do que o sol e a sua
perda é um mal muito mais grave do que as dores físicas ou morais que
possamos sofrer atados à coluna da flagelação ou no banco dos réus.
Assim, tem o dirigente da Ação Católica obrigação absoluta de
ter olhos atentos e penetrantes como os da serpente, no discernir todas as
possíveis tentativas de infiltração nas fileiras da Ação Católica, bem
como qualquer risco a que a salvação das almas possa estar exposta no
setor a ele confiado.
A este propósito é muito oportuna a citação de mais um texto.
“E, respondendo Jesus, disse-lhes: Vede que ninguém vos engane. Porque
virão muitos em meu nome, dizendo: Eu sou o Cristo; e seduzirão muitos”.
(S. Mateus, XXIV, 4 a 5). É um erro supor que o único risco a que os
ambientes católicos possam estar expostos consiste na infiltração de
ideias nitidamente errôneas. Assim como o Anticristo procurará inculcar-se
como o Cristo verdadeiro, as doutrinas errôneas procurarão embuçar seus
princípios em aparências de verdade, revestindo-os dolosamente de uma
suposta chancela da Igreja, e assim preconizar uma complacência, uma
transigência, uma tolerância que constitui rampa escorregadia por onde
facilmente se desliza, aos poucos e quase sem perceber, até o pecado. Há
almas tíbias que têm uma verdadeira paixão de se colocar nos confins da
ortodoxia a cavalo sobre o muro que as separa da heresia, e aí sorrir para
o mal sem abandonar o bem – ou, antes, sorrir para o bem sem abandonar o
mal. Infelizmente, cria-se com tudo isso, muitas vezes, um ambiente em que
o “sensus Christi” desaparece por completo e em que apenas os rótulos
conservam aparência católica. Contra isto deve ser vigilante, perspicaz,
sagaz, previdente, infatigavelmente minucioso em suas observações o
dirigente da Ação Católica, sempre lembrando de que nem tudo que certos
livros ou certos conselheiros apregoam como católico o é na realidade.
“Vede que ninguém vos engane: porque muitos virão em meu nome, dizendo:
Sou eu; e enganarão muitos” (S. Marcos, XIII, 5 a 6).
Outro texto digno de nota é este: “E, estando em Jerusalém pela
festa da Páscoa, muitos creram no seu nome, vendo os milagres que fazia.
Mas Jesus não se fiava neles, porque os conhecia a todos, e porque não
necessitava de que lhe dessem testemunho de homem algum, pois sabia por si
mesmo o que havia no (interior do) homem” (S. João, II, 23 a 25).
Mostra-nos ele claramente que por entre as manifestações por vezes
entusiásticas que a Santa Igreja possa suscitar, devemos aproveitar todos
os nossos recursos para discernir o que pode haver de inconsistente ou de
falho. Foi este o exemplo do Mestre. Quando necessário, não recusará Ele
ao apóstolo verdadeiramente humilde e desprendido, até luzes carismáticas
e sobrenaturais, para discernir os verdadeiros e os falsos amigos da
Igreja. Com efeito, Ele que nos deu a recomendação expressa de sermos
vigilantes não nos recusará as graças necessárias para isto. “Atendei a
vós mesmos e a todo o rebanho, sobre que o Espírito Santo vos constituiu
bispos, para governardes a Igreja de Deus, que Ele adquiriu com seu
próprio sangue. Eu sei que, depois da minha partida, se introduzirão entre
vós lobos arrebatadores, que não pouparão o rebanho” (Atos XX, 28 a 29).
É certo que só se refere diretamente aos Bispos a obrigação de
vigilância contido neste texto. Mas na medida em que a Ação Católica é um
instrumento da hierarquia, instrumento vivo, inteligente, deve ela também
estar de olhos vigilantes contra os lobos arrebatadores.
A fim de não alongar por demais esta exposição, citamos apenas
mais alguns textos:
O mesmo S. Pedro ainda teve mais este conselho: “Vós, pois,
irmãos, estando prevenidos, acautelai-vos, para que não caiais da vossa
firmeza, levados pelo erro destes insensatos; mas crescei na graça e no
conhecimento do Nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo. A Ele (seja dada)
glória, agora e no dia da eternidade. Amém”. (Idem, III, 17 a 18).
E não se julgue que só um espírito naturalmente inclinado à
desconfiança pode praticar sempre tal vigilância. Em S. Marcos lemos: “o
que eu pois digo a Vós, digo a
todos: Vigiai” (XIII, 37). São João aconselha com solicitude amorosa:
“Filhinhos, ninguém vos seduza” – (1 S. João, III, 5 a 7).
A todos nós, membros da A.C., incumbe pois o dever da
vigilância arguta e eficaz.
*
* *
A
idolatria da popularidade
Como dissemos, em outro capítulo, a impopularidade foi o prêmio
do Mestre, depois das atitudes varonis e desassombradas de que Ele nos deu
exemplo. Essa impopularidade, que é para muitos a suprema desgraça, o
espantalho inspirador de todas as concessões e de todas as retiradas
estratégicas, a característica sinistra de todo o apostolado fracassado
aos olhos do mundo, foi contra Nosso Senhor tão grande, que chegaram a
acusá-lo de malfazejo: “E os pastores fugiram, e, indo à cidade, contaram
tudo, e o sucedido com os que tinham estado possessos do demônio. E logo
toda a cidade saiu ao encontro de Jesus; e, quando o viram, pediram-lhe
que se retirasse do seu território” (S. Mateus, VIII, 3 a 34).
Nosso Senhor predisse como inevitável a existência de inimigos,
a seus fiéis de todos os séculos, neste tópico: “O irmão entregará à morte
o irmão, e o pai o filho; e os filhos se levantarão contra os pais, e lhes
darão morte; e vós, por causa do meu nome,
sereis odiados por todos” (S.
Mateus, X, 19 a 22). Como se vê, é o ódio levado a ponto de suscitar luta
feroz contra os seguidores de Jesus.
E as acusações serão terríveis, contra os fiéis! Mas assim
mesmo não deverão eles renunciar aos processos apostólicos desassombrados:
“Não é o discípulo mais que o (seu) mestre, nem o servo mais que o (seu)
senhor. Basta ao discípulo ser como o mestre, e ao servo como o senhor. Se
eles chamaram Belzebu ao pai de família, quanto mais aos seus domésticos?
Não os temais pois; porque nada há encoberto que se não venha a descobrir,
nem oculto que se não venha a saber. O que eu vos digo nas trevas, dizei-o
às claras; e o que vos é dito ao ouvido, pregai-o sobre os telhados”. (S.
Mateus, X, 24 a 27).
Como já dissemos, devem os fiéis prezar altamente a estima de
seus semelhantes, mas desprezar seu ódio, sempre que este seja fundado em
uma aversão à Verdade ou à Virtude. O apóstolo deve desejar a conversão do
próximo, mas não deve confundir a conversão sincera e profunda de um homem
ou de um povo com os sinais de uma popularidade de superfície. Nosso
Senhor fez seus milagres para converter, e não para ser popular: “Esta
geração má e adúltera pede um prodígio, mas não lhe será dado outro
prodígio, senão o prodígio do profeta Jonas” (São Mateus, XII, 39), disse
Ele, indicando com isto que os milagres inúteis à conversão não se
realizariam. E, com efeito, se bem que os milagres pudessem valer certa
popularidade ao Salvador, era uma popularidade inútil, porque não procedia
do desejo de conhecer a Verdade.
Quanto apóstolo tenta, no entanto, o possível e o impossível
para ser popular, e a este anelo sacrifica até os princípios! Talvez
ignore que perde assim a bem-aventurança prometida pelo Senhor aos que,
por amor à ortodoxia e à virtude eram odiados pelos inimigos da Igreja:
“Sereis bem-aventurados quando os homens vos amaldiçoarem, vos
perseguirem, vos odiarem, vos carregarem de opróbrios e injurias e
repelirem vosso nome como infame. Alegrai-vos e exultai, porque uma grande
recompensa vos está reservada no céu”.
Nunca sacrifiquemos, diminuamos ou arranhemos a Verdade, por
maiores que sejam os rancores que com isto pesarem sobre nós. – Nosso
Senhor nos deu o exemplo, pregando a verdade e o bem, expondo-se por isto
até a ser preso, como vemos: “Porventura não vos deu Moisés a lei; e,
contudo, nenhum de vós observa a lei? Porque procurais vós matar-me? O
povo respondeu, e disse: Tu estás possesso do demônio; quem procura
matar-te? Jesus respondeu, e disse-lhes: Eu fiz uma só obra, e todos
estais por isso maravilhados. Vós, contudo, porque Moisés vos deu a
circuncisão (se bem que ela não vem de Moisés mas dos patriarcas),
circuncidai-vos, mesmo em dia de sábado. Se, para não se violar a lei de
Moisés, recebe um homem a circuncisão no dia de sábado, porque vos
indignais comigo porque em dia de sábado curei um homem em todo o seu
corpo? Não julgueis segundo a aparência, mas julguei segundo a reta
justiça.
“Então, alguns de Jerusalém diziam: – Não é este aquele que
procuram matar? E eis que ele fala publicamente, e não lhe dizem nada.
Será que os chefes do povo tenham verdadeiramente reconhecido que este é o
Cristo? Nós, porém sabemos donde este é; e o Cristo, quando vier, ninguém
saberá donde ele seja. E Jesus levantava a voz no templo, ensinando e
dizendo: Vós não só me conheceis, mas sabeis donde eu sou; e eu não vim de
mim mesmo, mas é verdadeiro, aquele que me enviou, a quem vós não
conheceis. Mas eu conheço-o, porque sou dele, e ele me enviou. Procuravam,
pois, os Judeus prendê-lo; mas ninguém lhe lançou as mãos, porque não
tinha ainda chegado a sua hora (S. João VII, 19 a 30)”.
Procedimento evangélico para com os homens de má doutrina
É este o conselho de S. Tiago:
“Não queirais, pois enganar-vos, irmãos meus muito amados”
(Tiago, 1, 16). Sejamos sumamente precavidos, argutos, sagazes e
previdentes no discernir a boa da má doutrina.
Mas isto não basta. As doutrinas se corporificam em homens.
Devemos ser argutos, sagazes, precavidos também quanto aos homens.
Saibamos ver o inimigo, e combatê-lo com as armas da caridade e
da fortaleza:
“Ora, o Espírito diz claramente que nos últimos tempos – estes
tempos que Pio XI achou tão semelhantes aos nossos – alguns apostatarão da
fé, dando ouvidos a espíritos
enganadores e a doutrinas de demônios,
que com hipocrisia propagam a
mentira, e têm cauterizada a consciência...” (1 Tim. 4, 1-2).
Quanto a doutrinas e doutrinadores, tanto no terreno teológico
quanto no filosófico, no político, no social, no econômico e em qualquer
outro campo em que a Igreja for interessada, vale este conselho:
“E o que lhe peço é que a vossa caridade cresça mais e mais em
conhecimento e em todo o discernimento, para que possais distinguir o
melhor, para que sejais sinceros e irrepreensíveis para o dia de Cristo”
(Fil. 1, 9-10).
Com efeito, nesta tristíssima época de ruína e de corrupção não
seria explicável que não existissem, como no tempo dos Apóstolos, “falsos
apóstolos, operários fingidos” que se infiltram nas fileiras dos filhos da
luz e “se transformam em apóstolos de Cristo. E não é de admirar, visto
que o próprio Satanás se transforma em anjo de luz. Não é pois muito que
os seus ministros se transformem em ministros de justiça; mas o seu fim
será segundo as suas obras” (2 Cor. 11, 13-15).
Contra estes ministros que outra arma há, senão a argúcia
necessária para saber pelos atos, pelas doutrinas distinguir entre os
filhos da luz e das trevas?
Contra os pregadores de doutrinas errôneas, mais doces, mais
fáceis, e por isto mesmo, mais enganosas, a vigilância não deve ser apenas
penetrante, mas ininterrupta:
“Rogo-vos irmãos que não percais de vista aqueles que causem
dissensões e escândalos contra a doutrina que aprendestes, e apartai-vos
deles. Porque estes tais não servem a Cristo Senhor Nosso, mas ao seu
ventre; e, com palavras doces e com adulações enganam os corações dos
simples. Porquanto a vossa obediência em toda a parte se tornou notória.
Alegro-me pois em vós. Mas quero que sejais sábios no bem e
simples no mal. E o Deus de paz
esmague logo a Satanás debaixo de vossos pés. A graça de Nosso Senhor
Jesus Cristo seja convosco” (Rom. 16, 17-20).
“Sábios no bem e simples no mal”! Quantos há, que só pregam
ingenuidade e candura no serviço do bem, mas possuem uma terrível
sabedoria para propagar o mal!
Esta sabedoria serpentinamente astuciosa, para o bem, é uma
virtude absolutamente tão evangélica quanto a inocência da pomba: “E
digo-vos isto para que ninguém vos engane com discursos sutis” (Col. 2,
4).
“Vede, que ninguém vos engane por meio de
filosofia inútil e enganadora, segundo a tradição dos homens, segundo os
elementos do mundo, e não segundo Cristo” (Col. 2, 8).
“Ninguém vos seduza afetando humildade e culto dos anjos,
divagando por coisas que nunca viu, inchado em vão com seus pensamentos
carnais” (Col, 2, 18).
A Igreja é militante e nós somos seus soldados. Serão
necessários ainda mais textos a fim de provar que devemos ser, não
soldados quaisquer, mas soldados vigilantes? A experiência demonstra que
de nada valem as melhores virtudes militares sem a vigilância. Baste isto
para persuadir aos membros da A.C. que cada um deles deve, como “miles
Christi”, desenvolver em alto grau, não só a inocência da pomba mas a
astúcia da serpente, se quiser seguir na íntegra o Santo Evangelho.
A
Tática do Terreno Comum
Falamos em capítulo anterior, da famosa “tática do terreno
comum”. Consiste ela em evitar constantemente qualquer tema que possa
constituir motivo de desavença entre católicos e não católicos e pôr em
evidência tão somente o que possa haver de comum entre uns e outros.
Jamais uma separação de campos, um esclarecimento de
ambiguidades, uma definição de atitudes. Enquanto um indivíduo for ou se
disser católico por mais que seus gestos ou palavras difiram de suas
ideias, sua vida destoe de sua crença e sua própria sinceridade possa ser
posta em dúvida, jamais contra ele se deverá tomar uma atitude enérgica,
sob pretexto de que é preciso não “romper o arbusto partido nem extinguir
a mecha que ainda fumega”. Como se deve proceder neste delicado assunto,
dí-lo entretanto, e eloquentemente o texto seguinte, que prova que uma
justa paciência jamais deve atingir os limites da imprudência e da
imbecilidade:
“Toda a árvore pois, que não dá bom fruto, será cortada e
lançada no fogo. Eu na verdade, batizo-vos com água para (vos levar à)
penitência, mas o que há-de vir depois de mim é mais poderoso do que eu, e
eu não sou digno de lhe levar o calçado; ele vos batizará no Espírito
Santo e em fogo. Ele tem a pá na
sua mão, e limpará bem a sua eira, e recolherá o seu trigo no celeiro, mas
queimará as palhas num fogo inextinguível” (S. Mateus, III, 10 a 12).
Quanto a ocultar os motivos de desacordo que nos separam
daqueles que são apenas imperfeitamente nossos, o Divino Mestre não
procedeu assim nas numerosas circunstâncias que abaixo examinaremos:
Os fariseus levavam uma vida de piedade, ao menos na aparência,
e Nosso Senhor, longe de ocultar o quanto esta aparência era insuficiente
de receio de os irritar e de os distanciar ainda mais de si, investiu
claramente contra eles, dizendo-lhes:
“Nem todo o que me diz: “Senhor, Senhor” entrará no reino dos
céus; mas o que faz a vontade de meu Pai, que está nos céus, esse entrará
no reino dos céus. Muitos me dirão naquele dia: Senhor, Senhor, não
profetizamos nós em teu nome, e em teu nome expelimos os demônios, e em
teu nome fizemos muitos milagres? E então eu lhes direi bem alto: Nunca
vos conheci; apartai-vos de mim, vós que obrais a iniqüidade” (S. Mateus,
VII, 21 a 23).
Poderia irritar esta linguagem? Poderia ela suscitar contra o
Salvador o ódio dos fariseus, em lugar de os converter? Pouco importa. As
acomodações fáceis se bem que ilusórias, não podiam ser praticadas pelo
Mestre, que preferiu para si, e para seus discípulos de todos os séculos,
a luta declarada:
“Não julgueis que vim trazer a paz à terra; não vim trazer a
paz, mas a espada. Porque vim separar o filho do seu pai, e a filha de sua
mãe, e a nora da sua sogra. E os inimigos do homem (serão) os seus
próprios domésticos. O que ama o pai ou a mãe mais do que a mim, não é
digno de mim; e o que ama o filho ou a filha mais do que a mim, não é
digno de mim. E o que não toma a sua cruz e (não) me segue, não é digno de
mim. O que se prende à sua vida, perdê-la-á; e o que perder a sua vida por
meu amor, achá-la-á (S. Mateus, X, 32 a 39).
Como muita gente de nossos dias, com a qual espíritos
acomodatícios e pacifistas preferem contemporizar perpetuamente, também os
fariseus tinham “algo de bom”. Entretanto, não foram eles tratados segundo
as agradáveis práticas da tática do terreno comum. Numa lógica impecável
os fustigou o Mestre com as seguintes palavras:
“Ou dizei que a árvore é boa e o seu fruto bom; ou dizei que a
árvore é má, e o seu fruto mau; pois que pelo fruto se conhece a árvore.
Raça de víboras, como podeis dizer coisas boas, vós, que sois maus? Porque
a boca fala da abundância do coração. O homem bom tira boas coisas do bom
tesouro (do seu coração); e o mau homem tira más coisas do mau tesouro”
(S. Mateus, XII, 33 e 35). E quando a experiência demonstrou que os
fariseus rejeitaram a imensa e adorável graça contida nas palavras
fulminantes do Salvador, e ainda mais se revoltaram contra este, o Mestre
nem por isto mudou de tática: “Então, aproximando-se dele os seus
discípulos, disseram-lhe: – Sabes que os fariseus, ouvindo estas palavras,
se escandalizaram? Mas ele, respondendo, disse: Toda a planta que meu Pai
celestial não plantou, será arrancada pela raiz. Deixai-os; são cegos, e
guias de cegos; e, se um cego guia outro cego, ambos caem na fossa. E
Pedro, tomando a palavra, disse-lhe: Explica-nos essa parábola. E Jesus
respondeu: Também vós estais ainda sem inteligência?” (S. Mateus, XV, 12 a
16).
Com isto demonstrou Ele que o receio de desgostar e de revoltar
os faltosos contra a Igreja, não pode ser o único móvel de nossos
processos de apostolado. E, no entanto, quantos são hoje em dia, os que
estão como São Pedro e os apóstolos, “sem inteligência”, e não entendem a
admirável lição de energia e de combatividade que o Mestre Divino nos deu!
Qual de nossos românticos liberais seria capaz de dizer aos modernos
perseguidores da Igreja estas palavras:
“Ai de vós, escribas e fariseus hipócritas! que pagais a dízima
da hortelã e do endro e do cuminho, e desprezastes os pontos mais graves
da lei, a justiça, e a misericórdia e a fé. São estas coisas que era
preciso praticar, sem omitir as outras. Condutores cegos, que filtrais um
mosquito e engolis um camelo!
“Ai de vós, escribas e fariseus hipócritas! porque limpais o
que está por fora do copo e do prato; e por dentro estais cheios de
rapinas e de imundície. Fariseu cego, purifica primeiro o que está dentro
do copo e do prato, para que também o que está fora fique limpo.
“Ai de vós, escribas e fariseus hipócritas! porque sois
semelhantes aos sepulcros branqueados, que por fora parecem formosos aos
homens, mas por dentro estão cheios de ossos de mortos, e de toda
podridão. Assim também vós por fora pareceis justos aos homens, mas por
dentro estais cheios de hipocrisia e iniquidade. Ai de vós, escribas e
fariseus hipócritas! que edificais os sepulcros dos profetas, e adornais
os monumentos dos justos, e dizeis: Se nós tivéssemos vivido nos dias de
nossos pais, não teríamos sido seus cúmplices no sangue dos profetas.
Assim dais testemunho contra vós mesmos de que sois filhos daqueles que
mataram os profetas. Acabai pois de encher as medidas de vossos pais.
Serpentes, raça de víboras! Como escapareis da condenação ao inferno? Por
isso, eis que eu vos envio profetas, e sábios, e escribas e matareis e
crucificareis uns, e açoitareis outros nas vossas sinagogas, e os
perseguireis de cidade em cidade; para que caia sobre vós todo o sangue
justo que se tem derramado sobre a terra, desde o sangue do justo Abel até
ao sangue de Zacarias, filho de Baraquias, que vós matastes entre o
templo, e o altar. Em verdade vos digo que tudo isto virá sobre esta
geração” (S. Mateus, XXIII, 23 a 36).
No entanto, freqüentemente não são eles menos maus que os
fariseus já que nem sequer são bons em sua doutrina, em geral escandalosos
públicos e depravados que, à corrupção dos fariseus, somam o enorme pecado
do mau exemplo, e do orgulho de serem maus. Voltamos a dizer que é um erro
imaginar-se que já não há hoje pessoas tão más como as que existiam nos
tempos de Nosso Senhor, já que Pio XI nos considerou à beira de um abismo
mais profundo do que aquele em que o mundo jazia antes da Redenção.
Entretanto, como são numerosas as pessoas que receariam tolamente pecar
contra a caridade se dirigissem aos adversários da Igreja uma apóstrofe
tão veemente!
Dos fariseus, disse Nosso Senhor: – “Com razão Isaías
profetizou de vós, hipócritas, como está escrito: – Este povo honra-me com
os lábios, mas o seu coração está longe de mim” (S. Marcos, VII, 6).
Como imitaríamos bem o Divino Mestre, se dos materialistas
corruptos dos nossos dias, disséssemos: “blasfemais contra Deus com vossos
lábios e vosso coração está longe dele”.
Nosso Senhor previu bem que este processo irritaria sempre
certos inimigos contra a Igreja: “Então o irmão entregará à morte o seu
irmão, e o pai o filho; e os filhos levantar-se-ão contra os pais, e lhes
darão a morte. E sereis odiados de todos por causa do meu nome. Mas o que
perseverar até o fim (da sua vida), esse será salvo” (S. Marcos, XIII, 12
a 13).
Mas a mais alta forma de caridade consiste precisamente em
fazer o bem, por meio de conselhos claros e se necessário for heroicamente
agudos, àqueles mesmos que talvez nos paguem este bem arrastando-nos à
morte.
Por isto, disse Nosso Senhor aos que mais tarde O matariam, mas
então O aplaudiam: “Em verdade, em verdade vos digo: vós buscais-me, não
porque vistes os milagres, mas porque comestes dos pães, e ficastes
saciados” (S. João, VI, 26).
É um erro ocultar sistematicamente ao pecador seu verdadeiro
estado. S. João, por exemplo, não hesitou em dizer (1, III, 8): – “Aquele
que comete pecado é filho do demônio”. – E por isto foi o Apóstolo do amor
muito categórico escrevendo: “Todo o que se aparta e não permanece na
doutrina de Cristo, não tem (união com) Deus; o que permanece na doutrina,
este tem (união intima com) o Padre e o Filho. Se alguém vem a vós, e não
trás esta doutrina, não o recebais em vossa casa, nem o saudeis. Porque
quem o saúda, participa (em certo modo) das suas obras más” (2, S. João, 9
a 11).
E em outra ocasião afirmando: “Eu talvez tivera escrito à
Igreja, porém esse Diótrefes, que gosta de ter a primazia entre eles, não
nos recebe; por isso, se eu lá for, recordar-lhe-ei as obras que ele faz,
palrando com palavras más contra nós; e como se isto não lhe bastasse, não
só recusa hospedagem aos irmãos, mas proíbe (recebê-los) àqueles que os
recebem, e lança-os fora da Igreja” (3, S. João, 9 a 10). Numa atitude
viril contra os inimigos da Igreja e plenamente conforme ao Novo
Testamento: “Conheço as tuas obras, e o teu trabalho, e a tua paciência, e
que não podes suportar os maus, e experimentaste os que dizem ser
apóstolos, e não o são, e os achaste mentirosos” (Apoc., II, 2).
E por isto também se lê no Apocalipse: “Isto, porém, tens (de
bom), que aborreces as ações dos Nicolaitas, que eu também aborreço”
(Idem, II, 6).
Em suma, a chamada “tática do terreno comum”, quando empregada,
não a título excepcional, mas de modo frequente e habitual, é a
canonização do respeito humano, e, levando o fiel a dissimular sua Fé, é a
violação declarada destas palavras do adorável Mestre: “Vós sois o sal da
terra. E, se o sal perder a sua força, com que será ele salgado? Para nada
mais serve senão para ser lançado fora e calcado pelos homens. Vós sois a
luz do mundo. Não pode esconder-se uma cidade situada sobre um monte; nem
acendem uma lucerna, e a põem debaixo do alqueire, mas sobre o candeeiro,
a fim de que ela dê luz a todos os que estão em casa.
Assim brilhe a vossa luz diante dos
homens, para que eles vejam as vossas boas obras, e glorifiquem o vosso
Pai, que está nos céus” (S. Mateus, V, 13 a 16).
Quanto ao conselho que se dá em certos círculos da A.C., de
ocultar aos estagiários a aspereza da vida espiritual e as lutas
interiores daí decorrentes, como é diverso o procedimento do Salvador que,
às almas que desejava atrair, dizia esta verdade terrível: “E, desde os
dias de João Batista até agora, o reino dos céus sofre violência, e os
violentos arrebatam-no” (S. Mat., XI, 12). E declarava também: “Se a tua
mão te escandalizar, corta-a; melhor te é entrar na vida (eterna) manco,
do que tendo duas mãos, ir para o inferno, para o fogo inextinguível, onde
o verme não morre, e o fogo não se apaga. E se o teu pé te escandaliza,
corta-o; melhor te é entrar na vida eterna coxo, do que, tendo dois pés,
ser lançado no inferno num fogo inextinguível, onde o verme não morre, e o
fogo não se apaga. E se o teu olho te escandaliza, lança-o fora; melhor te
é entrar no reino de Deus sem um olho, do que tendo dois, ser lançado no
fogo do inferno, onde o verme não morre, e o fogo não se apaga” (S. Marc.,
IX, 42 a 47).
Mas, poder-se-á objetar, esta linguagem não repele as almas? As
almas duras, frias, tíbias, sim. Mas se Nosso Senhor não quis ter entre os
seus tais almas, e usou uma linguagem apta a desviar de Si esses elementos
inúteis, queremos nós ser mais sábios, mais brandos e mais compassivos do
que o Homem-Deus, e chamar a nós os que Ele não quis?
Os apóstolos compreenderam e seguiram o exemplo do Mestre.
Há em nossos dias muitos espíritos tão contentáveis, que
consideram católicos, apostólicos, romanos dos mais autênticos e dignos de
confiança a quaisquer políticos que falem em Deus em um ou outro discurso.
É a tática de só ver o que nos une e não o que nos separa. Quem diria a um
desses vagos “deístas”, em certos círculos liberais, estas terríveis
palavras de S. Tiago: “Tu crês que há um só Deus; fazes bem; também os
demônios o crêem e temem” (Tg. 2, 19)? E quem diria a muito sibarita de
hoje: “Eia pois, ó ricos chorai, soltai gritos por causa das misérias que
virão sobre vós. As vossas riquezas apodreceram, e os vossos vestidos
foram comidos da traça. O vosso ouro e a vossa prata enferrujaram-se, e a
sua ferrugem dará testemunho contra vós, e devorará as vossas carnes como
um fogo. Juntastes para vós um tesouro de ira para os últimos dias. Eis
que o salário dos trabalhadores, que ceifaram os vosso campos, o qual foi
defraudado por vós, clama contra vós, e o clamor deles subiu até os
ouvidos do Senhor dos Exércitos. Vivestes em delícias sobre a terra, e em
luxúrias cevastes os vossos corações, como para o dia da inundação.
Condenastes e matastes o justo, e ele não vos resistiu” (S. Tg. 5, 1-6).
É esta, entretanto, a conduta do cristão, cujo espírito
santamente altivo não tolera subterfúgios nem sinuosidades em matéria de
profissão de Fé. Como devemos fazer apostolado? Com as armas da franqueza:
“Mas seja vossa palavra: sim, sim; não, não; para que não caiais em
condenação” (S. Tg. 5,12).
Sem que declaremos por palavras e atos nossa Fé, não estaremos
fazendo apostolado, pois que estaremos ocultando a luz de Cristo que
brilha em nós, e que de nosso interior deve transbordar para iluminar o
mundo:
“... a fim de serdes irrepreensíveis e sinceros filhos de Deus,
sem culpa no meio de uma nação corrompida,
onde vós brilhais como astros do
mundo” (Fil. 2, 15).
De nada fujamos, de nada nos envergonhemos:
“Deus não nos deu um espírito de timidez, mas de fortaleza, e
de caridade, e de temperança. Portanto, não te envergonhes do testemunho
de Nosso Senhor, nem de mim, seu prisioneiro, mas participa comigo dos
trabalhos do Evangelho, segundo a virtude de Deus” (2 Tim. 1, 7- 8).
Nesta atitude há causas de atritos? Pouco importa. Devemos
viver “lutando unânimes pela fé do Evangelho; e em nada tenhamos medo dos
adversários, o que para eles é sinal de perdição, e para vós de salvação,
e isto vem de Deus” (Fil. 1, 27-28).
Qualquer caridade que pretenda exercer-se em detrimento dessa
regra é falsa:
“O amor seja sem fingimento. Aborrecei o mal, aderi ao bem.” (1
Rom. 12, 9).
Mais uma vez insistimos: se houver quem fuja diante da
austeridade da Igreja, fuja, porque não é do número dos eleitos.
“Porque Cristo não me enviou a batizar, mas a pregar o
Evangelho, não com a sabedoria das palavras, para que não se torne inútil
a cruz de Cristo. Porque a palavra da cruz é uma loucura para os que se
perdem, mas, para os que se salvam, isto é, para nós, é a virtude de Deus.
Porque está escrito: Destruirei a sabedoria dos sábios, e reprovarei a
prudência dos prudentes. Onde está o sábio? Onde o doutor? Onde o
indagador deste século? Porventura não convenceu Deus de loucura a
sabedoria deste mundo? Porque, como ante a sabedoria de Deus não conheceu
o mundo a Deus pela sabedoria, aprouve a Deus salvar os crentes por meio
da loucura da pregação. Porque os judeus exigem milagres, e os gregos
procuram a sabedoria; mas nós pregamos a Cristo crucificado, que é
escândalo para os judeus, e loucura para os gentios, mas, para os que são
chamados (à salvação) quer dos judeus, quer dos gregos, é Cristo virtude
de Deus, e sabedoria de Deus” (1, Cor. 1, 17-24).
É duro agir sempre assim. Mas um ânimo varonil, sustentado pela
graça, tudo pode: “Vigiai, permanecei firmes na fé, portai-vos
varonilmente” (1 Cor. 16, 13).
E, por outro lado, os que não querem lutar devem renunciar à
vida de católicos, que é uma luta sem cessar, como adverte minuciosa e
insistentemente o Apóstolo: “De resto, irmãos, fortalecei-vos no Senhor e
no poder da sua virtude. Revesti-vos da armadura de Deus, para que possais
resistir às ciladas do demônio. Porque nós não temos que lutar (somente)
contra a carne e o sangue, mas sim contra os principados e potestades,
contra os dominadores deste mundo tenebroso, contra os espíritos malignos
(espalhados) pelos ares. Portanto, tomai a armadura de Deus, para que
possais resistir no dia mau, e ficar de pé depois de ter vencido tudo.
Estai, pois, firmes tendo cingido os vossos rins com a verdade, e vestido
a couraça da justiça, e tendo os pés calçados para ir anunciar o Evangelho
da paz; sobretudo tomai o escudo da fé, com que possais apagar todos os
dardos inflamados do maligno; tomai também o elmo da salvação e a espada
do espírito, que é a palavra de Deus; orando continuamente em espírito com
toda a sorte de orações e súplicas, e vigiando nisto mesmo com toda a
perseverança, rogando por todos os santos, e por mim, para que me seja
dado abrir a minha boca e pregar com liberdade o mistério do Evangelho do
qual eu, mesmo com algemas, sou embaixador, e para que eu fale
corajosamente dele, como devo” (Efes, 6, 10-20).
Não é outra a doutrina que se contém neste fato da vida do
Divino Salvador: “Responderam então os Judeus, e disseram-lhe: Não dizemos
nós com razão que tu és um Samaritano, e que tens demônio? Jesus
respondeu: Eu não tenho demônio; mas honro o meu Pai e vós a mim me
desonrastes. E eu não busco a minha glória; há quem tome cuidado dela, e
quem fará justiça. Em verdade, em verdade vos digo: quem guardar a minha
palavra, não verá a morte eternamente.
“Disseram-lhe pois os Judeus: Agora reconhecemos, que estás
possesso do demônio. Abraão morreu e os profetas, e tu dizes: Quem guardar
a minha palavra, não provará a morte eternamente. Porventura és maior do
que nosso pai Abraão que morreu? E os profetas também morreram. Que
pretendes tu ser? – Jesus respondeu: Se eu me glorifico a mim mesmo, não é
nada a minha glória; meu Pai é que me glorifica, aquele que vós dizeis que
é vosso Deus. Mas vós não o conhecestes; eu sim conheço-o; e, se disser
que o não conheço serei mentiroso como vós. Mas conheço-o, e guardo a sua
palavra. Abraão, vosso pai, suspirou por ver o meu dia; viu-o e ficou
cheio de gozo. Disseram-lhe por isso, os Judeus: Tu ainda não tens
cinqüenta anos, e viste Abraão? Disse-lhes Jesus; em verdade, em verdade
vos digo que, antes que Abraão fosse feito, eu sou.
“Então pegaram em pedras para lhe atirarem; mas Jesus
encobriu-se, e saiu do templo” (S. João, VIII, 48 a 59).
E não só de possesso como ainda de blasfemo foi N. S. acusado:
“Então os Judeus pegaram em pedras para lhe atirarem. Jesus disse-lhes:
Tenho-vos mostrado muitas obras boas (que fiz) por virtude de meu Pai; por
qual destas obras me apedrejais? Responderam-lhe os Judeus: Não é por
causa de nenhuma obra boa que te apedrejamos, mas pela blasfêmia, e porque
tu, sendo homem, te fazes Deus” (S. João, X, 31 a33).
Como
Nosso Senhor, não recuemos diante de um aparente insucesso na prática da
franqueza apostólica
Não procuremos só sucessos de momento, aplausos inconstantes
das massas e até de nossos adversários, sucessos estes que são o fruto da
tática do terreno comum.
Várias vezes, nos mostra Nosso Senhor que devemos desprezar a
popularidade entre os maus: “Não há profeta sem honra, senão na sua pátria
e na sua casa. E não fez ali muitos milagres,
por causa da incredulidade deles”
(S. Mateus, XIII, 57 a 58).
Há pessoas que reputam o supremo triunfo de uma obra católica,
não os louvores e bênçãos da Hierarquia, mas os aplausos dos adversários.
Este critério é falacioso, entre mil outros motivos porque às vezes há
nisto mera cilada em que caímos, e na realidade nós sacrificamos
princípios por este preço: “ai de vós quando os homens vos louvarem,
porque assim faziam aos falsos profetas os pais deles” (S. Lucas, VI, 28).
“Esta geração perversa e adúltera pede um prodígio; mas não lhe
será dado outro prodígio, senão o prodígio do profeta Jonas.
E, deixando-os, retirou-se” (S. Mateus, XV, 4). Nosso Senhor se
retirou e nós, pelo contrário, queremos permanecer no campo estéril,
desfigurando e diminuindo as verdades até arrancar aplausos. Quando estes
vierem, será o sinal de que teremos passado a ser falsos profetas, em
muitos casos.
Nosso Senhor tem pena, é certo, dos que não estão de tal forma
empedernidos no mal que não se salvem com um milagre: “E olhando-os em
roda com indignação, contristado da cegueira dos seus corações, disse ao
homem: Estende a tua mão. E ele a estendeu, e foi-lhe restabelecida a mão”
(S. Marcos, III, 5).
Mas muitos perecerão na sua cegueira: “E disse-lhes: A vós é
concedido saber o mistério do reino de Deus porém aos que são de fora,
tudo se lhes propõe em parábolas, para que, olhando, vejam e não reparem,
e, ouvindo ouçam e não entendam, de sorte que não se convertam, e lhes
sejam perdoados os pecados” (S. Marcos, IV, 11 a 12).
Não espanta, a vista de tanto rigor, que o “meigo Rabi da
Galiléia” incutisse por vezes, até em seus íntimos, verdadeiro terror:
“Mas eles não compreendiam estas palavras, e temiam interrogá-lo” (S.
Marcos, IX, 31).
Terror não muito menor causariam por certo profecias como esta,
que demonstram à saciedade que ser apóstolo é viver de lutas, e não de
aplausos: “Tomai, porém, cuidado convosco. Porque vos hão-de entregar nos
tribunais, e sereis açoitados nas sinagogas, e sereis por minha causa,
levados diante dos governadores e dos reis, para (dar) testemunho (de mim)
perante eles” (S. Marcos, XIII, 9).
Por que tanto ódio contra os pregadores do Bem?
“Eu sei que sois filhos de Abraão; mas (também sei que)
procurais matar-me, porque minha
palavra não penetra em vós” (S. João, VIII, 37).
Em todas as épocas, haverá corações em que não penetrará a
palavra da Igreja. Estes corações se encherão então de ódio, e procurarão
ridicularizar, diminuir, caluniar, arrastar à apostasia ou até matar os
discípulos de Nosso Senhor.
E por isso ainda, disse Nosso Senhor aos judeus:
“Mas agora procurais matar-me, a mim, que sou um homem que vos
disse a verdade que ouvi de Deus; Abraão nunca fez isto. Vós fazeis as
obras de vosso pai. E eles disseram-lhe: Nós não somos filhos da
fornicação; temos uma pai (que é) Deus. Mas Jesus disse-lhes: Se Deus
fosse vosso pai, certamente me amaríeis, porque eu sai de Deus e vim;
porque não vim de mim mesmo, mas ele me enviou. Por que não conheceis vós
a minha linguagem? Porque não podeis ouvir a minha palavra”. (S. João,
VIII, 40 a 43).
Não espanta, pois, que seus próprios milagres despertassem
ódio.
Foi o que se deu depois do estupendo milagre da ressurreição de
Lazaro: “Jesus disse-lhes: Desatai-o, e deixai-o ir. Então muitos dos
judeus, que tinham ido visitar Maria e Marta, e que tinham presenciado o
que Jesus fizera, creram nele. Porém alguns deles foram ter com os
fariseus, e disseram-lhes o que Jesus tinha feito” (S. João, XI, 44 a 46).
À vista disto, como pretendem os apóstolos conservar-se sempre na estima
de todos? Não percebem eles que nesta estima geral há muitas vezes um
índice iniludível de que já não estão com Nosso Senhor?
Com efeito, todo o católico verdadeiro terá inimigos:
“Se o mundo vos aborrece, sabei que, primeiro do que a vós, me
aborreceu a mim. Se vós fôsseis do
mundo, o mundo amaria o que era seu; mas, porque vós não sois do mundo,
antes eu vos escolhi do meio do mundo,
por isso o mundo vos aborrece.
Lembrai-vos daquela palavra que eu vos disse: Não é o servo maior do que o
seu senhor. Se eles me perseguiram
a mim, também vos hão-de perseguir a vós; se eles guardaram a minha
palavra, também hão-de guardar a vossa. Mas
tudo isto vos farão por causa do meu nome, porque não conhecem
aquele que me enviou. Se eu não tivesse vindo, e não lhes tivesse falado,
não teriam culpa, mas agora não têm desculpa do seu pecado. Aquele que me
aborrece, aborrece também meu Pai” (S. João, XV, 18 a 23).
É também neste sentido o seguinte texto:
“Eu disse-vos estas coisas, para que vos não escandalizeis.
Lançar-vos-ão fora das sinagogas; e virá tempo em que todo o que vos
matar, julgará prestar serviço a Deus” (S. João, XVI, 1 a 2).
E ainda:
“Dei-lhes a tua palavra, e o mundo os odiou, porque não são do
mundo. Não peço que os tires do mundo, mas que os guardes do mal”. (S.
João, XVII, 14 a 15).
Quanto aos aplausos estéreis e inúteis do demônio e de seus
sequazes, vejamos como devem ser tratados:
“E aconteceu que, indo nós à oração, nos veio ao encontro uma
jovem, que tinha o espírito de Piton, a qual com as suas adivinhações dava
muito lucro a seus amos. Esta, seguindo a Paulo e a nós, gritava, dizendo:
Estes homens são servos do Deus excelso, que vos anunciam o caminho da
salvação. E fazia isto muitos dias. Mas Paulo, enfadado, tendo-se voltado
(para ela), disse ao espírito: Ordeno-te em nome de Jesus Cristo que saias
dessa (mulher). E ele, na mesma hora, saiu” (Atos, XVI, 16 a 18).
Devemos, é certo, sentir prazer quando, dos arraiais do
adversário, chega-nos um ou outro aplauso de alguma alma tocada pela
graça, que começa a se aproximar de nós. Mas como é diferente este
aplauso, da alegria falaciosa e turbulenta dos maus, quando certos
apóstolos ingênuos lhes apresentam, estropiadas e mutiladas, algumas
verdades parecidas com os erros da impiedade. Neste caso, os aplausos não
significam um movimento das almas para o bem, mas o júbilo que
experimentam por supor que a Igreja não as quer arrancar ao mal. São
aplausos de quem se alegra em poder continuar no pecado, e significam um
embotamento ainda maior no mal. Estes aplausos, devemos evitá-los; E, por
isto, colide com o Novo Testamento quem não se conforma com a
impopularidade:
“Não vos admireis, irmãos, de que o mundo vos tenha ódio” (1,
S. João, III, 12 a 13).
Causar irritação aos maus é muitas vezes fruto de ações
nobilíssimas:
“E os habitantes da terra se alegrarão por causa deles, e farão
festas, e mandarão presentes uns aos outros, porque estes dois profetas
tinham atormentado os (ímpios) que habitavam sobre a terra” (Apoc., XI,
10).
Erram gravemente os que pensam que, sempre que a doutrina
católica for, pela palavra e pelo exemplo, pregada de maneira modelar,
arrancará unânimes aplausos. Di-lo São Paulo:
“E todos os que querem viver piamente em Jesus Cristo,
padecerão perseguição” (2 Tim. 3, 12). Como se vê neste texto, é a vida
piedosa, que exacerba o ódio dos maus. A Igreja não é odiada pelas
imperfeições que no decurso dos séculos se tenham notado em um ou outro de
seus representantes. Essas imperfeições são quase sempre meros pretextos
para que o ódio dos maus fira o que a Igreja tem de divino.
O bom odor de Cristo é um perfume de amor para os que se
salvam, mas suscita ódio nos que se perdem:
“Porque nós somos diante de Deus o bom odor de Cristo, nos que
se salvam, e nos que perecem; para uns, odor de morte para a sua morte; e
para outros, odor de vida para a sua vida” (2 Cor., 2, 15-16).
Como Nosso Senhor, a Igreja tem no mais alto grau a capacidade
de se fazer amar por indivíduos, famílias, povos e raças inteiras. Mas por
isto mesmo tem ela, como Nosso Senhor, a propriedade de ver levantar-se
contra si o ódio injusto de indivíduos, famílias, povos e raças inteiras.
Para o verdadeiro apóstolo, pouco importa ser amado, se esse amor não é
uma expressão do amor que as almas têm ou ao menos começam a ter a Deus,
ou, de qualquer maneira, não concorre para o Reino de Deus. Qualquer outra
popularidade é inútil para ele e para a Igreja. Por isto disse São Paulo:
“Porque, em suma, é a aprovação dos homens que eu procuro ou a
de Deus? Porventura é aos homens que pretendo agradar? Se agradasse ainda
aos homens, não seria servo de Cristo” (Gal. 1, 6-10).
Como vemos, a aprovação dos homens deve antes atemorizar o
apóstolo de consciência delicada, do que alegrá-lo: não terá ele
negligenciado a pureza da doutrina, para ser tão universalmente estimado?
Está ele bem certo de que flagelou a impiedade como era do seu dever?
Estará ele realmente em uma dessas situações como Nosso Senhor no dia de
Ramos? Neste caso, uma advertência: lembre-se de quanto valem os aplausos
humanos e a eles não se apegue. Amanhã, talvez, surgirão os falsos
profetas que hão de atrair o povo pela pregação de uma doutrina menos
austera. E o homem ainda ontem aplaudido deverá dizer aos que o louvavam:
“Tornei-me eu logo vosso inimigo, porque vos disse a verdade?
Esses (falsos apóstolos) estão cheios de zelo por vós, não retamente;
antes vos querem separar, para que os sigais a eles. É bom que sejais
sempre zelosos pelo bem; Filhinhos meus, por quem eu sinto de novo as
dores do parto, até que Jesus Cristo se forme em vós; bem quisera eu estar
agora convosco, e mudar a minha linguagem; porque estou perplexo a vosso
respeito” (Gal. 4, 16-20). Mas esta linguagem não pode ser mudada, o
interesse das almas o impede. E, se a advertência não for ouvida, a
popularidade do apóstolo soçobrará de uma vez.
Então, se ele não tiver ânimo desapegado e varonilmente
sobrenatural, ei-lo que se arrasta atrás dos que o abandonam, diluindo
princípios, corroendo e desfigurando verdades, diminuindo e barateando
preceitos a fim de salvar os últimos fragmentos dessa popularidade de que,
inconscientemente, ele fizera um ídolo.
Que conduta pode diferir mais profundamente desta, que o ânimo
sobranceiro com que Nosso Senhor, profundamente triste embora, levou até à
morte, e morte de Cruz, a sua luta direta e desassombrada contra a
impiedade?
Se as verdades ditas com clareza por vezes são motivo para que
se embotem no mal os perversos, como é grande o júbilo do apóstolo que
soube vencer seu espírito pacifista, e, com golpes enérgicos, salvar as
almas.
“Porque embora eu vos tenha entristecido com a minha carta, não
me arrependo disso; se bem que tenha tido pesar, vendo que tal carta,
ainda que por breve tempo, vos entristeceu; agora folgo, não de vos ter
entristecido, mas de que a vossa tristeza vos levou à penitência.
Entristecestes-vos segundo Deus, de sorte que em nada recebestes
detrimento de nós. Porque a tristeza, que é segundo Deus, produz uma
penitência estável para a salvação; mas a tristeza do século produz a
morte. E, se não, vêde o que produziu em vós essa tristeza segundo Deus,
quanta solicitude, que vigilante cuidado em vos justificardes, que
indignação, que temor, que desejo (de remediar o mal), que zelo, que
(desejo de) punição (pela injúria feita à Igreja); vós mostrastes em tudo
que éreis inocentes neste negócio” (2 Cor. 7, 8-11) (S. Paulo se refere ao
caso de um incestuoso, mencionado na 1ª epístola.).
Este é o grande, o admirável prêmio dos apóstolos bastante
sobrenaturais e clarividentes para não fazerem da popularidade a única
regra e o supremo anelo de seu apostolado.
Não recuemos ante insucessos de momento, e Nosso Senhor não
recusará a nosso apostolado idênticas consolações, as únicas que devemos
almejar.
A
pregação das verdades severas
Certos espíritos profundamente penetrados de liberalismo têm
pretendido que os fiéis, imitando o dulcíssimo Salvador, não deveriam
inserir em seus incitamentos ao bem qualquer espécie de ameaças de penas
futuras, pois que uma linguagem cheia de advertências desta natureza não é
própria de arautos da Religião do amor.
Evidentemente, não se deve fazer da apreensão das penas futuras
o único móvel da virtude. Esta reserva feita, não vemos de onde tiraram
aqueles liberais a idéia de que é faltar contra a caridade, falar do
inferno. Vejamos como das penas que merecemos depois da morte, no inferno
ou no purgatório, falavam os apóstolos:
“Porque é justo diante de Deus dar tribulação àqueles que vos
atribulam, e a vós que sois atribulados (dar), descanso (eterno) conosco,
quando aparecer Jesus (descendo) do céu com os anjos (mensageiros) do seu
poder, em uma chama de fogo, para tomar vingança daqueles que não
conheceram a Deus, e que não obedecem ao Evangelho de Nosso Senhor Jesus
Cristo; os quais serão punidos com a perdição eterna, longe da face do
Senhor e da glória do seu poder; quando ele vier naquele dia para ser
glorificado nos seus santos, e para se fazer admirável em todos os que
creram, porque vós crestes no testemunho que nós demos diante de vós” (2
Tes. 1, 3-10).
E Nosso Senhor disse do purgatório: “Em verdade te digo: Não
sairás de lá antes de ter pago o último quadrante” (S. Mateus, V, 26).
Quanto ao inferno, ouçamos as palavras do dulcíssimo Mestre:
“Entrai pela porta estreita, porque larga é a porta, e espaçoso
o caminho que conduz à perdição, e muitos são os que entram por ela. Que
estreita é a porta, e que apertado o caminho que conduz à vida, e quão
poucos são os que acertam com ele” (S. Mateus, VII, 13 a 14).
“Jesus, ouvindo (estas palavras), admirou-se, e disse para os
que o seguiam: “Em verdade vos digo: Não achei fé tão grande em Israel.
Digo-vos, porém, que virão muitos do Oriente e do Ocidente, e que se
sentarão com Abraão e Isaac e Jacó no reino dos céus, enquanto os filhos
do reino serão lançados nas trevas exteriores; ali haverá choro e ranger
de dentes” (S. Mat., VIII, 10 a 12).
“Se alguém não vos receber nem ouvir as vossas palavras, ao
sair para fora daquela casa ou cidade, sacudi o pó dos vossos pés. Em
verdade vos digo: Será menos punida no dia do juízo a terra de Sodoma e de
Gomorra, do que aquela cidade” (S. Mateus, X, 14 a 15).
“Eu vos digo que, de qualquer palavra ociosa que disserem os
homens, darão conta dela no dia do juízo. Porque pelas tuas palavras serás
justificado, e pelas tuas palavras serás condenado” (S. Mateus, XII, 36 a
37).
“A rainha do meio-dia levantar-se-á no (dia do) juízo contra
esta geração, e a condenará, porque veio da extremidade da terra a ouvir a
sabedoria de Salomão. E eis aqui está quem é mais do que Salomão” (S.
Mateus, XII, 42).
“Não vos admireis disso, porque virá tempo em que todos os que
se encontram nos sepulcros ouvirão a voz do Filho de Deus; e os que
tiverem feito obras boas, sairão para a ressurreição da vida (eterna); mas
os que tiverem feito obras más, sairão resuscitados para a condenação” (S.
João, V, 28 a 29).
Vejamos outros textos do Novo Testamento:
“Não retarda o Senhor a sua promessa, como alguns pensam; mas
usa de paciência convosco, não querendo que nenhum pereça, mas que todos
se convertam à penitência. Mas como um ladrão virá o dia do Senhor, no
qual passarão os céus com grande estrondo, e os elementos com o calor se
dissolverão, e a terra e todas as obras que há nela serão queimadas.
“Portanto, visto que todas estas coisas estão destinadas a ser
desfeitas, quais vos convém ser em santidade de vida e em piedade,
esperando e correndo ao encontro da vinda do dia do Senhor, no qual os
céus, ardendo, se desfarão, e os elementos com o ardor do fogo se
fundirão? Porém esperamos, segundo a sua promessa, novos céus e uma nova
terra, nos quais habite a justiça (2, S. Pedro, III, 9 a 13).
“Da sua boca saía uma espada de dois gumes, para ferir com ela
as nações. E ele as governará com cetro de ferro; e ele mesmo pisa o lagar
do vinho do furor da ira de Deus onipotente (Apoc., XIX, 15).
“Aquele que vencer, possuirá estas coisas, e eu serei seu Deus,
e ele será meu filho. Mas, pelo que toca aos tímidos, e aos incrédulos, e
aos execráveis, e aos homicidas, e aos fornicadores, e aos feiticeiros, e
aos idólatras, e a todos os mentirosos, a sua parte será no tanque ardente
de fogo e de enxofre: o que é a segunda morte” (Apoc., XXI, 7 a 8).
Preguemos a mortificação e a Cruz
Quanto aos que pensam que o Novo Testamento abriu para nós a
era de uma vida espiritual sem lutas, como se enganam! Pelo contrário S.
Paulo põe diante de nossos olhos a perspectiva de uma luta incessante do
homem contra suas inclinações inferiores, luta esta tão dolorosa que o
Apóstolo chega a compará-la ao pior dos martírios, isto é, à Crucifixão:
“Digo-vos pois: Andai segundo o Espírito e não satisfareis os
desejos da carne. Porque a carne tem desejos contrários ao espírito, e o
espírito, desejos contrários à carne; porque estas coisas são contrárias
entre si, para que não façais tudo aquilo que quereis. Se vós, porém, sois
guiados pelo Espírito, não estais debaixo da lei. Ora, as obras da carne
são manifestas, são a fornicação, a impureza, a desonestidade, a luxúria,
a idolatria, os malefícios, as inimizades, as contendas, as rivalidades,
as iras, as rixas, as discórdias, as seitas, as invejas, os homicídios, a
embriaguez, as glutonarias, e outras coisas semelhantes, sobre as quais
vos previno, como já vos disse, que os que fazem tais coisas não possuirão
o reino de Deus. Ao contrário, o fruto do Espírito é a caridade, o gozo, a
paz, a paciência, a benignidade, a bondade, a longanimidade, a mansidão, a
fidelidade, a modéstia, a continência, a castidade. Contra estas coisas
não há lei. E os que são de Cristo
crucificaram a sua própria carne com os vícios e concupiscências. Se
vivemos pelo Espírito, conduzamo-nos também pelo Espírito” (Gal. 5,
16-25).
E com quanto cuidado deve o cristão velar pelo edifício sempre
frágil de sua santificação, posto à prova por toda a sorte de provações
interiores e exteriores! Leiamos este texto:
“Temos, porém, este tesouro em vasos de barro, para que a
superioridade da virtude seja de Deus e não de nós. Em tudo sofremos
tribulação, mas não somos oprimidos; somos cercados de dificuldades, mas
não desesperamos; somos perseguidos, mas não desamparados; somos abatidos,
mas não perecemos; trazendo sempre em nosso corpo a mortificação de Jesus,
para que também a vida de Jesus se manifeste nos nossos corpos. Porque nós
que vivemos somos continuamente entregues à morte por amor de Jesus, para
que também a vida de Jesus se manifeste em nossa carne mortal. A morte,
pois, opera em nós, e a vida em vós” (2 Cor. 4, 7-12). (Este último
versículo quer dizer que S. Paulo morria a si mesmo para dar a vida
espiritual aos outros. A virtude, de que se fala acima, é a virtude da
pregação, isto é, a virtude do apostolado).
É orgulho ou ingenuidade imaginar-se que não encontramos
terríveis relutâncias interiores:
“Efetivamente, nós sabemos que a lei é espiritual; mas eu sou
carnal, vendido ao pecado. Porque não entendo o que faço; não faço o bem
que quero, mas o mal que aborreço, esse é que faço” (Rom. 7, 14-15).
“Porque eu sei que em mim, isto é, na minha carne, não habita o
bem. Porque o querer está ao meu alcance; mas não acho o meio de o fazer
perfeitamente. Porque eu não faço o bem que quero, mas o mal que não
quero” (Ibid., 18-19).
“Eu encontro, pois, esta lei em mim: quando quero fazer o bem,
o mal está junto de mim; porque me deleito na lei de Deus, segundo o homem
interior; mas vejo nos meus membros outra lei que se opõe à lei do meu
espírito, e que me faz escravo da lei do pecado, que está nos meus
membros. Infeliz de mim. Quem me livrará deste corpo de morte?” (Rom. 7,
21-24).
É dura, esta luta, mas sem ela não se chega à glória:
“Se (somos) filhos, também (somos) herdeiros, herdeiros de Deus
e co-herdeiros de Cristo; mas isto se sofremos com ele, para ser com ele
glorificados” (Rom. 8, 17).
Só as obras de apostolado, sem a mortificação, não bastam para
este fim:
“Quanto a mim, corro, não como à ventura; combato, não como
quem açoita o ar; mas castigo o meu corpo e o reduzo à escravidão, para
que não suceda que, tendo pregado aos outros, eu mesmo venha a ser
réprobo” (1 Cor. 9, 26-27).
Seja, pois, de vigilância nossa vida interior:
“Aquele pois que crê estar de pé, veja, não caia” (1 Cor. 10,
12).
A conclusão, pois, não pode deixar de ser esta:
“Irmãos, fortalecei-vos no Senhor e no poder da sua virtude.
Revesti-vos da armadura de Deus, para que possais resistir às ciladas do
demônio. Porque nós não temos que lutar (somente) contra a carne e o
sangue, mas sim contra os principados e potestades, contra os dominadores
deste mundo tenebroso, contra os espíritos malignos (espalhados) pelos
ares. Portanto, tomai a armadura de Deus, para que possais resistir no dia
mau, e ficar de pé depois de ter vencido tudo. Estai, pois, firmes, tendo
cingido os vossos rins com a verdade, e vestido a couraça da justiça, e
tendo os pés calçados para ir anunciar o Evangelho de paz; sobretudo tomai
o escudo da fé com que possais apagar todos os dardos inflamados do
maligno; tomai o elmo da salvação e a espada do espírito, que é a palavra
de Deus; orando continuamente em espírito com toda a sorte de orações e
súplicas, e vigiando nisto mesmo com toda a perseverança, rogando por
todos os santos e por mim, para que me seja dado abrir a minha boca e
pregar com liberdade o mistério do Evangelho, do qual eu, mesmo com as
algemas, sou embaixador, e para que eu fale corajosamente dele, como devo”
(Efes. 6, 10-20).
A
fortaleza e a perspicácia no Novo Testamento
Os textos do Novo Testamento em que se patenteia a divina
misericórdia de nosso dulcíssimo Salvador são todos eles bastante
conhecidos entre os fiéis. Demos mil graças a Deus, por isto.
Infelizmente, porém, os que dão exemplos de severidade, argúcia e santa
intransigência o são muito menos. Citamos alguns destes textos nas páginas
anteriores. Para que se veja, porém, que não são só estes, e que o Novo
Testamento nos dá com extraordinária frequência exemplos de intrepidez,
perspicácia, fortaleza, examinemos agora um grande número de textos que
inculcam estas virtudes, e que não tivemos ocasião de citar. Ver-se-á
assim o papel relevantíssimo que três virtudes tem na Boa Nova do Filho de
Deus e devem ter, portanto, no caráter de todo católico bem formado.
Pretendemos mostrar mais particularmente neste Capítulo, as
numerosas passagens do Novo Testamento em que se apostrofam os pecadores,
ou se flagelam os vícios da antiguidade pagã, ou do mundo judeu, com uma
linguagem que pareceria inteiramente falha de caridade aos espíritos de
nosso tempo.
Note-se, a este propósito, que o Santo Padre Pio XI, como já
temos dito insistentemente, fez de nossa época uma descrição tão
claramente severa, que chegou a dizer que estamos em tempos parecidos com
os últimos, ou seja com uma época de iniqüidades verdadeiramente sem
precedentes. Assim, não se pense que faltem hoje pecados e pecadores
dignos de linguagem idêntica. Qual é, pois, esta caridade errônea, que faz
desbotar-se em nossos lábios a palavra de Deus, transformando o flagelo
regenerador dos povos em arma inócua, cuja falta de gume exprime melhor
nossa timidez do que a indignação de nosso zelo?
Ainda aí – insistimos – devemos imitar o Salvador que soube
alternar a severidade de linguagem com as provas de um amor infinito, de
uma tal doçura e de uma tal mansidão que chegava a comover todos os
corações retos. Nunca nos esqueçamos do papel supremo do amor, na economia
do apostolado. Mas não caiamos daí para um unilateralismo estreito. Nem
todos os corações se abrem à ação da graça. Dí-lo S. Pedro:
“Por isso se lê na Escritura: eis que eu ponho em Sião uma
pedra principal, angular, escolhida, preciosa; e o que crer nela não será
confundido. Ela é, pois, honra para vós que credes, mas, para os
incrédulos, a pedra que os construtores rejeitaram tornou-se cabeça no
ângulo e pedra de tropeço, e pedra de escândalo para os que tropeçam na
palavra e não crêem; é a isso que eles estão destinados” (I, S. Pedro 2,
6-8).
E para os que são refratários à doce linguagem do amor só há um
processo, que é o desta linguagem:
“Adúlteros, não sabeis que a amizade deste mundo é inimiga de
Deus? Portanto, todo aquele que quiser ser amigo deste século,
constitui-se inimigo de Deus. Porventura imaginais que a Escritura diz em
vão: o Espírito que habita em vós ama-vos com ciúme” (S. Tg. 4, 4-5)?
Incitemos francamente as almas à penitência:
“Senti a vossa miséria, e lamentai e chorai; converta-se o
vosso riso em luto e a vossa alegria em tristeza” (S. Tg. 4, 9).
E não procuremos um modo de fazer apostolado, em que omitamos o
lado terrível das dulcíssimas verdades que pregamos:
“Porque Cristo não me enviou a batizar, mas a pregar o
Evangelho, não com a sabedoria das palavras, para que não se torne inútil
a cruz de Cristo. Porque a palavra da cruz é uma loucura para os que se
perdem, mas, para os que se salvam, isto é, para nós, é a virtude de Deus.
Porque está escrito: “Destruirei a sabedoria dos sábios, e reprovarei a
prudência dos prudentes. Onde está o sábio? Onde o doutor? Onde o
indagador deste século? Porventura não convenceu Deus de loucura a
sabedoria deste mundo? Porque, como ante a sabedoria de Deus não conheceu
o mundo a Deus pela sabedoria, aprouve a Deus salvar os crentes por meio
da loucura da pregação. Porque os judeus exigem milagres, e os gregos
procuram a sabedoria; mas nós pregamos a Cristo crucificado, porque é
escândalo para os judeus, e loucura para os gentios, mas, para os que são
chamados (à salvação) quer dos judeus, quer dos gregos, é Cristo virtude
de Deus, e sabedoria de Deus” (1 Cor. 1, 17-24).
“Eu pois quando fui ter convosco, irmãos, anunciar-vos o
testemunho de Cristo, não fui com sublimidades de estilo ou de sabedoria.
Porque julguei (que) não (devia) saber coisa alguma entre vós senão a
Jesus Cristo, e este crucificado. E eu estive entre vós com fraqueza e
temor e grande temor; e a minha conversação e a minha pregação não
(consistiram) em palavras persuasivas da humana sabedoria, mas na
manifestação do espírito e da virtude (de Deus); para que a vossa fé se
não baseie sobre a sabedoria dos homens mas sobre o poder de Deus” (1 Cor.
2, 1-5).
Não procuremos uma linguagem que não crie descontentes, porque
o apostolado reto os suscita em grande número.
“Ora nós não recebemos o espírito deste mundo, mas o espírito
que vem de Deus, para conhecermos as coisas, que por Deus nos foram dadas;
as quais também anunciamos, não com palavras doutas de humana sabedoria,
mas com a doutrina do Espírito, adaptando o espiritual ao espiritual. Mas
o homem animal não percebe aquelas coisas que são do Espírito de Deus,
porque elas se ponderam espiritualmente. Mas o espiritual julga todas as
coisas; e ele não é julgado por ninguém” (1 Cor. 2, 12-15).
Passaremos às vezes por loucos, mas pouco importa:
“Ninguém se engane a si mesmo; se alguém dentre vós se tem por
sábio segundo este mundo, faça-se insensato para ser sábio. Porque a
sabedoria deste mundo é loucura diante de Deus. Pois está escrito: Eu
apanharei os sábios na sua própria astúcia”. (1 Cor. 3, 18-19).
Às vezes o sacrifício que o apóstolo faz ao imolar sua
reputação, fecunda maravilhosamente seu apostolado:
“Semeia-se o corpo corruptível, ressuscitará incorruptível.
Semeia-se na ignomínia, ressuscitará glorioso; semeia-se inerte,
ressuscitará robusto” (1 Cor. 15, 42-43).
Certos ardis para agradar “tout le monde et son père” chegam
por vezes, até, a requintes censuráveis:
“Porque a nossa exortação não procedeu do erro, nem de malícia,
nem de fraude, mas, como fomos aprovados por Deus, para que nos fosse
confiado o Evangelho, assim falamos, não como para agradar aos homens, mas
a Deus, que sonda os nossos corações. Porque a nossa linguagem nunca foi
de adulação, como sabeis, nem um pretexto de avareza; Deus é testemunha”
(1 Tes. 2, 3-5).
Vejamos, pois, como falavam os Apóstolos, e com que vigor
sabiam dizer contra os ímpios:
“Guardai-vos desses cães, guardai-vos desses maus operários,
guardai-vos desses mutilados” (Fil. 3, 2) – (Mutilados: os que pregavam a
circuncisão).
Se a algum sibarita contemporâneo, disséssemos estas palavras,
como nos acusariam de exagerados:
“Porque muitos, de quem muitas vezes vos falei e também agora
falo com lágrimas, procedem como inimigos da cruz de Cristo; o fim deles é
a perdição; o Deus deles é o ventre; e fazem consistir a sua glória na sua
própria confusão, gostando somente das coisas terrenas. Nós, porém, somos
cidadãos dos céus, donde também esperamos o Salvador Nosso Senhor Jesus
Cristo, o qual transformará o nosso corpo de miséria, fazendo-o semelhante
ao seu corpo glorioso, com aquele poder com que pode também sujeitar a si
todas as coisas” (Fil. 3, 18-21).
E se disséssemos dos hereges estas palavras, quantos os
críticos que contra nós se voltariam:
“Se alguém ensina de modo diferente, e não abraça as sãs
palavras de Nosso Senhor Jesus Cristo, e aquela doutrina que é conforme à
piedade, é soberbo, que nada sabe, um espírito doente, que se ocupa de
questões e contendas de palavras, donde se originam invejas, contendas,
maledicência, más suspeitas, altercações de homens com o espírito
pervertido, que estão privados da verdade, e pensam que a piedade é uma
fonte de lucro” (1 Tim. 6, 3-5).
As alusões individuais são sempre consideradas censuráveis por
certas pessoas. S. Paulo não generalizou tanto:
“Conserve a forma das sãs palavras que ouviste de mim, na fé e
no amor em Jesus Cristo. Guarda o bom depósito por meio do Espírito Santo,
que habita em nós. Tu sabes isto, que se apartaram de mim todos os que
estão na Ásia, entre os quais estão Figelo e Hermogenes” (2 Tim. 1,
13-15).
“Evita as conversas profanas e vãs, porque contribuem muito
para a impiedade; e a sua palavra lavra como gangrena; entre os quais
estão Himeneu e Fileto, que se extraviaram da verdade, dizendo que já se
deu a ressurreição, e perverteram a fé de alguns” (2 Tim. 2, 16-18).
“Alexandre, o latoeiro, fez-me muitos males; o Senhor lhe
pagará segundo as suas obras. Tu também guarda-te dele, porque opõe uma
forte resistência às nossas palavras” (2 Tim. 4, 14-15).
E o Apóstolo se gloriava, até, de sua santa rudeza:
“Mas, para que não pareça que vos quero aterrar por cartas;
porque as cartas, dizem alguns, são graves e fortes, mas a presença do
corpo é fraca, e a palavra desprezível. O que diz assim saiba que
quais somos nas palavras por carta, estando ausentes, tais (seremos)
também de fato, estando presentes” (2 Cor. 10, 9-11).
Desta vez, a alusão atinge toda a população vasta, culta e
numerosa, de uma ilha:
“Porque há ainda muitos desobedientes, vãos faladores e
sedutores, principalmente entre os da circuncisão, aos quais é necessário
fechar a boca a eles que transtornam casas inteiras, ensinando o que não
convém, por amor dum vil interesse. Um deles, seu próprio profeta, disse:
Os Cretenses são sempre mentirosos, más bestas, ventres preguiçosos.
Este testemunho é verdadeiro. Portanto, repreende-os asperamente,
para que sejam sãos na fé, não dêem ouvidos a fábulas judaicas nem a
mandamentos de homens que se afastam da verdade” (Tit. 1, 10-14).
Ouçamos esta crítica apostolicamente acerba:
“Confessam que conhecem a Deus, mas negam-no com as obras,
sendo abomináveis e rebeldes, e incapazes de toda a obra boa” (Tit. 1,
16).
Parece excessiva? Entretanto constitui um dever de apostolado a
repreensão:
“Ensina estas coisas, e exorta, e repreende com toda a
autoridade. Ninguém te despreze” (Tit. 2, 11-15). E porque teremos receio
de exortar com tanto vigor quanto o fazia o Apóstolo?
Vimos o que de Creta disse o Apóstolo. Para converter os gregos
e judeus, julgou úteis essas palavras:
“Porque já demonstramos que Judeus e Gregos estão todos no
pecado, como está escrito: Não há nenhum justo; não há quem tenha
inteligência, não há quem busque a Deus. Todos se extraviaram, todos a um
se tornaram inúteis, não há quem faça o bem, não há sequer um. A garganta
deles é um sepulcro aberto, com as suas línguas tecem enganos. Um veneno
de áspides se encobre debaixo dos seus lábios; a sua boca está cheia de
maldição e de amargura; e os seus pés são velozes para derramar sangue; a
dor e a infelicidade estão nos seus caminhos; e não conheceram o caminho
da paz; não há temor de Deus diante dos seus olhos. Ora, nós sabemos que
tudo aquilo que a lei diz, o diz àqueles que estão sob a lei, para que
toda a boca seja fechada e todo o mundo seja digno de condenação diante de
Deus” (Rom. 3, 9-19).
Contra a impureza, disse S. Paulo: “Os alimentos são para o
ventre, e o ventre para os alimentos; mas Deus destruirá tanto aquele,
como estes; porém o corpo não é para a fornicação, mas para o Senhor, e o
Senhor para o corpo. E Deus, que ressuscitou o Senhor, também nos
ressuscitará a nós com o seu poder. Não sabeis que os vossos corpos são
membros de Cristo? Tomarei eu pois os membros de Cristo, e fá-los-ei
membros duma prostituta? De modo nenhum” (1 Cor. 6, 12-15).
Nosso Senhor começou sua vida pública, não com palavras
festivas, mas pregando a penitência:
“Desde então começou Jesus a pregar e a dizer: “Fazei
penitência, porque está próximo o reino dos céus” (S. Mateus, IV, 17).
E suas palavras eram por vezes terríveis contra os
impenitentes:
“Então começou a exprobrar às cidades em que tinham sido
operados muitos dos seus milagres, o não terem feito penitência. Ai de ti
Corozain! Ai de ti, Betsaida! porque, se em Tiro e em Sidônia tivessem
sido feitos os milagres que se realizaram em vós, há muito tempo que elas
teriam feito penitência em cilício e em cinza. Por isso vos digo que
haverá menos rigor para Tiro e Sidônia no dia do juízo, que para vós. E
tu, Cafarnaum, elevar-te-ás porventura até ao céu? Hás de ser abatida até
ao inferno, porque, se em Sodoma tivessem sido feitos os milagres que se
fizeram em ti, talvez existisse ainda hoje. Por isso vos digo que no dia
do juízo haverá menos rigor para a terra de Sodoma, que para ti. Então
Jesus, falando novamente, disse: Graças te dou, ó pai, Senhor do Céu e da
terra, porque escondestes estas coisas aos sábios e aos prudentes, e as
revelastes aos pequeninos” (S. Mateus, XI, 20 a 25).
Assim falou Nosso Senhor:
“Quando o espírito imundo saiu de um homem, anda por lugares
secos, buscando repouso, e não o encontra. Então diz: Voltarei para minha
casa, donde saí. E, quando vem, a encontra desocupada, varrida e adornada.
Então vai, e toma consigo outros sete espíritos piores do que ele, e,
entrando, habitam ali; e o último estado daquele homem torna-se pior que o
primeiro. Assim também acontecerá a esta geração perversa” (S. Mateus,
XII, 43 a 45).
S. Pedro lhe deu uma sugestão por demais humana, aconselhando-O
a que não fosse a Jerusalém onde O quereriam matar. A resposta foi
majestosamente severa: “Ele, voltando-se para Pedro, disse-lhe: “Retira-te
de mim, Satanás; tu serves-me de escândalo, porque não tens a sabedoria
das coisas de Deus, mas das coisas dos homens” (S. Mateus, XVI, 23).
Cheio de misericórdia, Nosso Senhor Se dispunha a fazer um
milagre. Eis, entretanto, o que disse antes:
“Jesus, respondendo disse: ó geração incrédula e perversa, até
quando hei-de estar convosco? Até quando vos hei de sofrer? Trazei-mo cá.
E Jesus ameaçou o demônio, e este saiu do jovem, o qual desde aquele
momento ficou curado” (S. Mateus, XVII, 16).
Aos vendilhões, que açoitou, disse Nosso Senhor fortemente:
“Está escrito: A minha casa será chamada casa de oração; mas
vós fizestes dela covil de ladrões” (S. Mateus, XXI, 13).
Haverá censura mais aguda do que esta de Nosso Senhor, aos
orgulhosos fariseus:
“Na verdade vos digo que os publicanos e as meretrizes vos
levarão a dianteira para o reino de Deus. Porque veio a vós João no
caminho da justiça e não crestes nele; e vós, vendo isto, nem assim
fizestes penitência depois, para crerdes nele”? (S. Mat., XXI, 31 a 32).
E esta outra:
“Mas, ai de vós, escribas e fariseus hipócritas! porque fechais
o reino dos céus diante dos homens, pois nem vós entrais, nem deixais que
entrem os que estão para entrar. Ai de vós, escribas e fariseus
hipócritas! porque devorais as casas das viúvas, a pretexto de longas
orações; por isto sereis julgados mais severamente. Ai de vós, escribas e
fariseus hipócritas! porque rodeais o mar e a terra para fazer um
prosélito; e, depois de o terdes feito, o tornais duas vezes mais digno do
inferno do que vós.
“Ai de vós, condutores cegos! que dizeis: Se alguém jurar pelo
templo, isto não é nada; mas o que jurar pelo ouro do templo fica obrigado
(ao que jurou). Estultos e cegos! Qual é mais, o ouro ou o templo, que
santifica o ouro? E (dizeis) se alguém jurar pelo altar, isto não é nada;
mas quem jurar pela oferenda que está sobre ele, ficará obrigado (ao que
jurou). Cegos! Qual é mais, a oferta ou o altar, que santifica a oferta?”
(S. Mateus, XXIII, 13 a 19).
Quanta misericórdia e quanta severidade nestas palavras da Mãe
de toda a misericórdia:
“E cuja misericórdia (se estende) de geração em geração sobre
aqueles que o temem.
“Manifestou o poder de seu braço;
“Dissipou aqueles que se orgulhavam nos pensamentos do seu
coração.
“Depôs do trono os poderosos
“e elevou os humildes.
“Encheu de bens os famintos,
“E despediu vazios os ricos” (S. Lucas, I, 50 a 53).
Imitemos Nosso Senhor quando acolhia com divina brandura os
pecadores. Não sejamos, porém, unilaterais e saibamos imitá-lO também em
atitudes como esta:
“Ora, estava próxima a Páscoa dos Judeus, e Jesus subiu a
Jerusalém; e encontrou no templo muitos vendendo bois, e ovelhas, e
pombas, e os cambistas sentados (às suas mesas). E, tendo feito um como
azorrague de cordas, expulsou-os a todos do templo, e as ovelhas e os
bois, e deitou por terra o dinheiro dos cambistas, e derrubou as mesas. E
aos que vendiam pombas, disse: Tirai daqui isto, e não façais da casa de
meu Pai casa de negócio” (S. João, II, 13 a 16).
Nenhum Apóstolo sugere melhor a nosso espírito a idéia do amor
de Jesus do que S. João. Vejamos como ele, entretanto, não oculta a
severidade do Mestre:
“Em verdade, em verdade te digo que nós dizemos o que sabemos,
e damos testemunho do que vimos, e vós (com tudo isso) não recebeis o
nosso testemunho. Se vos tenho falado das coisas terrenas, e não (me)
acreditais, como (me) acreditareis, se vos falar das celestes?” (S. João,
III, 11 a 12).
“Mas eu tenho um testemunho maior que o de João. Porque as
obras que meu Pai me deu que cumprisse, estas mesmas obras que eu faço,
dão testemunho de mim, de que o Pai me enviou; e o Pai que me enviou, esse
mesmo deu testemunho de mim; vós nunca ouvistes a sua voz, nem vistes a
sua face. E não tendes permanente em vós a sua palavra, porque não credes
no que ele enviou.
“Examinais as Escrituras, porque julgais ter nelas a vida
eterna; e elas são as que dão testemunho de mim, e não quereis vir a mim
para ter vida. Eu não recebo a glória dos homens. Mas conheço-vos, (sei)
que não tendes em vós o amor de Deus. Eu vim em nome do meu Pai, e vós não
me recebeis; se vier outro em seu próprio nome, recebê-lo-eis. Como podeis
crer, vós que recebeis a glória, uns dos outros, e não buscais a glória
que só de Deus vem? Não julgueis que sou eu que vos hei de acusar diante
de meu Pai; Moisés, em que vós confiais, é que vos acusa. Porque, se vós
crêsseis em Moisés, certamente creríeis também em mim; porque ele escreveu
de mim. Porém, se vós não dais crédito aos seus escritos, como haveis de
dar crédito às minhas palavras?” (S. João, V, 36 a 47).
Oh! como o Mestre nos mostrou que devemos enfrentar as
incompreensões do próximo sem desfigurar por isto a doutrina:
“Muitos, pois, de seus discípulos, ouvindo isto, disseram: Dura
é esta linguagem, e quem a pode ouvir? Porém Jesus conhecendo em si mesmo
que seus discípulos murmuravam por isto, disse-lhes: Isto escandaliza-vos?
E se vós virdes subir o Filho do Homem para onde estava antes? O espírito
é o que vivifica; a carne para nada aproveita; as palavras que eu vos
disse, são espírito e vida. Mas há alguns de vós que não crêem. Porque
Jesus sabia desde o princípio quais eram os que não criam, e quem o havia
de entregar. E dizia: Por isto eu vos disse que ninguém pode vir a mim, se
lhe não for concedido por meu Pai. Desde então muitos de seus discípulos
tornaram atrás; e já não andavam com ele.
“Por isso Jesus disse aos doze: Quereis vós também retirar-vos?
Mas Simão Pedro respondeu-lhe: Senhor, para quem havemos nós de ir? Tu
tens palavras de vida eterna; e nós acreditamos e conhecemos que tu és o
Cristo, Filho de Deus. Jesus respondeu-lhes: Não fui eu que vos escolhi, a
vós os doze, e (contudo) um de vós é um demônio? Falava de Judas
Iscariotes, filho de Simão; porque era este que o havia de entregar, não
obstante ser um dos doze.” (S. João, VI, 61 a 72).
Sua linguagem era de uma intransigência não menos divina que
sua mansidão:
“Noutra ocasião disse-lhes Jesus: Eu retiro-me, e vós me
buscareis, e morrereis no vosso pecado. Para onde eu vou, vós não podeis
vir. Diziam, pois, os Judeus: Será que ele se mate a si mesmo, pois diz:
Para onde eu vou, vós não podeis vir? E ele dizia-lhes: Vós sois cá de
baixo, eu sou lá de cima. Vós sois deste mundo, eu não sou deste mundo.
Por isso eu vos disse que morrereis nos vossos pecados; porque, se não
crerdes em quem eu sou (o Messias), morrereis no vosso pecado.
Disseram-lhe, pois, eles: Quem és tu? Jesus disse-lhes: O princípio, eu
que vos falo. Muitas coisas tenho a dizer e a condenar a vosso respeito,
mas o que me enviou é verdadeiro, e o que ouvi dele é o que digo ao mundo”
(S. João, VIII, 31 a 26).
“Vós sois filhos do demônio, e quereis satisfazer os desejos de
vosso pai; ele foi homicida desde o princípio, e não permaneceu na
verdade; porque a verdade não está nele; quando ele diz a mentira, fala do
que é próprio, porque é mentiroso e pai da mentira” (Idem, 44).
E S. Pedro, o primeiro Papa, soube imitar este exemplo:
“Mas Pedro disse-lhe: O teu dinheiro pereça contigo, visto que
julgaste que o dom de Deus se adquiria com dinheiro. Tu não tens parte nem
sorte neste ministério, porque o teu coração não é reto diante de Deus.
Faze, pois, penitência desta tua maldade, e roga a Deus que, se é
possível, te seja perdoado este desvario do teu coração. Porque eu vejo-te
cheio de amargosíssimo fel e entre os laços da iniqüidade” (Atos, VIII, 20
a 23).
Vejamos este outro magnífico exemplo de combatividade:
“E, tendo percorrido toda a ilha até Pafos, encontraram um
certo homem mago, falso profeta, judeu, que tinha por nome Barjesus, o
qual estava com o procônsul Sérgio Paulo, homem prudente. Este, tendo
mandado chamar Barnabé e Saulo, desejava ouvir a palavra de Deus. Mas
Elimas o mago (porque assim se interpreta o seu nome) se lhes opunha,
procurando afastar da fé o procônsul. Porém Saulo, que também se chama
Paulo, cheio do Espírito Santo, fixando nele os olhos, disse: ó (tu, que
estás) cheio de todo o engano e de toda astúcia, filho do demônio, inimigo
de toda justiça, tu não deixas de perverter os caminhos retos do Senhor.
Pois agora eis que a mão do Senhor está sobre ti, e serás cego sem ver o
sol durante certo tempo. E logo caiu sobre ele uma obscuridade e trevas,
e, andando a roda, buscava quem lhe desse a mão. Então o procônsul, vendo
este fato, creu, admirando a doutrina do Senhor” (Atos, XIII, 6 a 12).
E mais este:
“Disputava todos os sábados na sinagoga, interpondo (nos seus
discursos) o nome do Senhor Jesus, e convencia Judeus e Gregos. E, quando
chegaram da Macedônia Silas e Timóteo, Paulo aplicava-se assiduamente à
palavra, dando testemunho aos Judeus de que Jesus era o Cristo. Mas, como
eles contradissessem e blasfemassem, sacudindo ele os seus vestidos,
disse-lhes: O vosso sangue (caia) sobre vossa cabeça; eu não tenho culpa;
desde agora vou para os Gentios” (Atos, XVII, 4 a 6).
Aos ímpios, não duvidava S. Pedro em dizer: “o rosto do Senhor
(está) contra os que fazem o mal” (1 S. Pedro, III, 11 a 12).
“Mas, se (sofre) como cristão, não se envergonhe, antes
glorifique a Deus por tal nome.
“Porque é tempo que comece o juízo pela casa de Deus. E, se
primeiro (começa) por nós, qual será o fim daqueles que não obedecem ao
Evangelho de Deus? E, se o justo a custo será salvo, o ímpio e o pecador
onde comparecerão? Por isso também aqueles que sofrem segundo a vontade de
Deus, encomendem as suas almas ao Criador, praticando o bem” (Idem, IV, 16
a 19).
S. Judas escreveu este texto terrível:
“Ora eu quero recordar-vos, embora já saibais tudo, que Jesus,
salvando o povo da terra do Egito, destruiu depois aqueles que não creram;
e os anjos, que não conservaram o seu principado, mas abandonaram o seu
domicilio, os reservou (ligados) com cadeias eternas em trevas para o
juízo do grande dia. Assim como Sodoma e Gomorra, e as cidades
circunvizinhas, que fornicaram com elas, e se abandonaram ao prazer
infame, foram postas por escarmento, sofrendo a pena do fogo eterno, da
mesma maneira também estes contaminaram a sua carne, e desprezam a
dominação (de Cristo), e blasfemam da majestade.
“Quando o Arcanjo Miguel, disputando com o demônio, altercava
sobre o corpo de Moisés, não se atreveu a proferir contra ele a sentença
de maldição; mas disse (somente): Reprima-te o Senhor. Estes, porém,
blasfemam de todas as coisas que ignoram, e pervertem-se como animais sem
razão em todas aquelas coisas que conheceram naturalmente.
“Ai deles, porque andaram pelo caminho de Caim, e, por (causa
dum aviltante) lucro, precipitaram-se no erro de Balaão, e pereceram na
rebelião de Coré.
“Eles são máculas nos seus festins, banqueteando-se sem
respeito, apascentando-se a si mesmos, nuvens sem água, que os ventos
levam duma parte para outra, árvores do outono, sem frutos, duas vezes
mortas, desarraigadas, ondas furiosas do mar, que arrojam as espumas da
sua torpeza, estrelas errantes; para os quais está reservada uma
tempestade de trevas por toda a eternidade.
“Também Henoc, o sétimo (patriarca) depois de Adão, profetizou
destes, dizendo: Eis que vem o Senhor entre milhares dos seus santos a
fazer juízo contra todos, e a argüir todos os ímpios de todas as obras de
sua impiedade, que impiamente fizeram, e de todas as palavras injuriosas,
que os pecadores ímpios têm proferido contra Deus.
“Eles são uns murmuradores queixosos, que andam segundo as suas
paixões, e a sua boca profere coisas soberbas, os quais mostram admiração
pelas pessoas segundo convém ao seu próprio interesse” (S. Judas 15-16).
E o Espírito Santo elogia um Bispo porque “é caluniado por
aqueles que se dizem Judeus, e não o são, antes são uma sinagoga de
Satanás” (Apoc., II, 9).
A mesma terrível comparação com o demônio se encontra também
neste texto:
“A vós, porém, digo, e aos outros fiéis de Tiatira, que não
seguem esta doutrina, e que não conheceram as profundidades, como eles
lhes chamam, de Satanás” (Idem, 23 a 24).
Sigamos
sem restrições a lição do Evangelho
Aí estão exemplos graves, numerosos e magníficos, que nos dá o
Novo Testamento. Imitemo-los, pois, como imitamos também os exemplos
adoráveis de doçura, paciência, benignidade e mansidão que nos deu nosso
clementíssimo Redentor.
Para evitar todo e qualquer mal entendido, mais uma vez
acentuamos que não se deve fazer desta linguagem severa a única linguagem
do apóstolo. Pelo contrário, entendemos que não há apostolado completo sem
que o apóstolo saiba mostrar a divina bondade do Salvador. Mas não sejamos
unilaterais, e não omitamos, por preconceitos românticos, comodismo, ou
tibieza, as lições de admirável e invencível fortaleza que Nosso Senhor
nos deu. Como Ele, procuraremos ser igualmente humildes e altivos,
pacíficos e enérgicos, mansos e fortes, pacientes e severos. Não optemos
entre umas ou outras dessas virtudes; a perfeição consiste em imitar Nosso
Senhor na plenitude de seus adoráveis aspectos morais.
Com este objetivo, queremos completar agora o pensamento que, a
propósito da mentalidade da juventude contemporânea, externamos em um dos
capítulos anteriores, citando a opinião do saudoso Cardeal Baudrillart: há
uma sede de heroísmo e de sacrifício que leva os moços de hoje a
prosseguir exclusivamente em demanda dos ideais fortes e dos programas
exigentes, desprezando tudo quanto possa significar transigência
sentimental ou capitulação diante dos imperativos inferiores que, a todo o
momento, nos solicitam para uma vida ao sabor dos sentidos. Seja Deus
bendito por esta disposição, que pode concorrer grandemente para a
salvação das almas. Mas, assim como nos pomos de sobreaviso contra as
concepções unilaterais e errôneas acerca da misericórdia do Senhor, também
devemos estar de sobreaviso contra qualquer exagero que, direta ou
indiretamente, mediata ou imediatamente, diminua nos espíritos a noção do
papel central e fundamentalíssimo que a lei da benignidade e do amor ocupa
na Religião de Jesus Cristo, Senhor Nosso.
O povo brasileiro tem tal tendência para a prática das virtudes
que decorrem de sentimentos delicados, que seu grande perigo não consiste,
em via de regra, nas tendências exageradas para a crueldade e a dureza,
mas para a fraqueza, o sentimentalismo e a ingenuidade.
Exageros de virtude, por isso mesmo que exageros, são defeitos
que cumpre à Ação Católica combater e vencer. Nesta época que se
caracteriza por uma crueldade sombria e um egoísmo implacável, é para nós
um título de glória, que seja este o defeito que devemos combater.
Combatamo-lo, porém, porque o sentimentalismo e a ingenuidade conduzem a
ruínas espirituais e morais que a Teologia descreve com cores sombrias.
Não nos detenhamos apenas na contemplação enternecida de nossa bondade,
mas tratemos de a desenvolver sobrenaturalmente dentro da linha que lhe
traça a Igreja, sem demasias, sem desvios, sem extravios. Uma comparação
elucidará nosso pensamento.
De Santa Tereza de Jesus, diz a Santa Igreja que “foi admirável
até em seus erros”. Isto não obstante, se ela se tivesse detido na
contemplação dos lampejos de ouro que em seus erros existiam, e não os
tivesse combatido animosamente, não teria sido jamais a grande Santa que
toda a Cristandade venera e admira, aquela Santa de quem disse Leibnitz
ter sido “um grande homem”. O Brasil só será o país que almejamos que ele
seja, isto é, um dos maiores países de todos os tempos, se ele não se
detiver na contemplação dos reflexos de ouro que existem nos traços
dominantes de sua mentalidade, mas se, resolutamente, os despir da ganga
que evita que este ouro brilhe com mais força e mais pureza.
Isto tudo não obstante, nunca nos esqueçamos de que, na
Religião Católica, nada, mas absolutamente nada se faz sem o amor, e que,
portanto, ainda mesmo a severidade imposta pelas exigências da caridade
deve ser exercida com olhos fitos nos limites que a circunscrevem, a ela
também.
Encerremos o assunto com palavras de Pio XI. Elas nos mostram
que é essa irradiação de amor, que há de salvar o mundo:
“Nosso predecessor de feliz memória, Leão XIII, comprazia-se
justamente, em sua Encíclica “Annum Sacrum”, com a admirável oportunidade
do culto para com o Sagrado Coração de Jesus; por isto, não hesitava ele
em dizer:
“Quando a Igreja, ainda próxima de suas origens, gemia sob o
jugo dos Césares, uma cruz apareceu no céu a um jovem imperador; ela era o
presságio e a causa de um insigne e próximo triunfo. Hoje, um outro
símbolo divino, presságio felicíssimo, aparece a nossos olhos: é o Coração
Sacratíssimo de Jesus, encimado pela cruz e resplandecendo com um brilho
incomparável no meio das chamas. Devemos colocar nele todas as nossas
esperanças; é a ele que devemos pedir a salvação dos homens, é dele que é
preciso esperá-la” (Encíclica “Miserentissimus Redemptor”, de 8 de maio de
1928).
Fala-se muito em “idade nova” – “tempos novos” – “ordem nova”.
Queiram-no ou não o queiram nossos adversários, essa “idade nova” será o
reino do Sagrado Coração de Jesus, sob cuja suavíssima influência o mundo
encontrará o único caminho de sua salvação.
Adoremos este Coração Sagrado, no qual a iconografia católica
nos mostra a Cruz do sacrifício, da luta, do combate, da austeridade,
assentando suas raízes no mais perfeito dos Corações, e iluminada pelas
chamas purificadoras e deslumbrantes do amor.
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