Plinio Corrêa de Oliveira
Santo Odilon - IV
Os verdadeiros conceitos de alegria, felicidade, temperança, moderação e discreção
Santo do Dia, 29 de setembro de 1972 |
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A D V E R T Ê N C I
A O presente texto é adaptação de transcrição de gravação de
conferência do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira a sócios e cooperadores da
TFP, mantendo portanto o estilo verbal, e não foi revisto pelo autor. Se o
Prof. Plinio Corrêa de Oliveira estivesse entre
nós, certamente pediria que se colocasse explícita menção a sua filial
disposição de retificar qualquer discrepância em relação ao Magistério da
Igreja. É o que fazemos aqui constar, com suas próprias palavras, como
homenagem a tão belo e constante estado de
espírito: “Católico
apostólico romano, o autor deste texto
se submete com filial ardor ao ensinamento tradicional da Santa Igreja.
Se, no entanto, por lapso, algo nele ocorra que não esteja
conforme àquele ensinamento, desde já e categoricamente o rejeita”. As palavras "Revolução" e "Contra-Revolução", são aqui
empregadas no sentido que lhes dá o Prof. Plínio Corrêa de Oliveira em
seu livro "Revolução
e Contra-Revolução", cuja primeira edição foi publicada no Nº
100 de
"Catolicismo", em abril de 1959. |
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Os Srs. se lembrarão, provavelmente, que eu não estou aqui fazendo a análise dessa personalidade apenas para que admiremos as virtudes de Santo Odilon, mas para que tenhamos em vista qual é o perfil de um grande sacerdote, de um grande religioso, segundo as intenções da Igreja, para que amemos o estado sacerdotal, amemos o estado religioso, amemos a Santa Igreja Católica, Apostólica, Romana e compreendamos que nós não somos senão uma célula viva dEla, e nisso nós pomos toda nossa honra e toda alegria de nossa vida. Os Srs. – com o trecho que será lido hoje – precisam fazer uma espécie de atualização de conceitos para entender bem a personalidade de Santo Odilon. Na perspectiva em que nós nos colocamos hoje em face dos filhos da Revolução, dir-se-ia – ou ao menos algum observador mais ou menos superficial poderia dizer – à primeira vista que os filhos da Revolução são mais alegres do que os da Contra-Revolução. Porque eles se divertem mais, tem mais ocasião de prazer, riem mais. Se a gente vai a um restaurante, é freqüente ver mesas de revolucionários que se arrebentam de dar risadas; eles gostam muito de contar piadas, passam o dia inteiro brincando. Então se diria que eles são mais alegres do que nós. E se diria também, como reflexo disso, que a alegria não é uma virtude. Então, causa uma certa perplexidade vermos autores espirituais antigos, que não estão familiarizados com esse medo de falar que hoje existe, fazerem o elogio da alegria. Porque a gente seria propenso a dizer que quem elogia a alegria, elogia a piada, a brincadeira, a gargalhada desabrida. Então, nós precisamos saber bem o que os autores espirituais chamam de alegria. Para isso, os Srs. tem que tomar em consideração – como ponto de referência certo, infalível, que não deixa margem a nenhuma dúvida – os Srs. tem que tomar em consideração o seguinte: a considerar-se a alegria como uma virtude, uma vez que Nosso Senhor Jesus Cristo foi o modelo de todas as virtudes, Ele foi o modelo da alegria. Porque não pode haver uma virtude que Ele não tenha tido; e não só que Ele não tenha tido, mas da qual Ele não tenha sido a mais perfeita, alta e incomparável personificação. De maneira que Nosso Senhor Jesus Cristo foi perfeitamente alegre. Por outro lado, o Evangelho deixa claro que Ele nunca riu na vida dEle. Logo, o mínimo que se pode dizer, é que rir não é necessariamente ter alegria, e que esse conceito moderno de alegria precisa ser alterado de cabo a rabo. Mais ainda: há um nexo entre o conceito de alegria e o de felicidade. O homem feliz tem alegria, o homem alegre é feliz. Nosso Senhor Jesus Cristo foi feliz? São Francisco de Sales, outros autores espirituais dizem: Ele foi feliz durante a vida inteira e conservou na fina ponta da alma – portanto, não na sua sensibilidade, mas na parte mais alta da alma – Ele conservou sua alegria até mesmo na Paixão, até mesmo no Horto das Oliveiras quando bebeu o cálice, quando suou sangue, até mesmo no alto da Cruz quando Ele disse o “consumatum est”. Então, o que é a felicidade? Eis aí mais uma palavra cujo sentido tem que ser reencontrado para compreendermos o que querem dizer os antigos autores espirituais ao empregá-la. Porque, do contrário, se cai num quiproquo do qual ninguém sai. A felicidade e a alegria, o que são? Nós compreendemos mais facilmente o conceito de alegria e depois chegamos ao de felicidade. É alegre o homem que compreende, o homem que sabe que faz o que deve fazer e que sente aquele bem-estar de alma decorrente de cumprir o seu dever e querer fazer o que deve fazer. Isso dá alegria. Simplificando as coisas, a alegria vem ao homem do fato dele fazer o que quer. Se o homem faz aquilo que deve fazer, ele tem a boa alegria. Quer dizer, ele tem a alegria que vem do fato de fazer o que deve fazer. Se faz o que não deve fazer, ele tem má alegria. Qual é a alegria do homem que cumpre o seu dever? Os Srs. tomem um soldado que está lutando no campo de batalha. Uma luta tremenda: explodem os obuses, os perigos se multiplicam etc., mas ele luta com todo o fogo. Esse homem tem ou não tem alegria? Tem alegria. Por que? Porque tem a satisfação de estar fazendo aquilo que deve, como deve e chegando ao resultado que deve, ainda que seu resultado seja morrer no campo de batalha. Aquilo ele aspirou, aquilo está fazendo. Aquilo é reto e produz na alma dele uma forma de bem estar que todos os sofrimentos da batalha não conseguem superar no homem bem ordenado. Isso é a verdadeira alegria. Não sei se está bem claro. O que é a felicidade? É a posse habitual dessa verdadeira alegria. Então, é nesse sentido que vamos ver a alegria de Santo Odilon. Os Srs. não devem estar imaginando Santo Odilon gracejando. O que ele fazia? Ele era alegre e comunicava alegria. Os Srs. vão ver isso daqui a pouco, na ficha que será lida. Ou seja, ele tinha a alegria de estar fazendo seu holocausto, de estar cumprindo seu dever. E aqueles com que ele tomava contato, ele infundia essa satisfação também. Então, um monge abatido, sem coragem, jururu, deprimido, a esse monge ele comunicava a alegria de ser monge, a alegria de cumprir o dever, a alegria de fazer o holocausto. Quer dizer, essa forma de determinação, de satisfação. É isso que se chama alegria. Então, continuando a leitura da ficha biográfica sobre Santo Odilon: “Suas palavras derramavam alegria. Quando ele contava alguma coisa, contava-o de um modo tão interessante que as pessoas se regalavam. Mas ele, que mantinha muito bem as rédeas de si mesmo, imediatamente quando via que o ouvinte estava muito deleitado, dava um capítulo da regra, que dizia o seguinte: É preciso não amar o riso ruidoso, nem estrepitoso...” Quer dizer, o monge não deve ser ligeiro nem pronto para rir. “...porque está escrito: burro é aquele que estala na gargalhada.” Quer dizer, ele mesmo – vejam os Srs. que encanto –, ele mesmo procurava atrair os seus monges, procurava tornar agradável a conversa deles, procurava até contar algum caso que recreasse o monge. Mas ele, que dava esse prazer ao monge, punha um parapeito e ao mesmo tempo, de um modo agradável, lembrava a regra que dizia: Não façam papel de bobos pelo que eu estou contando. Não se regale como um tonto. Seja sóbrio diante da delícia que eu estou lhe dando. Os Srs. tão vendo que perfeição de alma, que equilíbrio de alma, e que perfeito pastor que se preocupa em tornar leve o caminho do dever àquele que deve guiar, e que encontra tempo – em meio à transcendência das suas altas cogitações –, encontra recursos para se tornar agradável para os outros, para que melhor carreguem a cruz. Quer dizer, ele passava perto de cada um, e ajudava a carregar a cruz. Os Srs. estão vendo aí o perfeito pastor, o pastor comovedor, edificante!
“De um modo ou de outro ele nos detinha quando éramos tentados de hilaridade, mas sua alegria espiritual tinha passado para nós e tinha deleitado nosso coração. Eu me esforcei – dizia ele – de ser verdadeiro mais do que eloqüente. Nossa profissão não pode se permitir as pequenas glórias de um discurso pomposo. Nós devemos ser e não parecer.” Isso é já sobre sua sinceridade. Ou seja, ele não queria falar pomposamente, queria dizer as coisas como são, o que é a perfeita oratória. Porque a perfeita oratória não é daquelas que os Srs. notam que o sujeito está buscando uma palavra bonita para dizer uma coisa que não é bonita. Isso é um fracasso da oratória. A perfeita oratória é daquele que usando uma palavra comum, diz uma coisa bonita. Ou o que usa a palavra bonita apenas para realçar a beleza naquilo que ele está dizendo. “A temperança é a última no catálogo das virtudes. Por definição, ela guarda a medida e a ordem em tudo aquilo que é preciso dizer ou fazer. Santo Odilon foi exímio na temperança. Em seus atos e em suas ordens ele guardava a medida, mantinha a ordem e mostrava uma admirável discreção. Ele seguia o conselho de São Jerônimo: como um cocheiro, ele moderava o jejum segundo suas forças e seus cansaços. Assim, ele tomava um pouco de tudo do que lhe traziam para evitar o escrúpulo, mas se regrava sem dar ocasião a ninguém de louvar suas privações. Seus trajes eram o que era preciso ser, sem mais. O seu traje não podia ser julgado nem por demais belo, nem por demais miserável. E já que convém um exemplo para fazer compreender as coisas, não é fora de propósito contar a história de Guiges, conde de Albon. Ele foi salvo pela discreção de nosso padre, em circunstâncias pouco comuns. Esse Guiges conversando um dia com nosso santo padre Abade (santo Odilon) lançou, entre outras coisas, a tese de que ficar monge, seria para ele uma empresa impossível, a menos que lhe permitissem usar seus trajes leigos. O homem de Deus o tomou ao pé da letra. E atendendo ao seu capricho, resolveu ganhar essa alma para Deus. Porque o homem se tornou monge, e durante o primeiro tempo se viu que ele andava de um lado para outro, apesar de monge, com seus trajes confortáveis. Mas à força de ter sob os olhos a humildade de seus irmãos, a simplicidade de sua vida e de seu hábito, ele começou a se olhar como um intruso entre as ovelhas de Cristo. Espontaneamente ele pôs de lado suas belas coisas do século, e eis que num breve prazo, cerca de vinte dias depois de sua conversão, morreu santamente”. É um “fioretti” perfeito! Aqui também, sem alongar demais o Santo do Dia, eu precisaria dizer o que significam essas palavras “temperança”, “moderação”, etc., que perderam completamente o seu sentido. E que explicam porque os srs., lendo uma vida de Santo, podem não sentir consonância, mas uma fricção. Santo Odilon era temperante em tudo, era moderado em tudo, ele nunca ia a um excesso ou exagero. Os srs. estão vendo um "heresia branca" (pessoa que toma "atitude sentimental que se manifestava sobretudo em certo tipo de piedade adocicada e uma posição doutrinal relativista que procurava justificar-se sob o pretexto de uma pretensa 'caridade' para com o próximo") olhando assim (desprezando) e nos "fulminar"... Agora, o que é temperante? o que é moderado? o que é exagero? Não é temperante aquele que está sempre no "meio termo". Vamos dizer, por exemplo, as pessoas tem idéia de que quando alguém faz um discurso muito bonito, quem bate grandemente as palmas não é temperante; e um que bate umas palminhas é temperamente. E se alguém diz, por exemplo, uma abominação num discurso e todo mundo vaia, que o temperante também não é o que vaia muito, mas é o que diz um “tsiu”... e assim mesmo com um arzinho de quem não entra muito naquilo, porque ele é “temperante”... Isso aqui é o contrário da temperança: é um tipo chocho! Isso corresponde à palavra poca! O poca é isso, porque ficou aquém da devida medida. Se o discurso é um grande discurso, o poca bate umas palminhas e fica quieto. É um idiota. Mas se o indivíduo é temperante, ele aplaude grandemente o grande discurso. E se o outro disse uma grande abominação, o temperante vaia grandemente a grande abominação. Nosso Senhor foi um modelo de temperança por manifestar, quando era ocasião, um amor aos homens levado ao extremo. E depois, quando era ocasião também, uma censura aos homens levada ao extremo. Nisso é que ele foi temperante. É que Ele percorreu todas as gamas de estados de espíritos que a realidade das coisas propunha. A temperança dEle era essa (para aprofundar o assunto, vide “Em Defesa da Ação Católica”, Parte V, Capítulo único). O que é discreção? Há uma idéia afunilada e boba da palavra “discreção”, por onde o sujeito “discreto” é, antes de tudo, o que não fala alto... Eu começaria por aí já por ser um "indiscreto"... Depois, não dá opiniões muito categóricas. Diante de qualquer opinião, o tipo “discreto” dirá: “Talvez... é... é uma coisa a considerar-se, não é?...” A gente diz: “Olha aqui, está vendo um automóvel à toda velocidade em cima de você.” Ele dirá: “Ah, medidas se impõem a serem oportunamente consideradas...” Isso é um pacóvio. Não é um tipo discreto. Outra coisa: maneiras “discretas” seria, por exemplo, estar no canto de uma sala e não chamar atenção sobre si. Isso é ser apagado. O que é o discreto? O discreto é aquele que tem discernimento, que sabe distinguir e contra-distinguir as coisas, de tal maneira que ele nota os matizes das situações e é capaz então de agir matizadamente em função da situação. Esse é o sujeito discreto. Conheço, por exemplo, uma dona de casa pseudo-discreta. Ela adota a seguinte atitude: convida as pessoas para almoçar ou jantar em sua casa, mas não conversa quase. Por que não conversa? Para – segundo ela – deixar liberdade aos seus convidados de conversarem como queiram... É o contrário da boa regra, que consiste em que o anfitrião tem que saber distrair os que estão na casa. Ele não deve ser um tormento, um flagelo aos seus visitantes... É claro que deve deixar seus convidados falarem, até seu triunfo está em estimular seus convidados a conversarem, mas conversando ele também. O que é aí “discreta”? É uma dona de casa apagada. Pode ser que ela dê uma boa comida e as pessoas vão comer em sua casa. Mas isso é um restaurante... Um restaurante gratuito não é uma casa. Mas são idéias erradas de discreção incutidas por um estilo completamente errado. Não é a tradição católica. Santo Odilon era discreto. Por isso ele foi discreto com o caso desse homem narrado anteriormente nesta ficha. Ou seja, ele soube discernir, compreendeu que esse homem tinha um resto de apego pelos trajes mundanos, que quanto ao mais a alma dele já se tinha dado a Deus. Então, armou uma santa arapuca para o homem, abrindo uma exceção à Regra que só um Santo Odilon tem porte para abrir. E disse para o homem: é só por causa da roupa que você não entra para o convento? Está bom. Use sua roupa. O homem entrou para o convento com a roupa do mundo, arrependeu-se, começou a usar o traje de monge, passou vinte dias e pouco depois expirou nos braços de Deus. Era a canonização da atitude de Santo Odilon. Aqui está uma pequena interpretação, menos de Santo Odilon, do que do indivíduo que escreveu a vida de Santo Odilon, e portanto de todas as outras vidas escritas por tantos outros santos. E com isso nós damos por encerrado o Santo do Dia de hoje.
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