Plinio Corrêa de Oliveira
Santo Odilon - VI
Uma alma feita dos equilíbrios capazes de todas as audácias e das audácias capazes de todos os equilíbrios
Santo do Dia, 9 de outubro de 1972 |
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A D V E R T Ê N C I
A O presente texto é adaptação de transcrição de gravação de
conferência do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira a sócios e cooperadores da
TFP, mantendo portanto o estilo verbal, e não foi revisto pelo autor. Se o
Prof. Plinio Corrêa de Oliveira estivesse entre
nós, certamente pediria que se colocasse explícita menção a sua filial
disposição de retificar qualquer discrepância em relação ao Magistério da
Igreja. É o que fazemos aqui constar, com suas próprias palavras, como
homenagem a tão belo e constante estado de
espírito: “Católico
apostólico romano, o autor deste texto
se submete com filial ardor ao ensinamento tradicional da Santa Igreja.
Se, no entanto, por lapso, algo nele ocorra que não esteja
conforme àquele ensinamento, desde já e categoricamente o rejeita”. As palavras "Revolução" e "Contra-Revolução", são aqui
empregadas no sentido que lhes dá o Prof. Plínio Corrêa de Oliveira em
seu livro "Revolução
e Contra-Revolução", cuja primeira edição foi publicada no Nº
100 de
"Catolicismo", em abril de 1959. |
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A arte gótica, seja em seus edifícios religiosos (como acima, a Catedral de León - Espanha), seja em suas construções para outras finalidades (como abaixo, o Castelo de Coca, sec. XV, também na Espanha), reflete o equilíbrio, a força e a harmonia da alma católica
Devemos concluir a ficha de Santo Odilon. De maneira que vamos para isso:
“Durante os anos de miséria, ele quebrou muitos vasos sagrados para dá-los aos pobres, assim como peças de ourivesaria insignes, e entre elas a própria coroa do Imperador Henrique. Pois considerava indigno de conservar esses objetos quando os pobres tinham fome, eles a quem Cristo tinha dado Seu sangue. “Sua solicitude se estendia até aos bens externos que ele geria conscienciosamente...”
“bens externos” quer dizer bens exteriores, bens materiais.
“Seu trabalho valeu ao mosteiro um acréscimo de prosperidade que todo o mundo pôde verificar. Não só fez construir a igreja, mas a dotou de ornamentos preciosos. Ele estendeu as terras da Igreja. Para distribuir de suas mãos os objetos de uso, decidiu sabiamente que cada mês os religiosos encarregados de estoques dariam a todos o necessário. E assim o convento estaria sempre em paz. Fazendo isso, pensava na tranqüilidade dos irmãos, não querendo deixá-los em necessidade. “Se bem que aplicando seu espírito a essas questões materiais, ele mantinha uma preocupação constante nos valores interiores. Sua alma fervorosa procurava promover o fervor na observância. “Ele suprimiu do mosteiro muitos requintes supérfluos. Introduziu, pelo contrário, tudo o que podia favorecer a vida religiosa. Proibindo tudo o que era pouco útil, procurou sempre em tudo, e através de tudo, a dignidade e a santidade da Igreja de Cluny. “Exemplo de uma mobilidade e de uma resistência pouco ordinárias, ele viajava por certo com uma escolta numerosa. Jamais se deixou deter nem pelas neves abundantes, nem pelas chuvas diluvianas, nem pelos rios transbordados. “E sempre era ele que estimulava a sua comitiva, submetendo-a às piores provações de coragem e de resistência. Verdadeiro homem que arrasta os outros, ele o foi tanto nas vias materiais das estradas, quanto nas vias da santidade no claustro. Ele o foi sobretudo pela continuidade de seu esforço. “Não somente jamais se deteve, mas tem-se a impressão, ao longo de sua vida, que ele prosseguia numa tarefa, imperturbável, quaisquer que fossem as dificuldades, quaisquer que fossem as desgraças do tempo.”
Todas as virtudes são afins entre si... assim como os vícios
Esse trecho da biografia nos oferece vários aspectos diversos da alma dele. O primeiro aspecto é de Santo Odilon esmoler. Dir-se-ia que um homem tão rijo, um homem tão valente, um homem tão corajoso, pelo próprio fato de sua rijeza, seria pouco propenso à misericórdia e à condescendência. Isso é o erro em que caem muitas vezes os filhos da Revolução, quando apreciam as coisas da Contra-Revolução, quando apreciam as coisas da Igreja. Eles não compreendem que todas as virtudes são afins entre si, como todos os vícios são afins entre si também. De maneira que quem tem verdadeiramente uma virtude, autenticamente até o fim, por isso mesmo se deve supor que ele seja possuidor da virtude extrema oposta. Já várias vezes eu tenho declarado isto aqui. Por exemplo, quando se vê um homem muito valente, tem-se a idéia de que ele é um homem pouco misericordioso. E quando se vê um homem muito misericordioso, tem-se a idéia de que ele é pouco valente. Se um homem muito valente é de fato valente por razões sobrenaturais, tem uma valentia segundo o espírito da Igreja, a valentia em nada lhe tolhe a misericórdia. Pelo contrário, prepara a sua alma para a misericórdia. Se, pelo contrário, um homem é muito misericordioso, mas de uma misericórdia sobrenatural, não uma filantropia natural, essa misericórdia lhe prepara a alma para a valentia. Os Srs. têm aqui Santo Odilon, que é um homem de uma têmpera de ferro e com um coração de mãe. A tal ponto que, verificando-se no povoado dele aquela fome, aquela miséria, ele rompe vasos sagrados. O que quer dizer isso? Ele desmonta vasos sagrados. Vasos sagrados quer dizer vasos destinados ao altar: píxides, cibórios, ostensórios, outros objetos assim, ele os desmonta para vender o material, para com isso saciar a fome do povo, para evitar que o povo sofra fome. Mas esse mesmo homem, os Srs. vêem, por uma admirável harmonia, ser um grande administrador dos bens terrenos. Não um perdulário, mas um administrador dos bens terrenos, que elevou seu mosteiro a um alto grau de prosperidade. Construiu grande parte da igreja, etc., fez dela uma igreja magnífica, famosa em toda a Cristandade. E comprou com seu dinheiro – com o dinheiro que ele ganhava, – outros vasos sagrados com a disposição de desmanchá-los também se algum dia fosse necessário.
Santo Odilon
Ou seja, não há nada de comum entre Santo Odilon e um D. Helder Câmara, que preconiza que os bispos usem cruz de madeira, que usem anel ordinário, ou nenhuma cruz, nenhum anel, que é contra o chamado luxo do culto. Porque é contra o luxo, porque é igualitário, porque gosta das coisas que não têm elevação nem valor. Não é isso. Ele é um homem que gosta muito dessas coisas, a tal ponto, que faz o possível para produzir dinheiro, para guardar dinheiro, e quando o tem, compra essas coisas, e as favorece. Mas ele tem uma sábia hierarquia de valores. Sabe perfeitamente que há momentos em que se deve ter essas coisas, mas como estas existem para o serviço de Deus, há momentos também que é preciso renunciá-las. Um desses momentos era quando havia fome.
A “economia fechada” na Idade Média
Como é que se punha a fome? Na Idade Média, por causa da invasão dos bárbaros – que como os Srs. sabem marca a transição entre a Antigüidade e a Idade Média as vias de comunicação romanas, que eram estradas bem feitas e extensas, tinham caído, tinham se degradado largamente. Pontes caíram sem que ninguém as consertasse, de onde estradas inteiras perderem sua utilidade, e começaram a ser invadidas pela grama, pelas enxurradas, etc., etc., enfim, as comunicações pereceram enormemente. De outro lado, mesmo durante a Idade Média, houve uma expansão muito grande da população, de maneira que esta ia procurar localizar-se em lugares ermos, para onde havia estradas ainda insuficientes. Tudo isso fazia com que na época de Santo Odilon – no fim da Idade Média isso estava mudado – mas na época de Santo Odilon os meios de comunicação fossem muito carentes, muito insuficientes. Acontece que sendo muito insuficientes, cada lugar vivia do que se chama hoje a economia fechada. Quer dizer, cada zona – mas zona se deve entender uma extensão assim: o mosteiro, propriedades rurais e mais, no máximo, quatro ou cinco outras propriedades em torno dele – era obrigada a produzir tudo quanto era necessário para alimentar os seus habitantes. E quando havia certas formas de intempéries, ou de epidemias, ou de qualquer outra coisa assim, a terra não dava o necessário, e as pessoas morriam de fome por causa disto. Não havia possibilidade de fazer, por exemplo, o que a Rússia faz hoje: manda buscar nos Estados Unidos o trigo que não produziu... Uma intempérie, vamos dizer um inverno que se prolonga, ou qualquer outra coisa assim, prejudica, numa região que produz trigo, toda sua produção. Então não tem trigo, não tem trigo não tem pão, ou tem pouco pão, as pessoas morrem de fome porque não têm para quem apelar. Santo Odilon, aí tinha uma alternativa: ou era desmontar os objetos sagrados que possuía e mandar vendê-los em regiões que não estivessem provadas pelas mesmas intempéries, com muita dificuldade, atravessando estradas difíceis, etc. – vender ao longe, pegar os recursos, comprar ao longe também o necessário para alimentar essa gente, e levar para Cluny, ou então o pessoal morria de fome. Ele, colocado nessa alternativa, a saída era vender essas coisas. Quer dizer, é uma situação econômica inteiramente diversa da de nossos dias, em que há muito mais recursos para onde apelar, porque a economia é aberta, é escancarada; aonde as intempéries também produzem, em geral, efeitos muito menores, porque a agricultura está colocada em uma base em que se sabe defender muito melhor contra todas essas pragas, essas coisas que antigamente dizimavam a agricultura, na Antigüidade e na Idade Média. E por outro lado, as pessoas têm hoje uma possibilidade de serem absorvidas pela riqueza geral, que não tinham em Cluny. Era Cluny ou nada. Os outros eram trabalhadores manuais de Cluny. Em outros termos, se uma pessoa está com muita fome em São Paulo, tem mil campainhas onde tocar, e tem quem lhe dê o que comer. Tanto é que os Srs. não vêem ninguém morrer de fome em São Paulo. É muito diferente do que era a situação em Cluny. Então Santo Odilon, colocado nessa situação, fazia o que devia fazer, porque a vida humana vale mais do que os tesouros materiais. Ele sacrificava os tesouros materiais em honra da vida humana. E ia tão longe, que até a coroa do Imperador Santo Henrique – jóia de um alto valor simbólico, provavelmente de um bom valor material também, e uma glória, uma relíquia – até essa coroa ele mandou desfazer para dar para os pobres. Assim que ele recuperava dinheiro, mandava reconstituir os tesouros para a Casa de Deus, porque a Casa de Deus merece essas riquezas. Os Srs. vêem aí um equilíbrio daquilo que é verdadeiramente católico, sem fanatismos, nem unilateralidades, em que se observam todos os aspectos de um problema e que se encontra o ponto certo de onde tirar as conseqüências adequadas, um procedimento perfeito. É a sabedoria, virtude própria a um Santo. Dado que a alma católica é como uma música cheia de harmonias que se contrabalançam, mais uma vez devemos ressaltar que ele, homem capaz de acumular muito dinheiro pela sua capacidade de produção econômica, era um homem muito zeloso em que aos seus monges não faltasse nada. E ele explicava o motivo: a despreocupação material favorece a contemplação. Por isso, a gente lê aqui que ele não hesitava em gastar para que os seus monges vivessem bem. Mais uma vez o equilíbrio! Ele exigiu que todos os objetos que fossem de luxo ou de mero prazer, fossem retirados do convento. Porque o convento deve viver de austeridade e não deve, portanto, ter esses luxos supérfluos. Os Srs. vêem, portanto, a propósito do dinheiro, quanto contrapeso e quanta sabedoria, quanta lucidez! É um homem que não é maníaco de nada, nem de ter nem de não ter. Possui apenas o lúcido hábito da sabedoria, quer dizer, é sábio, ele tem a virtude e o amor à sabedoria.
O pseudo-equilíbrio do medroso e o autentico equilíbrio que caracteriza verdadeiramente o espírito católico
Na linguagem do mundo, isso é assim: “um homem tão equilibrado deve ser meio moleirão...” Porque na linguagem do mundo, um homem muito equilibrado é incapaz de resoluções extremas. E quando se ouve falar que um homem é equilibrado, ao mesmo tempo a gente sente uma certa admiração – porque afinal de contas não se pode admirar quem é desequilibrado, não se vai dizer "que colosso!" em relação a um desequilibrado... – mas de outro lado também a gente diz: "Já estou vendo... é um poca que mede tanto os prós e os contras, os prós e os contras, que nunca faz nada que tenha categoria nem valor!..." Ele não era assim. Os Srs. ouviram que ele viajava com uma escolta numerosa, não recuava diante de nenhum obstáculo no caminho: más estradas, com rios que transbordaram, com pontes vacilantes, com toda espécie de obstáculos... Não só exigia que se transpusesse – deve-se entender, exigia quando não fosse uma loucura, é claro – como não permitia medos de maricas, de efeminados, e era o primeiro a se expor. Mas tinha uma força moral tal, que ele dando o exemplo, arrastava os outros. Não é a imagem que o mundo faz do equilibrado. O "equilibrado" segundo o mundo, pelo contrário, é um chocho, a quem a gente pergunta: – Você pensou em tal ponto? Ele, em primeiro lugar, suspira. Porque toda a tomada de atitude do pseudo-equilibrado começa com um suspiro. – Pesei, pesei até longamente... Depois fica meio hesitante sobre o que vai dizer. A gente vê que ele tanto pesou que ficou como uma espécie de balança louca e acrescenta: – Sabe de uma coisa? Tudo bem pesado, eu achei melhor não fazer nada... Eu tenho vontade de dizer: – Já sabia. Não precisava me dizer. Com seu tipo de “equilíbrio”, eu já sabia... Isso é um falso equilíbrio. Isso é o “equilíbrio” do pífio, do poca, do medroso. Não é o equilíbrio de um homem que, pesando as razões, sabe perceber quando é o caso de ter grandes lances e grandes gestos, como também sabe discernir quando não se deve deixar levar pelos primeiros impulsos. Quer dizer, é aquele superior equilíbrio que caracteriza verdadeiramente o espírito católico. Então, a ficha de hoje termina com esse lindo comentário: “ele era um entraîneur”, aquele que arrasta, um arrastador de homens. Quando passava a ponte perigosa, todo o mundo passava com ele, e isso não era só na estrada, mas era no convento também. Para transpor os grandes abismos, para voar nos grandes céus da vida espiritual, ele o fazia destemidamente e arrastava consigo seus monges. Foi por isso que fez a glória de Cluny! Como são raros os homens assim hoje em dia!... Como são raros os que sabem que um homem deve ser assim... Como são raros os homens que, ouvindo que um homem foi assim, se enchem de admiração e de enlevo... Como são raros os homens que, se enchendo de admiração e enlevo, tem confiança em Nossa Senhora e dizem: - Se eu pedir a Nossa Senhora, eu serei assim em toda medida para a qual fui chamado a realizar. Não vou fazer para mim um plano orgulhoso, mas serei tudo aquilo que eu nasci para ser. Mãe de Misericórdia, não olhai para minhas faltas, não olhai para minhas “pifiesas”, nem para minhas “poquices”, nem para meu passado. Olhai só para vossa bondade e para minha miséria. Ajudai-me e fazei-me assim. Como são pouco os que são assim... Entretanto, é assim que se deve ser. De maneira que os Srs. tem aqui a intenção para o Santo do Dia: que Nossa Senhora nos dê uma alma como a de Santo Odilon, feita desses equilíbrios capazes de todas as audácias e dessas audácias capazes de todos os equilíbrios. Isso é o que nós devemos desejar! Com isso está terminado o Santo do Dia. (O Sr. pode dar uma definição do verdadeiro equilíbrio?) A palavra “equilíbrio” provém do latim “aequus” (igual) e “libra” (balança), e provavelmente significa uma igualdade de pesos. Isto pode induzir a que se tenha a idéia de que o homem “equilibrado” é o que mantém sempre interiormente as balanças de sua alma em uma mesma disposição estática, sem nunca ter uma grande emoção, um grande movimento, um grande impulso, nem nada, mas sempre parada. As almas paradas, as almas de marasmo seriam as almas “equilibradas”. O que é o equilíbrio? O equilíbrio, sem dúvida, é o saber pesar bem as coisas. É, portanto, saber bem pesar os prós e os contras das coisas. Mas para saber pesar bem os prós e os contras é preciso compreender que muitas coisas nesta vida tem imensos prós e imensos contras. E precisa ter uma alma imensa para saber medir a imensidade dos prós e dos contras. Mas quando se tem que fazer qualquer coisa, depois de ter pesado bem o pró e contra, saber tirar a diferença. Mas tirada a diferença, o equilíbrio não está mais na hesitação, mas na resolução! O homem equilibrado hesita muito enquanto não encontrou o verdadeiro ponto da verdade. Quando encontrou, ele é firme e não tem mais irresolução nenhuma, lança-se até o fim porque tem certeza do valor do raciocínio que fez. Então, conforme o caso, ele é capaz dos maiores riscos, das maiores aventuras, das maiores peripécias. Como também, se for o caso, ele é capaz das melhores retiradas estratégicas, das melhores prudências, dos melhores golpes de raposa, é capaz de se fazer pequenininho se for o caso... até a hora dele voltar a ser imenso. Quer dizer, é sempre um peso de prós e contras, uma grande sensibilidade intelectual no ponderar o pró e o contra e tirar a conclusão. E depois, uma grande decisão no seguinte: se é assim, se é essa a verdade que eu vi, lá vai! Nada de soluções heterogêneas, contraditórias em si mesmas, enfermiças. A coisa vai até o fim. Isso é o homem equilibrado. ________________________________________________________________________
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Deus |