Plinio Corrêa de Oliveira
Santo Odilon - V
O dever dos grandes de serem benfazejos para com os inferiores, e destes serem respeitosos para com os superiores
Santo do Dia, 2 de outubro de 1972 |
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A D V E R T Ê N C I
A O presente texto é adaptação de transcrição de gravação de
conferência do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira a sócios e cooperadores da
TFP, mantendo portanto o estilo verbal, e não foi revisto pelo autor. Se o
Prof. Plinio Corrêa de Oliveira estivesse entre
nós, certamente pediria que se colocasse explícita menção a sua filial
disposição de retificar qualquer discrepância em relação ao Magistério da
Igreja. É o que fazemos aqui constar, com suas próprias palavras, como
homenagem a tão belo e constante estado de
espírito: “Católico
apostólico romano, o autor deste texto
se submete com filial ardor ao ensinamento tradicional da Santa Igreja.
Se, no entanto, por lapso, algo nele ocorra que não esteja
conforme àquele ensinamento, desde já e categoricamente o rejeita”. As palavras "Revolução" e "Contra-Revolução", são aqui
empregadas no sentido que lhes dá o Prof. Plínio Corrêa de Oliveira em
seu livro "Revolução
e Contra-Revolução", cuja primeira edição foi publicada no Nº
100 de
"Catolicismo", em abril de 1959. |
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Quando os Abades de Cluny deviam se hospedar em Paris, ficavam neste edifício construído por Jacques d'Amboise (final do sec. XV), onde em 1843 passou a ser o Museu medieval para abrigar as relíquias do passado gótico da França
Continua Jotsald, o historiador do grande abade de Cluny, Santo Odilon: “Se não fosse descrever com pormenores a sua caridade fraterna, ele a difundia por sua própria afeição, antes de ensiná-la. E ele ensinava sobretudo por seus atos, pois amava seus irmãos com o interno calor de sua alma. Queria fazer engrandecer a cada um deles, levá-los ao amor de Deus, como ele incitava a isso seu próprio coração. Jamais ele desprezava nem rejeitava pessoa alguma. Mas pela caridade verdadeiramente divina, ele convidava todo mundo, sem nenhuma reserva, a aproveitar de sua indulgência. Pois aquele que é verdadeiramente grande e está elevado acima dos outros, pela graça e pela própria consciência, arde nesse desejo de amar o próximo.” A conjunção entre grandeza e paternalidade em Santo Odilon Eu creio que está aqui um primeiro pensamento, que devemos tomar em consideração, porque é muito diferente do que habitualmente se tem, com o espírito igualitário que sopra sobre o mundo. A idéia era esta: Santo Odilon, abade de Cluny, numa época em que a íntima conjugação das instituições temporais e espirituais fazia de um abade um personagem de grande importância também no meio temporal, e tomando em consideração de que Cluny representava a maior família religiosa do tempo, o abade de Cluny era, portanto, um dos homens mais consideráveis da estrutura política e social da Idade Média. De mais a mais, o convento de Cluny era senhor feudal de uma série de terras. De maneira que ele tinha um poder que não era só o poder espiritual, mas era um poder material também. Ele estava elevado – pela sua reputação pessoal, pelo prestígio de sua santidade, de sua cultura – muito acima de seus contemporâneos. Esse homem, tão insigne por uma porção de circunstâncias, sabia fazer-se respeitar de um modo extraordinário, como os senhores estão vendo por toda essa ficha. Ele era objeto da maior admiração, objeto do maior respeito da parte de todo o mundo. Não era, portanto, um demagogo, um desses indivíduos que sabem se fazer respeitar apenas despojando-se das qualidades de grandeza inerentes à sua autoridade. Pelo contrário, a sua autoridade ele a exercia inteiramente e de um modo esplêndido. Mas isso não impedia que ele fosse, de outro lado, muito paterno para os seus monges, colocados sob a sua jurisdição. Então, o biógrafo mostra como ele se acercava de cada um com afeto, como entrava nos problemas de cada um, como procurava resolver o que dizia respeito à vida de cada qual, fazendo junto a cada um o papel de Bom Pastor.
Santa Isabel de Hungria, Duquesa da Turingia, lava e cura as feridas dos doentes da tinha (Murillo, 1672, Hospital da Santa Caridade, Sevilha) A mentalidade igualitária e de luta de classes difundida pela Revolução Francesa e muito difusa no mundo contemporâneo E depois vem um pensamento que merece um comentário especial, e que o comentador dá com uma naturalidade extraordinária, mas de fato é um pensamento precioso. Diz ele: "Pois, como é natural, quanto mais alto é um homem, tanta maior é a caridade que ele tem para com os seus irmãos". Este pensamento é que merece ser comentado por nós. Porque segundo o espírito que sopra no mundo depois do Protestantismo, depois da Revolução Francesa, tem-se a idéia errada de que quanto mais elevado um homem é, mais ele despreza os que estão embaixo. Uma idéia inspirada de algum modo em nossos dias pela luta de classes pela qual o que está em cima vê no que está debaixo um concorrente que quer subir e que é preciso espancar para que não suba. E o que está debaixo vê no que está em cima um tirano que o está explorando e que ele tem que derrubar de todos os modos. De maneira que por todo lado onde haja um degrau hierárquico, há uma luta entre o superior e o inferior. Isto é freqüentíssimo no mundo de hoje e transuda o princípio da luta de classes, que é filho da Revolução Francesa e, mais remotamente falando, filho do Protestantismo.
Execução de Luís XVI O fundamento da paternalidade dos grandes em relação aos pequenos é a religião Aqui nós vemos afirmado o contrário. Quanto mais alto é um homem, mais ele tende à bondade, mais tende à proteção dos outros, mais tende a estender uma autoridade benfazeja sobre todo o mundo. Qual é o fundamento desta segunda idéia? É evidentemente um fundamento religioso, não podia deixar de ser. Porque é um dever que os grandes sejam bons para com os pequenos. E todo dever ou tem um fundamento religioso ou não tem fundamento racional nenhum. Nós temos que procurar, portanto, na religião o fundamento desse dever. São Tomás de Aquino o explica esplendidamente. Aquele que é maior está para com o que é menor como uma imagem de Deus. Quer dizer, ele deve proteger o menor, deve orientá-lo, deve guiá-lo, como Deus protege todas as suas criaturas. Na ordem estabelecida por Deus, os Anjos são todos desiguais, uns em relação aos outros, e cada Anjo superior guia os Anjos inferiores. Chegando aos homens: como os homens são menos que os Anjos, estes, em nome de Deus – os Anjos da guarda cuja festa é exatamente hoje – guiam os homens. E depois os homens mais eminentes por seu poder, por seu talento ou por sua riqueza ou pela autoridade que tem nas mãos, estes devem representar Deus junto aos pequenos, devem fazer bem aos pequenos. E então, segundo essa consideração, quanto mais alta é a autoridade de um homem, mais é o encargo que ele tem de fazer bem aos outros, e portanto mais benfazejo ele deve ser. E por causa disso – diz ele – é muito natural um prelado tão eminente, colocado numa situação tão alta, muito naturalmente é mais benévolo, é mais suave do que os prelados que estão numa situação inferior a ele. Por que? Porque o grande poder coincide com a grande bondade. Quanto maior é a dignidade de uma pessoa, tanto na sociedade espiritual quanto na Temporal, mais ela deve ser amada pelos inferiores Por isso também, os súditos devem amar especialmente as altas autoridades, devem querer aos que estão constituídos numa dignidade especial. O que, por exemplo, na Igreja Católica se verifica tão naturalmente, tão facilmente. Os senhores imaginem a Igreja Católica vivendo seus dias de normalidade. Eu fecho os olhos sobre épocas anormais. Não é razoável, não é digno, que um fiel ame o vigário de sua paróquia? É. Que ele espere proteção, amparo do vigário de sua paróquia? É. Mas o fiel não deve amar mais o Bispo do que o vigário, e não tem motivos para esperar maior bondade do bispo do que do vigário? É evidente. E ele não tem razão para amar ainda mais o Papa do que o bispo? E não tem motivos também para esperar mais indulgência do Papa do que do bispo? Também. Quer dizer, na Igreja – em cuja estrutura na penetrou o espírito da Revolução, sobretudo antes de soprar dentro dEla esse vento deplorável do progressismo –, as coisas se passavam normalmente assim, e esse princípio se verificava. Daí, por exemplo, quando saía o vigário à rua, consideração. Quando saía o bispo à rua, respeito. Quando saía o Papa à rua, veneração de todo mundo: janelas cheias, povo ajoelhado, aclamações, "bendito aquele que vem em nome do Senhor", porque é a mais alta das autoridades.
Na foto acima, a Guarda Nobre Pontifícia presta homenagem ao Papa, por ocasião do Natal de 1945 Ora, não há razão nenhuma para considerar esse princípio válido na ordem religiosa e não considerar válido, mutatis mutandis, na ordem civil. E é assim que o verdadeiro católico deve ver não só o poder público, mas todos aqueles que, a qualquer título, têm uma preeminência dentro da vida social, por sua cultura, por seu saber, por sua posição, enfim que por mil razões têm uma preeminência na vida social. Nós devemos tender a ver neles benfeitores, a confiar neles, a amá-los. E eles devem tender a nos proteger. Exatamente antes de vir cá, eu estava lendo uma carta escrita por um mau rei, Henrique IV (1553-1610), rei de França. Ele estava em perigo de vida, e de passagem emite este conceito com uma naturalidade extraordinária: "Enfim, como a minha razão de ser não é a minha própria vantagem, mas o reino da França, faça Deus de mim o que ele quiser". Os senhores estão vendo a idéia que está subjacente de que o grande tem como razão de ser o serviço do pequeno. E aí os senhores compreendem como a luta de classes fica achatada, ela desaparece. O conceito é da colaboração entre as classes, da colaboração orgânica, da colaboração tomando o mais alto modelo como padrão, que é as relações de Deus com o homem.
Arras (França), 1667 - A carruagem da Rainha Maria Teresa passa junto ao povo, enquanto o Rei Luís XIV segue a cavalo acompanhado de toda sua Corte (quadro de Van der Meule, Museu de Versailles) O maior elogio que se pode fazer da autoridade é chamá-la de paternalista, pois foi de "Pai" que Deus quis ser chamado na mais sublime das orações Eu sei que um espírito progressista poderia dizer: "Mas isso é paternalismo!" Eu diria: Bom, pois é, é precisamente paternalismo! Não é outra coisa senão o paternalismo. Porque não se pode fazer de uma autoridade um maior elogio do que compará-la com a autoridade do pai. Pois, quando Deus quis, nas mais solene das orações, que nós fizéssemos uma idéia do que Ele é, mandou-nos rezar: “Padre nosso que estais no Céu”... Quer dizer, nosso Pai que estais no Céu, quer dizer, chamar Deus de Pai. Então, se uma autoridade exercida à maneira paterna está mal, então a autoridade de Deus está mal. E cai tudo, nós caímos na ruína de todos os valores, de todas as instituições, de todos os princípios. Os senhores vêem então aí, quão bem se colocava Santo Odilon no seu papel. Um alto personagem, insigne por sua virtude, por seu saber, pelo seu cargo, mas por isso mesmo, particularmente afetuoso, bondoso, pastoral, em relação àqueles que o seguiam. Continua aqui a ficha: “Ele amava, de uma caridade bem ordenada, Deus mais do que a si mesmo, o próximo, como a si mesmo, e as coisas menos do que a ele mesmo.” Também aqui uma frase linda! E que serve para a nossa época tão preocupada com o dinheiro. Quanta gente há que ama o dinheiro mais do que a si mesmo? E que sacrifica, por exemplo, saúde, sacrifica relações de amizade, sacrifica uma porção de coisas para ter dinheiro. Aqui está bem posto: Santo Odilon amava a Deus mais do que a si mesmo; o próximo como a si mesmo. Mais do que a si mesmo, não. As coisas menos do que a si mesmo; amava-as, mas menos do que a si mesmo. Os senhores vêem como numa frase se põe perfeitamente em ordem todas as idéias e todas as coisas. “Doce e paciente, ele dava graças quando alguém lhe fazia alguma coisa errada. Mas chorava, se a injustiça atingia os pobres. E porque Cristo disse: ‘Aquilo que vós tiverdes feito a um dos menores dos que são meus, vós tereis feito a Mim mesmo’, ele se empenhava em prover as necessidades dos pobres com tanto zelo quanto ele tinha da própria pessoa de Jesus Cristo. Assim, era ele sempre assediado por uma multidão de pobres. “Administrador fiel e sábio, colecionava para eles víveres e roupas. Fez mesmo construir casas para os leprosos, às ocultas e como se fossem construídas por outros, para que essa boa obra não fosse atribuída a ele.” A extrema caridade de Santo Odilon para com o próximo e a pseudo-caridade do homem moderno Os senhores estão vendo aí a linda posição de alma dele. Quer dizer, como amava as coisas menos do que ao próximo, ele sacrificava as coisas ao interesse do próximo. Então, quando o próximo tinha necessidade, ele gastava, renunciava às coisas para atender ao próximo. Então, mandava fazer roupas, acumular comida para os infortunados que o procuravam. E tinha sempre o que dar, tinha sempre uma esmola a fazer. Mais ainda, mandou construir casas para os pobres e essas casas, arranjou um jeito de ocultar que era ele para evitar que alguma glória lhe refluísse. Como isso é diferente de algumas instituições de caridade que se chamam “Instituição Fulano de tal”, onde há um pavilhão de nome "Pavilhão Fulano". Lá dentro tem o busto do Fulano. Dentro tem o “auditório Fulano”, e no “auditório Fulano” ainda tem um outro retrato do fulano... Aí é fazer esmola para aparecer! Como é diferente Santo Odilon que fazia a esmola e se escondia. Para que? Nosso Senhor disse bem isso: quem faz a esmola e recebe o prêmio nesta terra, não precisa mais do prêmio celeste: já recebeu prêmio nesta terra. Se eu mando construir um “Pavilhão Plinio Corrêa de Oliveira”; e no “Auditório Plinio Corrêa de Oliveira” tem um busto de Plinio Corrêa de Oliveira, eu estou pago! É preciso eu me ocultar para que então, no Céu, eu receba a recompensa. Os senhores estão vendo aí uma outra luminosa faceta da alma desse grande santo. ________________________________________________________________________
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