Plinio Corrêa de Oliveira

 

HISTÓRIA DA CIVILIZAÇÃO


1936


Colégio Universitário

anexo à Faculdade de Direito da

Universidade de São Paulo

 

 

 

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Parte XI

A civilização no Império Romano

 

A D V E R T Ê N C I A

O presente texto é cópia ipsis litteris das apostilas para o curso de "História da Civilização". Portanto, os erros de ortografia, falta de palavras, eventuais acréscimos ou omissões são da responsabilidade de quem taquigrafou e datilografou ditas apostilas. Texto não revisto pelo Prof. Plinio.

Influência da civilização grega sobre o povo romano 

Por várias vezes os gregos entraram em contato com os romanos, nas épocas primitivas e depois das guerras púnicas. A influência primitiva, entretanto, foi pequena. Ela somente se fez sentir após a invasão da Grécia pelas legiões. Esta grande influência se explica por muitos motivos, mas principalmente porque o povo romano tinha uma civilização completamente diferente, e muito inferior à civilização grega.

Esta grande influência foi se dando através dos tempos, tanto por intermédio dos gregos que vinham a Roma — ora livres, ora escravos — como por intermédio dos romanos que iam estar em contato com os gregos na própria Grécia. Cumpre assinalar que a maior influência se deu graças aos professores e preceptores gregos, os quais, educando as crianças desde tenra idade, davam-lhes um cunho bastante helênico. Esta influência é chamada o helenismo em Roma. Devemos salientar ainda os diversos ramos da atividade humana em que ela se fez sentir: nas artes, na literatura, na língua e nas ciências.

Artes - Alguém já disse que Roma foi um hotel onde se hospedou a arte grega, tamanha a influência da arte grega sobre a romana. A primitiva arte romana, oriunda dos etruscos, era rude, e a influência grega veio então dar-lhe um cunho helênico.

Os primitivos pintores de Roma foram levados da Grécia. Na arquitetura foi grande a influência grega: da Grécia veio o uso das colunas e dos mármores. Na escultura os gregos também fizeram sentir sua influência introduzindo o mármore e a técnica. Os modelos gregos foram acatados com grande êxito pelos romanos.

Na literatura foi também grande a influência grega sobre a civilização romana, tanto que os primeiros escritos em Roma foram mesmo em grego. Foram traduzidos inúmeros escritores gregos, e quem estuda a literatura latina nota não haver originalidade nela, sendo fortemente acentuada pela influência helênica.

O teatro, o drama e o conto só foram introduzidos em Roma por intermédio dos gregos.

Religião - A primitiva e simples religião dos romanos absorveu todos os ensinamentos gregos. Inúmeros cultos não existentes em Roma foram introduzidos. Os deuses romanos foram tomando o aspecto dos deuses gregos, e a religião romana, por influência grega, foi grandemente alterada.

Língua - É grande a influência do grego sobre o latim, quer sob o ponto de vista lexicológico, quer sob o ponto de vista sintático. Quanto ao vocabulário, o latim ganhou muito.

Ciências - Devido à grande diferença de cultura entre os dois povos, grande foi a influência grega sobre o povo romano no que diz respeito à ciência. Numerosos conhecimentos geográficos e astronômicos foram introduzidos. A filosofia e outras ciências começaram a ser cultivadas.

Foi grande e benéfica a influência da civilização grega sobre Roma. Porém foi em parte prejudicial, por ter introduzido também os vícios gregos. Por exemplo: o luxo e outros mais, ao lado da rudeza dos costumes romanos; o fausto ao lado da sobriedade.

A família romana

A família romana não é uma família natural, mas antes uma criação do direito civil. Os romanos não davam importância ao parentesco natural. O parentesco civil era tudo para eles, e produzia efeito civis, conferindo direitos da família. A autoridade na família era do "paterfamilias", e se estendia à esposa, aos filhos e aos escravos.

Uma vez morto o chefe da família, formava-se então um certo número de pequenas famílias, dirigidas por um "paterfamilias", sem que contudo se quebrasse o laço de parentesco. O "paterfamilias" representava a religião do lar e dos antepassados, era o depositário do culto.

O fundamento da família em Roma era a religião. Cada uma tinha os seus deuses e cultuava os seus antepassados. A família era a base da sociedade. A disciplina familiar, exercida no seio da família, tinha uma repercussão benéfica na vida política e militar, inoculava no cidadão o hábito de ordem e obediência às autoridades. O pai só podia emancipar seus filhos quando estes tivessem sido escravos três vezes. Uma vez emancipados, cessava a autoridade do pai sobre o filho.

As mulheres eram mais consideradas que na Grécia, interessando-se pelos acontecimentos políticos.

Quanto ao casamento, havia leis severíssimas que o regulamentavam. Não eram permitidos enlaces entre tios e sobrinhas, enteadas e padrastos etc. Os órfãos menores eram entregues a tutores idôneos, que respondiam e prestavam contas deles ante tribunais especiais.

O Direito em Roma

De todos os legados que Roma nos deixou, o Direito Romano é, sem dúvida, o maior. Ainda em nossos dias é grande a influência do Direito Romano. Portanto esta grande obra do Império Romano valeria pela sua influência, se não valesse pelos preciosos ensinamentos de sabedoria existentes nas suas composições.

Características do Direito Romano - Trata-se de um direito preciso, ressaltando como característica necessária ao direito a clareza, evitando, por conseguinte, a confusão tão prejudicial, e por vezes funesta.

Origem e evolução - Este monumento legislativo foi se erguendo aos poucos, passando por fases sucessivas, desde o direito estritamente vinculado à religião até tornar-se completamente independente. Podemos considerar 7 fases na evolução do Direito Romano: 1) Direito papiniano; 2) Direito decenviral; 3) Direito pretoriano; 4) Direito imperial; 5) Direito da codificação; 6) Direito da decadência; 7) Direito da influência cristã.

Primeira fase: Direito papiniano - Direito consuetudinário. Não se constituiu de leis escritas, mas apenas de tradições guardadas pela nobreza. Por tal motivo esta 1ª fase caracteriza-se por possuir um direito arbitrário, e que se fundava na desigualdade, daí as inúmeras revoltas da plebe, que sempre levava desvantagens.

Segunda fase: Direito decenviral - Nesta segunda fase a plebe impõe leis escritas. São as chamadas "Leis das 12 Tábuas". Ainda não se conhecem bem as "Leis das 12 Tábuas". Julga-se, porém, que sejam elas em parte baseadas na legislação grega. Constituem um grande passo para as garantias pessoais e coletivas.

Terceira fase: Direito pretoriano - Com a proclamação, funda-se em Roma a Pretória, instituto de direito. As leis são discutidas, o direito torna-se mais brando e com maiores tendências à igualdade.

Quarta fase: Direito imperial - Nota-se, por este tempo, discussões em torno dos textos, como na fase anterior. Porém começa a se fazer sentir a influência do Império, com a criação de novas leis.

Quinta fase: Direito da codificação - Esta fase é a principal dentre todas elas. É a fase de ouro do Direito Romano. Começa com Adriano, que manda organizar o "Edito Perpétuo", formando assim um código, que é o fundo da interpretação das leis. É a fase de grandes jurisconsultos, como Juliano, Paulo, Mário, Gaios e outros. Por esta época são introduzidas novas modificações no Direito Romano, sob a influência filosófica grega.

Sexta fase: Direito da decadência - Por este tempo há uma grande instabilidade de governos, o que vai repercutir profundamente na interpretação do "Código", influindo portanto no Direito Romano.

Sétima fase: Direito da influência cristã - Com Constantino, e após tantas perseguições que duraram por vários séculos, é introduzido o Cristianismo em Roma. Faz-se notar então uma formidável influência cristã sobre o Direito Romano.

Fontes do Direito Romano - Como todos os direitos, o romano baseava-se nos costumes do povo. Porém não é apenas esta a fonte do Direito Romano. Na formação deste acentua-se a voz do Senado e dos pretores, a decisão do príncipe, a influência da filosofia grega etc.

Situação das pessoas diante do Direito Romano - O direito romano dividia as pessoas em duas categorias: 1) Suo Jure - o direito de cada pessoa; 2) Alieno Jure - o direito de outrem. Suo jure compreendia os homens livres, e Alieno jure compreendia as mulheres, filhos e escravos. O Suo Jure dividia-se em "jus latinus", referente aos latinos, e "jus gentium", referente aos peregrinos.

Divisão do Direito Romano - O Direito Romano divide-se em: 1) Direito Civil; 2) Direito Latino; 3) Direito das Gentes. O direito civil encarna todo o direito civil atual, e também todas as relações entre o indivíduo e o Estado. O direito civil divide-se em: 1) Direito privado; 2) Direito público. Este compreende várias sub-divisões, como: "jus sufragii", "jus honorem", etc. No Direito privado distinguem-se: "jus canulii", "jus comercii", etc.

Codificação do Direito Romano - A primeira tentativa de codificação do Direito Romano foi feita com as "Leis das 12 tábuas". Depois, na época de Adriano, reúnem-se os editos dos pretores. Logo após estas tentativas, temos o Código Gregoriano e Verdoriano. A maior parte da codificação foi feita por Justiniano, já no Império Bizantino, que se chamou "Corpus juris civilis".

Advogados e jurisconsultos - Começa em Roma, com a organização do Direito Romano, a aparecer um grande número de advogados e jurisconsultos, os quais vão sendo muito acatados pela sociedade. Aparecem os grandes e abalizados jurisconsultos, impondo-se com as suas opiniões, e também os grandes oradores, inflamando e agitando as massas.

O instituto da escravidão entre os romanos

O conceito de escravo - O Direito Romano considera o escravo como um objeto. Assim, não possuía direito algum, estando completamente submetido à vontade do senhor. Este conceito, porém, sofreu notável modificação à medida que iam se sucedendo as várias épocas em Roma. Demasiadamente rígido ao tempo da realeza, e mesmo da república, foi se atenuando ao tempo do Império, até que viesse a sofrer a influência benéfica do Cristianismo. Por este tempo começa-se a procurar melhorar a condição do escravo, procurando facilitar a sua libertação e diminuir a escravização.

Os romanos, assim como os gregos, justificavam a escravatura. Aristóteles concebia a escravatura por "jus naturalis", e os romanos julgavam que os mais fortes, por serem mais fortes, tinham direito de escravizar os mais fracos. Cícero defendeu esta tese, porém no fim do Império já se julgava o contrário, afirmando que a escravatura é um atentado contra o "jus naturalis". Já reconheciam então que o homem tem o direito de ser livre.

Fontes de escravos - Eram as seguintes as fontes de escravos existentes em Roma: as guerras; as dívidas; a ilegitimidade dos filhos; a auto-venda; o nascimento escravo; a importação.

A guerra - Todo prisioneiro era escravo. Assim, muitas levas deles foram introduzidas em Roma com as conquistas. Eram os escravos vendidos pelos generais, ou então distribuídos pela tropa. Foi a guerra a maior fonte de escravos de Roma.

As outras fontes - Os devedores que não podiam resgatar a sua dívida passavam a ser escravos do credor. Os filhos ilegítimos, bem como os filhos vendidos pelos pais, passavam à condição de escravos. Os filhos de escravos eram escravos. A importação também foi uma grande fonte de escravos. Na escravatura por dívida, nascimento, ilegitimidade e venda, o indivíduo perdia os seus direitos. Tal não se dava com os escravos de guerra, aos quais o Direito Romano não concedia direito algum.

Tipos de escravos - Havia em Roma três tipos de escravos: 1) servos domésticos; 2) rústicos; 3) escravos do Estado. Os escravos domésticos eram os mais bem tratados, pois viviam junto com a família. O escravo rústico era o mais mal tratado; trabalhava no campo. O escravo do Estado era empregado em geral nas obras públicas.

Libertação dos escravos - No começo da escravidão em Roma só havia dois processos de libertação dos escravos. Porém, com a evolução dos costumes, foram aumentando os processos para a libertação, até que fosse bastante facilitado ao tempo do Cristianismo. O indivíduo que conseguia a liberdade era chamado "liberto", porém ficava em geral agregado à família, podendo, muitas vezes, voltar a ser escravo.

Situação do escravo - A situação do escravo sofreu evolução, melhorando sensivelmente com a evolução política de Roma, acentuando-se bastante, tal melhoria, com a entrada do Cristianismo em Roma. O escravo era considerado como coisa, e estava sujeito à livre vontade do senhor. Era, em geral, tratado cruelmente, havendo penas diversas e de acordo com a falta. As penas não raro chegavam ao extremo dos absurdos, podendo o escravo ser até crucificado. O número de escravos existentes em Roma foi enorme, e o preço de venda variava acordo com a capacidade física e intelectual.

Consequências da escravidão - O trabalho de escravos rústicos fez com que desaparecesse completamente a classe dos lavradores, tendo estes em geral vendido as propriedades, e não raro praticado a auto-venda. Tal fato veio provocar várias guerras civis, devido à crise que trouxe a queda da classe média. Os escravos em geral faziam revoltas, muitas das quais só puderam ser dominadas após grandes esforços. Os que mais se revoltaram foram os rústicos, devido à péssima condição de vida que levavam.

Desenvolvimento das letras em Roma

Características das letras romanas - A literatura romana é inferior à grega. Havia pouca originalidade na literatura romana, sendo que, em geral, iam os escritores romanos beber em fontes gregas as suas inspirações.

Podemos notar na literatura romana duas fases:

1) vai até as guerras púnicas, é a fase em que quase não há influência grega;

2) dá-se após as guerras púnicas, e nota-se a influência helênica.

Na primeira fase a literatura romana é pobre, não apresenta trabalhos importantes nem grandes escritores. Por este tempo a poesia é rústica, e em geral toma aspectos fúnebres ou triunfais. Quanto à prosa, encontram-se alguns trabalhos de jurisprudência, como as "Leis das 12 Tábuas", das quais só há fragmentos. Na história daqueles tempos aparecem-nos umas anotações diárias feitas por sacerdotes.

Na segunda fase há a assinalar três grandes períodos: de formação, de apogeu e de decadência. No apogeu distinguem-se dois períodos importantes: o de Cícero e o de Augusto.

Período de formação - Vai desde as guerras púnicas até Silas. Na época de formação começam os romanos a receber a influência da Grécia. Sofrendo a influência de uma literatura já formada, a literatura romana apresenta neste período um relativo desenvolvimento, aparecendo ao mesmo tempo a prosa e a poesia. A influência grega foi combatida por uma parte da aristocracia, mas favorecida por outra. Aparecem nesta época, na poesia: Tito Lívio, Hévio, Ênio. Nas fábulas surgem Plauto e Terêncio. É desta época o começo da sátira, com Lucílio. Na prosa temos: Flávio, Quinto Cláudio e outros. Na oratória citaremos: Catão, Cornélio Graco, etc. Entre os jurisconsultos destaca-se Múcio, que também foi orador.

Período de apogeu - Vai desde Silas até Augusto. Neste período podemos distinguir duas fases. Na 1ª fase (de Cícero) toma grande impulso a eloquência; na segunda (de Augusto), a poesia. Neste período destaca-se Catulo na poesia; Cícero deu um formidável impulso à retórica; aparece também Varrão, com grande número de obras; historiadores notáveis apresentam-se, como César, Cornélio Nepos e outros.

Período de Augusto - É a época de esplendor das letras romanas. A paz e a prosperidade substituem as guerras civis. Com a proteção dispensada aos homens de letras, a literatura toma grande impulso. Caiu em parte a eloquência, mas em compensação a poesia atingiu o seu mais alto ponto de culminância. São desta época: Virgílio, Horácio e Ovídio, que sobressaem entre outros; e na prosa surgem Tito Lívio e Rutilus Lupus.

Período de decadência - Nesta época aparece a fábula, tendo como principal representante Fedro. Na História, Tácito, Quinto Cúrcio, Plínio. No romance, Petrônio. Depois de Marco Aurélio a decadência acentua-se sobremodo. Entretanto ainda surgem alguns literatos, notando-se na poesia Cláudio, bastante inferior aos poetas do período do apogeu, Marcellus, Donato e outros.

É nas letras jurídicas que este período mais se destaca, apresentando-se jurisconsultos notáveis, como Ulpiano, Papiniano e Paulo. Neste tempo são elaborados inúmeros códigos, dentre eles o Código Gregoriano.

Influência do Cristianismo sobre o povo romano

Entende-se por Cristianismo a doutrina religiosa pregada por Jesus Cristo no ano 33 da nossa era, na Palestina. Essa religião não era, como todas as outras até então, particularista. Pelo contrário, revestia-se de caráter universal. Aos poucos foi a Religião se desenvolvendo no meio romano, e já na época de Nero era grande o número de cristãos. Como se sabe, a doutrina foi bastante combatida pelos imperadores até Constantino, porém começou a influir aos poucos na vida romana. E a sabedoria da nova lei era tal que, mesmo os romanos que a combatiam, muitas vezes aceitavam seus princípios. Sabe-se que, referindo-se à mútua assistência entre os cristãos, exclamava um senador romano: "Antes fôssemos como o Nazareno". Mas as transformações operadas pelo Cristianismo foram muito mais profundas do que à primeira vista pareciam. Pode-se afirmar que, depois da vitória do Cristianismo no "baixo" Império, deixou de existir a civilização romana para se iniciar a Civilização Cristã.

Transformações sociais - A base da sociedade romana era a família, porém esta família tinha como fundo uma religião especial: o culto dos antepassados transformados em deuses. Eram os deuses lares, que formavam a razão de ser da família. Mas com o Cristianismo desapareceram completamente os deuses familiares. A religião cristã não admitia este culto, afirmava sim a obrigação de respeitar os antepassados, não fazendo deles deuses.

A justificativa da família entre os cristãos é mais profunda, emanada da própria organização da sociedade cristã. Dentro da família as transformações foram completas. O poder do chefe de família não continuou sendo o mesmo. O pai, na família cristã, deve ser respeitado, mas a sua autoridade está muito mais regulada do que entre os romanos. Os filhos não são mais dependentes de sua vontade. A organização é mais harmônica e menos arbitrária. A mulher é elevada nas suas funções, e todas as suas regalias não são mais concessões do marido, mas sim direito de quem é considerada parceira. Os seus direitos são oriundos da sua própria função. Respeita-se mais o direito natural da mulher do que entre os romanos.

A família cristã tem assim toda a sua organização baseada na justiça. Querendo mostrar a importância do lar, o Cristianismo afirma a indissolubilidade do laço conjugal, negando o divórcio e mostrando que os lares não podem ser destruídos ao bel-prazer dos homens. A sua organização envolve alguma coisa mais do que a simples vantagem pessoal. Os casamentos deixaram de ser feitos de muitas maneiras, para só se admitir uma única.

O Cristianismo, por outro lado, combateu as desigualdades sociais exageradas e procurou diminuir o sofrimento dos escravos. As transformações operadas nesse sentido são profundas: limitou-se a autoridade dos senhores, deram-se regalias aos escravos, impediu-se a pena de morte, multiplicaram-se os processos para libertá-los.

Transformações políticas - O Cristianismo deu à autoridade uma outra justificativa: fez com que ela viesse de Deus, mas submeteu-a a condições. O chefe de Estado passou a ser o depositário da felicidade do povo por vontade divina. Porém, os que desempenhavam esta função deveriam saber que seus atos seriam ligados, e que por mais poderoso que fosse, não estaria a coberto dos castigos divinos, se desvirtuasse a sua missão. Haveria de comparecer perante Deus na qualidade de simples mortal.

Nas questões políticas, a mais profunda transformação foi a distinção entre a Igreja e o Estado. Até esta época todas as religiões confundiram-se com a política, e os chefes religiosos eram também altas autoridades políticas. Em Roma, o cônsul foi chefe da igreja, e o imperador foi deus. O Cristianismo mostrou que as funções, ainda que parecidas, pois buscam um mesmo fim, são distintas. Não separou a Igreja do Estado, porque ambos procuram a felicidade do povo, colaborando juntos. Porém mostrou que deve existir diferença entre o poder temporal e o espiritual. Mostrou assim que a alma não está submetida ao poder político, e que ela é livre. Com isto lançou as bases da liberdade.

No campo internacional, afirmando que todos os homens são iguais perante Deus, e que os povos são irmãos, transformou a belicosidade dos romanos, colocando a pátria acima do cidadão, e a humanidade acima da pátria. Assim, sem negar o patriotismo, procurou afirmar a necessidade da justiça e da paz.

Transformações econômicas - O Cristianismo deu à propriedade privada um fundamento doutrinário. Afirmou que ela deve existir como doação de Deus e, portanto, não por concessão do Estado; mas limitou a propriedade a uma recompensa de Deus ao trabalho honesto. Sendo assim, não a admitia como meio de diminuir os demais homens. Por outro lado, afirmava a caridade: é lícito a um homem gozar de suas rendas, mas deve suprir o que falta ao próximo. Estes conceitos transformaram completamente os costumes. O trabalho tornou-se em Roma um elemento de subsistência, mesmo aqueles ofícios que eram tidos como degradantes.

Sob o ponto de vista intelectual, Roma sofreu grandes transformações. As letras tiveram outra direção; apareceu uma nova filosofia; o direito romano sofreu também alterações; mais do que nunca, os romanos perceberam que não era possível discriminar os homens perante a lei; os escravos tiveram mais garantias, e os povos abrigaram-se mais com o direito. Porém, a mais importante transformação foi a liberdade dada pelo direito.

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