Plinio Corrêa de Oliveira

Projeto de Constituição angustia o País

 

 

 

 

 

 

1987

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Capítulo VII – Índios: os aristocratas da nova ordem constitucional

1. A História do Brasil reinterpretada segundo certas correntes da “Teologia da Libertação”

Há precisamente uma década, o autor do presente livro teve ocasião de denunciar, em seu ensaio Tribalismo indígena, ideal comuno-missionário para o Brasil no século XXI (Editora Vera Cruz, São Paulo, 1977, 4ª ed.), uma corrente ideológica constituída de clérigos e leigos agitadores, inspirados em certa “Teologia da Libertação”.

Entre os objetivos de tal corrente, figurava uma reforma na política indigenista, própria a lacerar em vários pontos o território nacional deste Brasil que emergiu soberano e robustamente uno para todo o sempre, do brado histórico “Independência ou Morte”.

Em matéria de política indigenista, o Substitutivo Cabral 2  parece adotar inteiramente esse pensamento, bem como o programa correlato do CIMI (Conselho Indigenista Missionário), organismo anexo à CNBB.

A exposição da Teologia da Libertação, objeto de tão reiteradas polêmicas, não cabe nos limites de um simples capítulo deste livro. Sobre ela pode informar-se especialmente o leitor na já célebre Instrução sobre alguns aspectos da “Teologia da Libertação”, divulgada em 6 de agosto de 1984 pela Congregação para a Doutrina da Fé.

Um leitor que deseje fazer-se uma idéia sumária do que seja a Teologia da Libertação enquanto aplicada aos temas indígenas, pode tomar conhecimento dos escritos de D. Pedro Casaldáliga, Bispo de São Felix do Araguaia, nitidamente críticos da expansão portuguesa  no Brasil e da evangelização dos índios, obra de Anchieta e dos heróicos missionários jesuítas e franciscanos das primeiras eras, e dos que – de tão variadas famílias religiosas – lhes vêm sucedendo nesta gloriosa faina, desde o século XVI até nossos dias [1].

Já de alguns anos se vem notando, em livros didáticos brasileiros, uma tendência cada vez mais acentuada de rescrever a História do Brasil, reinterpretando-a no sentido de criticar a obra colonizadora portuguesa, bem como a influência civilizadora dos Missionários.

Ora, no art. 35 das Disposições Transitórias do Substitutivo Cabral 2  está proposta a adoção dessa linha de pensamento revolucionária, no ensino brasileiro de todos os níveis:

“Art. 35 – O Poder Público reformulará, em todos os níveis, o ensino da história do Brasil, com o objetivo de contemplar com igualdade a contribuição das diferentes etnias para a formação multicultural e pluriétnica do povo brasileiro.

“Parágrafo único – A lei disporá sobre a fixação de datas comemorativas de alta significação para os diferentes segmentos étnicos nacionais”.

Assim, toda a História do Brasil deveria ser reformulada no ensino “em todos os níveis”, para uma finalidade essencialmente divorciada da realidade – e enquanto tal injusta – consistente em colocar no mesmo pé de igualdade “a contribuição das diferentes etnias para a formação multicultural e pluriétnica do povo brasileiro”.

Ora, se uma História do Brasil escrita com imparcialidade deve necessariamente tomar em consideração o papel das várias etnias de nosso povo, é obviamente falso afirmar a igualdade da contribuição que cada uma delas tem dado para o progresso do País. Equiparação de tal maneira aberrante da realidade histórica só se pode conceber como decorrência de pressupostos históricos – e das conseqüentes avaliações – em clara oposição à obra missionária e à própria raça branca.

Causa estranheza que o art. 35 das Disposições Transitórias imponha – e quão autoritariamente! – a adoção oficial, em todo o ensino, desta inaceitável visão da História do Brasil, a ponto de determinar, em parágrafo especial, a reformulação do calendário segundo essa visão, para que assim dela se embeba o espírito de todos os brasileiros. E a confecção paralela de calendários para diferentes etnias, de sorte que no País tivessem vigência simultânea muitos calendários. Daí decorreriam normalmente incompreensões, rivalidades e atritos entre os nacionais. O que sobretudo será verdade se, como é lícito recear, esses calendários estimularem a recordação de passados conflitos entre tais etnias, os quais o curso do tempo vem dissipando num clima de comum ufania pela grandeza deste Brasil no qual a miscigenação – e sobretudo o caráter cristão e cordato do povo – vai constituindo um mútuo entendimento, isento de preconceitos e rancores raciais.

O parágrafo único do art. 35 teria por efeito que as datas da etnia branca, como a Independência do Brasil, pudesse já não ser comemoradas (ou então fossem comemoradas com diminuto realce) pelas etnias indígenas, negras etc. o que tende a configurar cada etnia como uma pequena nação, rumo ao esfacelamento da unidade nacional!

O presente dispositivo do Substitutivo Cabral 2  teria um efeito obviamente desagregador sobre o País, com o estabelecimento dessa historiografia e desse calendário fortemente centrífugos.

* * *

Na mesma linha, o art. 36 das Disposições Transitórias estatui: “Fica declarada a propriedade definitiva das terras ocupadas pelas comunidades negras remanescentes dos quilombos, devendo o Estado emitir-lhes os títulos respectivos. Ficam tombadas essas terras bem como todos os documentos referentes à história dos quilombos no Brasil”.

Emitir-lhes”: a quem? Às comunidades? Não haverá, então, propriedades individuais dentre as que constituem essas “comunidades negras remanescentes”? Diga-se de passagem que, uma vez mais, o Substitutivo Cabral 2 deixa ver aqui sua propensão em diminuir e mutilar, mesmo nas suas mais miúdas aplicações, o direito de propriedade.

2. Harmonização das etnias em oposição à luta de raças

O art. 243, em seu parágrafo único, prescreve que “o Estado protegerá em sua integridade e desenvolvimento, as manifestações da cultura popular, das culturas indígenas, de origem africana e das de outros grupos participantes do processo civilizatório brasileiro”.

Com essas palavras fica lembrado que no Brasil não existem apenas as etnias indígena e negra, mas que outras raças têm sido por vezes chamadas, outras vezes aceitas de braços abertos, pelo nosso País, para participarem do esforço de aproveitamento de todas as nossas riquezas.

Dentre as mais numerosas e mais marcadas por suas específicas características, notam-se as colônias japonesa e síria, que se têm destacado sobremaneira nesse afã.

Também importa marcar que – além dos portugueses, cuja descendência tem muito naturalmente a preponderância numérica, cultural e histórica na formação do povo brasileiro – outros povos europeus, ao aqui se estabelecerem, trouxeram consigo as tradições, os hábitos, o idioma e os modos de pensar, de sentir e de viver das respectivas pátrias de origem. E, ao sabor das mais variadas circunstâncias, ora se têm diluído aqui na massa da população, ora vêm constituindo grupos próprios de densidades desiguais. Mas, em todos os casos, grupos que têm causado preocupações quando certas circunstâncias fizeram antever a hipótese de um conflito com o Brasil.

Foram exageradas essas apreensões? O tempo decorrido de então para cá ainda não proporciona uma perspectiva histórica suficiente para ajuizar do fato. Convém entretanto lembrar que, se essas apreensões foram em via de regra exageradas (ou talvez até muito exageradas), ou se outro tivesse sido o curso das coisas antes, durante ou depois da II Guerra Mundial, tais apreensões poderiam ter sido muito maiores e mais justificadas. O que faz ver a necessidade de muito equilíbrio em matérias como esta. De um lado, as nações imigratórias devem ser generosas, acolhedoras e cristãs, no sentido mais nobre e fraterno do termo; porém, de outro lado, não devem esquecer a falibilidade moral inerente a todos os povos, e a tendência a abusar dessa nobre fraternidade, que pode desnortear facilmente um grupo étnico ou nacional trabalhado por algum dos tantos processos de propaganda de massa, em cujo manuseio o homem do século XX se tem mostrado exímio.

O que fica assim lembrado é oportuno para que, nas reflexões sobre a matéria, se tenha em linha de conta que o mesmo pode suceder a indígenas, cujo retardamento cultural os torna especialmente manobráveis por propagandas eficazes.

Sem dúvida, toca ao Brasil “proteger” as múltiplas etnias ou grupos nacionais que constituem parcelas da nossa sociedade. As disposições de alma enunciadas com essa “proteção” trazem como corolário que os elementos das várias etnias e grupos tenham a atenção voltada preponderantemente para a imensa maioria luso-brasileira, mas que proporcionalmente tenham a atenção voltada também uns para os outros, com um desejo de se conhecerem impregnado de benevolência e de espírito de colaboração.

Tal desejo importa não só na abstenção de qualquer ato de hostilidade, mas até de fria indiferença. E isto a tal ponto que, estando uma etnia ou grupo em vias de descaracterizar-se das respectivas qualidades, e a dissolver-se no brouhaha da agitada vida moderna, encontre da parte das demais ajuda – cultural ou de outra natureza que seja necessária – para evitar que tal ocorra.

Esse deve ser o élan centrífugo saudável, com o qual a imensa maioria brasileira de origem lusa deve movimentar-se sistematicamente em direção aos elementos de outra origem que aqui encontramos, como os índios, ou que cá trouxemos à força, como os negros, ou por fim que para cá atraímos, quando abrimos de par em par as portas da imigração durante parte dos séculos XIX e XX.

Manda, aliás, a imparcialidade que se reconheça ser muito propensa a tal a afetividade brasileira, tão impregnada de benevolência e até de carinho. De sorte que, nessa matéria, as lacunas e as incoerências narradas por nossa História, por mais censuráveis que tenham sido, conservaram sempre o caráter de contradições excepcionais do proceder brasileiro, em relação ao que é o próprio fundo de alma de nossa nacionalidade. E contradições dessas, que povo não as teve?

As etnias ou grupos nacionais minoritários fixados no Brasil devem reconhecer, na maioria luso-brasileira, o ponto de convergência e de união entre todas elas. Embora sem se mesclarem inconsiderada e quiçá oportunisticamente com ela, devem retribuir-lhe de modo leal e generoso o trato compreensivo e amigo que dela recebem. Não devem considerar a maioria luso-brasileira como montanha em cujo topo elas porfiam entre si para cravar cada qual sua própria bandeira. Pelo contrário, devem aceitar como fato histórico legítimo, definitivo e benéfico o primado – melhor se diria a paternidade ou primogenitura – do luso-brasileiro no país-continente que é deles.

Assim se define um movimento centrípeto da vida brasileira, cujo equilíbrio com o elemento centrífugo constitui uma das condições do equilíbrio nacional.

3. Culturas diversas que se completam amistosamente em um só povo

Cumpre, aliás, acrescentar que o modo de considerar esse nobre equilíbrio deve ser estreme de chauvinismo cultural.

Em outros termos, não há que considerar aqui as culturas como devendo ser separadas umas das outras por cortinas-de-ferro psicológicas que isolam “universos” paralelos, ciosos de se manterem assim, e que só se encontrem no infinito. Ou, em outros termos, nunca, de modo nenhum, em lugar nenhum.

Culturas diferentes podem – servatis servandis – conviver e completar-se amistosamente, a ponto de constituir gradualmente um só povo, uma só nação.

Foi o que se deu, por exemplo, e em considerável medida, com a cultura romana, a qual conviveu com as culturas de outros povos sem lhes estancar a vida nem as características. E isto ainda muitos séculos depois de o Império Romano ter sumido na voragem da História. Ela permaneceu como uma luz e um estímulo para todos os povos que provinham do Império por alguma continuidade étnica, cultural ou histórica, e até para povos que destruíram o Império e não obstante foram irrigados, com o correr do tempo, pela influência latina da Igreja Católica. O exemplo mais característico de tal fato quiçá seja a exemplar fidelidade dos povos germânicos à cultura latina.

Por fim, há que acrescentar que, em se tratando de um povo compactamente católico como o brasileiro, a presença da Igreja Católica nesse assunto não pode de nenhum modo ser subestimada. Desde suas origens, a Igreja se tem mostrado admiravelmente exemplar no equilíbrio de seu duplo movimento centrípeto (a confluência de todos os povos para a Cátedra de Pedro, em Roma) e centrífugo (a expansão dessa influência por todo o universo).

Esse equilíbrio, que deixa ver a santidade sobrenatural da Igreja, conduz ao fato de que ela atrai todos os povos a Jesus Cristo, Salvador e Redentor deles. E, de outro lado, que ela O leva a todos eles.

Assim se explica que a Santa Igreja una de modo suave mas fortíssimo, tantos povos, numa união que se realiza antes de tudo no campo religioso e eclesiástico. Mas os efeitos dessa união transbordam desse campo para o temporal, de modo admiravelmente penetrante e benfazejo. De sorte que por toda parte a influência da Igreja penetra, vivifica e aproxima as culturas locais, sem lhes destruir entretanto as características. Pelo contrário, tonifica-as, em tudo quanto nelas é conforme à Lei de Deus e à ordem natural. De sorte que dessa influência sobrenatural da Igreja decorra, ao mesmo tempo, uma longa e gloriosa continuidade das culturas e uma mútua compreensão entre elas; por onde, em lugar de se invejarem, hostilizarem e entre destruírem, alargam e elevam mutuamente os respectivos horizontes, rumo a um ápice comum que se pode chamar cultura católica. E daí nasce essa magnífica realidade una e múltipla que foi a civilização cristã.

Essas considerações estão longe dos horizontes do Substitutivo Cabral 2. Embora fale genericamente em etnias, ela só toma em consideração índios e, em alguma medida, os negros. E, ao considerar as relações de ambas essas etnias com os brancos, fá-lo em um espírito de singular chauvinismo pró-indígena e pró-negro, rumando para a criação de um estado de coisas que, em lugar de conduzir à mútua compreensão cristã, que consolida cada vez mais a unidade brasileira na variedade das etnias e grupos, parte para uma política de ressentimento e até de secessão.

4. Privilégios concedidos aos índios no Substitutivo

Assim se explica que o Substitutivo, que se quer tão igualitário, procure fazer dos índios o grupo privilegiado, a verdadeira “aristocracia” do Brasil de nossos dias. Assim, diz o art. 261: “São reconhecidos aos índios seus direitos originários sobre as terras de posse imemorial onde se acham permanentemente localizados, sua organização social, seus usos, costumes, línguas, crenças e tradições, competindo à União a proteção desses bens”.

Em matéria fundiária rural, viu-se que é intuito do Substitutivo Cabral 2 reprimir toda forma de propriedade “que não esteja cumprindo sua função social”(art. 210). Daí o sujeitar as terras não suficientemente exploradas aos rigores de uma Reforma Agrária socialista e confiscatória.

O fundamento alegado para tal atitude é, obviamente, que a terra ociosa não produz para o bem comum. E portanto deve ser desapropriada para melhor utilização em favor da coletividade.

O aproveitamento dado pelos índios que se acham em estado selvagem às terras que ocupam é, praticamente, de nenhuma vantagem para o bem comum e, portanto, não preenchem elas a respectiva função social. Pois consiste em via de regra no mero uso da terra para satisfazer às necessidades imediatas deles. Ora, o art. 261 consagra o direito dos índios sobre essas terras, como intangível por terceiros, desde o momento do descobrimento do Brasil: pois não pode ser outro o entendimento dado à expressão “direitos originários”.

“Sua organização social, seus usos, costumes, línguas, crenças e tradições” não são em boa parte responsáveis pelo estado de incultura e atraso em que se encontram os silvícolas e, portanto, do desaproveitamento das terras em que habitam?

Em seu desvelo pelos índios – legítimo e simpático sob tantos aspectos, não porém em seus excessos unilaterais e quase fanáticos – o Substitutivo dispõe sobre a proteção às crenças indígenas, em termos pelo menos muito ambíguos. Se por aí se deve entender que os índios têm direito de serem protegidos contra qualquer ação que, por meios violentos, lhes imponham uma mudança de crenças, o Substitutivo só merece aplauso. Mas se, pelo contrário, essa proteção exprime o desejo de induzir o índio, de um modo ou de outro, a perseverar em suas crenças gentílicas, inclusive criando obstáculos a que dele se aproximem os missionários empenhados em traze-los livremente para o conhecimento e a prática do Evangelho, o Substitutivo só merece censura.

Censura, sim, porque é direito primordial de todo homem, em matéria religiosa, conhecer, professar e praticar livremente a religião verdadeira, ensinada por Nosso Senhor Jesus Cristo e portadora de todos os benefícios espirituais, intelectuais e materiais dela decorrentes.

Censura também porque, sendo leigo o Estado brasileiro, garante a livre pregação de todas as confissões religiosas, mas se abstém de privilegiar qualquer uma delas. E o Substitutivo entra em manifesta contradição consigo excetuando dessa regra tão-só os grupos indígenas.

De tal forma, é indispensável que o Substitutivo Cabral 2 esclareça sua posição sobre tão momentoso assunto.

* * *

“Competindo à União a proteção desses bens”: em termos, isto se compreende. Pois o índio, em virtude mesmo de seu estado selvagem, se encontra em condições de carência. E é natural que se dispense proteção aos carentes. Mas, a reconhecer assim esse estado de carência, não se compreende como a inalterada continuidade desse estado deva ser protegida segundo o disposto neste artigo.

* * *

Já o art. 262 do Substitutivo Cabral 2 estatui que “as terras de posse imemorial dos índios são destinadas à sua posse permanente, cabendo-lhes o usufruto exclusivo das riquezas naturais do solo, dos recursos fluviais e de todas as utilidades nelas existentes”.

Ora, a “posse permanente” das terras ocupadas pelos índios designa uma inalienabilidade dessas terras, sem prazo fixo. E por tempo indeterminado. Para todo o sempre.

É o que se depreende do § 2º do mesmo art. 262, segundo o qual as terras de posse imemorial dos índios “são bens inalienáveis e imprescritíveis da União”.

É digno de nota que, segundo o Substitutivo Cabral 2, os índios não têm o direito de propriedade sobre as terras que ocupam, mas apenas o “usufruto exclusivo” delas. O proprietário é o Estado.

Ora, esta propriedade do Estado jamais cessa? Em nenhum momento se estabelecerá entre os índios, ou os descendentes destes, o regime da propriedade privada? É este mais um dos pontos danosamente obscuros do Substitutivo Cabral 2 , nessa matéria.

Chama a atenção, neste artigo, a amplitude do usufruto que se beneficiam os índios. Pois eles têm o direito, não só ao “usufruto exclusivo das riquezas naturais do solo” – direito que o Substitutivo nega aos que não são índios (cfr. art. 197) – mas também ao usufruto exclusivo  dos recursos fluviais e de todas as utilidades nelas existentes”.

5. Socialismo autogestionário entre os índios

O parágrafo 1º do art. 262 dispõe ainda que “são terras de posse imemorial onde se acham permanentemente localizados os índios, aquelas destinadas à sua habitação efetiva, às suas atividades produtivas e as necessárias à sua preservação cultural, segundo seus usos, costumes e tradições”. Tais terras são, como se viu, “bens inalienáveis e imprescritíveis da União”. (art. 262, § 2º).

O aqui disposto assegura a posse, pelos índios, de áreas verdadeiramente latifundiárias e de exploração absolutamente insuficiente.

Aos índios, tal forma de utilizar a terra não só é tolerada e permitida, mas até é garantida sem nenhum dano para os direitos deles sobre a terra. O que é compreensível, uma vez que eles constituem o Herrenvolk, como que o “povo senhor” do Brasil de amanhã, segundo o Substitutivo Cabral 2.

Mas ai do branco que incida no mesmo procedimento, o Substitutivo o fulmina com a desapropriação confiscatória, que em muitos casos concretos o atirará à miséria. Para os párias brancos, o ônus de uma função social entendida com toda a amplitude definida pela doutrina socialista. Pelo contrário, para os índios não há função social. Ele nada deve ao Estado. E este, sim, lhe deve tudo.

A propriedade das terras ocupadas pelos índios é da União. Sobre tais terras pesa o vínculo de inalienabilidade e este não prescreve. Assim, a qualquer tempo e enquanto não se reformarem tais dispositivos constitucionais, terão os índios o direito à posse e ao “usufruto exclusivo” dessas terras.

* * *

É esse  o momento de indagar qual o regime sócio-político que o Substitutivo Cabral 2 prevê para essas unidades como que nacionais indígenas.

Mais precisamente, pergunta-se: o Substitutivo visa preservar quanto possível a poligamia, a qual, em face do contexto brasileiro e até do americano, constitui uma característica dos índios? Visa ele conservar a comunidade de bens fundiários, e talvez a de alguns bens não fundiários, que parece ser outra característica de grande parte das unidades indígenas?

O Substitutivo se mostra muito propenso a toda espécie de transformações que se vão operando na contemporânea sociedade dos brancos brasileiros. Mas, em sentido contrário, ele se mostra ferrenhamente conservador em relação aos indígenas. Ele lhes quer proteger e conservar tudo. Até o paganismo.

Ora, nas tribos em que exista a comunidade de bens, é coerente que ele vise manter essa comunidade. Ela existe. Logo é imutável. Tal é o princípio-rector do Substitutivo Cabral 2 em relação aos índios.

Neste particular, dir-se-ia que o Substitutivo se mostra diametralmente oposto ao marxismo, o qual é fundamentalmente evolucionista. Mas aqui se deixa ver bem o caráter involutivo, quer do marxismo, quer da Teologia da Libertação, quer do fanatismo indigenista que lhes é tão afim.

Pois o sistema tribal em vigor entre os indígenas implica a comunidade de bens e, em alguma medida, a comunidade de produção. E nisto o sistema sócio econômico em vigor entre eles é muito semelhante ao da autogestão. Ora, esta última constitui o anelo mais moderno de todas as formas de progressismo sócio-econômico e, ao mesmo tempo, a próxima etapa para a qual visa ingressar o marxismo[2].

O Substitutivo Cabral 2 determina assim a inalterabilidade do socialismo autogestionário entre os indígenas.

6. Exploração das riquezas naturais, só com autorização dos índios!

O parágrafo 2º do art. 262 determina que “a exploração das riquezas minerais em terras indígenas só pode ser efetivada com autorização do Congresso Nacional, ouvidas as comunidades afetadas, e obriga à destinação de percentual sobre os resultados da lavra em benefício das comunidades indígenas e do meio-ambiente, na forma da lei”.

Só pode ser efetivada ... ouvidas as comunidades [indígenas]  afetadas”: uma vez que os índios “sejam ouvidos”, sobre esta matéria, mandaria a justiça que também fossem ouvidos os brancos em situações iguais ou muito análogas.

Mas o Substitutivo Cabral 2 silencia sobre esse particular. O que é profundamente ilógico em si, mas está em inteira coerência com o espírito e os pressupostos dele. Como já foi dito no tópico anterior, os índios constituem, para o Substitutivo, uma “aristocracia” étnica com suas próprias características religiosas, culturais e outras, beneficiadas por vantagens consideráveis.

E os brancos são adventícios que não podem ser igualados a eles.

Por isto, é lógico que o Substitutivo negligencie de conferir aos brancos em situação idêntica ou fortemente análoga à dos índios, direitos também idênticos ou fortemente análogos.

Por outro lado, a designação de um “percentual sobre os resultados da lavra em benefício das comunidades indígenas” mais uma vez caracteriza os indígenas como os verdadeiros aristocratas dessa nova ordem de coisas. Pois ainda quando sem trabalho, ou qualquer outra forma de contribuição deles, um percentual do lucro resultante do que se apurar nessas terras lhes pertence. E os gastos, neles devem ser investidos.

Enquanto assim são contemplados os índios, as riquezas minerais do Brasil inteiro pertencem ao Poder Público!

7. Concepção hipertrofiada dos direitos dos índios: ameaça à soberania nacional

O Substitutivo Cabral 2, ao adotar assim uma concepção tão hipertrofiada dos direitos dos índios, abre caminho a que se venha a reconhecer aos vários agrupamentos indígenas  uma como que soberania diminutae rationis. Uma autodeterminação, segundo a expressão consagrada.

Embora obviamente o Substitutivo não o diga, é muito de recear que os direitos dessas mini-soberanias, face à soberania brasileira que pairará sobre elas, sem as penetrar tão direta e plenamente quanto nas demais parcelas do território nacional, acabem sendo delegados, sob este ou aquele pretexto, a algum organismo internacional. Este terá então sua garra posta dentro do Brasil, a serviço de interesses alienígenas que se apresentarem para tirar proveito da situação.

Entre esses interesses deve ser mencionado, em primeira linha, o da Rússia comunista, obviamente empenhada em multiplicar na bacia Amazônica, desde as nascentes no Peru até o estuário Atlântico, essas mini-repúblicas artificiais e abortivas. A vantagem que Moscou poderia obter com isto consistiria em transformar gradualmente essas unidades em pequenas Nicaráguas, e em convulsionar as mal povoadas imensidades amazônicas, criando nelas o ódio do índio contra a raça branca, e “protegendo-o” contra o “imperialismo” das nações ibero-americanas circundantes [3].



[1] Cfr. Tribalismo indígena, ideal comuno-missionário para o Brasil no século XXI, pp. 30, 81, 91, 96, 108-109, 112, 115, 116 e ss.

[2] Dispõe o preâmbulo da Constituição russa: “O objetivo supremo do Estado soviético é edificar a sociedade comunista sem classes, na qual se desenvolverá a autogestão social comunista” (Constitución – Ley Fundamental – de la Unión de Repúblicas Socialistas Soviéticas, de 7 de outubro de 1977, Editorial Progresso, Moscou, 1980, p. 5).

[3] Em recentes declarações, o Ministro da Justiça, Paulo  Brossard, qualificou de oportunas as denúncias do jornal “O Estado de S. Paulo”, da existência de um plano arquitetado, dentro e fora do País, com vistas à internacionalização da Amazônia e sob pretexto da defesa das prerrogativas indígenas. Para o Ministro, a emenda constitucional patrocinada pelo Conselho Indigenista Missionário (Cimi) “comprova a existência de plano preparado pelos que imaginam solapar a soberania nacional por conta de seus interesses” (“O Estado de S. Paulo”, 18-8-87).

Os movimentos separatistas indígenas de há muito figuram, aliás, entre os objetivos da Revolução Comunista Internacional.

Assim, escreve Walter Kolarz, da BBC de Londres, conhecido especialista em assuntos do comunismo:

A Segunda Declaração de Havana invocou o caso dos índios, dos mestiços, dos negros e dos mulatos na esperança de encontrar, nesses grupos raciais, um poderoso exército de reserva da revolução ... Essas questões raciais estavam sendo suscitadas na Declaração de Havana com especial persistência, e as passagens em apreço lembram várias declarações sobre a América Latina feitas pela Internacional Comunista de antes da guerra na qual o problema dos índios costumava ocupar lugar importante.

“Já em 1928, por ocasião do Sexto Congresso Internacional Comunista, os partidos da América Latina foram instruídos para elaborarem ‘toda uma série de medidas especiais relativas à autodeterminação para as tribos de índios, a propaganda especial nas próprias línguas deles e aos esforços especiais para conquista de elementos importantes entre eles’. Em resposta a essa orientação geral, os comunistas peruanos advogaram a formação das repúblicas Quechuan e Aymaran, e  até o Partido Comunista do Chile exigiu a criação da república de Arauco, embora houvesse apenas uns poucos mil índios araucanos nas partes meridionais do país. Já em 1950 os comunistas mexicanos lançavam o ‘slogan’: ‘autonomia na administração local e regional’ para os povos indígenas.

“Não obstante as asserções contidas na ‘Declaração de Havana’, os comunistas não eram mais pró-negros ou pró-índios do que eram pró-tibetanos, pró-guineenses, pró-húngaros ou pró qualquer outro povo. Negros, mulatos, índios e mestiços destinavam-se simplesmente a ser usados como matéria-prima sociológica e política para promover a ascensão dos partidos comunistas latino-americanos ao poder” (Walter Kolarz, Comunismo e Colonialismo, Dominus, São Paulo, 1965, p. 99).


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