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Plinio Corrêa de Oliveira
Projeto
de Constituição angustia o País
1987
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Capítulo I – A família brasileira gravemente golpeada no
Substitutivo Cabral
1. Os fundamentos cristãos do
instituto da família no Brasil
A família cristã assenta entre nós em uma tradição
anterior ao próprio País. Vem-nos ela do Direito Canônico e dos mais
velhos monumentos legislativos de nossa Mãe Pátria, a querida nação
lusa. Manteve-se constante em nossas leis durante o período colonial,
como durante o Império e a República, até nossos dias, em consonância
com nossa mentalidade e nossos costumes. Se toda lei que faz violência à mentalidade e
aos costumes de um povo é fator de mal-estar, desajustamentos e crises,
especialmente o é quando dispõe sobre matéria profundamente relacionada
com a mentalidade e os costumes, como a família. Máxime numa situação
em que, quase não tendo sido abordado o assunto nas eleições-sem-idéias
de 15 de novembro passado, o público se acha profundamente desapetrechado
para opinar a respeito. A inadequação do Substitutivo Cabral 2 ao
Brasil de hoje, como ao de ontem, só pode torná-lo nocivo ao interesse
da Nação. 2. As correntes em que se
divide a opinião nacional, em matéria de família
Duas correntes principais dividem a opinião pública
brasileira a respeito do instituto da família. A primeira delas opta decididamente por tudo
quanto, nessa matéria, reflita com fidelidade e clareza os princípios
imutáveis de nossa tradição cristã. A outra, inspirada ou pelo materialismo histórico
ou pelo hedonismo neopagão, visa – direta ou indiretamente, clara ou
veladamente – a abolição inteira e completa da família. Entre estas duas posições principais, situa-se
toda uma gama de tendências intermediárias que objetivam conciliar,
mediante combinações diversas, as tendências e doutrinas daquelas
correntes. Assim os divorcistas, entre os quais é preciso
por sua vez distinguir diferentes propensões a favor de facilidades
maiores ou menores para a dissolução do vínculo conjugal. Analogamente, podem fazer-se distinções entre os
que – forçando talvez um pouco a expressão – poderiam chamar-se
genericamente feministas. Pois nesse gênero cabem espécies
diferentes, que pleiteiam graus maiores ou menores de igualdade entre os cônjuges.
E, por fim, ainda há que tomar em conta os que pleiteiam, em graus
diversos, a diminuição do pátrio poder. Entre essas posições intermediárias, outras
importantes distinções haveria que fazer. Alguns desejam apenas reformas
estáticas, que se lhes afiguram o nec plus ultra em matéria de
concessões às doutrinas ditas “modernas”. Outros não são tão
definidos. Favorecem para o dia de hoje reformas que desde já admitem
como fluidas e destinadas, por sua vez, a serem reformadas sucessivamente
mais adiante. E sem que se conheça qual o ponto terminal das concessões
em cadeia que se manifestam dispostos a fazer. Estas últimas posições facilmente se confundem
com a de certos propugnadores da abolição da indissolubilidade conjugal
ou até do casamento e da família. Com freqüência digna de nota,
pleiteiam eles medidas intermediárias “moderadas”. Assim agem porque
sentem não haver condições, em nossa opinião pública, para fazer
prevalecer o programa integral que têm em mente. E, por isto, praticam
com os “intermediários” uma política de mão estendida e de frente
única. Com o que tentam lançar o Brasil no caminho das reformas
graduais, preparando cada uma a seguinte, até que o espírito público, a
lei e os costumes tenham de tal maneira “evoluído”, que aceitem sem
repugnâncias de maior monta a demolição final do instituto da família. Até que ponto essa caminhada de larga
envergadura, rumo à destruição da família, se deve exclusivamente à
força de impacto das tendências e doutrinas corrosivas há pouco
mencionadas? Por exemplo, se houvesse da parte de todas as autoridades
eclesiásticas – e não apenas de algumas – uma proporcionada reação
a esta caminhada dramática, não é bem certo que o Brasil não teria
enveredado nela, ou estaria bem menos demolido pela ofensiva moral
permissivista de nossos dias? Tal pergunta encontra alguma resposta no seguinte
depoimento do Cardeal-Arcebispo do Rio de Janeiro, D. Eugênio Sales,
quanto ao fervor antidivorcista do falecido Cardeal Motta, Arcebispo de São
Paulo e depois de Aparecida do Norte: “Se a Igreja no Brasil tivesse
lutado como o Cardeal Dom Carlos Carmelo de Vasconcellos Motta, o divórcio
não teria sido aprovado” (“O Globo”, 21-9-82). A observação do Purpurado faz lembrar um fato
mais amplo e de notoriedade incontestável. É a freqüência exagerada
com que muitos pregadores católicos insistem em tratar de matérias sócio-econômicas,
com preterição danosa dos temas especificamente religiosos e morais. E
isto a tal ponto que causaram estranheza até à bancada protestante da
atual Constituinte (cfr. Parte III, Cap. V, 7). 3. A doutrina católica
tradicional em matéria de família
Segundo a doutrina católica tradicional, o
casamento e a família se fundam em princípios inerentes à natureza
humana. Dado que Deus é o autor do universo e do homem, tais princípios
são a expressão da vontade divina. Por isto mesmo se consubstanciam eles
em três Mandamentos da súmula perfeita do direito natural, que é o Decálogo: IV – Honrar pai e mãe; VI – Não pecar contra a castidade; IX – Não desejar a mulher do próximo. É nestes preceitos, imutáveis como tudo quanto
constitui ordenação fundamental da natureza humana, que se baseiam a família,
o casamento, a unidade e a indissolubilidade do vínculo conjugal, o pátrio
poder. Da lei feita por Deus, só Deus pode dispensar.
Nenhuma lei humana – ainda que ela seja eclesiástica – pode mandar
validamente o contrário do que Deus preceituou. Nosso Senhor Jesus Cristo elevou à dignidade de
Sacramento o contrato matrimonial, conferindo-lhe assim um título de
indissolubilidade ainda mais augusto e vigoroso. De onde, até a consumação
dos séculos, o casamento cristão será indissolúvel. A capacidade procriativa foi dada ao homem para
povoar toda a Terra. Ela se deve exercer, pois, em condições que lhe
assegurem a prolificidade e – corolário necessário e capital –
proporcionem aos filhos a formação moral e física adequadas. Além de sua primordial missão educativa e
formativa, a união entre os esposos tem o fim secundário, se bem que
importante, de contribuir para a felicidade de um e do outro, mediante o mútuo
apoio moral e material. * * * Essas considerações, genéricas e muito
sumariamente expostas, servem de fundamento para a crítica que se passa a
fazer a vários dispositivos do Substitutivo Cabral 2 concernentes à família. 4. Família: uma instituição
que o Substitutivo se exime de definir mas sobre o qual legisla com
exagerada extensão
Colidindo com tudo o que acaba de ser exposto, o Substitutivo
Cabral 1, em seu art. 297, dispunha que “a família, constituída
pelo casamento ou por união estável, tem proteção do Estado”. Temendo eventualmente as inúmeras reações que
esse dispositivo era de molde a provocar, O Substitutivo Cabral 2 o
aboliu, deixando pura e simplesmente de definir o que entende por família. Na aparência, tal supressão afasta de vez a
calamitosa equiparação entre a família legítima e a ilegítima,
constante do Substitutivo Cabral 1. Só na aparência, porém... Na realidade, uma vez que a Constituição não
defina a família - e dado que
tal definição é indispensável para a aplicação de tudo quanto a própria
Constituição dispõe sobre a matéria – definir a família passa a ser
ipso facto objeto sobre o qual deverá versar a legislação ordinária.
O perigo não fica eliminado mas apenas adiado. O adiamento de uma lei nociva é sempre mal menor
do que a aplicação dela. Porém, no caso, nem sequer é certo esse mal
menor. De fato, uma vez que a família não seja definida
em sua essência e em suas características pela Constituição, fica
criada certa margem para que comentadores pretendam que ela deva ser
interpretada no texto constitucional segundo o conceito que lhe dá a
linguagem corrente. Pois em tese o legislador não define instituições,
relações ou situações que têm na linguagem corrente um significado
claro. Ora – poderão eles argumentar – família é
vocábulo cujo conteúdo vai mudando pari passu com a
transformação gradual das instituições. A partir da abolição da
indissolubilidade matrimonial, o matrimônio pôs-se a deslizar
processivamente rumo ao amor livre. Assim, antes do divórcio, toda relação
sexual extra-matrimonial de pessoa casada constituía adultério. Com o
divórcio, essa relação perde algo do que tem de dramático. Pois, na
generalidade dos casos, essa mesma relação poderia realizar-se em
conformidade com a lei, desde que a precedesse um divórcio, em geral fácil
de obter. Mas – muitos se perguntarão – se o divórcio
é tão fácil de obter, que é ele senão uma formalidade sem grande
importância? Então, será de tal maneira grave passar por cima dele e
antecipar essa relação, enquanto o mesmo não é obtido? O raciocínio concessivo pode ir mais longe. Se
algum obstáculo, como o montante dos gastos para o divórcio, ou então
alguma conveniência social, leva a postergar por tempo indefinido um divórcio
que será certamente obtido, que mal haverá em se declarar à sociedade
que se freqüenta, ter sido efetivado o divórcio e conseqüente
casamento, criando assim uma situação social admitida por todos? Consolidada socialmente a situação, sobrevem a
pergunta final: depois de cinco ou dez anos desta situação estável, os
“cônjuges” poderão se pôr o problema: vale a pena divorciar-se?
Vale a pena contrair novo casamento? Nossos costumes infelizmente caminham a passos rápidos
para esse desfecho. É sabido que, ao ser promulgado o divórcio no
Brasil, muitos divorcistas supunham que os foros se abarrotassem de
pedidos de divórcio. Tal, porém, esteve longe de suceder. Prova
acabrunhadora de que o número de uniões adulterinas, recebidas
normalmente em muito amplos ambientes sociais, crescera de modo
impressionante. A implantação do divórcio só pode ter
acelerado essa derrocada do matrimônio, e portanto da família. Prova-o a
tendência a facilitar cada vez mais as separações e os
“recasamentos” com terceiros, consignada na própria elaboração da
nova Constituição (cfr. tópico 8 deste capítulo). É impossível não perceber que o golpe da corrupção
moral generalizada vai nos pondo a dois passos do amor livre. Tanto mais
quanto a tão preponderante insistência da CNBB em consagrar o melhor de
seu tempo à pregação de temas sócio-econômicos, limita gravemente a
eficácia do obstáculo que a Igreja Católica – e só Ela, já que as
leis eclesiásticas protestantes e greco-cismáticas, admitem o divórcio
– poderia opor a essa derrocada. Assim, nada faz crer que, salvo um
milagre, até lá não role o Brasil. É o que está patente a quem tenha
olhos para ver. Mas, tudo isso posto, quantos juristas tenderão a
ir interpretando cada vez mais nesse rumo o significado de “família”?
Nisto bem poderão ser acompanhados por juizes que aceitem os sucessivos
matizes dessa palavra, que a derrocada moral terá tornado elástica.
Assim, ainda mesmo sem nova lei, poder-se-á chegar até à equiparação
da sociedade brasileira à legislação comunista sobre a família. O receio de que o art. 297 do Substitutivo
Cabral 1, eliminado pelo Substitutivo Cabral 2, volte numa posterior
redação do Projeto de Constituição não é infundado. Com efeito,
dispositivos que constavam no chamado Projeto Cabral e que foram abolidos
no Substitutivo Cabral 1 tornaram a aparecer no Substitutivo
Cabral 2, como adiante se verá (cfr. tópico 10 deste capítulo). Ademais, um resquício do artigo eliminado
permanece no Cabral 2. Trata-se do art. 214, que reproduz textualmente o
art. 250 do Cabral 1 e, ao dispor sobre Reforma Agrária, estabelece a
inteira igualdade entre a esposa legítima e qualquer “companheira”. “Art. 214 – Os beneficiários da
distribuição de imóveis rurais pela reforma agrária receberão títulos
de domínio ou de concessão de uso, inegociáveis pelo prazo de dez anos. “Parágrafo único – O título de domínio
será conferido ao homem e à mulher, esposa ou companheira”. Assim, é oportuno comentar aqui o que o Substitutivo
Cabral 1 dispunha sobre a família no artigo eliminado no Substitutivo
Cabral 2. No direito brasileiro, até
agora, sempre se entendeu por família a sociedade criada pelo casamento
(Código Civil, art. 229). Também a constituição vigente define que “a
família é constituída pelo casamento” (art. 175, caput). A
Constituição de 1934 ia mais longe: “A família, constituída pelo
casamento indissolúvel ...”(art. 144, caput). A de 1937
copiou a anterior (art. 124). E a de 1946 mantinha a definição: “A
família é constituída pelo casamento de vínculo indissolúvel”
(art. 164 caput). No Substitutivo Cabral 1, entretanto, o
casamento era equiparado a qualquer “união estável”. Mas que se entende por “união estável”?
Nem o Projeto Cabral, que já utilizava essa expressão, nem o Substitutivo
1, que a manteve, definem o conceito. Ora, pode haver “união
estável” entre duas pessoas livres para se casarem
(concubinato). Mas também pode haver união estável entre pessoas
impedidas de se casarem, por já estarem casadas com outras pessoas (adultério)
ou por serem legalmente proibidas de se casarem uma com a outra (incesto). Assim, os dispositivos em questão equiparavam ao
casamento não só o concubinato como também a união adulterina e até a
incestuosa. E, no que diz respeito ao art. 297 do Cabral 1, nem
sequer ficava fechada a porta para a “união estável” entre
pessoas do mesmo sexo... As aberrações desse artigo não paravam aí. Ele
ainda preceituava que a proteção do Estado “se estenderá à entidade
familiar formada por qualquer um dos pais ou responsável legal e seus
dependentes, consangüíneos ou não”. O Substitutivo Cabral 1 consagrava assim a
dissolução da família verdadeira, pois considerava como “entidade
familiar” perfeitamente normal – que o Estado devia até proteger
– o núcleo de vida em comum que o pai (ou a mãe), separadamente ou em
conjunto com outra ( ou outro...), constituísse com seus filhos ou “dependentes”,
“consangüíneos ou não”! Em outras palavras, o Substitutivo Cabral 1
pretendia criar, entre o instituto luminoso da família e o mundo torvo da
“não-família”, um tertium genus, que seria a “entidade
familiar”, designação na qual estariam englobados quaisquer
ajuntamentos de pessoas que levem uma vida mais ou menos em comum. É bem de ver que esta conceituação faz explodir
a instituição da família como sempre foi entendida, até os dias de
hoje, na era cristã. Com isso tudo se configurava o quadro da
verdadeira situação criada pelo Substitutivo Cabral 1 para a família: a
união matrimonial ficava degradada ao nível do concubinato, do adultério
e do incesto[1]. É bem verdade que o Substitutivo Cabral 2 –
como já o faziam as redações anteriores – reconhece efeitos civis ao
casamento religioso. “Art. 256 ... § 1º - O
casamento será civil e gratuita sua celebração. O casamento religioso
terá efeito civil, nos termos da lei”. Tal reconhecimento sem dúvida é digno de
aplauso. Já era consagrado pelas sucessivas Constituições brasileiras
desde a de 1934. Entretanto, também esse dispositivo contrasta com
a equiparação da família regularmente constituída com base no
Sacramento, à “entidade familiar” nascida do
concubinato e até do adultério e do incesto, para não dizer de uma união
homossexual. Convém observar que a regulamentação
do reconhecimento dos efeitos civis do casamento religioso só veio
a ser feita pela Lei 1.110 de 23-V-50, em obediência a Constituição
Federal de 1946, art. 163, parágrafos 1º e 2º. Realmente, a primeira Constituição a prever
aqueles efeitos foi a de 1934, no art. 146, infelizmente não
regulamentado por Lei que lhe fosse posterior, mas anterior à Constituição
de 1946. A de 1934 exigia “confissão religiosa cujo
rito não contrarie a ordem pública ou os bons costumes”, o que,
vigente hoje, tornaria viável evitar os requerimentos, ora freqüentes,
ao menos em certas cidades, de efeitos civis para casamentos realizados em
centros espíritas e até em tendas de macumba, ou terreiros de umbanda,
sem falar de certas seitas protestantes. Acresce que, se o casamento civil pode ser
dissolvido com extrema facilidade (cfr. tópico 8 deste capítulo), que
sentido tem admitir que a celebração do ato indissolúvel no campo
espiritual produza, no campo civil, um efeito contraditório com esse traço
essencial do casamento religioso católico? * * * O Substitutivo Cabral 2 ainda estabelece
que “os filhos, independentemente da condição de nascimento,
inclusive os adotivos, têm iguais direitos e qualificações” (art.
257, § 5º ). É feita assim a equiparação
entre a prole legítima e a ilegítima. Os adjetivos “legítimo” e “ilegítimo”,
empregados por todos os povos civilizados para designar, de um lado, a
união conjugal e os filhos dela nascidos e, do outro lado, as uniões
extra-conjugais e a prole que delas resulta, têm um sentido profundo. É
legítimo o que está em consonância com a vontade de Deus e com a ordem
natural das coisas. O que, portanto, é conforme à moral e favorece o bem
comum. É ilegítimo o que constitui ato de revolta contra a vontade de
Deus, transgressão da ordem natural das coisas e, portanto, violação da
moral e agressão contra o bem comum. Compete ao Estado utilizar a lei
positiva para apoiar tudo quanto é legítimo e, paralelamente, reprimir,
em toda a medida de seu âmbito específico, o que é ilegítimo. O
combate às uniões ilegítimas não é menos um dever para o Estado do
que o favorecimento do matrimônio e da família legítima. Tanto mais
quanto as vantagens concedidas aos filhos ilegítimos o são sempre em
detrimento dos legítimos. Ao filho ilegítimo não legitimado, devem-se
reconhecer tão-somente dos direitos decorrentes do fato natural da filiação,
muito distantes da amplitude dos direitos reconhecidos à prole legítima.
De modo geral, em todos os assuntos referentes à prole ilegítima, como o
reconhecimento voluntário, a ação de investigação de paternidade, a
capacidade de herdar do pai ou da mãe etc., o legislador há de tomar em
conta primordialmente as exigências do decoro e do bem-estar da esposa e
dos filhos legítimos. Não se trata aqui de um
privilégio fundado em mero preconceito, é bom insistir, mas de conseqüência
natural dos princípios cristãos sobre a matéria, consagrados não só
pelo ensinamento da Igreja como pela tradição milenar da civilização
cristã. 5. Caminho livre para o aborto
O art. 256, § 4º,
do Substitutivo Cabral 2 prescreve: “É garantido a homens
e mulheres o direito de determinar livremente o número de seus filhos
e o planejamento familiar, vedado todo tipo de prática coercitiva
por parte do Poder Público e de entidades privadas”. Tais são as interferências que podem ser
produzidas para ser garantido, por meio do Poder Público, “a
homens e mulheres o direito de determinar livremente o número de seus
filhos”, que isso eqüivale a abrir caminho para o aborto,
atendendo às conveniências do casal [2]. Por outro lado, que é uma “prática
coercitiva”? O Novo Dicionário da Língua Portuguesa,
de Cândido de Figueiredo, registra, nos verbetes, coercitivo ou coercivo,
“que coage. Que reprime; que impõe pena”; no verbete coerção,
“ato de coagir”; e no verbete coagir, “constranger,
forçar”. O homônimo dicionário de Aurélio Buarque de
Holanda Ferreira registra, nos verbetes Coercitivo ou coercivo,
“que pode exercer coerção”; no verbete coerção, “1)
Ato de coagir; coação. 2) Repressão, coibição. 3) Jur. A força que
emana da soberania do Estado e é capaz de impor o respeito à norma
legal”. E no verbete coagir “Constranger; forçar: ‘E se
para o rei abdicar for mister coagi-lo, faça-se’ (Oliveira Martins,
Portugal Contemporâneo, p. XXII); coagir os fracos; coagiram-no a
demitir-se do cargo”. Como se vê, o substantivo coerção parece
comportar dois sentidos cabíveis. Um é a ação pela qual se constrange
alguém a fazer algo que não quer. Outro é o ato pelo qual se impede
alguém de fazer algo que deseja. Isto posto, exerceria uma ação “coercitiva”
o pregador ou o diretor espiritual que afirmasse ser obrigação de consciência,
para o católico, respeitar o curso normal da gestação e do nascimento? No segundo sentido, procederia de modo
“coercitivo” o pregador ou o diretor espiritual que ameaçasse com as
penas do inferno o pai ou a mãe que violasse o curso normal da gestação
e do nascimento? Ou, ainda, exerceria ação “coercitiva”
o hospital católico que recusasse sua colaboração para que tais violações
fossem praticadas em seus recintos por médicos deles? Além da óbvia importância dessas questões, que
a ambigüidade do texto do Substitutivo Cabral 2 deixa sem solução,
cumpre notar que o art. 256, § 4º, contém em embrião a
possibilidade de uma profunda crise entre a Igreja e o Estado. Pois a prática
de tais “coerções” faz parte do ministério da Igreja,
que a elas não poderá renunciar até a consumação dos séculos. De outro lado, se se entender que o art. 256, § 4º,
proíbe tais “coerções”, ele viola gravemente a
liberdade de consciência dos católicos, pois estes têm o direito de ser
instruídos pela Santa Igreja sobre todos os preceitos morais de que ela
é Mestra. 6. Caminho livre para a
contracepção
O mesmo art. 256, § 4º, garante “a
homens e mulheres o direito de determinar livremente ... o planejamento
familiar”. Esta disposição – excetuados aqueles modos de conduta
face ao processo de gestação que em nada violem o curso natural deste,
como é o caso do método Ogino-Knaus – se opõe à doutrina tradicional
da Igreja, inclusive em seu ensinamento mais recente [3]. 7. Omissão quanto à eutanásia
O art. 260 do Substitutivo Cabral 2 estatui que
“o Estado e a sociedade têm o dever de amparar as pessoas idosas,
mediante políticas e programas que assegurem sua participação na
comunidade e defendam sua dignidade, saúde e bem-estar”. Não lhes
garante, porém, o bem que é mais importante: a vida, a qual deve ser
protegida contra a eutanásia. 8. Virtual instituição do
verdadeiro divórcio direto
O Substitutivo Cabral 2, em seu art. 256,
parágrafos 2º e 3º, consagra e amplia o instituto
do divórcio: “O casamento pode ser dissolvido nos casos expressos em
lei, desde que haja prévia separação judicial por mais de um
ano, ou comprovada separação de fato por mais de dois anos”. E no § 3º: “A lei não limitará
o número das dissoluções do vínculo conjugal ou do casamento”. O divórcio foi introduzido no Brasil pela Emenda
Constitucional no. 9, de 28-6-77, sancionada pelo Presidente Ernesto
Geisel. Podem valer-se dele os que tenham mais de três anos de separação
judicial (desquite litigioso) ou de separação consensual (desquite amigável). Atente-se na ambigüidade da nova terminologia:
tanto a separação judicial (desquite litigioso) quanto a separação
consensual (desquite amigável) são separações judiciais, no sentido de
separações feitas na Justiça, separações de jure, não de
facto. Portanto, na atual legislação divorcista, o
termo “separação judicial” tem dois sentidos: 1º)
separação de jure, isto é, separação realizada ante o Poder
Judiciário e oposta à separação de facto; 2º)
separação litigiosa, oposta à separação consensual (desquite amigável). Em caráter excepcional, a Emenda Constitucional
no. 9, art. 2º, permitiu o divórcio direto, imediato (isto é,
independente da prévia separação na Justiça a quem, na data da mesma
Emenda, já houvesse completado cinco anos de separação de facto,
não de direito, separação aquela que, portanto, teria de se haver
iniciado antes de 28 de junho de 1972. Estranhamente, a lei ordinária que veio a
regulamentar a Emenda Constitucional (Lei 6.515, de 26-12-77, art. 40)
concedeu mais do que a Emenda regulamentada havia autorizado: permitiu divórcio
direto ainda que os cinco anos viesse a se completar depois da data da
Emenda, desde que iniciados antes dela, antes, portanto, de 28 de junho
de 1977. Aquela lei regulamentadora é, portanto, inconstitucional e,
assim, nula, em tudo o que ela extravasou da Emenda por ela regulamentada. De qualquer modo, porém, com o tempo, o divórcio
excepcional, direto, tenderia a desaparecer, pois iria sendo menor, a cada
dia, o número de casais separados de fato desde antes de 1972 (segundo a
Emenda) ou antes de 1977 (segundo a Lei 6515). Agora, o art. 256, § 2º, do
Substitutivo, não só diminui de três anos para um ano o tempo que deverá
ter passado desde a separação na Justiça, como também: 1o)
diminui, de cinco para dois, o número de anos necessários, na separação-de-fato;
2º) dispensa que tal prazo se haja iniciado antes da Emenda,
com o que fica bastando, para obtenção de divórcio, que o casal esteja
separado de fato há mais de dois anos, iniciados em qualquer data,
dispensa que generaliza e perpetua o divórcio excepcional, direto. A exceção
fica transformada em regra. Na prática, um dos maiores perigos desse divórcio
direto é que seu fundamento não é uma sentença judicial em um processo
de separação, consensual ou litigiosa, ato jurídico cuja data é de
prova fácil e segura: aquele fundamento é tão-só um fato
extrajudicial, a separação de facto, que tem de ser
provada por meio da mais trabalhosa e menos segura das provas, a
testemunhal. Ao invés de pedir desquite, para três anos
depois da sentença (já agora só dois) requerer a conversão dele em divórcio,
o cônjuge (muitas vezes até em conluio com o outro) preferirá
“arrumar” duas testemunhas de que a separação-de-fato vem ocorrendo
há mais de dois anos, com o que conseguirá, de imediato, o divórcio. Na prática, o Brasil passa a ter o verdadeiro divórcio
direto, quer dizer, o obtenível de imediato e por mero consenso dos cônjuges.
E sem qualquer limitação quanto ao número de “dissoluções do
vínculo conjugal ou do casamento”, como expressamente determina
o § 3º do art. 256. 9.
Nas relações familiares, a intervenção do Estado
Cabe ainda um comentário sobre alguns tópicos do
Substitutivo Cabral 2, extraídos do seu Título VIII, Cap. VII, Da família,
da criança, do adolescente e do idoso. Diz o § 5º do art. 256 que “o
Estado assegurará a assistência à família na pessoa dos membros que a
integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito destas
relações”. O art. 257 estabelece, em seu caput, que “é
dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à
criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à
vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à
profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade
e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de
toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência,
crueldade e opressão”. E o § 6º do mesmo artigo assegura
“a participação da comunidade”, “no atendimento dos direitos da
criança e do adolescente”. Esses dispositivos, devem ser analisados no seu
conjunto, do ponto de vista do doloroso problema dos excessos da
autoridade paterna, os quais vão crescendo em número como em gravidade,
mais ou menos no mundo inteiro. A tal respeito, a legislação brasileira era
muito mais genérica e concisa. Explica-se o fato. Estando a moralidade pública
muito menos deteriorada do que nos dias presentes, o mútuo afeto entre
pais e filhos criava costumes profundamente favoráveis ao bom
relacionamento familiar. Crimes contra as crianças, praticados pelos próprios
pais, como se verificam hoje em dia, passavam então por casos teratológicos.
O mesmo se dava com o suicídio de crianças, o qual se vai tornando hoje
menos raro. Nessas condições, a Lei evitava recorrer ao
Estado para resolver situações familiares, a não ser em casos da maior
gravidade e, portanto, muito raros. Ora, em nossos dias de geral convulsão, o muito
grave vai deixando de ser muito raro. E, de outro lado, por isso mesmo
cresce, sob alguns aspectos, a necessidade da intervenção estatal. Mas, de outro lado, em matérias atinentes à família
(e não só nestas), a intervenção do Estado pode ser catastrófica,
ainda quando indispensável. É o que acontece analogamente com certas
intervenções dos corpos de bombeiros: indispensáveis para extinguir incêndios,
acabam por danificar pela ação da água o que o fogo não tenha
conseguido destruir. Daí se segue que as intervenções do Estado em
matéria familiar deveriam ser deixadas para a lei ordinária, a cujo âmbito
aliás pertencem naturalmente. Pois a lei ordinária comporta um
tratamento mais amplo, e portanto mais matizado, de temas sobre os quais
uma Constituição tem de ser necessariamente muito mais sintética e lacônica. Por exemplo, o art. 256, § 5º,
institui verdadeiros órgãos de julgamentos de pendências não só entre
marido e mulher, como também entre pais e filhos, qualquer que seja a
idade destes últimos. O art. 257, por suas “absolutas
prioridades”, cria um sem-número de situações nas quais a
fricção entre pais e filhos se torna até rotineira. O que levará também
à intervenção rotineira dos “mecanismos de coibição”
estatais. E o § 6º do mesmo art. 257 parece
instituir ainda uma intervenção de todo o corpo social na vida familiar.
A supor que essa intervenção seja necessária, a que desastres poderá
conduzir se não for regulamentada com o máximo cuidado? Não seria
preferível deixá-la então no exclusivo âmbito da legislação ordinária? 10. Um ensino de sentido
fortemente ideológico
Profundamente relacionado com o tema da Família
é o assunto “Da Educação”. Cabe aqui uma breve análise do
que o Substitutivo Cabral 2 dispõe a respeito. O Art. 233 estabelece o seguinte princípio: “A
educação, direito de cada um, e dever do Estado, será promovida e
incentivada com a colaboração da família e da comunidade, visando ao
pleno desenvolvimento da pessoa e ao seu compromisso com o repúdio
a todas as formas de preconceito e de discriminação”. Este artigo tem sentido fortemente ideológico. Ele proclama que a Educação (a pública? A
particular também?) está comprometida “com o repúdio a todas as
formas de preconceito e de discriminação”, mas deixa em branco
uma questão muito importante, ou seja, saber em que consiste o “repúdio
a todas as formas de preconceito e de discriminação”. Com isso
fica aberto campo para o estabelecimento de uma verdadeira inquisição
laica e incruenta (que nem por isso deixa de ser terrível), atentatória
da liberdade individual (cfr. Parte IV, Cap. IX, 8) [4]. 11. Autogestão no ensino:
nivelando por baixo...
O inciso I do parágrafo único do mesmo art. 233
prescreve a “democratização do acesso e permanência na escola
e gestão democrática do ensino, com participação de docentes, alunos,
funcionários e representantes da comunidade”. O texto tem o duplo mérito – raro nos
sucessivos Projetos de Constituição – da concisão e da clareza. Ele visa a plena democratização do ensino,
abrindo campo antes de tudo para a “democratização do acesso e permanência
na escola”. Estas duas últimas palavras indicam bem que “a
escola” é mencionada in abstracto, isto é, designam
toda e qualquer escola, tanto privada como pública. Nisto se manifesta a ingerência abusiva do Poder
Público no ensino privado. Pois é legítimo que, sendo o sentido da
palavra “democratização” bastante elástico, certos
grupos particulares, em conexão com organizações docentes religiosas ou
não, queiram proporcionar aos filhos um ensino de melhor categoria. E tal
não lhes pode ser vedado sem esta limitação dos poderes do Estado, com
grave dano para a autoridade paterna. Acresce que, em toda sociedade baseada na livre
iniciativa e na propriedade privada, há legitimamente patrimônios
desiguais. E é normal que as famílias queiram assegurar aos respectivos
filhos educação e instrução correspondentes ao standing delas. Ora, a palavra “democratização”
é tomada nesse inciso com grande radicalidade, como se vê pela introdução
da co-gestão da direção dos estabelecimentos de ensino. Tomada com tal radicalidade,
ela quer dizer, em matéria de “acesso e permanência” do aluno na
escola, que todos os estabelecimentos de ensino devem ser igualmente acessíveis
a todos os alunos. O que tem como conseqüência um atentado ao direito
dos pais a aprimorarem especialmente a educação dos filhos, bem como a
adoção do programa de “nivelar
por baixo”, que é a pior forma de nivelamento, pois ela impede a formação
de autênticas e justas elites, numa sociedade harmonicamente desigual. Quanto à “gestão democrática”
da escola, é ela simplesmente disparatada. Pois importa na participação
de alunos extremamente jovens – e portanto despreparados sob muitos
pontos de vista – nesta gestão. O inciso I do parágrafo único do art.
233 nem sequer menciona a partir de que idade o aluno é admitido a “participar”... Ademais, também confere essa participação a
funcionários de todo e qualquer nível de preparo, por isso mesmo
insuficientemente qualificados para participar da gestão da escola. É a implantação
da autogestão na escola, analisada de modo sintético, profundo e detido
na histórica Mensagem das então 13 TFPs sobre o socialismo autogestionário
francês, como característica de avançada forma de estatização [5]. 12. “Ensino universal,
obrigatório e gratuito”
O Substitutivo Cabral 2 prescreve: “Art. 234 – O dever do Estado com a educação
efetivar-se-á mediante a garantia de: “I – ensino
fundamental, obrigatório e gratuito, inclusive para aqueles que a
este não tiveram acesso na idade própria”. “Obrigatório”, para quem? Para
todo aquele que não possa obter lugar em estabelecimento de ensino
particular? Ou o ensino público (não particular) é obrigatório para
todos? O texto não é claro. * *
* Também pode trazer graves
inconvenientes a redação pouco clara do art. 234, com seu inciso IV: “Art. 234 – O dever do Estado com a educação
efetivar-se-á mediante a garantia de: ... “IV – atendimento em creches e pré-escolas às
crianças de zero a seis anos de idade”. Que se deve entender por “garantia”, mediante
a qual se efetivará (melhor seria dizer “se cumprirá”)
o dever do Estado no que diz respeito à educação? Conforme a
intelecção que se dê a essa ambígua palavra, o dispositivo pode
significar que esse atendimento é obrigatório para todas as crianças, e
até que ele é exclusivo do Estado. Se assim for, tal dispositivo pode
importar na maior das tiranias. Pois, em caso de se afirmar a
obrigatoriedade genérica para todas as crianças, de maneira que freqüentem
compulsoriamente estabelecimentos correspondentes a essa idade, quer públicos
quer privados, fica instituído que as crianças, desde o começo da existência
até seis anos, já devem ser arrancadas aos braços maternos. Fica aos
pais tão-somente a diminuta faculdade de optar, para seus filhos, entre o
estabelecimento oficial e o privado. Mas, se se entender que essa obrigatoriedade é só
em favor dos estabelecimentos oficiais e não dos particulares, nem essa
residual liberdade fica aos pais. É a completa tirania ideológica do
Estado-Moloch. Ainda bem que o art. 257, § 2º, 1[6]
, dando à ação do Estado nesta matéria o caráter de mero
oferecimento, contorna a dificuldade, anulando o efeito da má redação
do art. 234, inciso IV. 13. Sem amparo do Estado as
escolas privadas
Muito embora o art. 235 estatua que “o ensino
é livre à iniciativa privada”,
nada dispõe ele, entretanto, sobre a subvenção às escolas privadas,
subvenção esta que, como se sabe, as circunstâncias concretas tornam
indispensável para a sobrevivência de muitas delas. De tal subvenção,
o Substitutivo Cabral 2 não parece cogitar nem sequer para os
lugares em que não haja escolas públicas. É fácil ter idéia de quanto o Substitutivo
evolui para a hegemonia educacional, confrontando o que aqui fica
comentado, com o art. 176, § 2º, da Constituição vigente:
“Art. 176 § 2º - Respeitadas as disposições legais, o
ensino é livre à iniciativa particular, a qual merecerá o amparo técnico
e financeiro dos Poderes Público, inclusive mediante bolsas de
estudos”. [1] É impressionante a afinidade desse quadro com o disposto sobre as mesmas matérias em leis de países comunistas. Eis alguns exemplos. Constituição
cubana “Art. 35 – O matrimônio é a união voluntariamente concertada de um homem e uma mulher legalmente aptos para ele, a fim de levar vida em comum. Baseia-se na igualdade absoluta de direitos e deveres dos cônjuges, que devem atender à manutenção do lar e à formação integral dos filhos. .... “Art. 36 – Todos os filhos têm iguais direitos, sejam havidos dentro ou fora do matrimônio. Está abolida toda qualificação sobre a natureza da filiação”(apud Constituição do Brasil e Constituições Estrangeiras, Senado Federal, Subsecretaria de Edições Técnicas, Brasília, 1987, vol. I, pp. 331-332). Constituição
russa “Art. 35 – A mulher e o homem têm na URSS direitos iguais. ... “ART. 53 – A família encontra-se sob a proteção do Estado. “O casamento baseia-se no acordo voluntário da mulher e do homem; os cônjuges são absolutamente iguais nas relações familiares” (Constituición – Ley Fundamental – de la Unión de Republicas Socialistas Soviéticas, Editorial Progreso, Moscou, 1980, pp. 18 e 25-26). Constituição
polonesa “Art. 78 ... § 1º - A mulher tem na República Popular da Polônia os mesmos direitos que o homem em todas as esferas da vida estatal, política, econômica e cultural. .... “Art. 79 ... § 4º - As crianças nascidas em uniões não matrimoniais têm os mesmos direitos que as de matrimônios legais”(KONSTYTUCJA POLSKIEJ RZECZYPOSPOLITEJ LUDOWEJ, Ksiazka i Wiedza – Constituição da República Popular da Polônia, Editora Livro e Saber, Varsóvia, 1985, pp. 48-49). [2] Esse perigo de uma eventual legalização do aborto, por máxima constitucional, teria sido ainda maior se houvesse prevalecido o disposto no art. 12, I, “a”, do Projeto Cabral, o qual rezava assim: “Adquire-se a condição de sujeito de direitos pelo nascimento com vida”. Se esse dispositivo ainda vier a ser aprovado, em fase posterior, pela Constituinte, estará aberta mais uma porta para a prática do homicídio na fase pré-natal, uma vez que o nascituro ainda não seria “sujeito de direitos”. [3] Com efeito, a esse propósito, ensina expressamente Paulo VI, na Encíclica Humane Vitae, de 25 de julho de 1968: “Paternidade responsável comporta ainda, e principalmente, uma relação mais profunda com a ordem moral objetiva, estabelecida por Deus, de que a consciência reta é intérprete fiel. O exercício responsável da paternidade implica, portanto, que os cônjuges reconheçam plenamente os próprios deveres, para com Deus, para consigo próprios, para com a família e para com a sociedade, numa justa hierarquia de valores. “Na missão de transmitir a vida, eles [os cônjuges] não são, portanto, livres para procederem a seu próprio bel-prazer, como se pudessem determinar de maneira absolutamente autônoma as vias honestas a seguir; mas devem, sim, conformar seu agir com a intenção criadora de Deus, expressa na própria natureza do matrimônio e dos seus atos e manifestada pelo ensino constante da Igreja” (Coleção Documentos Pontifícios, Vozes, Petrópolis, 1969, 3ª ed., vol. 176, p. 24). Mas esta honestidade da vida conjugal não é possível sem a prática da ascese, conforme lembra o mesmo Paulo VI: “Uma prática honesta da regulação da natalidade exige, primeiro de tudo, que os esposos adquiram sólidas convicções acerca dos valores da vida e da família e que tendam a alcançar um perfeito domínio de si mesmos. O domínio do instinto, mediante a razão e a vontade livre, impõe, indubitavelmente, uma ascese, para que as manifestações afetivas da vida conjugal sejam conformes com a ordem reta e, em particular, concretiza-se essa ascese na observância da continência periódica. Mas esta disciplina, própria da pureza dos esposos, longe de ser nociva ao amor conjugal, confere-lhe pelo contrário um valor humano bem mais elevado. Requer um esforço contínuo, mas, graças ao seu benéfico influxo, os cônjuges desenvolvem integralmente a sua personalidade, enriquecendo-se de valores espirituais”(Encíclica citada, p. 32). Este ensinamento foi reiterado por João Paulo II, na Exortação Apostólica Familiaris Consortio, de 22 de novembro de 1981 (cfr. Insegnamenti di Giovanni Paolo II, Libreria Editrice Vaticana, 1981, vol. IV, 2, no.s 28 a 35, pp. 977 a 988). E não se pense que a regulação artificial da natalidade seja sem conseqüências para a vida social e mesmo para a vida individual do homem e da mulher. É o que pondera ainda Paulo VI, na mesma Encíclica Humanae Vitae: “Considerem, antes de mais, o caminho amplo e fácil que tais métodos abririam à infidelidade conjugal e à degradação da moralidade. Não é preciso ter muita experiência para conhecer a fraqueza humana e para compreender que os homens – os jovens especialmente, tão vulneráveis neste ponto – precisam de estímulo para serem fiéis à lei moral e não se lhes deve proporcionar qualquer meio fácil para sofismarem a sua observância. É ainda de recear que o homem, habituando-se ao uso das práticas anticoncepcionais, acabe por perder o respeito pela mulher e, sem preocupar mais com o equilíbrio físico e psicológico dela, chegue a considerá-la como simples instrumento de prazer egoísta” (Encíclica citada, p. 29). O Pe. Antonio Royo Marin OP, um dos mais notórios moralistas de nosso tempo, ex-Professor da Universidade de Salamanca e autor de numerosos livros, assim resume as razões da Igreja para condenar toda prática que tenha por fim privar o ato conjugal de suas conseqüências naturais (denominada, pelos moralistas, de “onanismo conjugal”, por ter sido Onan, filho de Judá, o primeiro a praticar tal pecado, pelo que foi punido com a morte por Deus – cfr. Gen. 38, 8 a 10): “1)
O onanismo se opõe diretamente ao fim primário do matrimônio e à
fidelidade conjugal. “2)
Vai diretamente contra a natureza e, por isso mesmo, é
intrinsecamente mau, uma vez que a união conjugal se ordena, de si,
à geração dos filhos e não lhe pode tirar, por vontade própria,
essa finalidade sem contrariar absolutamente a ordem natural das
coisas, estabelecida pelo próprio Deus. “3)
Produz, na maior parte dos casos, graves transtornos psíquicos aos cônjuges
e não remedeia de todo, mas excita ainda mais, a concupiscência,
contra o fim secundário do matrimônio. “4) Se o onanismo fosse lícito, desenvolver-se-ia enormemente a imoralidade entre os homens e se ocasionaria um gravíssimo mal para todo o gênero humano” (Teologia Moral para Seglares, BAC, Madrid, 1984, 4ª ed., vol. II, p. 694). [4] Cumpre ressaltar que a expressão “repúdio a todas as formas de preconceito e de discriminação”, que constava no Projeto Cabral, caiu no Substitutivo 1 e reapareceu agora no Substitutivo 2. Isso confirma o receio de que dispositivos abolidos numa redação retornem na seguinte ou em outra posterior. O que, de fato, aconteceu mais de uma vez. [5] Cfr. Plinio Corrêa de Oliveira. O socialismo autogestionário: em vista do comunismo barreira ou cabeça de ponte?, “Catolicismo”, no.s 373-374, janeiro-fevereiro de 1982, pp. 22-23. [6]
“Art. 257 .... § 2º - Do direito da criança e do
adolescente à educação constará: “I – a obrigatoriedade, por parte do Estado, de oferta de educação especializada e gratuita, a todas as famílias que o desejarem, em instituições como creches e pré-escolas às crianças de zero a seis anos”. Cfr. também Leão XIII, Encíclica Diuturnum Illud, de 29-6-1881 (Coleção de Documentos Pontifícios, Vozes, Petrópolis, 1951, 3a. Ed., vol. 12, pp. 5-6). |