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Plinio Corrêa de Oliveira
Projeto
de Constituição angustia o País
1987 |
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Capítulo VIII – Um Projeto de Constituição que desagradou
profundamente o País
1. O texto constitucional em
elaboração suscitou desde logo pesadas críticas
À medida que desenvolvia seus trabalhos, a
Assembléia Nacional Constituinte foi desagradando cada vez mais amplos
setores da opinião nacional e suscitando as mais pesadas críticas. O Ministro da Justiça, Paulo Brossard, via nos
trabalhos da Constituinte: “fantasias, desordem mental, irrealismo
exacerbado. ... desvios conceituais, ... ausência de uma reflexão mínima”,
bem como “total ausência de critérios, de seriedade” (Alexandre
Costa, “O Estado de S. Paulo”, 16-4-87). Um documento da Associação Comercial de São
Paulo considera os 24 relatórios das Subcomissões da Constituinte como “casuísticos
quanto à forma e xenófobos e socializantes quanto ao mérito” (“Diário
do Comércio”, São Paulo, 20-5-87). “Detalhista, utópico e progressista” são qualificativos “repetidos agora em razoável escala na
Assembléia Nacional Constituinte” (“O Globo”, 16-5-87). Para “O Estado de S. Paulo”(17-5-87) era “grande
o risco de ser elaborada uma Constituição ideal, lírica, poética e,
sob certo aspecto, fantasiosa, mas inexeqüível”. Em suma: “O festival de besteiras que assola
a Constituinte é praticamente ilimitado” (Nertan Macedo, “O
Estado de S. Paulo”, 14-6-87). Essas críticas, aliás, prosseguiram com a
publicação dos sucessivos Substitutivos do Projeto Cabral. O
“Jornal do Brasil” (1º-9-87), por exemplo, comenta: “É difícil evitar uma
sensação de constrangimento ou até de perplexidade em relação ao que
está acontecendo com a Assembléia Constituinte. A Constituição é a
‘lei maior’. Mas onde estão os indícios de que e trata, realmente,
da ‘lei maior’ em elaboração? Onde está a seriedade própria a uma
tal ocasião? “A impressão que se tem, em vez disso,
é a de que estão em elaboração milhares de ‘pequenas leis’,
tratando de tudo quanto é questão específica ... “A idéia de Constituição é inseparável
de um ordenamento que trate os assuntos de acordo com a sua hierarquia. É
como a construção de um edifício: há que haver alicerces e um plano
geral, a partir do qual os detalhes vão se encaixando em seus respectivos
lugares. Em vez disso, o que se avoluma à nossa frente, nesta jornada
constituinte, é uma autêntica Torre de Babel, onde cada pedaço parece
obedecer a uma inspiração diferente. .... “A nossa época entrou a confiar
desvairadamente no ‘poder jovem’, na tabula rasa, no ‘começar tudo
de novo’. ... “O país ... não é uma colcha de
retalhos. Tem os seus costumes, sua feição própria – e uma longa
tradição constitucional. Quis-se fazer tabula rasa dessa tradição. ... “Quis-se partir do zero. O
resultado é um projeto constitucional desossado, que não parece ter começo
nem fim, que não tem rosto nem estrutura, e não pode funcionar como o
ordenamento sem o qual a nação não vive”. 2. Um Projeto de Carta Magna,
dispositivos que caberiam normalmente na legislação ordinária
Uma das críticas mais insistentes que vêm sendo
feitas ao texto constitucional em elaboração é a confusão em matérias
específicas de uma Carta Magna e as de alçada da legislação ordinária: Já em março, o sr. José Elias Murad, em artigo
para “O Estado de Minas” (18-3-87) apontava o “erro de interpretação
que se vem cometendo com certa freqüência, [que é o de] imaginar
que se podem incluir na nova Constituição dispositivos legais e princípios
que, na verdade, só caberiam na legislação ordinária. A proceder-se
assim, a futura Constituição seria, na verdade, um imenso tratado, e ano
a Carta Magna do País”. O jurista Miguel Reale afirmou recear “um
‘totalitarismo constitucional’, isto é, que a Assembléia Nacional
Constituinte exagere nas minúcias do texto da nova Carta e não deixe
nada a ser feito pelos legisladores futuros, já que tudo ficaria pré-determinado
agora. Reale observou que ‘a constitucionalite é uma doença
perversa’” (“O Estado de S. Paulo”, 4-4-87). “Como não se crê na lei ordinária,
apela-se para a lei básica. Tudo passa então a ser matéria
constitucional. ... Uma Constituição atulhada, que procure tudo
regulamentar, já nasce com precária viabilidade”, pondera Otto Lara Resende ( “O
Globo”, 12-7-87). O Prof. Antônio Dias Leite, em artigo para o
“Jornal do Brasil” (13-7-87) assevera: “Tentar definir todo o
futuro em uma Constituição detalhista é insensatez que só pode
concorrer para inviabilizar o país”. Segundo o deputado Adylson Motta (PDS-RS), “mais
de 70% dos artigos aprovados até agora nada têm de matéria
constitucional” (“Jornal do Brasil”, 20-6-87). 3. O chamado “Projeto
Cabral”, em particular, foi objeto de repulsa generalizada
As críticas se tornaram mais acres quando começou
a ser conhecido o Anteprojeto da Comissão de sistematização, e
atingiram o paroxismo ao ser publicado o primeiro Projeto de Constituição
dessa Comissão, conhecido como Projeto Cabral. Em editorial do “Jornal da Tarde” de São
Paulo (30-6-87), lê-se: “O que mais chama atenção nesse primeiro
esboço da futura Carta Magna .... é o caráter irrealista, demagógico e
tautológico da matéria de suas propostas”. Para o diretor do Centro das Indústrias do Estado
de São Paulo (regional Diadema), sr. Fernando Sevy, o Projeto Cabral é “amontoado
de absurdos” (“Folha de S. Paulo”, 8-7-87; “O Estado de S.
Paulo”, 12-7-87). O deputado José Geraldo Ribeiro (PMDB-MG), que
integra a própria Comissão de Sistematização disse que trabalharia por
uma nova Constituição “enxuta e livre de dispositivos que só
consagram a imaginação fundada na demagogia” (“Jornal do
Brasil”, 31-7-87). “ ‘Isso é uma loucura. O país vai
ficar ingovernável’, disse à Folha o Ministro da
Fazenda, Luiz Carlos Bresser Pereira. E, para evitar o que classifica de
‘loucura’, advertiu .... Ulysses Guimarães sobre o ‘desastre’
embutido no anteprojeto de Constituição” (Gilberto Dimenstein,
“Folha de S. Paulo”, 30-7-87). Mauro Chaves, em artigo para “O Estado de S.
Paulo” (30-7-87), faz o elenco dos apelidos que vêm sendo atribuídos
ao Projeto Cabral: “A partir desses traços característicos
da classe e das lideranças políticas brasileiras ... podemos explicar o
Monstrengo, o samba-do-crioulo-doido, o Tratado de Bestialogia, a Bíblia
Mentecapta, o Rol de Asneiras, o Código Frankenstein ou que mais apelido
tenha aquela ‘coisa’ em 501 artigos gerada pela Comissão de
Sistematização”. O próprio relator da Comissão de Sistematização
(deputado Cabral) e o presidente desta (senador Arinos) declararam não
ter gostado do Anteprojeto. O senador Arinos chegou a sugerir a redação
de outro texto, alegando que o Projeto partiu de uma falha elementar, que
foi não ter uma proposta que servisse de base. O deputado Bernardo Cabral afirma que o Projeto “saiu
um monstrengo, sim, mas o autor não fui eu” (“Veja”, 8-7-87). Uma das declarações mais expressivas sobre a
inviabilidade do Anteprojeto da Comissão de Sistematização é a do próprio
relator: “Esse anteprojeto de
Constituição que foi elaborado não tem linearidade ideológica, não
tem consistência no Direito Constitucional porque violenta não só as
suas regras, mas fere o que foi feito de uma Comissão para outra. Por
exemplo, várias comissões trataram da reforma agrária, dos direitos
coletivos e sociais. Então se chocam, porque as posições são antagônicas.
Se viesse um projeto só, saberíamos se ele era progressista, direitista
ou esquerdista, mas teria um traço só. “- Então virou uma loucura? “- É um ajuntamento que precisava ter
sido feito de outra forma. ... “Tenho lido nos jornais que o presidente
José Sarney não estava satisfeito com essa Carta. Declarou que, com ela,
o País seria ingovernável. Nossos pontos de vista, pelo menos aqui,
empatam. Eu também acho que o País será ingovernável com esse
anteprojeto” (“Shopping News – City News”, São Paulo, 5-7-87). 4. O Senador José Richa chega
a propor o recesso da Constituinte
Diante do impasse que assim se delineava, o
Senador José Richa propôs “a suspensão dos trabalhos da Assembléia
Nacional Constituinte por 30 dias para que os parlamentares possam
analisar os problemas nacionais ... ‘Não é preciso ganhar campeonato
do mundo de fazer Constituição’, afirmou Richa, acrescentando que está
disposto a coordenar um grupo suprapartidário para ‘salvar a
Constituinte’, que segundo ele está trabalhando em clima muito
tumultuado” (“O Globo”, 5-7-87). Como era de prever, a proposta causou muita polêmica
entre os Constituintes. Apoiaram-na a líder em exercício do PFL, Sandra
Cavalcanti e o deputado Delfim Netto. Este último disse: “Acho que
é uma proposta muito sensata, que poderia trazer de volta o Congresso ao
seu centro de gravidade” (“O Estado de S. Paulo”, 7-7-87). O Presidente Sarney também se pronunciou sobre o
assunto, dizendo que via “com bons olhos a proposta do senador José
Richa (PMDB-PR) de suspender temporariamente os trabalhos da Constituinte
‘para a compatibilização de pontos que não guardam uma unidade de
pensamento no anteprojeto preparado pelo relator da Comissão de
Sistematização, Bernardo Cabral’” (“O Estado de S. Paulo”,
2-7-87). A proposta, entretanto, não vingou entre os
Constituintes. E a saída para o impasse vem sendo buscada numa outra via:
um acordo suprapartidário. 5. A formação de blocos
suprapartidários
Iniciada a discussão do Projeto Cabral em
plenário, o deputado Plinio de Arruda Sampaio (PT-SP) se perguntava se o
texto seria efetivamente debatido pelos Constituintes: “De acordo com o sistema
adotado pela Mesa, o projeto inteiro está na ordem do dia e os oradores
inscritos para um espécie de debates, podem falar sobre o que bem
entenderem. Assim, um fala sobre presidencialismo; outro sobre a pena de
morte; um terceiro sobre a criação do Estado de Tocantins; um quarto
sobre a reforma agrária; e desse modo fragmentado, até o oitavo orador. “Obviamente, não há quem siga um
debate de tal maneira dispersivo. Por isso, os constituintes não
comparecem. “Em resumo: não está havendo debate.
... “Democracia é ... plenário cheio,
denso, tenso, galeria repleta, lideranças presentes, apartes e
contra-apartes, ‘pegas’ entre expoentes de várias correntes” (“Folha
de S. Paulo”, 24-7-87). Para o deputado do PT isso só se conseguiria com
a “adoção de um cronograma de debates por temas”, em vez do “monótono
pinga-fogo” (“Correio Braziliense”, 23-8-87). Por isso ele e outros deputados pressionaram a
Mesa da Constituinte, a qual decidiu convocar “nove sessões
extraordinárias noturnas, cada qual destinada à discussão de um tema
polêmico. “A primeira sessão extraordinária
noturna ... parecia a comprovação da tese de Plinio: no plenário cheio,
era possível encontrar uma inédita concentração de ‘estrelas’, que
raríssimas vezes aparecem por lá .... “As sessões noturnas que se seguiram,
porém, mostraram que a maioria dos constituintes havia ido à primeira,
muito mais atraídas pela novidade que pela expectativa de assistir a um
autêntico debate constitucional” (Catarina Guerra, “Correio
Braziliense”, 23-8-87). Sucede que, segundo Newton Rodrigues,
editorialista da “Folha de S. Paulo” (3-8-87), está sendo “jogado
pelos grupos ‘interpartidário’, ‘de consenso’, ‘dos 32’,
‘de moderados’, ‘de relatores do Prodasen’ e de quantos mais se
organizaram fora do plenário para defender interesses comuns ou fazer
avançar o trabalho”. O Grupo dos 32 “formou-se à partir da
elaboração do Anteprojeto de Constituição apresentado pelo relator
Bernardo Cabral. É liderado pelo senador José Richa (PMDB-PR)
e engloba parlamentares do PMDB, PDS, PDT e PFL. Tem tendências de
centro (moderado), sem ser conservador. É visto com bons olhos por
Bernardo Cabral e apresentou o substitutivo denominado projeto Hércules.
Recebeu o nome de Grupo dos 32
por contar com a participação de 32 constituintes” (“O
Estado”, Florianópolis, 23-8-87). O grupo do consenso, que se reúne na Biblioteca da Câmara dos Deputados, é
coordenado pelo antigo secretário de Estado do Governo Richa, do
Paraná, deputado Euclides Scalco (PMDB-PR). Ele é “de esquerda
(esquerda católica), .... amigo dos bispos, interlocutor constante da
CNBB e dos padres perseguidos na ditadura” (Freitas Nobre, “Jornal
da Tarde”, São Paulo, 20-8-87). O grupo do consenso “reúne parlamentares do
PMDB de esquerda, em geral ligados ao senador Mário Covas. Promoveu
algumas reuniões em conjunto com o grupo do senador José Richa,
discutindo propostas que sejam consensuais para a nova Constituição.
Neste caso, excluem-se questões como o mandato presidencial, sistema de
governo e reforma agrária. Agrupa cerca de 15 parlamentares” (“O
Estado”, Florianópolis, 23-8-87). A constituição desses grupos suprapartidários
tem implicado, não raro, em verdadeira miscelânea ideológica. Assim, por exemplo, “o líder do PCB no
Congresso constituinte, deputado Roberto Freire, é um dos articuladores
de um grupo que inclui Guilherme Afif Domingos (PL), Israel Pinheiro Filho
(PMDB), Virgílio Távora e outros integrantes do bloco ‘conservador’,
para, juntos, elaborarem um substitutivo ao projeto constitucional que
serve de base para os debates em plenário. O fato é indicador da confusão
que envolve os conceitos de ‘progressista’ e ‘conservador’ que, de
modo algo simplista, a imprensa adotou para definir os dois grandes grupos
em confronto no Congresso constituinte. “O que mais chama a atenção não é
perceber que, no interior de cada um desses blocos, as diferenças são
abissais. É constatar que as divergências entre ‘progressistas’ e
‘conservadores’ – que mais de uma vez já partiram para resolvê-las
literalmente a pancadas – são muito menores do que parecem à primeira
vista” (Igor
Fuser, “Folha de S. Paulo”, 17-7-87). A formação desses grupos tem atraído a atenção
de incontáveis analistas políticos. Nesse sentido, é particularmente frisante o
comentário de Jânio de Freitas, da “Folha de S. Paulo” (16-9-87): “Nova onda de cassações de
parlamentares, sem distinção de partido, linha ideológica e princípios
morais, está em curso na Constituinte e ameaça sua autenticidade, já de
si relativa dado o abandono dos compromissos de campanha eleitoral por
tantos constituintes. ... “Só a uns 10%, ou muito pouco mais, está
sendo concedida a oportunidade de atender ... à missão delegada pelas
urnas. ... Quem não figura entre os que negociam os ‘acordos de lideranças’
está tendo sua tarefa constituinte impedida. “São 466 constituintes que não compõem
a Comissão de Sistematização e mais algumas dezenas dos que a integram.
Em 559, o total de marginalizados ronda os 500. São os novos cassados. Em
uma Constituinte que vinha compor o Estado de Direito e abrir caminho à
vida democrática”. O “Jornal do Brasil”
(30-8-87) é severo na censura a esse processo de elaboração da Nova
Carta: “Nada de definitivamente bom
se pode esperar de uma constituição tecida à sombra em que se refugiam
propósitos inconfessáveis. ... “A Constituinte .... foi uma
feira livre .... O resultado só poderia ser duvidoso, porque o mandato
representativo não tem o poder de legitimar atos tramados no escuro e que
não resistem à luz do dia”. Pense-se o que se pensar sobre a autenticidade
dessas articulações de bastidores, o fato é que elas são reveladoras
do impasse a que se chegou nos trabalhos de elaboração do novo texto
constitucional. 6. A orientação de fundo do
Projeto Cabral
Muitas críticas ao Projeto Cabral salientam sua
orientação de fundo: “O que caracteriza, acima de tudo, o
arcaísmo de sua visão está no fato de encararem a ação do Estado, ou,
de forma mais precisa, a intervenção do governo, como um recurso
primeiro, último e constante de todo progresso social” (“Folha
de S. Paulo”, 4-7-87). “A fatigante, tediosa e desalentadora
leitura do ‘Anteprojeto de Constituição’” levaria
à “imagem da centralização autofágica que torna incapazes e
inoperantes um sem número de organismos administrativos, sobretudo, na
administração pública, em nossos dias”. Seria o reflexo de uma
Constituição que “se obstina em cercear as iniciativas livres e
conferir ao Estado, patrão supremo e onipotente, a tutela sobre todas as
pessoas e atividades” (Dom Lourenço de Almeida Prado O.S.B.,
“Jornal do Brasil”, 15-7-87). “Além de utópico, prolixo
e demagógico, é inexeqüível e inaplicável o anteprojeto ... Preceitua
desde o direito à felicidade à impossibilidade de corte da luz, por quem
não pagar a conta. Institucionaliza a delação e estabelece um sistema
de governo impossível de funcionar, meio parlamentarista, meio
presidencialista. Ilude o trabalhador dispondo sobre a estabilidade no
emprego aos 90 dias e abre as portas para o desemprego em massa. Fala em
desestatização mas amplia as tenazes do Estado sobre a economia, ao
[mesmo] tempo em que, pretendendo acabar com a discriminação, privilegia
minorias. Dá aos estados e municípios maior receita tributária, mas,
por conta disso, amplia os mecanismos para a União taxar ainda mais o
cidadão comum. “De muitos de seus capítulos
flui a certeza de sua inaplicabilidade. A nova Constituição, se seguir
esse modelo, começará a ser descumprida no primeiro dia de sua promulgação”
(Carlos Chagas, “O Estado de S. Paulo”, 5-7-87). Dom Lourenço
de Almeida Prado põe em realce o igualitarismo como fundo de quadro do
Projeto Cabral: “Por medo das desigualdades que
realmente existem, umas legítimas ... outras ilegítimas e opressivas,
que devem ser combatidas, forja-se o igualitarismo, ... todos
uniformizados, sem qualquer marca individuante que os diferencie como
pessoa, como personalidade própria, todos timbrados com o sinete do dono,
inominados servidores do Estado. ... Mais opressiva que a multinacional
... é a massificação do povo no
anonimato ... Cada um será parte dessa engrenagem em que a nossa vida
estará inserida” (Dom Lourenço de Almeida Prado O.S.B., art. cit.). 7. Alguns aspectos
particularmente aberrantes do Projeto Cabral
A imprensa
tem dado destaque a alguns aspectos particularmente aberrantes do Projeto
Cabral[1]
: “Esse primeiro esboço da
futura constituição diz que a soberania do país pertence ao povo e que
do povo emanam os poderes do Estado. O rascunho cria mecanismos para que o
povo exerça esse direito. O Tribunal Constitucional, por exemplo. Pode
ser acionado sempre que alguma norma constitucional deixar de ser
cumprida. Ações populares podem ser iniciadas por 10 mil cidadãos, ou
por entidades de classes nacionais com mais de um ano de funcionamento” (“Jornal
do Brasil”, 17-5-87). “Dispõem que todo o poder
emana do povo, mas ‘com ele’ é exercido. Ora, o povo não tem endereço
no catálogo telefônico, nem pode ser convocado alta madrugada ou pela
manhã, para todos os dias participar de um plebiscito” ( “O Estado de S. Paulo”, 5-7-87). “A todos os partidos políticos
fica assegurado o direito de iniciativa em matéria constitucional e
legislativa. Abre-se ao PT, por exemplo, a hipótese de sugerir uma nova
Constituição, através de emenda, ou de propor a sua lei de greve” (Carlos Chagas, “O Estado de S. Paulo”, 8-7-87). “A proposta de Carta
pretende reformular o ensino da História nas escolas, entregar as terras
onde existiram quilombos às comunidades negras, dar pensão aos
seringueiros e assegurar emprego público a ex-combatentes e até tentar
inserir o Brasil na campanha mundial pro-desarmamento” (“Jornal
do Brasil”, 28-6-87). “O negro e o homossexual não
mais poderão ser discriminados, e os índios passam a ser considerados
uma nação. A história da raça negra no Brasil será contada nas
escolas, e Zumbi dos Palmares será o mais novo herói nacional. Sem
autorização prévia das populações indígenas ninguém poderá
explorar as riquezas naturais e minerais existentes em seus territórios,
que estarão demarcados, no máximo, em seis anos. Os deficientes físicos
e mentais que não puderem trabalhar serão tutelados pelo estado, e a
todas as etnias a nova constituição vai assegurar seus direitos” (“Jornal do Brasil”, 12-5-87). “Denuncia-se no anteprojeto,
entre outras formas de discriminação, ‘subestimar, estereotipar ou
degradar grupos étnicos, raciais ou de cor, ou pessoas a eles
pertencentes, por palavras, imagens e representações’; estipula-se que
‘ninguém será privilegiado ou prejudicado em razão de etnia, raça,
cor... ou qualquer outra condição social ou individual’ (art. 12, item
III, letra d e e); veda-se lei que estabeleça ‘distinção entre
brasileiros natos e naturalizados’ (art. 20)” (“O Globo”, 15-7-87). “O anteprojeto assegura o
direito de greve e proíbe as autoridades públicas, inclusive judiciárias,
de intervir para limitá-lo. proíbe o locaute, a paralisação dos empresários,
e permite a organização dos funcionários em seu local de trabalho. ...
Os empregados terão participação direta nos lucros das empresas e
reajustes mensais de salários”(“Jornal do Brasil”,
23-5-87). “Se promulgada como se
encontra o anteprojeto, a futura Constituição brasileira estaria
propondo desde o fim do sigilo bancário da Suíça à liberdade de
despachos de macumba nos cemitérios. Se um pouco de bom senso impediu que
fosse aprovada a previsão de golpe de Estado, obrigando os golpistas a
preservarem a Constituição, escapou o item que obriga as representações
diplomáticas do País a prestarem assistência aos exilados brasileiros.
É assegurado, ainda, o 14º salário e o direito sexual dos
presidiários, acaba com a censura e exige leis que a tornam obrigatória.
... “Além de pretender eliminar
a pobreza por lei, o texto da futura Constituição determina a igualdade
perfeita de direitos e obrigações entre homens e mulheres, ‘com a única
exceção dos que têm a sua origem na gestação, no parto e no
aleitamento’. ... “É assegurado, como hoje, o
direito de resposta a ofensas ou informações incorretas divulgadas. Porém,
exige-se que a resposta venha acompanhada de retratação, o que
inviabilizaria, certamente, a aplicação deste dispositivo. No afã de
proteger a imagem das pessoas, o texto só permite a divulgação de fatos
e fotos com a autorização do interessado, o que inviabilizaria
reportagens, principalmente pela televisão, alem das fotos” (“Jornal da Tarde”,
São Paulo, 4-7-87). 8. O Brasil pós-Constituinte,
caso prevaleçam certos dispositivos do Projeto Cabral
Caso prevaleçam na futura Carta Magna certos
dispositivos do Projeto Cabral, qual a imagem do Brasil pós-Constituinte
e a “silhueta do futuro cidadão brasileiro dentro dessa nova
paisagem” (“Jornal do Brasil”, 17-5-87)? A. Equiparação entre
casamento e união livre
“A mulher
.... ganha direitos e deveres iguais aos do homem no casamento e na
educação dos filhos. E os filhos deixarão de ser tratados de acordo com
a situação oficial da união entre o homem e a mulher. Nesse rascunho da
Constituição, toda união estável passa a ser considerada família. Os
filhos, mesmo aqueles concebidos fora do casamento, são considerados legítimos.
Isso acaba com o tratamento diferenciado na herança do pai”(“Jornal do Brasil”,
17-5-87). B. Igualdade entre o homem e a
mulher
“No artigo 12, o texto
determina que ‘o homem e a mulher são iguais em direitos e obrigações,
inclusive os de natureza doméstica e familiar, com a única exceção dos
que têm a sua origem na gestação, no parto e no aleitamento’-
ressalvas dispensáveis, porque se referem a assuntos perfeitamente
resolvidos pela natureza” (“Jornal do Brasil”, 5-7-87). “O deputado Amaral Neto
ironiza: ‘Pelo menos, a Constituição não exigiu que os homens também
tivessem de amamentar ou parir’”(“Folha de
S. Paulo”, 1º-7-87). A deputada Sandra Cavalcanti observa
que tal dispositivo “já entrou para [o] besteiro do País” (“O Globo”, 9-7-87). O
Igualitarismo afirmado no art. 12 está em contradição com o disposto no
art. 88, o qual “determina aposentadorias em diferentes condições,
dependendo do sexo”, segundo observa o
constituinte José Mendonça de Morais (PMDB-MG) (“Jornal da
Constituinte”, 20 a 26 de julho de 1987). C. Aborto
“Outra ‘pérola’: Do
artigo 13 do anteprojeto de Constituição: ‘Adquire-se a condição de
sujeito de direito pelo nascimento com vida’” (“Folha de
S. Paulo”, 1º-7-87). D. Homossexualidade
“O presidente da Comissão
Brasileira de Justiça e Paz, professor Cândido Mendes de Almeida,
defendeu a inclusão da proibição da discriminação contra os
homossexuais no mesmo artigo da Constituição que vedará a discriminação
por causa de sexo, religião, cor, convicções políticas e filosóficas
etc.” ( Tadeu Afonso, “Folha de S. Paulo”, 26-4-87). O que
efetivamente se deu (cfr. art. 12, III, f). “A Subcomissão dos Direitos
e Garantias Individuais da Constituinte gastou ontem quase uma hora
discutindo se deveria figurar no relatório a proibição de discriminação
contra ‘comportamento sexual’ ou ‘orientação sexual’, expressão
preferida pelos líderes de movimentos homossexuais que prestaram
depoimentos na Subcomissão”(“O Globo”, 16-5-87). “Esta minoria [os homossexuais]
conseguiu incluir no anteprojeto aprovado que ‘ninguém será
prejudicado ou privilegiado em razão de orientação sexual! ... A
proposta passou, apesar do protesto do deputado Salathiel de Carvalho (PFL-PE)
e da deputada Sandra Cavalcanti (PFL-RJ). Ela manifestou a sua preocupação
de que um dispositivo nesse sentido viesse beneficiar ‘os tarados’” ( Eliana
Lucena, “O Estado de S. Paulo”, 31-5-87). E. Educação
“Conviria chamar atenção
dos liberais da Constituinte ... para observação de duas penetrantes
autoras francesas, que lembram que aqueles que não pretendem ‘fabricar
um homem novo’ cuidam pouco da Educação Nacional, abandonando ‘de
bom grado esse domínio aos apetites da ‘esquerda’.... Esse é um dos
fundados temores que nos assaltam em relação ao tratamento que se dará
à educação na Constituinte: ocupados demais em deter as maluquices e
irresponsabilidades do estatismo socializante no domínio da ordem econômica
e social, os constituintes liberais e democratas talvez não se mantenham
permanentemente em guarda contra as investidas sub-reptícias do
comuno-socialismo no campo da educação e da cultura” (“O Estado de S. Paulo”, 25-6-87). “No Campo da Educação,
querem entregar à rede pública, e só a ela, o dinheiro de impostos.
Para os pobres, que não poderiam pagar os seus estudos, estariam fechadas
as portas de escolas que, desde Anchieta, têm provado sua eficiência.
Acabariam instituições como o SENAC ou o SENAI, quando todos defendem
mais ensino profissionalizante [A Constituinte] quer instaurar o império
exclusivo e totalitário da ‘escola pública’”(Álvaro Valle, “O Globo”, 29-6-87). “O inciso IV do art. 378
estipula a ‘gratuidade do ensino público em todos os níveis, acatando
as propostas do ‘progressismo’ demagógico. Entretanto, logo no artigo
seguinte, que enumera as formas pelas quais ‘o dever do Estado com o
ensino público’ se efetivará, estabelece-se no inciso II, a ‘extensão
do ensino obrigatório e gratuito, progressivamente ao ensino médio’, o
que quer dizer que o ensino público, gratuito em todos os graus, virá a
ser gratuito progressivamente, no grau médio (e no superior?). mas não
é só: no mesmo artigo, o inciso IV garante ‘educação gratuita em
todos os níveis de ensino às pessoas portadoras de deficiências e aos
superdotados, sempre que possível em classes regulares, garantida a
assistência e o acompanhamento especializados’. ... Não se sabe o que
faz aí a redundante referência à gratuidade, já estabelecida no artigo
anterior. Se o que se pretende é que os deficientes e os superdotados
recebam educação gratuita, então se nega a gratuidade antes estendida
universalmente no ensino público, tenham ou não os seus beneficiários,
até nas universidades, condições de pagar os seus estudos. Mais
adiante, no § 3º, do art. 384, estabelece-se taxativamente
que ‘é vedada a cobrança de taxas ou contribuições educacionais em
todas as escolas públicas’, de
forma que a gratuidade total e absoluta do ensino público volta a ser
afirmada, sendo de imaginar, na
tentativa de sanar-se a contradição, que se queira tornar não só gratuito, mas obrigatório
também o ensino médio (e por que não tornar
obrigatório o ensino superior?), conforme o já citado inciso II do art.
379” (“O Estado de S. Paulo”, 5-7-87). De todas as
formas de estatismo “a mais radical é a que entrega no
Estado o poder exclusivo de educar. Em todos os totalitarismos, nos
antigos, de Hitler e Stalin, como nos modernos de Fidel Castro ou Ortega,
é o domínio da escola o caminho de instalar o Admirável Mundo novo de
humanidade desumanizada, do escravo, que não precisa de campo de
concentração, porque se alegra e, até se orgulha, de ser do chefe [o Estado] “ [Dom Lourenço de Almeida Prado,
O.S.B., “Jornal do Brasil”, 15-7-87). F. Propriedade rural
“Na defesa da propriedade,
também há preciosidades. Entre outras coisas, segundo o texto [do
Projeto Cabral], a função social do imóvel rural é cumprida quando ele
‘é ou está em vias de ser racionalmente aproveitado’, o que não
define rigorosamente nada” (“Jornal do Brasil”, 5-7-87). “A indenização das terras
nuas poderá ser paga em títulos da dívida agrária, com cláusula de
exata correção monetária, resgatáveis em até 20 anos, em parcelas
anuais, iguais e sucessivas, acrescidas dos juros legais. A indenização
das benfeitorias será sempre feita previamente em dinheiro. A desapropriação
é de competência exclusiva do Presidente da República. “O anteprojeto determina que
os beneficiários da distribuição de lotes pela reforma agrária receberão
título de domínio, gravado com cláusula de inalienabilidade pelo prazo
de 10 anos, permitida a transferência somente em caso de sucessão
hereditária” (“Jornal da Constituinte”, 22 a 28 de junho de
1987). “Não tem limite a fantasia
do anteprojeto de Constituição preparado na Comissão de Sistematização
da Assembléia Nacional Constituinte. Ainda no título II, ‘Dos Direitos
e Liberdades Fundamentais’, letra
A, número XIII, capítulo I, lê-se que o exercício de propriedade
subordina-se ao bem estar da sociedade. Não consta do texto 67/69 e, por
amplo demais, o princípio é perigoso e inexeqüível. Poderá alguém
alegar, com b ase na Constituição, não se sentir bem com a construção
defronte de sua casa de amplo viaduto que lhe devassará a intimidade? Ou
de um prédio de apartamento que lhe retirará a vista do mar ou da
montanha?” (Carlos
Chagas, “O Estado de S. Paulo”, 7-7-87). G. Propriedade empresarial
“A demagogia burróide de
uma minoria de constituintes pode levar este país ao caos. Tratando os
patrões como se fossem inimigos dos empregados, eles querem mudar a ordem
social... A estabilidade que desejam colocar na Constituição diminuindo
de 48 para 40 horas de trabalho e a garantia do empregado aos 90 dias, é
mais um atentado ao progresso brasileiro. ... “No Brasil, os bem-sucedidos,
aos contrário dos outros países, são tratados como vilões e a maioria
analfabeta tratada como se fossem os vitoriosos da nação... Apresentam
as duas classes como inimigas uma da outra...” (“O Globo”, 29-6-87). Para o
ex-deputado comunista Alberto Goldman, “esse
plano [da estabilidade no emprego] chega a ser um engodo”. “É como querer instaurar o socialismo com
um projeto de lei. Não dá” (“Veja”,
24-6-87). Luiz Antônio
Medeiros, presidente do Sindicato de Metalúrgicos do Estado de São
Paulo, declara que “num período de crescimento, a
estabilidade no emprego é um instrumento contra o trabalhador .... “Segundo Medeiros,
estabilidade no emprego não existe em nenhum país do mundo, nem mesmo na
União Soviética, onde o Estado pode transferir um operário de uma fábrica
para outra sem o consultar. ... “Para ele, ‘o Estado é o
pior patrão que existe’. Além disso, é ‘mau árbitro’, por se
ineficiente e improdutivo” (José Nêumanne Pinto, “O
Estado de S. Paulo”, 5-7-87). “A estabilidade no emprego
desencorajaria contratações, aceleraria demissões e promoveria a automação
e robotização, pois a empresa não pode garantir ‘estabilidade no
emprego’ se suas próprias vendas e mercados são inerentemente instáveis”
(Roberto Campos, “O Globo”, 7-6-87). “No capítulo dos Direitos
Sociais é consagrada a estabilidade no emprego aos 90 dias. ... Aprovado
esse artigo, as empresas terão necessariamente de encontrar mecanismos
para descumprí-lo, sob pena da maior paralisação econômica de todos os
tempos. O que dizer da fixação de 40 horas de trabalho semanal? Será
por aí que vamos evitar a recessão e continuar crescendo?” (Carlos
Chagas, “O Estado de S. Paulo”, 7-7-87). H. Tributação
“Marcha a Constituinte para
estabelecer e consagrar, também em matéria tributária, alguns dos
absurdos que o partido que nela constitui maioria sempre criticou
duramente nos governos militares. ... “Traduzindo em miúdos: além
dos casos de guerra ou iminência de guerra (art. 271), poderá a União,
sem sujeição a prazos, instituir impostos sobre importação, exportação,
renda e proventos de qualquer natureza, produtos industrializados, operações
de crédito, câmbio e seguro, ou títulos e valores mobiliários” (Newton Rodrigues, “Folha de S. Paulo”, 28-7-87). “A União fica de mãos
livres para cometer um verdadeiro assalto aos cofres estaduais e
municipais, pois apodera-se de toda uma arrecadação que, em grande
parte, deveria pertencer, por força do sistema tributário nacional, aos
Estados e aos Municípios” (Francisco Dornelles, “O Globo”, 10-7-87). Em
dispositivo que foi acolhido pelo Projeto Cabral, “a
Comissão da Soberania entende que ‘a alimentação, a saúde, o
trabalho e sua remuneração, a moradia, o saneamento básico, a
seguridade social, o transporte coletivo e a educação consubstanciam o mínimo
necessário ao pleno exercício do direito à existência digna, e
garanti-los é o primeiro dever do Estado’. E para tanto determina que
‘o orçamento da União consignará a dotação necessária suficiente
ao cumprimento do dever previsto’. Além disso, estabelece que é
assegurado às crianças pobres o regime de semi-internato no ensino do 1º
grau; que ninguém poderá ser privado, por incapacidade absoluta de
pagamento, dos serviços públicos de água, esgoto e energia elétrica; e
que, até a erradicação definitiva da pobreza absoluta, suas vítimas têm
o direito ao amparo e à assistência do Estado e da sociedade. Haja
dinheiro para tanto” (““Jornal
da Tarde”, São Paulo, 24-6-87). “O imposto sobre o patrimônio,
agora com o nome de contribuição social, sobre o patrimônio líquido,
foi incluído no anteprojeto de Constituição no Capítulo da Ordem
Social sem a análise aprofundada de seus efeitos sobre a economia”(Francisco Dornelles, “Folha de S. Paulo”,
31-7-87). Medida julgada impraticável pelos especialistas em tributação
da Austrália, Canadá e Japão, conforme esclarece o deputado Francisco
Dornelles em seu artigo. I. Anistia e reintegração
dos militares cassados
Entre as propostas do Projeto Cabral que
provocaram enorme reação está o dispositivo que concede anistia e
reintegração dos militares “cassados”, com vencimentos integrais e
restituição das patentes que tinham à época em que foram punidos. Um relatório das Forças Armadas
manifesta a restrição das três Armas a uma tal proposta “porque,
feita de forma generalizada, atinge pessoas envolvidas em crimes comuns ou
previstos no regulamento das Forças Armadas. ... ‘Essa anistia peca
pela injustiça da generalização e traz para a Constituinte um assunto
que é casuístico’. ... “Para os militares, ainda conforme o
documento, a anistia levará à desorganização jurídica (propõe o
pagamento de proventos atrasados e reintegração na carreira) e provocará
ruptura do ordenamento jurídico, com dispensa dos pré-requisitos da
carreira. ‘É um tratamento privilegiado para quem cometeu deslizes, em
comparação aos que não cometeram ato algum’, afirma também o relatório.
Há ainda risco ‘gravíssimo de quebra de hierarquia e disciplina
militares’ e de elevação dos ônus para os cofres públicos” (Zenaide Azeredo, “O Estado
de S. Paulo”, 21-6-87). J. Num projeto rubicundamente
antidiscriminatório, absurda discriminação em favor do silvícola
Segundo editorial de “O Estado de S. Paulo”
(4-7-87) “a verdade é que nesse curioso anteprojeto, de que o
deputado Bernardo Cabral se faz responsável principal, tudo se dá ao índio”. Em artigo para a revista “Veja” (27-5-87)
o sr. Fernando Sampaio Ferreira, presidente da BomBril, analisa o
tema, logo após tomar conhecimento do anteprojeto da Subcomissão de
Minorias, cujos dispositivos concernentes aos silvícolas foram
substancialmente recolhidos no Projeto Cabral: “Há pelo menos um grupo de brasileiros
que não se pode queixar dos trabalhos realizados até o momento pela
Assembléia Nacional Constituinte – os índios. Mesmo desprovida de
poder econômico, e sendo em certas regiões não mais do que uma ficção
racial, essa comunidade estimada em 200.000 pessoas, ou 0,13% da população
brasileira, tem recebido dos constituintes um tratamento muito melhor do
que aquele reservado aos empresários e trabalhadores. ... “Além de não definir quem é o índio,
o texto da Subcomissão de Minorias não altera os dispositivos da legislação
ordinária corrente segundo os quais os índios são irresponsáveis
perante a lei. ... Logo, jamais terá que prestação satisfações à polícia,
ao Fisco ou às Forças Armadas, além de guardar a vantagem de ser,
eternamente, um garotão de 17 anos. Em linguagem jurídica, os índios são
inimputáveis. Curiosamente, porém, o projeto de lei divulgado nos últimos
dias afirma, em seu artigo 18, referente às responsabilidades dos
deficientes mentais, que ‘a responsabilidade penal das pessoas
portadoras de deficiência mental será determinada em função de sua
idade mental’. Assim, em vez de se ter uma lei de proteção ao índio,
acaba-se tendo uma lei de punição aos não índios – posto que até o
incapacitado mentalmente é passível de punição diante da lei, enquanto
o índio, ainda que no pleno gozo de sua razão, está acima dela. “Se aos índios faltam
responsabilidades, sobram, no entanto, direitos. Ao tratar da questão da
terra indígena, por exemplo, o projeto da Subcomissão das Minorias
estabelece que as terras ocupadas pelos índios são ‘inalienáveis,
imprescritíveis e indisponíveis a qualquer título, vedada outra destinação
que não seja a posse e usufruto pelos próprios índios’. Até mesmo o
subsolo das terras indígenas está protegido pela lei. Ele só pode ser
explorado pelo Estado, jamais por empresa privada, e sempre com a autorização
do Congresso e a concordância dos próprios índios. ... “Na mesma semana em que vinham à luz
essas decisões da Subcomissão de Minorias, a Subcomissão da Política
Agrícola e Fundiária e da Reforma Agrária tenha divulgado outro texto
legal que usa pelos e medidas completamente diferentes. “Segundo o projeto da Subcomissão da
Política Agrícola, a propriedade rural de quem não é índio terá que
ser racionalmente aproveitada, conservar os produtos naturais, ser
explorada de acordo com as regras da legislação trabalhista e, ainda
assim, respeitando todas essas exigências, não poderá exceder uma área
máxima de 100 módulos rurais. ... se não cumprir as regras, ou se sua
propriedade tiver dimensões superiores ao número de módulos rurais
previsto em lei, o dono da terra estará sujeito a ‘desapropriações
por interesse social’. Como se não bastasse, o subsolo das propriedades
dos não índios não lhes pertence. Chega-se, assim, à estranha situação
em que a sociedade indígena, que não reconhece a propriedade privada,
tem seus direitos de propriedade garantidos mais amplamente do que aqueles
da sociedade dos não índios, cujo modo de vida se baseia precisamente na
propriedade privada. “Além de todos esses disparates, ... em
seu artigo 14, o anteprojeto da Subcomissão de Minorias diz que ‘são
nulos e desprovidos de eficácia e efeitos jurídicos os atos de qualquer
natureza, ainda que já praticados, tendo por objeto o domínio, a posse,
o uso, a ocupação ou a concessão de terras ocupadas pelos índios’.
Tomadas ao pé da letra, essas palavras significam que é preciso devolver
aos índios tudo o que lhes foi tomado desde 1500, ou seja, o país
inteiro. Seria o caso, ainda de se mover um processo, nos termos da lei,
contra o invasor português Pedro Álvares Cabral – o primeiro a violar
os direitos da comunidade indígena. É brincadeira. “Parece brincadeira, mas o fato é que,
ao tentar garantir os direitos da minoria indígena, os constituintes
criaram uma situação bizarra – a discriminação odiosa da maioria dos
brasileiros. Seria o caso, agora, ... [de exigir] para todos que
assim queiram, o direito de também ser índio. Eu quero”. 9. O utopismo revolucionário
inspirador dos trabalhos da atual Constituinte
A leitura do Projeto de Constituição apresentado
pela Comissão de Sistematização para discussão em Plenário (Projeto
Cabral) levanta inevitavelmente a pergunta sobre a fonte de inspiração
de tantos dispositivos discrepantes dos princípios e das tradições da
civilização cristã. A resposta se poderá encontrar no fato de haverem
os seus propositores singrado largamente pelos mares de um utopismo
revolucionário e sonhador, com vistas a aplicar ao Brasil de hoje, com as
desigualdades inerentes à sua organização social e econômica baseada
na propriedade individual e na livre iniciativa, a trilogia “liberdade
– igualdade – fraternidade” que a Revolução de 1789 impôs com
furiosa radicalidade e mão de ferro à França de Luís XVI. Assim como a Revolução Francesa eliminou todas
as desigualdades que pôde, reduziu muitas das que não conseguiu eliminar
e tendeu constantemente para a igualdade completa, assim também a influência
do espírito igualitário de 1789 se fez sentir no Projeto Cabral, no
sentido de eliminar ou reduzir quanto possível certas desigualdades,
essenciais ao mundo de aquém-cortina-de-ferro. E não é difícil
perceber que esse sopro igualitário continuamente bafejado pelo PCB e
pelo PC do B, é animado pela esperança de que a aprovação do Projeto
seja marco significativo para o estabelecimento de uma igualdade completa,
da “liberdade” carcerária e da fraternidade feroz implantada na Rússia
– a partir de 1917 por Lenin. Um tal sopro, consciente em uns, subconsciente em
outros, em todo caso presente no espírito de todos a quem ele impulsiona,
serve de explicação para muito do que a Constituinte está chamada a
aceitar ou rejeitar na fase final de debates, emenda e votações em que
vai penetrar. É tão saliente essa inspiração, que em
numerosos comentários acode naturalmente a comparação explícita ou
implícita, transparente ou velada, entre o que se passa na atual
Constituinte e a atmosfera ideológica da Revolução Francesa, ou, de
modo mais genérico, com numerosos movimentos revolucionários do século
passado ou mesmo deste: “Em todo o ano passado e o começo
deste, ‘era como se estivéssemos em 1789, discutindo o abecê das
coisas mais elementares’” (Alexandre Costa, “O Estado de S.
Paulo”, 16-4-87), comenta o Ministro da Justiça, Paulo Brossard. “A Constituinte que hoje se
instala elegeu-se, no entanto, sob uma atmosfera social impregnada de partículas
ideológicas e políticas mais propícias aos empreendimentos utópicos.
... “A utopia e a demagogia, em doses
elevadas, comprovam a existência de uma excitação cívica mal
canalizada. Uma constituição não se impregna de sentido duradouro
apenas porque se compromete com o horizonte utópico”(“Jornal do Brasil”, 1º-2-87). “Ela [a
Assembléia Constituinte] não diminui conflitos: dilata-os,
transforma-os em impasse e pode levá-los ao paroxismo, com o sacrifício
da ordem e, em seguida, da liberdade. Não foi assim com o advento do
Terror, a guilhotina funcionando a plena carga e o Comitê de Salvação Pública
decidindo sobre a honra, o patrimônio e a vida de todos os franceses?” (“O
Estado de S. Paulo”, 17-2-87). “Enquanto os constituintes rascunham
normas do futuro regimento em Brasília, sobra tempo para um pulinho à
França de 1789. Não se pode
perder a instalação da assembléia dos Estados Gerais no dia 4 de junho.
Durante cinco semanas, Versalhes foi igualzinha a Brasília: conversa
fiada. A nobreza e o clero puxavam com elegância para um lado, os
burgueses estabanadamente para o outro. ... O impasse se manteve arrogante
até o dia 17. Aí então foi posta em votação a diabólica proposta
para o Terceiro se separar dos outros dois e deliberar com exclusividade
como assembléia constituinte. Um achado, a idéia do padre (Abbé Sieyès).
Dirigiram-se em bando, barulhento mas determinado, para a sala do jogo da
péla, que ficava perto ... Aí o pessoal do Terceiro fez o juramento de não
se separar antes de dar à França uma constituição. O golpe preventivo
caiu no vazio, o clero e a nobreza caíram fora e o Terceiro Estado caiu
em si. Ainda não era a revolução, mas – sem dúvida – já era a
constituição” (Wilson Figueiredo, “Jornal do Brasil”, 8-2-87). “Brincou-se mais de revolução, ora na moldura francesa de 1789, ora no padrão equívoco
da Rússia de 1917, mas sem considerar o Brasil – nas suas necessidades
e nas suas peculiaridades sociais e históricas”(“Jornal do
Brasil”, 2-7-87). Senador Afonso Arinos: “Estamos atravessando
hoje no Brasil uma fase que a Europa atravessou há cem anos. A Revolução
de 1848[2] , na
França, foi uma revolução social típica. Foi uma vaga que atravessou a
Europa. Hoje, estamos atravessando essa fase sem asa surpresas que eles
tinham. Hoje vivemos um processo de dilatação das atribuições do
Estado e de dilatação das reivindicações da sociedade” (“Jornal
da Constituinte”, 29 de junho a 5 de julho de 1987). [1] Ao selecionar recortes de imprensa que dessem fundamento à sua argumentação, o autor teve em mãos comentários especialmente dignos de nota sobre diversos dispositivos do Projeto Cabral. E, embora bom número desses comentários não tenha relação próxima com a tradição, a família e a propriedade, nem a defesa contra o socialismo e o comunismo do que resta, no Brasil, de civilização cristã – objeto precípuo deste estudo – inseriu-os indiscriminadamente (o termo está na moda) com temas relacionados com essas matérias, na coletânea junto. O que lhe pareceu enriquecedor para a generalidade dos leitores. Tal não implica, entretanto, em endosso do autor a tudo quanto neles esteja dito. Nem seria praticável fazer, a cada momento, as necessárias precisões em campos delicados, como o da Doutrina Católica, do Direito etc. [2] Em 1830, uma Revolução impregnada fortemente pelo espírito de 1789 depusera Carlos X. Essa Revolução elevou ao trono o Duque de Orleans, filho do famoso príncipe revolucionário, “Philippe-Égalité”. Subiu ele ao trono com preterição dos direitos do herdeiro legítimo, pertencente a linha primogênita, Henrique, Duque de Bourdeaux e depois Conde de Chambord. Alçado ao trono por uma Revolução liberal, o Duque de Orleans tomou o nome de Luís Felipe I. Durante seu reinado, favoreceu a expansão dos princípios da Revolução Francesa. Tal expansão acabou por causar a Revolução de 1848, a qual implantou a 2ª República Francesa. |