Plinio Corrêa de Oliveira

 

Projeto de Constituição angustia o País

 

1987

Capítulo VII – O funcionamento tumultuado e anômalo da Constituinte agrava a carência de autenticidade no texto constitucional por ela produzido

 

1. No exercício das respectivas funções, os relatores das diversas Subcomissões e Comissões fizeram prevalecer propostas que mais refletem o seu ponto de vista pessoal

“O Globo” de 24-5-87 sustenta a tese de que se implantou uma ditadura na Constituinte, “onde o poder de moldar a futura Constituição segundo os desejos e interesses de um grupo reduzido – parcela do majoritário PMDB – está sendo exercido graças a sutis dispositivos de Regimento Interno”.

Um desses dispositivos veda a apresentação de substitutivo integral aos relatórios elaborados pelas Subcomissões.

“Acontece que – continua aquele jornal - ... a proposta apresentada pelo relator de uma área específica pode refletir, e em geral o faz, uma orientação, ideológica ou simplesmente partidária, desse relator. Trata-se, por assim dizer, de uma proposta praticamente pessoal, que não reflete necessariamente o ponto de vista da maioria da Subcomissão.

“A proibição do substitutivo integral ... tem, assim, inegável caráter ditatorial. É a ditadura de um (o relator) contra a eventual vontade da maioria.

“Restaria ao plenário da Subcomissão rejeitar o parecer. Em qualquer sistema parlamentar racional, isso implicaria a troca do relator. Como esperar que alguém produza, com isenção e eficácia, um texto que representa ponto de vista oposto ao seu?

“No entanto, também essa possibilidade foi cuidadosamente eliminada. Em resposta a outra consulta, o Presidente da Constituinte determinou: a redação do novo parecer cabe ao relator original, que o apresentará um dia depois, ‘não comportando maior discussão ou emenda’.

“Em outras palavras: graças [a] um regimento elaborado por um Senador do PMDB, interpretado por um deputado do PMDB, os pareceres elaborados nas Subcomissões por relatores do PMDB constituirão, quase inevitavelmente, a matéria-prima da nova Constituição, uma vez que as regras valem para todas as instâncias do processo. ...

“Estão criadas, entretanto, as condições para tornar o debate improdutivo, o entendimento desnecessário – e para facilitar a imposição da vontade de poucos aos desejos da coletividade. Ou seja, uma ditadura” (“O Globo”, 24-5-87).

2. O Plenário da Constituinte: “quase tão vazio como estádio de futebol em manhã de segunda-feira”...

Em março, discursando para uma sala vazia (apenas dez dos 559 constituintes estavam presentes), o deputado Adilson Mota (PDS-RS) denunciava a “’falta de respeitabilidade e de credibilidade em que a Assembléia Nacional Constituinte vai resvalando’ e advertiu que esta ‘apatia’ poderá comprometer, definitivamente, sua imagem junto à opinião pública do País”. E sugeria que fosse estudado um novo mecanismo de funcionamento do Plenário “quando se poderia considerar a possibilidade de haver um número determinado de constituintes de plantão, para que o vazio do plenário não venha a se confirmar como realidade incontornável” (“O Estado de S. Paulo”, 14-3-87).

Tal fenômeno se repetiu na maioria das Subcomissões “e não são raros os casos em que os próprios funcionários têm que ocupar as cadeiras dos parlamentares ‘para pelo menos aparentar número’” (“O Globo”, 9-5-87).

Mesmo na fase decisiva dos trabalhos, quando se iniciou o debate em plenário do Projeto Cabral, persistia a mesma situação. É o que noticia a “Folha de S. Paulo” (24-7-87): “Diante do plenário quase vazio o presidente do Congresso constituinte, deputado Ulysses Guimarães (PMDB-SP), foi obrigado a acionar durante vários minutos a sirene chamando os parlamentares para a sessão. Foi a única maneira de atingir o quorum (54) para a abertura dos trabalhos. Pouco depois feita a chamada nominal, restavam presentes menos de vinte parlamentares. Esta cena se repete desde o  dia 15 deste mês, quando começou o debate em plenário do anteprojeto constitucional do deputado Bernardo Cabral (PMDB-AM)”.

Configurou-se assim uma situação que levou o “O Estado de S. Paulo” (23-7-87) a constatar, em editorial: “A Assembléia Nacional Constituinte parou. Ela literalmente não funciona: dificilmente há quorum para abrir as sessões, os que ocupam a tribuna preocupam-se com tudo... menos com os temas constitucionais. Em suma, a Assembléia repete os vícios do Congresso Nacional”.

“Nos últimos anos, - comenta a revista “Veja”- senadores e deputados foram criticados com freqüência por deixar o plenário do Congresso às moscas sem renunciar aos jetons... Via-se o mesmo velho filme no plenário da Assembléia Constituinte, quase tão vazio como estádio de futebol em manhã de segunda-feira” (“Veja”, 22-7-87).

3. A falta de método de trabalho

Segundo o “Jornal do Brasil” (9-4-87), “no primeiro dia de trabalho das 24 subcomissões da Constituinte, 16 deixaram de funcionar por falta de um método de trabalho”.

Na Subcomissão do Poder Legislativo, gastaram-se três horas em busca de um ponto de partida para os trabalhos, o que levou o deputado Victor Faccioni a exclamar “Estamos sem rumo” (“Jornal do Brasil”, 9-4-87).

Pelo menos até dois meses depois de constituídas, as Comissões e Subcomissões ainda estavam à procura de tal método, fato que despertou o protesto do deputado Leopoldo Bessone (PMDB-MG): “Isto aqui é uma desorganização geral, uma farsa” (“Jornal do Brasil”, 10-4-87).

4. As Comissões Temáticas invadem a seara, umas das outras

Dentre as anomalias registradas no funcionamento dos trabalhos da Constituinte, está a apontada por Barbosa Lima Sobrinho, articulista do “Jornal do Brasil” (5-7-87): “Um dos inconvenientes da presença de comissões temáticas foi que os limites entre elas não estavam nitidamente definidos ... Há numerosos textos regulando os mesmos assuntos, e nem sempre obedientes a uma orientação que os ajustasse, ou completasse”.

Assim, “a propriedade privada, por exemplo, tradicional alvo da frente única estatizante, constituída pelos parlamentares do PT, do PDT, do PCB, do PC do B e por parte do PMDB ... acabou recebendo tratamentos discrepantes nas comissões temáticas. De modo que será  impossível ao relator da Comissão de Sistematização harmonizá-los num texto sem contradições e incongruências” (“Jornal da Tarde”, São Paulo, 16-6-87).

O relator da Comissão de Soberania e dos Direitos e Garantias do Homem e da Mulher, senador José Paulo Bisol (PMDB-RS), em seu relatório polivalente, que trata desde o conceito de Estado, passando pela não discriminação dos homossexuais e a equiparação da família com qualquer união estável, pretendeu ainda “que a nova Constituição faça uma distinção entre a propriedade dos bens de uso, que seria indiscutível, e a propriedade dos meios de produção, vinculada ao aspecto social”. E isto, malgrado o fato de já “três anteprojetos de subcomissões definirem a propriedade como um direito” (“O Globo”, 27-5-87).

5. Criação de entraves de toda ordem para os debates

Pelo modo como o tempo das sessões foi distribuído, logo nos primeiros dias patenteou-se que dificilmente haveria lugar para grandes discursos nos debates. E no decorrer dos trabalhos, criaram-se entraves de toda a ordem para a realização de amplas discussões sobre os assuntos mais relevantes.

Esse fato foi comentado por Claudio Abramo, colaborador (recentemente falecido) da “Folha de S. Paulo”(5-7-87): “Pelos critérios do regimento aprovado, que podem ser classificados de absolutamente irracionais”- mas basicamente concordes com a tradição da elite nativa, que consiste em evitar sistematicamente a discussão frontal e aprofundada de qualquer tema fundamental – a discussão se dará de forma definitivamente anárquica e irremediavelmente improdutiva. Cada constituinte terá vinte minutos para falar, e esses minutos deverão servir para passar em resista todos os temas incluídos  no projeto de Constituição. Assim, o tipo [sic]  que vai para a tribuna falará de cambulhada sobre educação, saúde, reforma agrária, igualdade de sexos, tributos etc., etc., etc., não se fixando obviamente em nenhum deles e certamente contribuindo para o aumento dramático da confusão. Além disso, com esses vinte minutos, só falarão dentro do prazo fixado menos de duzentos constituintes”.

Na mesma ordem de idéias, o “Jornal do Brasil” (17-6-87) observa:

 Os 466 constituintes que não fazem parte da Comissão de Sistematização estão impedidos de apresentar questões de ordem e de participar dos debates. Terão direito apenas a um discurso de três minutos sobre as propostas que entrarem em votação, de acordo com o regimento interno da comissão, divulgado ontem. O presidente da Constituinte, deputado Ulysses Guimarães, em resposta a consulta do deputado  José Genoíno (PT-SP), havia dito, porém, que ‘qualquer constituinte pode levantar questão de ordem’. ....

“O líder do PCB, deputado Roberto Freire, disse que prefere ficar com a ‘palavra de Ulysses, mas a preocupação existe porque restringe os debates, o que não é bom’”.

Luiz Carlos Lisboa, de “O Estado de S. Paulo” (20-6-87), arremata: “Os prazos para a confecção do cartapácio [o projeto em preparação na Comissão de Sistematização] ( pelo menos 500 artigos, talvez 900) tornam exíguos os espaços do debate, da pesquisa, do estudo e da troca de experiências”.

Segundo o deputado Paulo Delgado (PT-MG) essa “desarticulação dos debates abertos no plenário facilita a aprovação de uma Constituição montada nos bastidores” (“Veja”, 22-7-87).

6. Exigüidade do tempo para os trabalhos

Nos trabalhos da Constituinte verificou-se um descompasso entre o exagerado número de matérias, de desigual importância, sobre as quais cabia à Assembléia pronunciar-se, e a inevitável limitação dos prazos regimentais.

Noticia o “Jornal do Brasil” (12-5-87) que “a maioria dos relatores das 24 subcomissões deixou de ter grande parte das sugestões ao texto constitucional encaminhadas, segundo seus assessores. A verdade é que o prazo para os relatores elaborarem seus pareceres, acompanhados de anteprojeto, foi considerado irracional”.

O deputado Jorge Hage (PMDB-BA) não via “como manter o prazo de 30 dias para o Relator apresentar o seu trabalho, se esse é o mesmo período destinado à apresentação de propostas. ‘Quem garante que uma proposta apresentada no trigésimo dia poderá ser levada em consideração pelo Relator?’, indaga Hage” (“O Globo”, 9-4-87).

Pelo Regimento Interno, os relatórios das diversas Comissões deveriam estar concluídos em 65 dias, “prazo que muita gente duvida ser possível cumprir” (“Jornal da Tarde”, São Paulo, 21-4-87).

É expressivo o fato de os relatores das Subcomissões terem apenas quatro dias para examinar as mais de seis mil propostas à futura Constituição e preparar os substitutivos para votação (cfr. “O Estado de S. Paulo”, 7-5-87).

Tal número de propostas, diga-se de passagem, “corresponde a praticamente toda a produção legislativa do período de 1985/86, em torno de sete mil projetos” (“Folha de S. Paulo”, 7-5-87).

7. Matérias já vetadas nas Subcomissões reaparecem nas Comissões Temáticas

Conforme noticia “O Estado de S. Paulo”(11-6-87), o Constituinte gaúcho, Mendes Ribeiro, “ficou irritado com o fato de tudo o que foi derrotado nas subcomissões haver voltado nos relatórios das comissões”.

Assim, por exemplo, Lima Filho, Relator da Subcomissão de Reforma Agrária, “reapresentou à Comissão de Ordem Econômica, sob forma de emendas, praticamente todo o seu anteprojeto que já havia sido derrotado na Subcomissão. A mesma coisa promete fazer o presidente da Subcomissão da Questão Urbana e Transporte, senador Dirceu Carneiro (PMDB-SC), em relação ao seu substitutivo também derrotado” (“O Estado de S. Paulo”, 2-6-87).

Mendes Ribeiro afirmou ainda “que os relatórios das comissões temáticas não refletem o trabalho desenvolvido nas subcomissões” (“Jornal do Brasil”, 9-6-87).

8. Irregularidades no funcionamento de algumas Subcomissões ou Comissões

A . Subcomissão e Comissões não apresentaram Anteprojetos

O tumulto havido na Subcomissão da Política Agrícola e Fundiária e da Reforma Agrária, por ocasião da votação do Substitutivo Rosa Prata impossibilitou a referida Subcomissão de apresentar um Anteprojeto completo da parte que lhe correspondia (cfr. Parte III, Cap. VI, 1).

Devido a desentendimentos internos, a Comissão da Família, Educação, Ciência e Tecnologia e Comunicação não conseguiu aprovar o Anteprojeto que deveria encaminhar à Comissão de Sistematização (cfr. “O Estado de S. Paulo” 16-6-87; “Jornal do Brasil”, 16-6-87).

B . Na Subcomissão de Questão Urbana e Transportes

O presidente da Subcomissão de Questão Urbana e Transportes, senador Dirceu Carneiro (PMDB-SC), acusou o relator, José Ulisses, de ter tirado “todas aquelas propostas da sua própria cabeça, sem consultar os integrantes da Subcomissão ou submeter a eles o texto final. José Ulisses, por sua vez, alegou que a Subcomissão sempre funcionou com o comparecimento insignificante dos seus integrantes” ( “O Globo”, 23-5-87).

O Presidente negou-se a assinar o Anteprojeto do Relator e comentou: “’É impossível aprovar um substitutivo confuso, sem estética, marcado de imprecisões, de um conteúdo miseravelmente pobre e que trata a questão urbana de forma equivocada. É um retrocesso’, denunciou Dirceu. O Relator da Comissão de Ordem Econômica, senador Severo Gomes, )PMDB-SP), que a partir de hoje examina o relatório concorda: ‘É um besteirol’”  ( “O Globo”, 25-5-87).

C . Na Comissão da Soberania e dos Direitos e Garantias do Homem e da Mulher

O Senador José Paulo Bisol (PMDB-RS), “antecipando-se às recomendações que lhe seriam dadas pela liderança do PMDB ... conseguiu aglutinar em torno de seu anteprojeto a maioria dos contras, simplesmente apresentando-lhes, em reunião, um texto pronto e acabado, e praticamente às vésperas da votação” (“O Globo”, 15-6-87).

D . Na Comissão de Organização dos Poderes

Na Comissão de Organização dos Poderes, “sem que se saiba por responsabilidade de quem, foi introduzido, ao apagar das luzes, um parágrafo, atribuindo ao Congresso Nacional a exclusividade de conceder e renovar a concessão de canais para emissoras de rádio e televisão. Não figurando no substitutivo apresentado pelo relator, nem no anteprojeto aprovado na Subcomissão relatada pelo Constituinte José Richa – cujo anteprojeto, por sério e organizado, não atribuía funções executivas ao Poder Legislativo – o dispositivo passou despercebido e foi votado de cambulhada pela maioria cansada e de boa-fé; só foi descoberto no dia seguinte quando publicado o anteprojeto. O relator, verdadeiro responsável, indagado sobre a paternidade do engodo, limitou-se a sorrir, juntamente com outros constituintes satisfeitos com a manobra, sigilosa e disfarçada” (“O Globo”, 20-6-87).

E . Na Comissão de Sistematização

“ ‘A Comissão de Sistematização tudo pode, inclusive decidir conflitos’, opina o deputado Francisco Pinto (PMDB-BA)” (“Jornal do Brasil”, 12-4-87).

Já a primeira deliberação da referida Comissão parece ter estado a ponto de chegar às barras da justiça comum:

“ ‘ Na apreciação do meu projeto para auditoria da dívida externa, a votação não se completou, mas na segunda-feira, dia 18, a ata daquela reunião dava a votação por terminada. Vou pedir um inquérito administrativo e, se preciso for, vou à justiça’, diz o deputado Hermes Zanetti (PMDB-RS). ‘Falta apenas uma expressão nas cópias taquigráficas – ‘está aprovado’ – que o presidente Afonso Arinos disse, mas só que ninguém escutou por causa do tumulto’, afirma d. Maria Laura, que escreveu a ata. ...

“Ele disse ‘está aprovado’, assegura Dona Maria Laura, secretária da Sistematização. ‘Todo mundo viu que ele não disse’, contestam os deputados Zanetti, Cristina Tavares e Miro Teixeira. ...

“Arinos, em certo momento, declarou que, de fato, não havia tomado conhecimento do que fora firmado em ata e, como ninguém aparecia como seu autor, descobriu-se que ela fora escrita pela secretária, Maria Laura, logo objeto de declarações de apoios gerais – ‘uma funcionária zelosa, que, claro, não tem culpa alguma’, como lembrou o deputado Adolfo Oliveira (PL-RJ)” (Bob Fernandes, “Jornal do Brasil”, 22-5-87).

Esse episódio, ainda segundo o mesmo articulista, levou o presidente da Comissão a lamentar: “Um velho parlamentar, que atravessou as fases mais difíceis da história moderna brasileira, não vem aqui naufragar num banco de lodo, num banco de areia, num banco de piadas, de pilhérias, de discussões inúteis”.

Na mesma linha, um assessor da Comissão de Sistematização, “descobriu, além de uma série de superposições de temas, aquilo que chamou de ‘buracos negros’, ou seja, matérias que deveriam constar da futura Constituição mas não foram incluídas em nenhum dos relatórios” (“Jornal do Brasil”, 22-6-87).

Segundo editorial do jornal “O Estado de S. Paulo” (30-6-87), “sintoma mais do que evidente de que os trabalhos da Assembléia Nacional Constituinte não se desenvolvem com a normalidade requerida é o fato de o relator da Comissão de Sistematização [deputado Bernardo Cabral] não ter comparecido à reunião convocada para apreciar seu trabalho”.

9. Emendas técnicas e emendas de mérito

Um dos pontos que suscitaram maior controvérsia durante os trabalhos da Comissão de Sistematização foi o caráter fluído e impreciso da distinção entre emenda técnica e emenda de mérito.

O Regimento Interno vedava ao relator Cabral aceitar, na fase de harmonização das várias propostas, aquelas emendas que alterassem o conteúdo dos artigos e só considerasse as emendas técnicas.

Entretanto, a deputada Sandra Cavalcanti (PFL-RJ) disse não ter havido “uma definição prévia do que era emenda de mérito” (“Folha de S. Paulo”, 9-7-87).

A mesma deputada salientou ainda ser “inviável compatibilizar sem entrar no mérito” (“O Globo”, 12-7-87).

Para “O Estado de S. Paulo” (10-7-87), “embora regimentalmente estejam afastadas as emendas de mérito, o relator foi obrigado, em muitos casos, a optar por soluções em que havia alteração profunda de conteúdo, já que os projetos das comissões temáticas eram conflitantes, tornando inevitável a opção pelo mérito”.

Essa ambigüidade e indefinição quanto à distinção entre umas e outras emendas, levou o grupo Cabral, segundo certas denúncias, a acolher, preferencialmente, propostas estatizantes, em detrimento das teses não esquerdistas.

É o que afirma o deputado Francisco Dornelles: “As emendas dos constituintes liberais progressistas foram consideradas emendas de mérito e arquivadas e as apresentadas pelos constituintes estatizantes foram consideradas emendas de compatibilização e aproveitadas” (Coluna do Zózimo, “Jornal do Brasil”, 9-7-87).

Corrobora essa afirmação outra notícia do “Jornal do Brasil” (10.7.87).

“O senador Afonso Arinos, presidente da Comissão de Sistematização, não aceita discutir agora qualquer emenda que altere na substância o anteprojeto da futura Constituição. Ele desmente que defenda alteração no regimento para que possam ser feitas mudanças de conteúdo o que seja apresentado um projeto substitutivo. ... O grupo denominado ‘conservador’, que se considera prejudicado no projeto de Bernardo Cabral, decidiu que a melhor estratégia é não tentar derrubar o texto na Comissão de Sistematização. Os deputados Paes Landim, Sandra Cavalcante, João Alves, Luís Eduardo, Cristovan Chiaradia, Eraldo Tinoco, José Lins e Konder Reis .... pretendem eliminar do trabalho de Cabral as idéias que consideram extremamente liberais.

“O grupo conservador queixa-se de que as emendas apresentadas foram aproveitadas de acordo com critérios ideológicos pelos relatores das comissões temáticas (todos do PMDB independente), o que deixou de fora tudo que não agradava à esquerda”.

10. Um triste balanço: “A Assembléia transformou-se numa grande bagunça”...

Logo em seus primeiros dias de funcionamento, em princípios de fevereiro, o desenvolvimento lento dos trabalhos mereceu críticas dos próprios parlamentares: “Continuamos num torneio de oratória. Estamos num ritmo de tartaruga. Estamos fazendo pinga-fogo”, lamenta o senador Pompeu de Souza (PMDB-DF) (“O Estado de S. Paulo”, 10-2-87).

Segundo  o “Diário do Comércio” de São Paulo (10-2-87) esse pinga-fogo consistia em “discursos de três minutos, tratando de ‘temas do varejo’ da política”.

Transcorrido um mês, o desenvolvimento dos trabalhos na Constituinte sugeriu os seguintes comentários melancólicos da “Folha de S. Paulo” (24-2-87): “O tempo corre e nada de substancial se define”. E, no dia seguinte, em editorial, advertia: “A desorganização e incompetência de agora podem multiplicar-se na medida em que o tempo passa. A promessa é postergada pela indisciplina técnica e pela discussão deletéria” (“Folha de S. Paulo”, 25-2-87).

Em meados de abril, o “Jornal do Brasil” (15-4-87) observava:

“Na maioria das subcomissões da Assembléia nacional Constituinte os trabalhos sequer foram iniciados formalmente, por ausência dos constituintes nas reuniões. ... O caso mais grave aconteceu na Subcomissão dos Negros, Populações Indígenas, Pessoas Deficientes e Minorias, na terça-feira. Para que houvesse quorum na eleição do presidente, o relator da subcomissão, deputado Alcenir Guerra (PFL-PR), precisou buscar pelo braço os deputados José Moura (PFL-PE) e Jales Fontoura (PFL-GO), que passavam pelo corredor, para que votassem na condição de suplentes.

“- A subcomissão é tão minoria, que ninguém aparece para as reuniões – ironiza o relator Alcenir Guerra. Nas outras duas reuniões convocadas, o comparecimento não foi suficiente para dar quorum às votações”.

O jornalista Fernando Pedreira, do “Jornal do Brasil”, comentava nestes termos o curso dos trabalhos constituintes em meados de 87: “A Assembléia transformou-se numa grande bagunça, num enorme saco de gatos, capaz de produzir um interminável emaranhado de impropriedades, redundâncias, inépcias e absurdos, como se pode ver dos relatórios das chamadas Comissões Temáticas, já publicados, e que vão agora ser compactados num grande copião (como se faz no cinema) pelos montadores do relator Bernardo Cabral” (“Jornal do Brasil”, 21-6-87).

11. Agressividade verbal e física conturba as sessões da Constituinte

Vem a  propósito salientar, ainda que muito de passagem, o clima de agressividade verbal – e até mesmo física – entre os Constituintes, que levou o relator Bernardo Cabral a comparar o Plenário a um “mercado persa, onde o insulto é a moeda corrente” (“O Globo”, 17-6-87).

Ainda segundo “O Globo”(2-8-87), teria havido naquela Assembléia uma média de quatro brigas por semana.

Eis alguns exemplos de agravos mútuos e cenas de autêntico pugilismo verificadas em certas sessões.

“Depois de atender a 14 questões de ordem levantadas pelos xiitas do PMDB, o senador [Afonso Arinos] educadamente, dirigiu-se à Deputada Cristina Tavares com um ‘minha senhora’.

“Imediatamente a parlamentar retrucou, afirmando que não era uma senhora e sim uma Constituinte.

“Paciente, Arinos explicou que estava lhe dispensando o tratamento devido a uma dama por quem tinha o maior apreço. Foi a gota d’água.

“Aos gritos, a Deputada arrematou:

‘- Não sou uma dama e dispenso o seu apreço!” (“O Globo”, 20-5-87).

O “Jornal do Brasil”(25-5-87) registra a seguinte altercação entre o senador Edison Lobão (PFL-MA) e a deputada Cristina Tavares:

O senador, presidindo a reunião: “Ao meu rei tudo. Menos a minha honra”.

A deputada: “Isso é pra quem tem honra...”

Uma briga de socos entre os constituintes Lysâneas Maciel (PDT-RJ) e João de Deus (PDT-RS) impediu a formalização do acordo entre os evangélicos, a respeito dos seguintes três itens do relatório Bisol (relator da Comissão de Soberania): o relativo às limitações aos cultos, à não discriminação aos homossexuais e à legislação sobre proteção ao consumidor (cfr. “Jornal do Brasil”, 14-6-87).

“Terminou em pancadaria a primeira parte da sessão de votação do relatório da Comissão de Ordem Econômica ... Os trabalhos foram suspensos à 1 hora da madrugada ... após 15 minutos de agressões verbais e físicas entre deputados, dos grupos progressistas e liberal-conservador. O conflito só não se reproduziu nas galerias ... pela interferência da segurança da Câmara” (“Jornal do Brasil”, 14-6-87).

Saldo parcial daquela sessão, segundo Gloria Alvarez, do “Jornal do Brasil”(15-6-87): “dois microfones foram quebrados na cabeça dos participantes e o próprio presidente da comissão – deputado José Lins (PFL-CE) – saiu correndo da reunião”.

“Uma questão de  ordem do líder do governo, Carlos Sant’Anna, ... a anulação da votação, feita sábado, quando foi aprovado um outro projeto de decisão, que proíbe a conversão da dívida externa em investimentos de risco.

“A partir do argumento de Sant’Anna, os ânimos se exaltaram em plenário; a ponto de, já quase no final, o líder do PFL, José Lourenço (BA), ter xingado com um palavrão o deputado Paulo Ramos, autor do projeto de decisão” (“O Estado de S. Paulo”, 14-7-87).

12. Dispêndio Faraônico

É triste notar que, para produzir a obra a tantos títulos eivada de inautenticidade, a Assembléia Constituinte esteja efetuando gastos verdadeiramente faraônicos.

O montante de dinheiro que o País vem dispendendo com os trabalhos constituintes é assustador. A notícia do “Correio Braziliense” (5-7-87), sob o título A Constituinte já gastou Cz 3 bi, dispensa comentários:

“Só para que se tenha uma idéia do que foi produzido até agora, tomemos o volume de papéis que passou pelas máquinas da gráfica do Senado, responsável pela impressão dos avulsos da Constituinte. Colocados um ao lado do outro, esses papéis dariam para cobrir 2.127 quilômetros, ou a distância aproximada entre Brasília e Natal. Empilhados, chegariam à altura de um prédio de 374 andares. E os trabalhos ainda estão pela metade. ...

“Com o orçamento (de Cz$ 2 bilhões) elaborado em junho do ano passado, e portanto já prevendo as despesas da Constituinte, a Câmara precisou, contudo, de uma suplementação orçamentária. Foram Cz$ 700 milhões a mais para pagamento de pessoal e Cz$ 290 milhões para custeio e investimentos”.

E note-se que o cômputo abrange tão-somente os seis primeiros meses de 87...

 


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