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Plinio Corrêa de Oliveira
Projeto
de Constituição angustia o País
1987 |
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Capítulo VI – As entidades representativas das classes empresariais
não manifestaram a amplidão de vistas nem a desenvoltura requeridas no
momento histórico que o País atravessa
1. Em face de uma esquerda
decidida e organizada, centristas e liberais desarticulados e otimistas
Os trabalhos da Constituinte, conforme se infere
do noticiário da imprensa, não parecem ter interessado seriamente, desde
o início, as entidades representativas das classes empresariais. Segundo
Nertam Macedo, de “O Estado de S. Paulo” (23-4-87), nenhuma força
hábil que represente os grupos ligados à economia de mercado tem
mostrado sua presença. Há uma omissão geral no que tange à preservação
das instituições, da livre empresa e da propriedade privada. O ex-presidente do Banco Central, Carlos Brandão,
já se lamentara, em artigo para o “O Estado de S. Paulo” (12-4-87),
que grupos socializantes ou estatizantes vêm, de há muito, se
articulando e organizando para, dentro das franquias que a democracia
permite, dilatar sua esfera de poder. Pelo contrário, a classe
empresarial não tem tomado nenhuma providencia visando recuperar o tempo
perdido, pois não colocou, até agora, à disposição da Assembléia
Constituinte sugestões concretas de textos constitucionais. ...
A classe empresarial não tem utilizado seu grande potencial de reação
para evitar a consolidação de um regime político que contraria as tradições
históricas do povo brasileiro. Aliás, observa o ex-presidente do Banco Central,
no mesmo artigo, o lobby empresarial está apenas voltado para
os interesses setoriais, sem qualquer tipo de proposta envolvendo, de
forma abrangente, todos os aspectos da ordem Econômica e Social ao
contrário do que vêm fazendo por exemplo, o PT, o PCB e o PC do B, que
apresentaram, cada um, um conjunto completo de propostas para a
Constituinte (cfr. Parte III, Cap. IV, 3). Essa omissão é descrita em editorial de “O
Estado de S. Paulo” (5-7-87), nos seguintes termos: Da história que
se escreverá sobre a passagem de uma sociedade livre para outra
subordinada ao monstro burocrático, deverá constar necessariamente a
forma descuidada como se conduziram as federações estaduais e a
Confederação das Indústrias diante do problema da elaboração da
futura Constituição... Surpreendeu o deputado-relator [Cabral] a distância
dos empresários em relação
aos trabalhos da Assembléia Nacional Constituinte. Impressão que não é
apenas sua, mas também do presidente Nacional das Indústrias, senador
Albano Franco! ... Da direita francesa – uma convicção ordinária séria
– dizia-se que era bête. Talvez até tivesse sido – mas sempre
foi organizada. Que dizer dos empresários brasileiros? ... Se os empresários
quisessem de fato ir ao fundo das coisas.... deveriam, antes de mais nada,
pensar que a classe capitalista brasileira ou é nacional, ou será
fragmentada e batida em cada Estado pelas forças que a querem destruída. Essa falta de empuxo é tão notória, que o
presidente da Federação das Associações Comerciais do Rio Grande do
Sul, César Rogério Valente, pôde afirmar que a minoria de esquerda
está dando demonstração de mais eficiência, mais trabalho de mobilização.
Eles estão mais agressivos e a representação do centro e de direita não
está conseguindo reverter a tendência (“O Estado de S. Paulo”,
28-5-87). As classes conservadoras – às quais o vulgo
dava tempos atrás o apodo amolecado mas pitoresco de classes
conversadoras – se têm mostrado, de modo geral, tímidas e
minimalistas, contentando-se com medidas relacionadas exclusivamente com
os interesses da classe. Nesse sentido, embora diminuto, é sintomático o
fato noticiado pelo “O Estado de S. Paulo” (25-4-87), de que a
Federação dos Diretores e Lojistas do Estado de São Paulo está começando
a mobilizar seus associados e outras federações para lutar contra um
lobby formado por empresas de grande porte que visam a aprovação
de um projeto de lei permitindo a abertura do comércio aos domingos. No momento em que os princípios da propriedade
privada e da livre iniciativa – baluartes sem cujo apoio as classes
conservadoras deixariam pura e simplesmente de existir, tragadas pelo
comunismo – estão sendo postos em xeque pela Constituinte, o que
mobiliza esse ponderável setor do comércio é o prejuízo que terá,
posto que esses pequenos empresários não têm suas lojas devidamente
estruturadas para esse atendimento dominical (“O Estado de S.
Paulo”, 25-4-87). E para a defesa de suas pequenas vantagens pessoais e
imediatistas, nem sequer aduzem que a medida proposta é transgressora do
3º Mandamento da Lei de Deus. No IV Congresso Nacional que as Associações
Comerciais realizaram em Brasília, em abril último, foi aprovado um
documento final contendo uma firme defesa dos princípios da livre
iniciativa, em contraposição com a intervenção estatal na economia (“Folha
de S. Paulo”, 26-4-87). Atitude muito louvável se tivesse sido
fundamentada numa argumentação doutrinária sólida e completa, dando
também o devido realce ao princípio da propriedade privada, e sem
nenhuma concessão ao agro-reformismo vigente. Infelizmente, não foi o
que aconteceu. No Relatório Geral do Congresso, em seis laudas
datilografadas, não aparece uma única vez a expressão propriedade
privada, e toda ênfase é posta na liberdade de iniciativa. É verdade que, no anteprojeto que o IV Congresso
ofereceu como subsídio à elaboração do texto constitucional, a propriedade
privada dos meios de produção é apontada como um dos elementos da ordem
econômica e social (art. B, inciso II). Entretanto, o mesmo
Anteprojeto declara que é da competência da União, após disposição
de terras públicas inexploradas próprias, ... promover a desapropriação
de propriedade territorial rural, para fins de reforma agrária, mediante
pagamento prévio de justa indenização, em títulos da dívida
pública, com cláusula de exata correção monetária, resgatáveis
no prazo de dez anos (art. C, § 5º). Como se vê, o Anteprojeto delineado pelas Associações
Comerciais propõe que a União comece a distribuição de terras pelas
que pertencem aos Poderes públicos, mas já deixa postas as pontas de
trilho para uma Reforma Agrária no melhor estilo do Estatuto da Terra e
do PNRA. Na Declaração de Princípios preparada
pelas mais importantes entidades patronais do Brasil, aglutinadas no Fórum
de Empresários, realizado em São Paulo, “há advertências claras
quanto às tentativas de intervenção do Governo na economia” (“O
Globo”, 13-5-87). Porém, enquanto essas e outras advertências congêneres
não despertarem a solidariedade real mas algum tanto adormecida, da
maioria da população – mediante uma ofensiva publicitária em grande
estilo – as correntes estatizantes não encontrarão óbices a seu avanço.
As classes conservadoras não têm empenhado nesse sentido todo o seu
imenso potencial de propaganda. É expressivo dessa falta de garra das classes
empresarias o que se passou na Subcomissão da Política Agrícola e Fundiária
e da Reforma Agrária, por ocasião da votação da proposta do relator
Oswaldo Lima Filho, de cunho marcadamente socialista. Os Constituintes
conservadores se batiam pelo Substitutivo do deputado Rosa Prata, de tônica
claramente conciliatória. Segundo seu autor, ele “desradicalizava”
o debate sobre a reforma agrária (cfr. “O Globo”, 21-5-87). Na
realidade, se bem que o Substitutivo eliminasse a definição de área máxima
dos imóveis rurais, bem como a posse automática, pela União, dos imóveis
decretados de interesse para a Reforma Agrária, fazia concessões ao
agro-reformismo, mantendo “os mesmos dispositivos que tratam da função
social da propriedade contidos no Estatuto da Terra”, e criando a
figura da “propriedade territorial rural improdutiva”
para efeitos de Reforma Agrária. “Ou seja, não será desapropriado
o imóvel que cumpra a função social, mas aqueles que não for
‘racionalmente aproveitado’”
(“Folha de S. Paulo”, 20-5-87). A esse propósito, é elucidativo o seguinte
artigo de “Visão” (16-9-87): “A esquerda tem motivos até de
sobra para estar tranqüila, ainda mais se se levar em conta a ‘ajuda’
(inconsciente ou ingênua) de alguns parlamentares ditos ‘liberais’.
Paradoxalmente, em vez de defenderem os ideais da liberdade, da livre
iniciativa e do direito de propriedade, acabam por apresentar propostas
socializantes. O deputado Rosa Prata (PMDB-MG), por exemplo, um dos que
mais lutaram contra a reforma agrária na fase das subcomissões, entregou
emenda que favorece o intervencionismo estatal na economia. ‘A União’,
diz a emenda, ‘poderá, mediante Lei Especial, intervir no domínio econômico
e monopolizar determinada indústria ou atividade. A intervenção terá
por base o interesse público’. Rosa Prata considera também que a
propriedade rural ‘não produtiva’ é passível de desapropriação
para fins de reforma agrária. Segundo outra emenda de sua autoria, ‘o
imóvel rural cumprirá função social definida em lei’”. Durante tumultuada sessão, que durou mais de 14
horas, aproveitando a ausência do deputado Benedicto Monteiro (PMDB-PA),
que daria o voto aos progressistas, o presidente da Subcomissão da
Reforma Agrária, Edison Lobão (PFL-MA), pôs em votação, no lugar do
relatório do Deputado Oswaldo Lima Filho, o substitutivo Rosa Prata (cfr.
“Jornal da Constituinte”, 1 a 7-6-87), p. 10), o qual foi aprovado por
13 votos a 12. Entrementes, enquanto o deputado Benedicto Monteiro,
finalmente localizado e a caminho, não chegava, “durante várias
horas, os progressistas da Subcomissão argumentaram e levantaram questões
de ordem contra a decisão do presidente”, (“Jornal
do Brasil”, 25-5-87). Isso permitiu que, “com a chegada, às 2h51,
do deputado Benedicto Monteiro... foi possível à ala ‘progressista’
derrubar cinco artigos do substitutivo defendido pelos ‘conservadores’
(“Folha de S. Paulo”, 25-5-87). Em conseqüência, permaneceram apenas
dois artigos do Substitutivo Rosa Prata. Nessas condições, “A
Subcomissão da Política Agrícola e da Reforma Agrária não chegou a
nenhuma proposta concreta sobre a reforma agrária a ser encaminhada....
à Comissão da Ordem Econômica e Social
(“Jornal do Brasil”, 25-5-87). Não obstante, ainda segundo o “Jornal do
Brasil”, “os dois grupos – conservadores e progressistas – que
disputavam a aprovação de [seus] projetos, se dizem vencedores. Não
pelo que estão sugerindo à Constituinte, mas pelo que evitaram que o
grupo adversário sugerisse”. O deputado Cardoso Alves (PMDB-SP), “falando
pelos conservadores”, afirmou: “A vitória é nossa, porque,
afinal, os dois artigos aprovados pela subcomissão são oriundos do
substitutivo do deputado Rosa Prata, que apoiamos” (“Jornal do
Brasil”, 25-5-87). Segundo “O Globo” (26-5-87), mostrou-se “eufórico”
com esse magro resultado da votação do Substitutivo Rosa Prata o
presidente da UDR, sr. Ronaldo Caiado. E a justificativa para isso,
conforme declarou ele por ocasião da inauguração da secção paulista
da UDR, é que o substitutivo Rosa Prata “propõe uma reforma agrária
inteligente e sem violência” (“O Globo”, 29-5-87). Como se o
fato de algo ser feito com inteligência e de modo pacífico o tornasse ipso
facto justo e aceitável diante da lei de Deus e dos homens. Portanto, a vitória alardeada pelos
“conservadores” não foi sequer a de Pirro. Foi uma magra vitória do
grande número de deputados centristas e conservadores. E uma magra vitória
sobre o grupo nitidamente minoritário de esquerda. De onde este ter avançado
em relação ao terreno que seria normalmente o da maioria, a qual não
fez senão recuar. Essa maioria encomplexada recebeu, como se viu,
com desconcertante alegria essa sua perda de terreno. Enquanto a esquerda
recebeu com frieza estrategicamente discreta o seu sucesso. A razão disto é simples: se a esquerda soltasse
girândolas, faria ver ao centro irrefletido e encomplexado que ele levara
uma rasteira. O que de nenhum modo convinha à esquerda que esse mesmo
centro percebesse, tendo em vista lances futuros. Pois, a partir do
momento em que esse mesmo centro se der conta de que as táticas conciliatórias
encobrem, para ele, derrotas, as possibilidades de vitória da esquerda irão
desaparecendo. Entretanto, a euforia causada pela “vitória”
do Substitutivo Rosa Prata foi muito mais discreta em outros meios também
centristas. Pois afirmou o deputado Cardoso Alves (PMDB-SP), ligado aos
fazendeiros, que, com essa vitória, “se os representantes dos
grandes proprietários rurais não estão totalmente felizes, pelo menos
estão ‘mais tranqüilos e menos assustados’” (“O
Globo”, 26-5-87). 2. A reatividade especial dos
produtores rurais
Apesar de tantas omissões e atitudes marcadas por
um moderantismo pronunciadamente concessivo (cfr. Parte II, Cap. VI), a
classe empresarial mais reativa e empreendedora ainda tem sido a dos
ruralistas. Essa reatividade se mostrou muito viva na
manifestação realizada pelos agricultores em Brasília, a 12 de
fevereiro do corrente ano, promovida pela Frente Ampla da Agropecuária
Brasileira e pela UDR. Foi ela tão superior ao que se poderia imaginar,
que chegou a surpreender o Governo e os próprios promotores do encontro
(cfr. “Jornal do Brasil”, 13-2-87). De algum modo preparou ela a
manifestação muito mais ampla do dia 11 de julho. Na raiz dessa reatividade[1]
está o profundo descontentamento da classe rural, que é assim descrito
pelo “Jornal do Brasil” (14-2-87): “O interior está sendo
desestruturado, e seu brado de alerta é exatamente contra a enorme bagunça
em que se transformou a política agrícola do país. Não é mais possível
esconder os erros técnicos, um detrás do outro, dos responsáveis pelos
sistemas de preços mínimos, pelo crédito rural e pela assim chamada política
de Reforma Agrária”. Como, concretamente, se manifestou a reatividade
dos produtores rurais na concentração de Brasília, em fevereiro último?
Ela se assinalou sobretudo na vitalidade demonstrada pelo auditório ao
rejeitar lideranças concessivas, em vigorosa seqüência de vaias e
aclamações. Não foram poupadas nem as lideranças antigas, como a de Flávio
Brito, presidente da Confederação Nacional da Agricultura, “impedido
de falar por uma sonora vaia de vários minutos”(“O Estado de S.
Paulo”, 13-2-87), nem políticos como o senador Severo Gomes que “tentou
falar, mas a assembléia de produtores vaiou forte, insistiu e ele não
teve outra alternativa do que deixar o microfone e em seguida sair da
tribuna” (“O Estado de S. Paulo”, 13-2-87). “Mesmo o campeão
nacional de votos, senador Mário Covas, não conseguiu falar” (“O
Estado de S. Paulo”, 13-2-87). Um detalhe que a imprensa não registrou: nessa
ocasião, o sr. Salvador Farina, vice-presidente nacional da UDR, pediu ao
público que ouvisse o senador Covas, apresentando-o como membro da Frente
Parlamentar pela Agricultura. Esta atitude não deixou de causar
estranheza, uma vez que o Senador Covas é um esquerdista notório. Só
então pôde este dizer algumas palavras. Entretanto, as lideranças rurais não chegaram a
aproveitar essa excelente ocasião, como podiam. E, assim, não chegaram a
deixar patente ao Governo toda a extensão do descontentamento da classe.
Em concreto, o congresso não tomou uma atitude decidida contra a Reforma
Agrária. Nem mesmo foi aproveitado o calor do auditório para dar um autêntico
cunho anti-agro-reformista à passeata, realizada em seguida, o que daria
outríssimo conteúdo ao ato. Apenas uma ou outra faixa fazia leve alusão
a esse tema de tão capital importância para a classe rural. Nem mesmo o teor do documento então entregue ao
Presidente Sarney, elaborado pelas lideranças – com as quais os
agricultores “nem sempre estavam afinados”- foi comunicado à
assembléia (cfr. “O Estado de S. Paulo”, 13-2-87). 3. O vácuo deixado no campo
de batalha anti-agro-reformista pela omissão das entidades empresariais
clássicas
As lacunas observadas por grande número de
agricultores na atitude de muitas entidades empresariais, dotadas aliás
de velho e merecido prestígio, acumulou uma soma de descontentamentos,
decepções e apreensões cuja intensidade se manifestou de modo iniludível
na reunião de Brasília, em fevereiro último, que acaba de ser descrita
(cfr. tópico 2). Estavam assim reunidas, aliás de há muito, as
circunstâncias ideais par que o grande vácuo deixado no campo de batalha
anti-agro-reformista pela omissão das entidades empresariais clássicas
fosse preenchido por outra entidade constituída por proprietários
rurais, e dotada assim de especificidade para representar a classe. Considerável número de fazendeiros, vários dos
quais clarividentes e dinâmicos, bateu palmas com esperança e ardor
quando, em meados de 1985, se constituiu a União Democrática Ruralista (UDR). Entre os fundadores da associação estava um
jovem fazendeiro, nascido de antiga família de políticos da República
pré-getulista e de grandes proprietários rurais radicados no Estado de
Goiás. Dotado de personalidade viva, ágil e dinâmica, e de um diploma médico,
com estudos feitos em Paris. O sr. Ronaldo Ramos Caiado – pois é a ele
que obviamente se alude aqui – foi focalizado desde logo pelos mass
media como líder da nova entidade. 4. Acolhida favorável à UDR
nos meios ruralistas, e nos órgãos de comunicação, onde entretanto são
freqüentes os esquerdistas, explica os êxitos iniciais da organização
As circunstâncias, consecutivamente de decepção
e de caos, das quais emergia a UDR, e desta emergia por sua vez o jovem médico
goiano, explicam que a primeira campanha a que a UDR se lançou – a
campanha de coleta de fundos, com doação de bois, para a fundação de
novos núcleos da entidade – encontrasse eco largamente favorável entre
bom número de ruralistas, vários dos quais dotados de opulentos recursos
financeiros. A esse sucesso somou-se outro, bem menos previsível:
manteve-se inalterada e até em ascensão a acolhida quase triunfal que a
UDR, desde o início de suas atividades, recebeu de forte maioria dos órgãos
de comunicação social, escritos e falados. Bem entendido, essa acolhida não eqüivaleu a uma
unanimidade. Nem as acolhidas unânimes impressionam sempre as massas,
pois podem dar facilmente a idéia de orquestradas e louvaminheiras. Pelo
contrário, se em meio ao coro de louvores se ergue certo número de rijas
vaias e assobios, estes conferem àquele, foros apreciáveis de
espontaneidade e sinceridade. 5. A aparatosa, e entretanto
pouco profunda, atuação da UDR na Constituinte
De então para cá, a entidade vem crescendo
gradualmente, enquanto as outras associações empresariais da agricultura
se foram apagando sempre mais. E a UDR tem tido participação efetiva em
mais de um lance do debate agro-reformista travado na Constituinte. Para tanto, ajudaram os Constituintes que ela
noticia ter conseguido eleger no pleito de 15 de novembro. Não lhes são
enumerados aqui os nomes, pois a entidade jamais os deu oficialmente a público.
O que, aliás, parece explicável, sob alguns pontos de vista. Por ocasião da votação na Subcomissão da Política
Agrária e Fundiária e da Reforma Agrária, segundo “O Globo”
(24-5-87), “os representantes da UDR trataram de ocupar as galerias e
trancaram a porta de acesso ao local. O incidente mais grave ocorreu
quando o Presidente da entidade, Ronaldo Caiado, acabou dando um pontapé
no Presidente da Federação dos Trabalhadores da Agricultura do Mato
Grosso do Sul, Pedro Ramalho. Só depois a porta foi liberada. Na fase seguinte do debate constitucional,
representantes da UDR tiveram um enfrentamento verbal com esquerdistas,
durante a sessão de 12 para 13 de junho, na Comissão da Ordem Econômica. Assim noticia o evento o “Jornal do Brasil”
(14-6-87): “As torcidas de proprietários
rurais vinculados à UDR e de posseiros comandados pelo PC do B e pela
Contag passaram quatro horas e meia xingando-se mutuamente de
‘fascistas’ e ‘comunistas’, durante a sessão da madrugada de sábado
da Comissão de Ordem Econômica. “Numericamente inferior – cerca de 400
pessoas – o bloco de posseiros e sindicalistas foi o mais organizado.
... “Militantes do PC do B, distribuídos
estrategicamente entre os posseiros, retransmitiam as ordens e comandavam
os gritos de ‘reforma agrária já’ ou ‘o povo vai saber das
manobras de você [referência ao presidente da Comissão, deputado José Lins]. “O bloco da UDR era maior e ocupou
compactamente toda a metade das cadeiras que lhe
cabia. “Antes do início da sessão, a
manifestação mais barulhenta dos proprietários rurais ocorreu quando
chegou Caiado, que foi saudado entusiasticamente.. A explosão dos dois
lados ocorreu quando a sessão foi suspensa, a uma hora da madrugada. Os
posseiros gritavam ‘reforma agrária, já, na lei ou na marra’. Começou
então um duelo verbal entre as duas partes. Sindicalistas e posseiros
gritavam ‘assassinos’ ou ‘um, dois, três, UDR no xadrez’. Os
proprietários rurais respondiam com ‘vagabundos’ ou ‘comunistas no
xadrez’. “No final, o bloco da UDR passou a
gritar os nomes dos seus deputados preferidos, entre os quais Roberto
Cardoso Alves (PMDB-SP). Quando Covas deixava o plenário foi recebido por
vaias e gritos de ‘comunista’”. Dentre os lances promovidos
pela UDR, sem dúvida o maior foi o desfile de fazendeiros, realizado no
dia 11 de julho, em Brasília. Tão larga foi a divulgação desse desfile nos
meios de comunicação social, tão enfáticos os elogios, quase unânimes,
feitos aos serviços de transporte, alojamento, refeições etc.,
proporcionados, com opulência, pela entidade, que seria ocioso repeti-los
aqui. As notícias salientam a eficácia da ação
aglutinadora da UDR para a obtenção do maior número de participantes no
desfile que ela queria extenso e impressionante. Entretanto, os órgãos
da grande imprensa, em sua totalidade ou pelo menos grande maioria,
negligenciaram de noticiar que a UDR chegou a oferecer, através de folhas
locais médias ou pequenas do interior, viagem com transporte e todas as
demais despesas pagas, para quem quer que, sem discriminação
profissional, quisesse participar daquele weekend gratuito na capital do
País: que atraente oportunidade! A entidade andou acertadamente ao escolher um fim
de semana para seu desfile. Pois, desta forma, a participação das
pessoas – cerca de 30 mil segundo a “Folha de S. Paulo”, 50 mil
segundo “O Estado de S. Paulo”- de condições sociais e econômicas
muito diversas pôde ser largamente assegurada. Segundo a “Folha de S. Paulo” (12-7-87), “Caiado
inclusive tinha um ‘carregador’ oficial, que o levantava nos ombros
sempre que a passeata atravessava um ponto de maior aglomeração de
pessoas” (cfr. também “O Globo”, 12-7-87). Se houve jornais que qualificassem de
excessivamente longo o trajeto, a ponto de que, passando diante da rodoviária,
considerável número de participantes, atraídos pelos refrigerantes ali
vendidos, iniciasse um sensível processo de dispersão, dir-se-ia que
quase não houve outros reparos que não esse (cfr. “Folha de S.
Paulo” e “O Globo”, 12-7-87; “Jornal do Commercio”, Rio de
Janeiro, 12/13-7-87). Entretanto, não se compreende que, chegado o
desfile em frente do Congresso Nacional, seu ponto terminal, os
participantes dele se limitassem a cantar o Hino Nacional e o hino da UDR,
e assim dessem por encerrado o ato. Pois, levantado nos ombros pelo seu “carregador”
oficial, o sr. R. Caiado tinha então diante de si impressionante número
de representantes dos órgãos de comunicação social que faziam a
cobertura da manifestação. Assim, ainda que os srs. Constituintes não
estivessem ali para ouvi-lo, de lá ele poderia falar para o Brasil
inteiro. Era essa, para ele, a melhor ocasião que até então se
apresentara para explicar vários pontos sobre os quais observadores
atentos e analistas estavam desejosos de ouvi-lo. Um dos pontos de que necessariamente deveria
tratar era o direito de propriedade – questão capital sobre a qual não
tem sido inteiramente clara e uniforme a posição da entidade. Com efeito, a atitude da UDR foi, logo de início,
de um agro-reformismo declarado, o qual se dizia em desacordo com o Plano
Nacional de Reforma Agrária (PNRA) do Presidente Sarney, porém tão-só
em alguns poucos matizes insuficientemente definidos[2]. Gradualmente, as declarações posteriores da
entidade se foram tornando menos categóricas, em desmentir entretanto
frontalmente os seus iniciais pronunciamentos. E também não foi
explicado o motivo dessa transformação. Ultimamente, o apoio declarado
da UDR à Reforma Agrária restringiu-se e só vem incidindo sobre a
desapropriação confiscatória dos imóveis rurais desocupados[3]. Por que essas transformações, verificadas mais
por uma ampliação da área de silêncios da UDR sobre a Reforma Agrária,
do que por declarações enunciativas e explicativas categóricas? Não é
claro. E os que esperavam que o jovem e vibrante
presidente da UDR desse, ao cabo de sua passeata popular rumo ao Congresso
Nacional, uma elucidação sobre esse assunto de capitalíssima importância,
esperaram em vão. 6. O ensino tradicional da
Igreja sobre o direito de propriedade: o melhor escudo do empresariado
rural contra as calúnias do comunismo
A tal respeito, cabe uma exposição. O direito de
propriedade decorre, para o homem, do próprio fato de que é um ser
inteligente e dotado de vontade. Pois, pela correlação natural e intrínseca
entre as necessidades do homem e as faculdades de que é dotada sua
natureza para prover a suas necessidades, tem ele o direito e o dever de
dispor de si mesmo, de sua inteligência e de sua liberdade natural, para
esse fim. E, pelo vínculo do direito natural entre esposo e esposa, como
entre pais e filhos, incumbe também ao homem dispor de suas aptidões
para o sustento de sua família. E os direitos da coletividade? – perguntará
algum socialista. E ponderará que, nesse primado do indivíduo em favor
de si mesmo e do próximo, mercê do qual a sociedade fica relegada para
um terceiro plano, se viola o amor do próximo, preceituado por Nosso
Senhor Jesus Cristo. A resposta à objeção socialista não poderia
ser mais simples. O amor do próximo, enquanto próximo, leva o homem a
amar antes de tudo os que lhe são mais próximos. Logo, a si próprio e a
sua família. Em conseqüência, tem ele o direito de destinar o produto
de seu trabalho diretamente para si e para os seus, a fim de prover às
respectivas necessidades. E, como estas se renovam constantemente, é
natural que o homem tenha o direito de reservar do que ganha hoje o necessário
para prover ao de que precise não só hoje, mas nos dias incertos que
constituem o futuro de cada ente humano. O direito que o homem tem sobre si próprio e
sobre o produto de seu trabalho dá-lhe o direito de usar, de consumir, ou
de reter o que produziu. Tal direito – que se chama direito de
propriedade – resulta, pois, de modo imediato, do direito do homem a
dispor de si. Ser proprietário é conseqüência imediata do fato de ser
livre. E, se se lhe tira o direito de ser proprietário, amputa-se-lhe um
direito inerente à sua natureza humana. Por isso, afirmou com eloqüente coerência Leão
XIII: a propriedade “não é outra coisa senão o salário
transformado”[4]
. Negar a propriedade é, pois, negar o direito do trabalhador a seu salário. Daí decorre que toda lei contrária, no todo ou
em algum de seus aspectos, ao direito de propriedade, é intrinsecamente
injusta, e oposta à doutrina católica. É a partir desta conclusão tão límpida, que a
TFP analisa aqui a posição da UDR face à propriedade. O que ela faz, não
sem lembrar, antes de tudo, que a defesa do direito do homem
- no caso concreto, do direito dos fazendeiros – à propriedade
individual como à livre iniciativa (obviamente justificada por argumentação
análoga à de Leão XIII sobre a propriedade privada) constitui a
finalidade capital dessa associação de classe que é a UDR. Ora, os pronunciamentos da UDR sobre essas matérias
se mostraram sempre fragmentários e episódicos, ao contrário do que as
circunstâncias estavam a exigir absolutamente. Antes de tudo, a exposição de Leão XIII sobre o
assunto, tão clara e fácil de resumir, em nenhum momento foi posta pela
UDR ao alcance do imenso público a que os milhares de bois angariados lhe
proporcionavam dirigir-se de modo amplo
e assíduo. Ora, nada poderia dar ao empresariado rural mais certeza de
seus próprios direitos, e a cada fazendeiro, individualmente, maior
segurança de que ele não é um transgressor inclemente dos direitos
naturais – direitos humanos, segundo certo “jargão” moderno – dos
trabalhadores; nada lhe dá à consciência um bem-estar maior, quando se
afirma fazendeiro, nem firmeza maior na defesa de sua propriedade. Este é
o melhor escudo do empresariado rural contra
calúnias incessantes que contra ele difunde o comunismo, em todas
as vastidões do País. E a TFP não compreende que a UDR não o faça. 7. Perplexidade da TFP diante
do ostensivo distanciamento da UDR
A perplexidade da TFP vai, entretanto, ainda mais
longe. Se dessa nobre missão
a UDR tem razões práticas e circunstanciais para se eximir, ainda assim
permanece difícil entender que, em vista da ação de difusão doutrinária
desenvolvida pela TFP em todo o País, a UDR longe de lhe dar apoio, afeta
ignorá-la de modo ostensivo. E isto de tal sorte que, se a TFP
não existisse, outra não seria a conduta da UDR. Deixando a classe doutrinariamente desarmada ante
o comunismo, a UDR ainda cria óbices à ação da TFP. Pois a atitude da
UDR acerca da TFP não poderia causar senão perplexidade no espírito de
múltiplos de seus associados. E, reciprocamente, inevitável perplexidade
entre muitos dos sócios, cooperadores e correspondentes que a TFP tem
disseminados em por volta de cem cidades do Brasil, acerca da UDR. Ora, quem lucra com isto, senão o adversário,
comum a ambas, ou seja, o comunismo internacional? 8. A atitude hesitante e
concessiva da UDR em face da ação erosiva gradual do socialismo agrário
Entretanto, não é só contra a contestação
frontal e radical do comunismo internacional, que a UDR tanto quanto a TFP
devem defender o Brasil. A propriedade privada e a livre iniciativa são
objeto, em nosso território, de uma ação erosiva gradual, o mais da
vezes velada e parcial. Move-a certo socialismo difuso que parece
ter por meta aplicar de maneira sui generis a “tática do
salame”, na tradicional convicção de nosso povo de que a
propriedade privada e a livre iniciativa constituem direitos sagrados
intangíveis, e de que todos os titulares desses direitos – entre os
quais são tão numerosos e acatados os proprietários agrícolas –
desempenham uma função legítima e benfazeja na economia nacional. Essa ação erosiva comporta as mais variadas
modalidades, quase sempre sorrateiras. Antes de tudo, como já ficou lembrado, essa ação
consiste em, tanto quanto possível, passar para o olvido as grandes Encíclicas
sobre o direito de propriedade, principalmente dos Papas Leão XIII e Pio
XI. Aos documentos pontifícios citados, os agentes
dessa propaganda socialista difusa preferem insistir especialmente sobre a
Encíclica Laborem Exercens de João Paulo II, que afirma com ênfase
digna de nota a função social da propriedade. Mas, fazendo-o, e exaltando até as nuvens essa
função, fazem-no ardilosamente, de maneira a estabelecer uma como que
contradição entre a função e o órgão. Ou, mais precisamente, entre a
função social da propriedade, e a propriedade privada, da qual a função
é um efeito benéfico, um fruto simpático e necessário. De maneira que
a causa – a propriedade – seria antipática e deveria ser corroída
quanto possível em benefício da função (cfr. Parte IV, Cap. VI). Modo de tornar odiosa a propriedade aos olhos de
todos, quando precisamente o contrário é verdade: se a sociedade vive da
função social da propriedade, então a propriedade é muito obviamente
uma condição de sobrevivência da sociedade! Outra ação sorrateira de inspiração socialista
consiste em confundir função social e socialismo, como se o zelo por
aquela devesse conduzir ao apoio a este! Esta visão de conjunto das táticas erosivas
empregadas pelo socialismo difuso torna claro que também se
perfila entre essas táticas a aprovação de uma das reivindicações
características do agro-reformismo. Isto é, que sejam sujeitas à
Reforma Agrária socialista e confiscatória as terras incultas de
propriedade particular. Adiante se exporá (cfr. Parte IV, Cap. III, 3) o
que há de injusto e de lesivo do direito de propriedade nesse princípio.
Assim, é com pesar que se registra aqui o pronunciamento da UDR ao
Substitutivo Rosa Prata acima mencionado (cfr. tópico 1 deste Capítulo). Poder-se-ia naturalmente objetar a estes comentários
que promover ou aprovar o Substitutivo Rosa Prata não importa
necessariamente em solidarizar-se com a doutrina subjacente a esse[5]
. E que o preclaro autor desse projeto, bem como os que o aplaudiram, só
tiveram em vista fazer uma concessão ao socialismo agrário (isto é, a
aceitação das desapropriações confiscatórias dos imóveis rurais
desocupados), para obter que, pelo menos por algum tempo, e sobretudo nas
votações da Constituinte, os agro-socialistas desistam da meta de
estender o confisco expropriatório a todo o ager brasileiro. “A política é a arte do possível”, poderiam alegar os promotores de tal acordo. E há atos de resignação
que a sabedoria sugere em certas circunstâncias. Mas – pode-se contra argumentar – a atitude da
UDR em face a essa composição não foi de resignação ostensivamente
inconformada, mas de desanuviada aceitação, como quem não visse na
existência de terras ociosas senão um fato ilegítimo e funesto à
economia nacional por isto mesmo, um fato digno de repressão. Ora, segundo a doutrina católica, o não uso da
terra não importa necessariamente na extinção do direito de propriedade
(cfr. Parte IV, Cap. III, 3), e não é necessariamente prejudicial ao bem
comum, mas pode corresponder, pelo contrário, a um legítimo atrativo
para o desbravamento de terras[6]
. Em todo caso, mesmo quando essa nocividade exista, é preciso demonstrá-la,
o que de nenhum modo parece tenha sido feito. 9. O reconhecimento legal de
uma injustiça, ainda que incida sobre reduzido número de casos, pode pôr
em xeque todo o edifício jurídico do país
A extensão da presente argumentação deixa ver
vivo empenho em que nem sequer o confisco agro-socialista dos imóveis
rurais desocupados se efetue. Todo esse empenho tem proporção com a
importância do tema? Em princípio, sim, porque dará origem a uma série
de confiscos injustos. Mais ainda porque importará no reconhecimento,
pela Constituinte, e portanto pela Constituição, de um princípio
injusto, ou seja de que o não uso de um imóvel importa na extinção do
direito de propriedade sobre ele. Reconhecimento este, tanto mais
estridentemente injusto quanto o montante quase fabuloso das terras
devolutas torna perfeitamente supérfluo o confisco das terras
particulares não usadas. Mas a principal razão não é esta. O reconhecimento de uma injustiça, feita pela
lei, põe em xeque todo o edifício jurídico de um país. Essa verdade,
resultante da natural conexão de todos os direitos entre si, contudo é
tanto mais clamorosa, quanto mais fundamental seja o direito violado. Assim, uma lei que permitisse o homicídio, ainda
que em uma só hipótese difícil de se verificar, atingindo apenas um número
reduzido de pessoas, seria absolutamente intolerável. É o caso da velha
lei consuetudinária hindu, pela qual em uns poucos principados deveria
ser queimada viva a esposa que um príncipe reinante deixasse viúva. Assim também – já não mais no que diz
respeito ao direito à vida, mas ao direito de propriedade – qualquer nação
moderna estremeceria de encolerizada inconformidade se uma lei
estabelecesse para uma classe minoritária (a nobreza, por exemplo), o
morgadio com a inerente desigualdade na partilha dos bens entre os filhos.
Pois violaria o princípio da igualdade que a concepção moderna leva
freqüentemente ao exagero. Esses exemplos provam que uma transgressão grave
de um princípio jurídico pode pôr em risco, segundo o senso comum, não
só algum direito considerado em alguma de suas aplicações concretas,
mas a globalidade desse princípio considerado em todos os seus aspectos.
E, em certos casos, até todo o edifício jurídico de um país. Em conseqüência: 1. aceita pelos próprios defensores da
propriedade privada, a acintosa afirmação de que o não-uso das terras
privadas constitui necessariamente ação nociva ao bem comum, digna de
punição; 2. e aceito ao mesmo tempo que esse não-uso
em áreas incomparavelmente maiores, de terras devolutas, não é nocivo
ao bem comum, nem é digno de repressão; 3. segue-se a conseqüência de que um
mesmo direito, tendo por titular indivíduos, é mais leve, menos intangível,
mais questionável e menos sólido do que se dele é titular o Estado; 4. tal importa em inculcar no
subconsciente e quiçá no consciente da população a noção comunista
de que titular de direito sobre os bens, só o é plenamente o Estado. Como então não ter vivo
empenho em que essa disparidade entre a propriedade do Estado e a
propriedade do indivíduo não desfigure nossa Constituição e não
intoxique a mentalidade do País? 10. Passo da TFP, dado
cordialmente rumo ao esclarecimento recíproco
Estas considerações acerca da UDR tomaram tal
amplitude, por efeito da contingência em que se encontra a TFP ao tratar
da Reforma Agrária, de não a considerar só em tese, como também nos
aspectos práticos em que se vai realizando a aplicação desta. Não abordar aqui o tema UDR seria absurdo. E
ademais só poderia ser interpretado como ato de hostilidade, oposto aos métodos
e aos hábitos da TFP. Devendo tratar dela, caberia à TFP cingir-se a
dizer sobre o assunto duas ou três banalidades, ou entrar seriamente no
tema. Ficar nas banalidades é, por sua vez, igualmente
oposto aos métodos e às tradições da TFP. E, a tratar do assunto com seriedade, seria impossível
fazê-lo em menor espaço. Em outros termos, o caminho consistia em abordar o
assunto em seu âmago. Esclarecimento só são eficazes quando completos.
O esclarecimento da posição da TFP face à UDR, aqui feito, é completo. Assim, quer em matéria de pensamento, quer em matéria
de palavras, um crítico dificilmente apontaria aqui algo de ocioso. Dessa forma se explica, como inelutável imposição
dos fatos, a extensão que acaba de ser dada ao tema. É de esperar que a UDR, em cujas fileiras a TFP
tem muitos e diletos amigos, bem como os leitores em geral, vejam nesta
explanação, nem um pouco a manifestação de um desacordo eufórico em
se expandir, mas um passo dado cordialmente rumo a um mútuo
esclarecimento. [1] Como fator desse estado de espírito dos produtores rurais, seria impossível omitir a ação da TFP. Como é geralmente sabido, esta não constitui uma associação de classe, e, em conseqüência, só acidentalmente se tem pronunciado contra o caos realmente ruinoso da política agrícola a que tem estado sujeito o País. No campo a que especificamente se dedica, isto é, o da defesa doutrinária das três pilastras da civilização cristã, que são a Tradição, a Família e a Propriedade, desde o ano de sua fundação (1960) até o presente, a TFP não tem cessado de combater a Reforma Agrária socialista e confiscatória. E ainda agora acaba de lançar uma obra que denuncia o agro-reformismo como um flagelo não só dos proprietários rurais, mas dos próprios trabalhadores. Trata-se do livro do advogado Atílio Guilherme Faoro, Reforma Agrária: “terra prometida”, favela rural ou “kolkhozes”? – Mistério que a TFP desvenda, Editora Vera Cruz, São Paulo, 1987, 198 pp. Por análogos motivos, vem a TFP alertando também os proprietários de empresas e imóveis urbanos contra o perigo do reformismo fundiário urbano, e do reformismo empresarial, corolários do agro-reformismo (cfr. adiante Proposta da TFP, tópico 3). Essa posição tem valido, aliás, à TFP, a hostilidade contínua e por vezes tempestuosa, das diversas correntes reformistas. [2] Cfr. Plinio Corrêa de Oliveira, No Brasil: a Reforma Agrária leva a miséria no campo e à cidade, Editora Vera Cruz, São Paulo, 1986, p. 62, Nota 36. [3] Em longa entrevista ao diário “O Popular”, de Goiânia (19-7-87), contestando o repórter que lhe dizia ser a UDR “acusada de se posicionar contra a implantação da reforma agrária” o sr. R. Caiado retrucou: “- Nós nunca nos posicionamos contra a reforma agrária. A entidade sempre deixou bem claro seu princípio. A UDR pode mostrar ... como se pode fazer reforma agrária”. E enunciou três requisitos básicos para isso: “orçamento disponível para sua implantação”, “utilizar as terras improdutivas do governo federal”, e a necessidade de “toda uma assistência e infra-estrutura”. Estes requisitos, o presidente nacional da UDR, parece tê-los encontrado nos textos constitucionais em elaboração, a ponto de afirmar que “do jeito que está a Constituinte atende a 100 por cento das propostas da UDR” (Adeildo Bezerra, “O Globo”, 13-7-87). Análoga declaração fizera o sr. R. Caiado em Maringá, dias antes, quando disse “que a proposta de reforma agrária abordada na Constituinte seguiu parâmetros desejados pela classe produtora” (“Folha de Londrina”, 3-7-87). Afirmação essa que não se compagina com outra, feita na mesma ocasião, segundo a qual, em sua opinião, o Anteprojeto Cabral “pretende abrir caminho para a implantação no Brasil de uma República Socialista e não República Federativa”. Em entrevista de página inteira concedida ao “Jornal do Brasil” (19-7-87), o presidente da UDR esclarece como deve ser a Reforma Agrária que a entidade apoiaria: “Pode ter certeza de que, se formos convocados a participar de uma reforma agrária realista, em terra realmente improdutiva, de especulador, vamos ajudar com nosso maquinário, com nossa experiência, para realmente assentar o homem na terra”. O presidente da UDR de Goiás, Salvador Farina, por sua vez, informou que a entidade entregaria aos Constituintes “o ‘Manifesto da UDR; em defesa da propriedade, da desestatização e de uma reforma agrária ‘que respeite a propriedade produtiva’” (“O Globo”, 12-7-87). Ele parece ignorar, portanto, todas as razões – e não são poucas – que podem tornar legítima a manutenção de uma terra sem cultivo, durante certo tempo e em determinadas circunstâncias, sem nenhum prejuízo para o bem comum. A mesma disposição de entregar as terras improdutivas à sanha da Reforma Agrária é manifestada pelo diretor regional da UDR do Norte do Pará, Luís Bueno, de acordo com notícia de “O Liberal”(10-7-87), da Capital daquele Estado: “O que pretendemos – disse – é que sejam desapropriados somente os latifúndios improdutivos”. Adiante se mostrará (cfr. Parte IV, Cap. III, 3) quanto é injustificado pleitear, no Brasil, a desapropriação de terras particulares ainda inaproveitadas. [4] Encíclica Rerum Novarum, de 15-5-1891 – Coleção Documentos Pontifícios, Vozes, Petrópolis, 1961, 6ª ed, vol. 2, p. 6. [5] Aliás, desse Substitutivo só se conhecem trechos esparsos publicados pela imprensa “Conforme afirma o relatório de Lima Filho ... o Substitutivo Rosa Prata não foi publicado” (“Folha de S. Paulo”, 25-5-87). [6] Cfr. Plinio Corrêa de Oliveira, Desbravamento e terras ociosas, “Folha de S. Paulo”, 24-10-86. |