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Plinio Corrêa de Oliveira
Projeto
de Constituição angustia o País
1987 |
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Capítulo V – A CNBB atua decididamente na Constituinte, em favor das
reformas de estrutura socialistas e confiscatórias
1. A CNBB, representante
credenciada do “povo”?
A tônica das declarações da CNBB tem sido a de
quem se pretende intérprete genuína dos mais profundos anseios
populares, e autêntico porta-voz deles. Entretanto, ignorando que o povo
brasileiro é majoritariamente centrista e conservador, o organismo
episcopal apresenta como reivindicações “do povo” as posições mais
radicais. Assim, D. Benedito Ulhoa Vieira, Arcebispo de
Uberaba e até há pouco vice-presidente da CNBB, declara: O povo está
desiludido com o governo, por não ter realizado muitas promessas e
medidas essenciais como a reforma agrária (“Folha de S. Paulo”,
11-1-87). E D. Ivo Lorscheiter, Bispo de Santa Maria e na época
Presidente da entidade, sentencia: O ‘ Brasil precisa de uma
Constituição moderna e inovadora, ágil e realmente democrática. Esta
é a oportunidade histórica para atualizar os pontos nevrálgicos, como o
verdadeiro sentido, e os limites da propriedade particular, que deverá
ser acessível a todos’ (“O Estado de S. Paulo”, 4-2-87).
Palavras estas que se conectam claramente com o apoio permanente que o
Prelado vem dando à Reforma Agrária socialista e confiscatória. Por seu turno, D. Aloisio Lorscheider diz que a
futura Constituição precisa ser audaciosa ... Os constituintes não
devem ter medo de defender preceitos novos e corajosos, mesmo que
apareçam resistências (“O Estado de S. Paulo”, 10-2-87).
Quais sejam, no entender do Purpurado, esses preceitos novos e
corajosos que suscitam resistências, já se vê,
recordando a categórica posição de D. Aloísio em favor das reformas de
estrutura. Para fazer valer esses pontos de vista, a CNBB se
manifesta disposta a lançar mão – como é natural – dos mecanismos
que o regime democrático admite. Assim, não estranha que D. Ivo declare: ‘Nós vamos exercer o
direito democrático de pressionar. Não estamos fazendo nada demais, mas
apenas exercendo um direito da sociedade civil’ ... Mas D. Ivo Lorscheiter diz que as pressões
da CNBB não se limitarão a isso. Além da comissão de seis padres (dois
deles são [os Sacerdotes] Virgílio Uchoa e Ernanne
Pinheiro[1])
que vai atuar diariamente no Congresso, acompanhando as negociações
em torno da redação de cada artigo da nova Constituição, a CNBB manterá
em ação as comunidades de base. ‘Enviaremos telegramas aos
constituintes, assim como outras mensagens, sempre que julgarmos necessário’(“Jornal
do Brasil”, 31-12-86). De si, essa atuação estaria perfeitamente de
acordo com a missão da Igreja, conforme já se observou em outra parte
deste trabalho (cfr. Parte II, Cap. VII). Cumpre porém ponderar que freqüentemente
a atuação da CNBB no campo temporal extrapola seus verdadeiros limites. É o momento de ver em que sentido se vêm
desenvolvendo as atividades de nosso máximo organismo episcopal durante
os trabalhos da Constituinte. 2. Intensa atividade da CNBB
na Constituinte agrada a esquerda mais radical
Durante todo o ano, a CNBB esteve muito ativa,
procurando influir de diversos modos nos trabalhos da Constituinte. Assim,
organizou ela encontros semanais com grupos de parlamentares, em sua sede
em Brasília, aos quais chamou de convívio. Um deles foi assim descrito
por Raquel Ulhoa, do “Jornal do Brasil” (27-3-87): A reunião entre dom Ivo
Lorscheiter, presidente da Conferência Nacional dos bispos do Brasil
(CNBB) e cerca de 90 parlamentares, para debater as propostas da Igreja
católica ..., acabou se transformando na sessão noturna da Assembléia
Constituinte. Não faltou nenhum dos ingredientes de
plenário: votação, pinga-fogo, campainha para conter os mais
entusiasmados, bate-boca, proselitismo na tribuna e – reeditando as
recentes discussões do Congresso Nacional – propostas para formação
de comissões e subcomissões temáticas. O convite de dom Ivo Lorscheiter,
residente da CNBB, foi aceito por um grupo eclético e suprapartidário.
Havia de tudo: um ex-padre (senador Mansueto Lavor, PMDB-PE), uma
ex-freira (deputada Irma Passoni, PT-SP), um ex-guerrilheiro (deputado José
Genoíno, PT-SP), uma ex-presa política (deputada Moema São Thiago,
PDT-CE) e um ex-pedessista (Ademar de Barros Filho, PDT-SP). Ao senador
‘católico apostólico romano’, Meira Filho (PMDB-DF), coube o papel
de implacável controlador dos três minuto, para a fala de cada político. Além desses encontros semanais, a CNBB está
programando um café da manhã semanal com os constituintes que queiram
discutir as teses propostas pela Igreja na sede da entidade, em Brasília
(“O Estado de S. Paulo”, 12-2-87). A CNBB organizou ainda um serviço informativo
radiofônico e um noticiário via telex para manter os ouvintes e instituições
católicas informados sobre o que se passa na Constituinte. Nesse sentido, a “Folha de S. Paulo” (24-2-87)
informa: A CNBB começa a utilizar, a partir de hoje, um canal de rádio
cedido pela Embratel para a transmissão de um boletim diário sobre o
Congresso constituinte. Gerado em Brasília, o boletim será transmitido
para as rádios Aparecida, de Aparecida (SP), e Difusora de Goiânia (GO),
das 18h30 às 20h. através destas emissoras, o boletim será
retransmitido para as 103 rádios católicas de todo o país. Um outro
informativo da Igreja sobre o Congresso constituinte está sendo
retransmitido periodicamente, via telex, para 73 instituições ligadas à
CNBB. É claro que esses programas não
são apenas noticiosos. Eles servem também para exercer pressão em favor
das propostas da CNBB, e difundir prognósticos sombrios, caso as
reformas sócio-políticas-econômicas preconizadas pela entidade não
sejam realizadas. Assim, em documento enviado pela CNBB a todas as
Dioceses brasileiras, se afirma que se não houver, urgentemente, uma
grande mobilização popular em torno de objetivos políticos bem
concretos, que signifiquem a retomada dos avanços conseguidos com
a campanha das diretas (1984), o país corre o grave risco de um
retrocesso (“Folha de S. Paulo”, 27-3-87). Em que sentido sejam esses avanços,
nenhum brasileiro, hoje em dia, pode ter dúvida, dado o caráter
inequivocamente reformista dos pronunciamentos do nosso máximo organismo
episcopal. Aliás, não faltaram, neste período, declarações
agro-reformistas de próceres da CNBB. Por exemplo, D. Luciano Mendes de Almeida
declarou, em Itaici, que a reivindicação de eleições diretas deve
vir inserida no bojo da nova Constituição. Observou, porém, que
não se deve privilegiar esta questão e esquecer outras que considera
prioritárias, como a reforma agrária, a moradia e a
necessidade de se proporcionar mais oportunidades de emprego à população
(“O Estado de S. Paulo”, 29-4-87). D. Celso Queiroz, Secretário-Geral da CNBB,
manifestou-se inconformado com um pequeno recuo que, em determinada fase
dos trabalhos da Constituinte, houve no tema da Reforma Agrária: A
posição dos constituintes da Subcomissão de Reforma Agrária, ao
aprovar o relatório, não pode nem ser chamada de conservadora. Ela é
retrógrada. Seria conservadora se fosse uma posição capitalista dentro
de uma proposta socialista. O que foi aprovado é primitivismo agrário (“Jornal
da Tarde”, São Paulo, 29-5-87). Concomitantemente, religiosos bem vistos pela CNBB
têm ido mais longe: No palanque da primeira
Plenária Nacional Popular Pró-Constituinte, armado na principal
praça de Vitória, Frei Leonardo Boff pediu a convocação de eleições
diretas para a Presidência e a derrubada do atual sistema, nestes temos: Temos
que derrubar este sistema, e não só o sistema capitalista é inimigo do
povo, como o atual regime, que não realizou nada. Vamos exigir –
incitou – um presidente que vinha ungido pelo voto popular (“Diário
de Pernambuco”, 29-3-87). Declarações como essas são evidentemente de
molde a agradar as correntes da esquerda mais radical. Por exemplo, Lula, convidado
para almoçar ... na CNBB com seu novo presidente, dom Luciano Mendes de
Almeida, e com seu amigo, Frei Beto, afirmou que a Igreja
desenvolve um trabalho comunitário de base ‘com orientação que se
afinam com as do PT (“Correio Braziliense”, 7-5-87). Nessas condições, não causam mais estranheza,
hoje em dia, notícias como a seguinte: Crenças religiosas à parte,
constituintes do PMDB, PDT, PT e até mesmo PCB, consideram oportuna a
articulação da CNBB, que tem por objetivo estimular a
participação popular na Constituinte. Para eles esta atuação no
ode ser recriminada, já que nos últimos anos a Igreja tem participado
ativamente em favor das lutas populares (“Jornal de Brasília”,
5-4-87). 3. Em matéria de Reforma Agrária,
o radicalismo da CNBB supera o do PCB
A CNBB tem sido tão radical em matéria de
Reforma Agrária, que até o líder do PCB na Constituinte, Roberto
Freire, achou que o organismo episcopal avançou demais: Existem
algumas propostas, inclusive da Igreja, que são de uma tremenda
democratização da propriedade privada, que até nós, comunistas,
discordamos. .. O que eu quero dizer é que muitas dessas propostas,
inclusive a da Igreja, quando democratiza demais a propriedade, porque
pulveriza, nós, comunistas, não defendemos esse modelo de reforma (“Jornal
da Constituinte”, 13/19 de julho de 1987). Que diria o líder do PCB da seguinte declaração
de um dos Prelados mais “avançados” da CNBB? – É possível que ele
também considerasse que o Bispo foi longe demais: O Bispo Dom José Gomes,
presidente nacional da Comissão Pastoral da Terra – a para muitos
‘incômoda’ CPT – apoia para a Constituinte a proposta do Movimento
Nacional dos Sem-Terra, Contag ... e outras entidades do setor, que querem
a reforma agrária garantida e especificada na nova Constituição. ... ‘Nessa proposta’, informa Dom José,
‘a reforma agrária é vista pela limitação do latifúndio, e isso
desemboca inevitavelmente na violência no campo e na questão das invasões
de terras’, lembra. Para o presidente da Pastoral da Terra,
todo o problema da violência no campo nasceu da ‘grilagem’ feita
pelos grandes latifundiários, grupos empresariais e industriais, que
conseguem se apossar de terras já ocupadas por posseiros[2]. ... Essa situação, segundo o bispo, levou os
sem-terra a ‘gritar’ pela reforma agrária e a partir para ocupações
de latifúndios improdutivos. ... A Igreja não incentiva essas ocupações,
mas apoia totalmente o ato político desses agricultores sem-terra que,
através das invasões, querem denunciar ao Governo e a toda sociedade
nacional a realidade de sua situação (“Diário
Catarinense”, 30-7-87). 4. As “emendas populares”
da CNBB
Entretanto, a participação mais efetiva da CNBB
no processo Constituinte parece ter consistido em fazer prevalecer a idéia
das “emendas populares”. Arregimentando órgãos da esquerda radical e
grupelhos ecumênicos, a CNBB conseguiu que fosse inserida no Regimento
Interno da Constituinte (arts. 23 e 24), uma proposta pela qual ficava
assegurada a apresentação de emendas ao Projeto de Constituição quando
subscritas por um mínimo de 30 mil eleitores, em listas organizadas por
pelo menos três entidades associativas legalmente constituídas. Assim historia “O Estado de S. Paulo” (1º-3-87)
o processo que culminou na apresentação da proposta das emendas
populares: Muitas fórmulas para a
participação popular na Constituinte apareceram até se chegar a esta.
As pressões começaram em meados de 1985, quando um grupo de cerca de 100
entidades civis, capitaneadas pela Arquidiocese de São Paulo e suas
Comunidades Eclesiais de Base, defenderam Constituinte exclusiva,
independente do Congresso Nacional. Prevaleceu a tese de constituintes e
parlamentares estarem na mesma pessoa; o grupo – denominado Plenário Pró-Participação
Popular – encontrou a fórmula alternativa da “Constituinte de rua’,
absorveu setores do PMDB, PT e PCs, e agora, já com 500 entidades civis
em todo o País, prepara-se para agitar a Constituinte. A revista “Ave Maria” confirma que depois
de dois anos de luta das entidades e pessoas que integram os Plenários Pró-Participação
Popular na Constituinte, foi incluída no regimento interno da
Constituinte a ‘iniciativa popular’. Esse dispositivo ... começou a
ser elaborado no Plenário [Pró-Participação Popular] de São
Paulo, em outubro de 1986 e foi amplamente discutido em vários outros
plenários. A redação final foi levada a Brasília por uma delegação
de diversos estados, por ocasião da instalação do ‘Congresso
Constituinte’ (“Ave Maria”, maio de 1987, p. 6). Como é compreensível, o organismo episcopal
deitou especial empenho em acionar esse dispositivo regimental para o
encaminhamento de suas propostas à Constituinte. Em sua 25ª Assembléia, reunida em
maio deste ano, em Itaici (SP), a CNBB votou quinze emendas para serem
subscritas pelos fiéis. A partir dessas quinze emendas, formulou ela
quatro propostas referentes à educação, ordem econômica, liberdade
religiosa e direito da família. E em seguida desenvolveu ampla movimentação
para a coleta de assinaturas em favor delas. O “Jornal do Brasil” (14-7-87) assim descreve
o que ele chamou de catequese eleitoral. No Rio Grande do Sul, as paróquias
encerram uma atividade de debate que vem de meses com a realização do
‘Domingo da Constituição’, no qual os fiéis comparecem à missa
munidos dos títulos eleitorais para assinar as propostas que a CNBB
pretende encaminhar à Constituinte. No ouro extremo do país, no Acre,
padre, freiras e agentes de pastoral, em sua catequese pelo interior, além
da Bíblia e suas cartilhas de conscientização, levam os formulários
para serem preenchidos por colonos e seringueiros eleitores. Entretanto, todo esse esforço esbarrou na
indiferença, ou quiçá na reserva da opinião católica. Assim, a mesma
edição do “Jornal do Brasil” (14-7-87) noticia que no Recife, o
secretário da Ação Católica Operária, Damião Cândido, conseguiu que
apenas três pessoas entre dez subscrevessem qualquer emenda. Já o bispo
baiano Thomas Murphy acha que seria ‘um bom tema para um sociólogo’ o
medo generalizado de assinar’. Terá sido apenas medo? – é
de se perguntar. Ou sobretudo distanciamento e aversão, quiçá oposição
categórica, ao gênero de pregação esquerdista do órgão episcopal,
que não se coaduna com a índole pacífica e ordeira de nosso povo? Para a CNBB, a preocupação da maioria da
população brasileira com problemas ligados à sobrevivência, resultante
da atual crise econômica, é o principal obstáculo para a mobilização
social com vistas à apresentação de emendas de iniciativa popular ao
Congresso constituinte (“Folha de S. Paulo”, 19-6-87). O fato é que, embora a preocupação
central de todas as entidades, sintonizadas com as causas populares
[entenda-se: as entidades que sintonizam com a CNBB], passa
necessariamente pela questão da Reforma Agrária e sua imediata
concretização (“Notícias”, Boletim semanal da CNBB, no. 29,
16-6-87), a emenda popular para a ordem econômica recebeu apenas um terço
do que obteve a proposta para educação, e um pouco mais da metade do que
obteve a proposta para a família, o que fez a revista “Veja” (5-8-87)
comentar: A CNBB tem propostas que
agradam ao eleitorado de esquerda, como uma reforma agrária a ser
aplicada em qualquer fazenda que não cumpra sua ‘obrigação
social’... Bandeira de honra da CNBB, a reforma agrária foi uma das emendas que menos respaldo recebeu.
... A entidade obteve 283.381 assinaturas para seu projeto de picotar as
fazendas do país – mais da metade[3] O comentário de “Veja”,
ao qual não falta fundamento, omite entretanto um aspecto da questão:
quando um coletor de assinaturas trabalha para fazer assinar várias
propostas em uma mesma campanha, as emendas que obtêm maior número de
assinaturas são: a)
aquelas para que o público já estava mais favoravelmente predisposto
antes de lhe ser solicitada a assinatura; e b)
dentre as várias emendas propostas, aquela em favor de que o coletor
tinha mais empenho de obter assinaturas. Ocuparia a Reforma Agrária
um lugar tão prioritário na preferência dos coletores? Há boas
razões em favor dessa hipótese. Pois é notório que as pregações
eclesiásticas dos últimos tempos têm versado bem mais sobre temas econômicos,
do que sobre os propriamente religiosos, ou ainda de outra natureza. A imprensa se tem feito eco, mais de uma vez, do
desagrado de fiéis a tal respeito. Ora, os coletores de assinaturas são
o mais das vezes pessoas da confiança dos eclesiásticos, e agem sob a
influência e direção destes. Não é de surpreender, portanto, que os
temas preferidos para a pregação tenham também sido objeto de
particular recomendação de desvelo, da parte dos eclesiásticos, aos
coletores. Assim, a insistência a favor da Reforma Agrária,
“bandeira de honra da CNBB”, há de ter sido particularmente grande,
segundo tudo indica. Não obstante, a emenda sobre a ordem econômica,
da qual constava o pedido de Reforma Agrária, obteve um número muito
menor de assinaturas. Note-se que o total de assinaturas que a CNBB
conseguiu para as suas propostas foi de 1.761.519 (cfr. “Noticias”,
Boletim semanal da CNBB, no. 31, 30-7-87). Resultado que alguns
consideraram surpreendentemente grande. Tendo em vista porém todos os
recursos de que a Igreja dispõe no Brasil, e a ampla mobilização feita
pelo organismo episcopal, o produto ficou muito aquém do que se poderia
esperar, tanto mais que cada eleitor podia assinar até três propostas[4]. Acrescente-se que a CNBB preferiu não entregar
sua proposta para o problema menor, já que o número de assinaturas
conseguidas é considerado pequeno, segundo explicou D. Luciano (“O
Estado de S. Paulo”, 29-7-87). A análise das quatro emendas populares, cujo
texto foi composto e difundido pela CNBB com a colaboração de outras
entidades, e com elas apresentado à Constituinte, ocuparia excessivo espaço
no presente trabalho. Mas é impossível referir-se a elas sem assinalar
pelo menos quanto são relaxadas em sua redação, e objetáveis em
diversos pontos de seu conteúdo. Especialmente chama a atenção o caráter
laicista de mais de uma de suas disposições. E a propugnação sistemática
da democracia participativa (coisa que a muito grande maioria dos signatários
desconhece o que seja) como única
forma de organização política desejável pelos católicos para o Brasil
de 1987. O que destoa do ensinamento de São Pio X sobre a posição da
Igreja em face da democracia e das demais formas de governo (cfr. Parte I,
Cap. II Nota 8 do tópico 8). 5. As “aspirações do povo
e da comunidade cristã” chegam a Brasília
Enfim, as listas com as assinaturas para as
propostas patrocinadas pela CNBB foram aparatosamente entregues à Assembléia
Nacional Constituinte. Nessa ocasião, o Presidente da CNBB, o qual quis
ir pessoalmente fazer a entrega, afirmou que elas representam aspiração
do povo e da comunidade cristã, em prol de uma constituição
adequada aos anseios do povo brasileiro e à construção de um país que
ofereça a todos condição de vida mais justa e digna (“O Estado de
S. Paulo”, 30-7-87). A CNBB depositava obviamente grande esperança no
efeito dessas emendas populares. E em declarações de seus máximos
porta-vozes não faltam advertências veladas sobre o que possa acontecer
ao Brasil se elas não forem atendidas. Assim, o Secretário-Geral da CNBB, D. Celso Queiróz,
afirma: Se os constituintes não atenderem às reivindicações do
povo, a sociedade estoura, e acrescenta: Se essas propostas (da
CNBB) não forem de alguma maneira acatadas pela Constituinte, o povo não
suportará a camisa de força de uma sociedade elitista, e a futura
Constituição terá vida muito curta (“Jornal do Brasil”,
29-7-87). Contudo, segundo “O Estado de S. Paulo” (29-7-87), ele disse
não estar pregando nenhuma revolução social, caso as propostas não
sejam acatadas, mas lembrou que ‘se a lei se distancia da realidade, a
realidade se vinga da lei. O princípio é evidentemente verdadeiro. A questão
é que um grande número de brasileiros – inclusive e principalmente
entre os católicos – não vê a realidade brasileira como a vê o
organismo episcopal. 6. É difícil a verificação
da autenticidade das “emendas populares”
O total de propostas de emendas à Constituição
entregue pelos mais variados movimentos ou grupos sociais foi de 122,
apoiados globalmente por cerca de 13 milhões de assinaturas. Contudo, é
de se assinalar que das 122 emendas apresentadas, 38 não tiveram o número
mínimo de 30 mil assinaturas, mas isto não é problema porque alguns
deputados subscreveram as propostas que não alcançaram a totalidade do
apoio popular exigido. E na coordenadoria de emendas populares não houve
também possibilidade de fiscalizar os nomes, assinaturas e números dos títulos
eleitorais, ‘mas fizemos checagem rápida e confiamos nas entidades que
apresentaram as listas’, diz a encarregada do serviço, Maria Júlia
Rabelo de Moura (“Jornal da Tarde”, São Paulo, 17-8-87). Outra funcionária fornece mais detalhes: ‘Na
verdade se faz uma amostragem, pega-se um bolo de folhas de assinaturas,
conferimos ligeiramente o número e depois, comparando com outros bolos de
envelopes iguais, avaliamos se há o número exigido de 30 mil pessoas’,
comenta Laura Carneiro – filha do senador Nelson Carneiro -, uma das
funcionárias encarregadas de receber as propostas e checá-las. Para ela,
‘é impossível contar todas as assinaturas e fiscalizá-las, como será
também para a Comissão de Sistematização (“Jornal da Tarde”, São
Paulo, 14-8-87). Não estranha, pois, que a autenticidade desses
abaixo-assinados como representativos das aspirações do povo e da
comunidade cristã, tenha sido posta em dúvida: Quem irá conferir a
autenticidade de cada uma dos milhares – ou milhões – de assinaturas?
Quem examinou os documentos de identificação – ou o título eleitoral
– dos signatários das emendas populares? E indaguemos, finalmente: como
é possível saber se o texto de cada proposta significa uma expressão de
vontade do signatário, se nos próprios formulários para coletas de
assinaturas se permite, expressamente, a simples ‘impressão digital’? Vê-se assim que a tão alardeada, tão
festejada possibilidade de ‘participação popular’ na confecção da
Carta Magna, segundo o estatuído pelo Regimento Interno do Congresso
Constituinte, carece de um mínimo de confiabilidade (“O Estado de S. Paulo”,
16-8-87). Acresce que, pelo Regimento Interno da
Constituinte (art. 24, inciso VIII), cada eleitor só poderia subscrever
até três emendas populares. Ora, que garantias se pode ter de que não
houve pessoas que assinaram quatro ou mais emendas? Todas essas ponderações não implicam em afirmar
que se devam considerar os dirigentes das várias correntes promotoras de emendas
populares capazes de falsificar assinaturas nas listas por eles
apresentadas. Ao mostrar que o sistema de contagem adotado não exclui a
possibilidade de fraudes, apenas se torna patente que essas possibilidades
tão evidentes estimulam implicitamente fanáticos – que não faltam
entre os coletores de assinaturas de qualquer organização -–a inflarem
de modo indevido as listas que apresentam, levados quiçá pelo desejo de
favorecer a vitória da causa a que se dedicam, ou então a brilhar entre
os demais coletores pelo grande número de assinaturas que simulem ter
alcançado. 7. A CNBB abre campo para a
atuação dos protestantes
Relegando para segundo plano as questões de
doutrina, moral e costumes, a CNBB infelizmente abre campo para que outros
ocupem o lugar que é especificamente dela. Embora o Brasil seja a nação de maior população
católica do globo, a CNBB se manifesta pouco reivindicante, e sem o
indispensável grau de intensidade para obter qualquer resultado ponderável,
quando se trata de matéria religiosa e moral. Bem ao contrário do seu
modo de proceder a favor da Reforma Agrária. Quanto à atitude dela na
proteção aos casais concubinatários, adulterinos e até incestuosos,
para os quais pede garantias previdenciárias como para os cônjuges
ligados por justas núpcias, a atitude dela vai bem além, se bem que na
atual conjuntura ético-social seja particularmente danosa essa medida. Nessa linha, D. Cândido Padim, Bispo de Bauru e
Presidente da Comissão de acompanhamento da Constituinte da CNBB,
declarou: A CNBB não pretende apresentar propostas que sejam
unicamente do interesse da Igreja Católica. O que desejamos é que a
Constituinte permita uma nova figura da sociedade brasileira. Queremos uma
democracia participativa e que estabeleça meios para que o povo participe
da ordem política (“Zero Hora”, Porto Alegre, 24-4-87). Por sua vez, o deputado Plinio de Arruda Sampaio (PT-SP)
rejeita o rótulo de ‘parlamentar católico’ ou de integrante do
‘Bloco da Igreja’ e esclarece: o engajamento do grupo de parlamentares
à CNBB é ideológico. E continua: Não se pode confundir fé com
opção política. A Igreja não quer fazer um bloco católico na
Constituinte. Ela está dialogando com todos os deputados, defendendo a
transformação social. E estamos lutando por isso (“O Globo”,
8-3-87). Essa atitude mereceu a seguinte crítica
registrada por “Veja” (1º-7-87): A Conferência
Nacional dos Bispos do Brasil ... cometeu um erro tático: em vez de
eleger deputados, preferiu atuar junto às bases de cada Estado, no
sentido de mobilizar políticos de todos os partidos em defesa de suas
teses. ‘Os católicos estão tendo uma atuação apagada’, constata o
deputado goiano Jesus [Antônio de Jesus, PMDB-GO]. Além disso, a
opção preferencial pelos pobres fez com que as causas que a CNBB advoga
em função dessa doutrina – as reformas agrária, urbana e tributária,
a estabilidade no emprego e a defesa das minorias, sobretudo dos índios
– possam ser representadas por deputados de esquerda, não
necessariamente católicos. Em contrapartida, o bloco de parlamentares
evangélicos, composto de 31 deputados ... decidiu fazer lobby[5]
no Congresso Constituinte em assuntos como aborto, combate às drogas, ao
jogo e à pornografia nos meios de comunicação.... O grupo se unirá
sempre que um assunto puder ser analisado ‘sob a ótica protestante’(“Folha
de S. Paulo”, 1º-2-87). Um dos líderes protestantes chegou mesmo a fazer
a seguinte declaração, à qual não falta objetividade, e por isso mesmo
nos enche de tristeza: Não devemos incorrer no mesmo equívoco da CNBB
que tem abandonado os aspectos fundamentais religiosos, até na pregação,
para abordar questões de ordem ideológica, repetindo palavras de ordem
como se fosse um sindicato ou uma OAB – afirmou o deputado Fausto Rocha
(PFL-SP), membro da Igreja Batista (João Carlos Henriques, “Correio
Braziliense”, 22-2-87). Por isso, segundo o “Jornal do Brasil”
(10-6-87), a atitude desses representantes protestantes tem sido muito
mais conservadora do que a da CNBB, pois o bloco dos evangélicos está
lutando contra o aborto e o confisco de propriedades improdutivas, a
favor da censura ao rádio e à televisão e da prisão perpétua... O
objetivo é derrotar o relatório do senador José Paulo Bisol (PMDB-RS),
considerado pelo grupo ‘socialista demais’. Quantos são os católicos a
desejarem ardentemente posição análoga na atuação de todos os
Constituintes chegados à CNBB infelizmente, que Constituinte católico
tomou essa atitude, tendo como fundamento a doutrina da Igreja? Onde a
indispensável crítica da CNBB, ao relatório Bisol, famigeradamente
esquerdista? (cfr. Parte III, Cap. VII, 4). Assim, é sintomático o comentário da revista
“Veja” sobre a bancada protestante na Constituinte: De certa forma
é a bancada mais coesa que existe – é a quarta em peso na
Constituinte, com 34 membros, sendo 22 fechados ideologicamente, mas tendo
a religião como fator de união acima de tudo. Sem ruído, colocaram 12
integrantes nas Comissões de Família e Social. Sabem o que querem, mesmo
que os chamados evangélicos se dividam em torno de 30 religiões ou
seitas diferentes no País, já que a Igreja Católica não tem o mesmo lobby
(“Zero Hora”, Porto Alegre, 4-7-87 – cfr. “Veja”, 1º-7-87). Dura contradição destes dias de tragédia e de
caos. A religião sempre foi para os protestantes fator de desunião, e
para os católicos fator de união. Na Constituinte, eis unidos os
protestantes... em torno do seu traço comum religioso. Ao passo que os
católicos... O que seria normal que os deputados católicos
chegados à CNBB fizessem acima de tudo em favor do que deveriam ser as
reivindicações católicas mais genuínas, os protestantes o fizeram em
favor de suas próprias metas! É doloroso para um católico ver tal inversão,
e, ademais, tomar conhecimento das críticas que, por essa razão, os
protestantes dirigem à CNBB: O Deputado evangélico Messias Soares
estranhava ontem uma das emendas populares patrocinadas pela CNBB. Mais
precisamente, a que encampa a tese da proteção do Estado aos direitos
dos casais não casados oficialmente. Perante a Igreja e seus dogmas,
apesar de tudo, estes casais continuarão a viver em estado de pecado,
embora representem mais da metade das famílias brasileiras (“O
Globo”, 31-7-87). A emenda sobre família patrocinada pela CNBB foi
apresentada como sendo uma aspiração do povo e da comunidade cristã
(“O Estado de S. Paulo” 30-7-87). Entretanto, a quantos e
quantos dentre os do povo e da comunidade cristã terá
ocorrido, pelo menos, a CNBB deveria apresentar essa emenda com o
indispensável complemento de providências para impedir que esse
dispositivo não redundasse em possante estímulo ao alastramento das uniões
ilegítimas que já agora constituem uma tremenda praga social em nosso
País. Na realidade, a CNBB parece mais interessada nas
reformas de estrutura socialistas e confiscatórias. E possivelmente
aplicando o adágio popular água mole em pedra dura, tanto bate até
que fura, a CNBB, sem embargo das eficientes resistências que
encontra, prossegue, em seus
esforços de mobilização popular, para ver se, por fim, consegue
que tais reformas sejam implantadas. Por bem ou por mal, segundo prevê D. Edmundo Kunz,
Bispo Auxiliar de Porto Alegre, o qual afirma que sem a participação
maciça das forças populares, a ordem social, econômica e política lançará
a Nação ao abismo. ‘Se não acontecerem mudanças profundas, estaremos
à mercê de grave convulsão social’ (“Zero Hora”, Porto
Alegre, 30-6-87). [1] O Pe. Virgilio Leite Uchôa é Sub-Secretário Geral da CNBB; o Pe. José Ernanne Pinheiro é Diretor do Instituto de Teologia de Recife (cfr. Anuário Católico do Brasil, Ceris, Rio de Janeiro, 1985). [2] Registre-se de passagem que tal versão explicativa das ocupações, que teriam nascido de “grilagem” etc., constitui historieta bastante jeitosa para defender ante a opinião pública os invasores, apresentando-os como defensores da situação em que se achavam, e não como turbadores da situação legítima de outrem. Mas há todas as razões para duvidar da objetividade dessa explicação, na qual não consta que o Prelado tenha aduzido qualquer documento concludente. [3] A CNBB obteve os seguintes resultados para as suas propostas de “emendas”: sobre a educação 749.856 assinaturas; sobre a família, 515.820; sobre a ordem econômica, 283.381; sobre a liberdade religiosa, 212.462 (cfr. “Notícias”, Boletim semanal da CNBB, no. 31, 30-7-87). [4] Sem possuir nem de longe o apoio logístico e publicitário com que conta a CNBB, a TFP obteve, em 1968, em apenas 58 dias, a cifra de 1.600.368 assinaturas para sua Mensagem a Paulo VI pedindo medidas contra a infiltração comunista nos meios católicos (cfr. Meio século de epopéia anticomunista, Editora Vera Cruz, São Paulo, 1980, pp. 180-181). [5] Exclusivamente protestantes, como se vê... enquanto os deputados mais chegados a CNBB parecem sentir-se mal à vontade com a formação de um bloco exclusivamente católico. Singular ecumenismo sem reciprocidade. E no qual a bancada protestante, nos pontos mencionados, toma uma linha muito análoga à da Liga Eleitoral Católica de gloriosa recordação, que existiu nos anos 30. Enquanto, a contrario senso, a influência da CNBB se desenvolve em 1987 numa linha incompreensível aos católicos daqueles tempos... Mas que eles considerariam inteiramente congruente com o protestantismo. |