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Plinio Corrêa de Oliveira
Projeto
de Constituição angustia o País
1987 |
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Capítulo III – Inautenticidade em cadeia: 1º) o Plenário
da Constituinte é menos conservador do que o eleitorado; 2º)
as Subcomissões
e Comissões temáticas são mais esquerdistas que o Plenário; 3º)
a Comissão de Sistematização apresenta a maior dose de concentração
esquerdista da Constituinte
1. O eleitorado não elegeu
representantes para elaborarem um texto constitucional revolucionário
O vazio da eleição-sem-idéias de 1986
tem como conseqüência que o eleitorado de forma alguma outorgou poder
aos Constituintes para elaborarem um texto constitucional revolucionário. Esta afirmação, que se deduz de quanto foi
exposto até aqui no presente livro, e do que adiante ainda se verá, é
corroborada pelo seguinte editorial do “Jornal do Brasil” (3-2-87): A verdade é que um grupo,
depois de eleito sob a legenda do PMDB, cismou de brincar de revolução,
e quer implantar por via golpista um processo para o qual e eleitorado não
concedeu autorização. Vale lembrar que não houve candidatos que
pedissem o voto a partir de uma proposta revolucionária. Portanto é
indevido, e cheira a traição, esse oportunismo sem o menor senso moral
ou político, que se introduziu na cena brasileira dos últimos dias. ... Não é, no caso, apenas o desmesurado
crescimento do PMDB, que elegeu gente fora das suas idéias. Tanto elegeu
os oportunistas que se passaram para a legenda prestigiada pelos
instrumentos do poder, como continua a reter os radicais de esquerda, que
não tiveram a coragem, nem a lealdade, de se apresentar por partidos de
esquerda. O “Jornal do Brasil” (5-2-87) acrescenta ainda
a seguinte consideração: A hora da verdade é uma contingência pela
qual a esquerda do PMDB terá que passar, pois muitos dos seus membros
gozam de um anonimato ideológico insustentável. Elegem-se como liberais
porque não têm a coragem de se apresentar como socialistas. Estão nessa
condição todos aqueles que se recusaram a sair do PMDB para disputar
mandatos pelos partidos de esquerda – socialistas e comunistas – que
aceitaram correr riscos eleitorais. Está assim configurado mais
um elemento de inautenticidade da atual Constituinte, o qual não deixou
de ser ressaltado pelo mesmo “Jornal do Brasil” (15-6-87): É incrível que tão poucos
se apresentem como candidatos de esquerda nas eleições e surjam depois
como se tivessem sido eleitos para fazer uma Constituição puxada à
esquerda. Essa inautenticidade é uma fraude. Um exemplo recente, embora
alheio à Constituinte, concretiza esse caráter frisante da política
brasileira: o ex-deputado Alberto Goldman, que perdeu as últimas eleições
candidatando-se pelo PCB, voltou ao PMDB. Antes de dar esse passo, ele
precisava explicar porque o faria: O secretário de Programas
Especiais do governo Quércia, Alberto Goldman, filiado ao Partido
Comunista Brasileiro, poderá deixar o partido em busca de ‘maior espaço
político’. ... O PCB tem um reduzido espaço na sociedade
e eu posso ter um espaço próprio muito maior se não ficar a ele
vinculado’, declarou o ex-deputado (“Jornal do Brasil”, 1º-7-87). 2. A esquerda tomou de assalto
os postos-chave das Subcomissões e Comissões temáticas
Os temas a serem incluídos na Constituição
foram divididos e confiados a 24 Subcomissões, cada uma delas composta de
cerca de 20 deputados ou senadores Constituintes. Os 24 Anteprojetos
parciais de Constituição daí resultantes foram reunidos três a três,
e confiados por sua vez a oito Comissões ditas “temáticas”(Regimento
Interno da Assembléia Nacional Constituinte, art. 15), compostas de 63
Constituintes. A Comissão de sistematização, integrada
inicialmente por 49 Constituintes, teve sua composição completada com os
presidentes e relatores das Comissões temáticas e os relatores das
Subcomissões (cfr. RI art. 13 § 1º), e mais quatro relatores
adjuntos, autorizados posteriormente a assessorar o relator principal,
atingindo assim um total de 93 membros, está encarregada de
“sistematizar” os Anteprojetos parciais apresentados pelas oito Comissões
temáticas, bem como de incorporar as emendas que lhe forem encaminhadas
pelo Plenário, nas sucessivas fases da elaboração constitucional, e as
demais emendas apresentadas pelos Constituintes, ou diretamente pela
população (as chamadas emendas populares). Como é óbvio, o controle dos postos-chave das
Subcomissões e Comissões é de molde a influir fortemente no conteúdo
final do texto da Constituição. Por mais que o Plenário tenha a palavra
definitiva sobre o assunto, é inevitável que pelo
menos algo dos dispositivos inicialmente introduzidos apareçam no
texto final. Disto estavam bem convictos os Constituintes de
esquerda, que montaram um verdadeiro ‘assalto’ aos postos-chave das
Subcomissões e Comissões temáticas, e sobretudo, como é óbvio, da
Comissão de Sistematização, que conduziria o processo nas suas fases
mais delicadas e decisivas. Quando a maioria centrista e conservadora se deu
conta disso, já era tarde. Restar-lhe-ia apenas o consolo de chorar no
“muro da lamentações”. “O Globo” de 25 de março p.p. noticia: Vários coordenadores de
bancada do PMDB iniciaram ontem um movimento de advertência ao Líder do
partido na Constituinte, Mário Covas, insatisfeitos diante da
‘acentuada influência da esquerda’ que identificam nas posições do
Senador. Eles pretendem que as iniciativas de Covas sejam adotadas segundo
a linha moderada que predomina no partido e interessa aos governos
estaduais e Federal. ... [O deputado] Expedito [Machado]
sustenta que a bancada votou em Covas seduzida pelo discurso que
pregava o fim da centralização de poderes nas mãos de Ulysses Guimarães,
mas experimenta agora o que ele chama de ‘comando xiita’ na condução
das negociações para o preenchimento das vagas nas comissões. “O Estado de S. Paulo” de
19 de maio confirma: O senador Mário Covas ... elegeu-se líder
da bancada majoritária na Constituinte levantando a bandeira da rebeldia
e da independência em relação aos conchavos da cúpula do PMDB, mas
logo depois, sem auscultar o sentimento da maioria, indicou os relatores
de subcomissões, fiel a um critério autoritário e vesgo, que
privilegiou as minorias de esquerda em detrimento da maioria liberal
centrista. O início de uma reação
contra essa preponderância descabida das esquerdas deve ser visto com
bons olhos, embora haja razões para recear que não tenha prosseguimento.
Assim, é com um misto de simpatia e de ceticismo que se lê no “O
Estado de S. Paulo” (16-7-87) a seguinte notícia: Em palestra para os associados do
Sindicato da Indústria de Materiais e Equipamentos Ferroviários e Rodoviários
do Estado de São Paulo (Simefre), o jurista Ives Gandra da Silva Martins
conclamou ontem os empresários a reforçar o lobby da iniciativa privada
na Constituinte ... ‘Esta é uma Constituição de um
pequeno grupo de esquerda que assumiu o controle das 24 subcomissões’,
advertiu... Ainda segundo o jurista, ‘os 24 homens de Ulysses e Covas
(os relatores das subcomissões) fazem o que bem entendem na Constituinte
e não são representativos de ninguém’. Essa esquerdização das
Subcomissões e Comissões se manifestou até em detalhes, como este que
descreve a “Folha de S. Paulo” (29-4-87): A Subcomissão dos Direitos do Trabalhador
do Congresso constituinte introduziu uma mudança na linguagem
parlamentar. Em lugar de usar o tradicional tratamento
de ‘excelência’, os membros da subcomissão preferem o informal
‘companheiro’, muito utilizado no meio sindical. Há uma explicação: dez dos 22 membros
da subcomissão são sindicalista e ex-sindicalistas. Porém, a influência da esquerda desceu ainda
mais fundo. “O Estado de S. Paulo” (10-5-87)
põe em realce o fundamento doutrinário dos dispositivos que a
esquerda do PMDB quer ver incluídos em nossa Carta Magna: As ‘Teses do PMDB’, ... tal como as resume a
publicação “Carta Semprel de Brasília”, de 30 de abril de
1987, não escondem a ojeriza de seus autores em relação à liberdade de
iniciativa. Segundo o mesmo jornal, o documento pode
ser considerado um verdadeiro Evangelho da ‘democracia da pobreza’...
O documento é um primor de resumo dos ideais de um certo distributivismo
suicida, pois se prevê como distribuir os bens, mas [sic] se
esquece de dizer como se deve produzi-los. Por isso, a gravidade (maior) reside no fato de
o documento estar sendo visto como fundamental em termos de ‘doutrina e
fé’ e, por isso, se faça presente na maioria das proposições
apresentadas nas Subcomissões da Constituinte, graças ao proselitismo do
líder da bancada, senador Mário Covas. 3.
O cargo de relator, confiado, em quase todos os casos, a um
esquerdista, era fator decisivo na redação dos Anteprojetos
Todos os observadores políticos têm destacado o
papel primacial do relator na elaboração dos Anteprojetos
constitucionais. Como a orientação destes, em quase todos os caos, é
esquerdista, o produto final tem a sua marca definida. Assim, o “Jornal do Brasil” (2-4-87) comenta: Os
relatores, todos eles designados pelo PMDB, terão a prerrogativa de
orientar os debates políticos nas comissões. São eles, pelo regimento,
que têm o poder de organizar as sugestões apresentadas às comissões e
elaborar o texto final que será submetido a discussão. Na prática,
funcionarão como os negociadores entre as diversas correntes ideológicas.
A revista “Veja” (8-4-87) narra o acordo entre
as lideranças do PMDB e do PFL para o preenchimento dos cargos de
presidente e relator das Comissões constitucionais: Covas acertou a
divisão dos cargos com o deputado José Lourenço, líder do PFL na Câmara,
e acabou montando uma escultura que não se encaixa no perfil de centro
exibido por cada uma das comissões, com seus 63 membros, nem espelha o
plenário da Constituinte, composto de 559 parlamentares. Pelo acordo, que
deu sete presidências ao PFL e uma ao PDS, o PMDB ficou com os oito
postos de relator – e o senador colocou em sete deles parlamentares da
esquerda do partido. O “Jornal do Brasil”
(3-4-87) ressalta quanto esse fato discrepa da orientação marcadamente
centrista e conservadora da sociedade brasileira: O
perfil dos relatores das comissões temáticas, pelo seu desenho ideológico
de esquerda, não coincide com os traços moderados do plenário. Os
relatores fornecidos pelo PMDB foram escolhidos, a dedo, pelo seu
compromisso com os conceitos estatizantes e com o equívoco nacionalizante,
os dois pilares onde o pensamento da esquerda brasileira amarra suas rédeas.
Ora, num país onde os partidos de esquerda foram, mais uma vez,
repudiados pelos eleitores no dia 15 de novembro – pois os que se
habilitaram a ser canais ideológicos não tiveram qualquer expressão política
-, o PMDB utilizou esquerdistas que se apresentaram pelo centro. É
autenticidade [utilizar] esse expediente? Consuma-se
a primeira grande traição à sociedade e aos sentimentos majoritários.
Uma nação de pensamento centrista e conservador, por manobras tramadas
como conspiração, foi entregue na mãos de representantes de uma
esquerda que não se apresentou como tal”. Contudo,
seria ingênuo pensar que para essa função tivessem sido designados
relatores conhecidos pelo seu radicalismo ideológico. Não teria sido hábil:
esquerdistas sim; radicais, não. É o que confessa o senador Mário
Covas, com a bonomia e distensão de quem sabe que isso não lhe será
imputado como um jogo maquiavélico: Covas
considera-se um especialista em afugentar fantasmas. De um deles ri-se,
sem conseguir levá-lo a sério. À suspeita de que teria montado nas
comissões e subcomissões uma estrutura esquerdista de relatores
recrutados pelo radicalismo ideológico, responde com duas observações
objetivas. A primeira delas é que os relatores refletem a média do PMDB.
Nem tanto ao mar e nem tanto à terra. Um ou outro exemplo pode significar
a exceção, nunca a regra. Mas,
o outro argumento talvez tenha mais peso. Quem quiser influir por uma
Constituição à esquerda, deve fugir de relatores que possam atrair
suspeições e sobre eles fazer convergir a atenção fiscalizadora da
maioria (Villas-Bôas Corrêa, “Jornal do Brasil”, 15-4-87). De qualquer modo, o caráter
definidamente esquerdista da maioria dos relatores imprimiu um cunho
protuberante de esquerda aos textos constitucionais preparados pelas
Comissões, o que não deixou de suscitar reação. Fazendo um balanço da
Constituinte, na etapa em que as Comissões temáticas encaminhavam seus
Anteprojetos à Comissão de Sistematização, a “Folha de S. Paulo”
(26-5-87) comenta em editorial: Seja
porque os relatores não contavam com representatividade interna para o
desempenho da função; seja porque muitos deles preferiram impor suas idéias
particulares a procurar refletir o posicionamento da maioria nas
respectivas subcomissões; seja, enfim, porque muitos parlamentares
consideraram o momento oportuno para que propostas minoritárias pudessem
prevalecer – ainda que por instantes -, o fato é que a etapa passada
mais pareceu um devaneio político. Assim
é que se pode ver de tudo: um ranço inaceitável de xenofobia, uma
vontade incontida de inviabilizar ainda mais a livre iniciativa no Brasil,
um apego desmesurado aos interesses corporativistas. Dos juros tabelados
à nacionalização dos bancos, da criação de uma inútil Justiça Agrária
à incompetente proposta de limitação das terras rurais, dos atentados
dirigidos contra a propriedade privada ao propósito de cercear o direito
de informação, o que se viu foi uma somatória interminável de idéias
absurdas. Muitos
destes projetos morreram ao surgir, foram derrotados por inteiro, quando
submetidos aos demais membros das subcomissões. Teme-se agora a repetição
dos equívocos ... Poderá existir o mesmo descompasso com o plenário, a
mesma perplexidade e mais um desgaste institucional. De outro quadrante
ideológico, o senador Roberto Campos observa o mesmo fenômeno: O
respeitável líder do PMDB, Senador Mário Covas, impôs às Subcomissões
da Constituinte relatores do ‘bolso do colete’. Infelizmente, seu
alfaiate só fez o bolso da esquerda. De sorte que os relatores
peemedebistas, com honrosas porém escassas exceções, convergem na exibição
de três qualidades desamoráveis: (a) agressividade ideológica; (b)
desinformação econômica; (c) carência de ‘sense of humor’ – esse
doce pudor diante da vida de que falava o poeta. Quando abrem a boca
contribuem para reduzir a soma total de conhecimentos à disposição da
humanidade. Desses
relatores provieram algumas obras-primas de ‘besteirol’.... No
relatório da Subcomissão de Ciência e Tecnologia conseguiu-se uma
obra-prima de síntese: o encapsulamento de ‘três’ asneiras em
‘quatro’ linhas. .... Se
cada nação considerasse seu mercado interno patrimônio nacional,
extinguir-se-ia o comércio internacional (
“O Globo”, 7-6-87). 4. A regra de três composta:
a Comissão de Sistematização é ainda mais esquerdista que as Comissões
temáticas
As esquerdas, que
tiveram a habilidade de apossar-se dos cargos mais importantes das
Subcomissões e Comissões temáticas, foram sobretudo solertes em
garantir uma forte dosagem de esquerdismo na Comissão de Sistematização. O fato é geralmente
admitido pelos observadores: A
Comissão de sistematização é considerada mais ‘progressista’ que
as Comissões Temáticas. Foi nela que os partidos concentraram as suas
lideranças e seus melhores juristas ... Ela
é mais avançada, por ser composta de relatores que, na
maioria, são ‘da esquerda’ do PMDB afirmou o líder do PDT, Brandão
Monteiro (“O Globo”, 14-6-87). Rejane de Oliveira, da
Editoria de Política do “Correio Braziliense” (12-4-87), corrobora
essa afirmação: Quando
o líder do PMDB na Constituinte, senador Mário Covas, decidiu ignorar a
reação da maioria conservadora do seu partido na Constituinte e impor
indicação de relatores progressistas para as comissões e subcomissões
constitucionais, ele tinha em mente não apenas fortalecer o seu próprio
grupo político dentro do partido. O objetivo maior era assegurar uma
presença marcante da esquerda moderada na superpoderosa Comissão de
Sistematização, cuja metade dos membros é de dirigentes dos órgãos
temáticos. Efetivamente,
em decorrência da vitoriosa manobra de Covas, o perfil ideológico do
grupo de sistematização tornou-se muito mais avançado que o do próprio
plenário da Constituinte, segundo avaliação feita pelo senador José
Richa. Estabelece-se assim, à
maneira de um sistema de inautenticidades em cadeia, uma estranha regra de
três composta: 1º) o eleitorado é mais conservador que a
Constituinte que resultou da eleição-sem-idéias de 86; 2º)
o Plenário da Constituinte, majoritariamente centrista e conservador, não
foi adequadamente representado no trabalho das Subcomissões e Comissões
temáticas; 3º) a parcela mais esquerdista destas últimas se
concentrou na Comissão de Sistematização. Nenhuma medida foi
negligenciada, pela cúpula do PMDB, para alcançar este resultado, o que
chegou a provocar
desentendimentos com o PFL, que constitui, na atual conjuntura brasileira,
o partido mais influente do centro conservador. O “Jornal do Brasil”
(22-5-87) registra as reclamações do deputado José Lourenço, líder do
PFL, sobre a inclusão, na Comissão de Sistematização, dos relatores
esquerdistas derrotados nas Subcomissões e Comissões temáticas: Os
líderes da Aliança Democrática na Constituinte, deputado José Lourenço
(PFL) e senador Mário Covas (PMDB) tiveram um desentendimento, motivado
por decisão do deputado Ulysses Guimarães, que manterá os relatores das
subcomissões, mesmo que seus relatórios sejam rejeitados. ... No
plenário, Lourenço acusou Ulysses de agir ‘como presidente do PMDB e não
da Constituinte’ e disse que ‘os peemedebistas radicais não vão
conseguir fazer uma constituição de esquerda’. Quando
Lourenço ocupou a tribuna, Ulysses, que presidia os trabalhos, se
retirou. O líder do PFL começou o discurso: ‘Ao PMDB não interessa
obediência à lei, ao regimento. Faz a política do que eu quero, eu
posso, eu faço’. ‘O
regimento da Constituinte é omisso no assunto e, nesse caso, como prevê
o próprio regimento, deve subsidiar-se no regimento da Câmara. O
deputado Ulysses Guimarães não agiu assim porque quer manter os
relatores, mesmo derrotados, na Comissão de Sistematização e ter a
maioria de esquerda. Essa não é a vontade da maior parte do PMDB, de um
PMDB moderado’, acusou Lourenço. Falando
em seguida, Covas disse que não concedia ‘a ninguém o direito de dizer
o que é maioria ou minoria dentro do PMDB’. A habilidade da esquerda fica assim bem delineada.
Uma destas, já apontada, foi a de não nomear relatores esquerdistas
muito radicais. Isso se deu de modo arquetípico na Comissão de
Sistematização, onde o senador Mário Covas favoreceu discretamente a
indicação do deputado Bernardo Cabral, em prejuízo do senador Fernando
Henrique Cardoso, ateu e marxista militante [1]. “O Globo”(10-4-87) assim noticia o que se
passou: Parlamentarista convicto, Deputado cassado
logo no início da vigência do AI-5 e ex-presidente da OAB, Bernardo
Cabral foi o primeiro dos candidatos a declarar que pleiteava o cargo,
amparado em sua vasta experiência jurídica, e a trabalhar por ele. ... Contando com a discreta preferência de Mário
Covas, jamais explicitada, Cabral começou a trabalhar pelo cargo de
Relator muito antes de seus companheiros e, mesmo quando não sabia ainda
que a decisão seria submetida à bancada – idéia que defendeu – já
conversava com os companheiros em busca de apoio a seu nome. Os principais
argumentos de sua campanha foram sua atuação oposicionista durante o
regime militar e a experiência em questões jurídicas. O deputado Bernardo Cabral desempenhou
perfeitamente o papel que lhe fora confiado, puxando o texto do Projeto de
Constituição o mais para esquerda que lhe era possível. E não teve dúvidas
em o declarar para quem quisesse ouvir: Aproveitar as sugestões mais
‘progressistas’ em detrimento das mais ‘conservadoras’. Esse é o
critério de escolha entre artigos conflitantes votados pelas comissões
temáticas do Congresso constituinte. Quem explicou isto ontem em Brasília
foi o deputado Bernardo Cabral (PMDB-AM), relator da Comissão de
Sistematização (“Folha de S. Paulo”, 24-6-87). No final do trabalho, contudo, o deputado Cabral
parece ter ficado assustado com as conseqüências do critério que adotou.
É pelo menos o que dá a entender uma notícia do “Jornal do Brasil”:
O relator da Comissão de sistematização, Bernardo Cabral, não
assinaria o anteprojeto de Constituição que está impresso em seu nome,
assim como o texto que apresentará nesta sexta-feira. Mas assinaria um
texto em que o aborto não seria amplamente liberado, o trabalhador não
teria asseguradas 40 horas semanais de trabalho, a anistia dos militares não
incluiria a reintegração com as vantagens estatutárias, a reforma agrária
seria ‘realizável’ e o parlamentarismo só seria adotado em 1990. Não estaria montada desse modo uma audaciosa
manobra, de tal forma que, lançado um Projeto de Constituição
debandadamente esquerdista, após sucessivos recuos que os sobressaltos da
opinião pública viessem a exigir, se chegasse ao texto mais revolucionário
que o Brasil estremunhado fosse capaz de aceitar sem reações
convulsivas? 5. A polarização esquerdista
dentro do PMDB repercute na Constituinte, ameaçando arrastar o País por
rumos não desejados pela maioria da população
Como resulta dos fatos já relatados, a situação
interna do PMDB, Partido largamente majoritário nas últimas eleições
(302 das 559 cadeiras), se refletiu de modo direto nos trabalhos da
Constituinte. Sucede, porém, que o Partido nem de longe
apresenta uma homogeneidade doutrinária. O “Jornal do Brasil”
(8-7-87) descreve pormenorizadamente a indefinição ideológica do PMDB. O maior partido político do
país não conseguiu resolver no governo a sua ambivalência. O PMDB é a
história de uma unidade por exclusão: como o partido não consegue se
dividir em dois, porque nenhuma de suas grandes tendências abdica do
prestígio histórico da legenda para fins eleitorais, a unicidade é fictícia
e teórica. Não resiste à mais elementar necessidade de definição. ... O PMDB até hoje não definiu a sua
identidade ideológica: pode ser considerado um partido democrático de
centro, ou ao contrário, um partido de inclinação crescente para a
esquerda? Em geral, as condições têm modelado o PMDB para as
necessidades. ... A Constituinte também está sendo
inviabilizada pela ambivalência que não se exprime com o mínimo de coerência
democrática. Se o PMDB figura em todos os diagnósticos da crise
brasileira, o tratamento tem que começar por ele. ... Pela superposição que faz o PMDB
coincidir com o impasse da Constituinte e com a crise de governabilidade,
chegou o momento da verdade: ou se reunifica, para permitir à nação e
ao governo trabalharem em conjunto, ou se divide de uma vez por todas,
para atender às exigências da sua duplicidade ideológica. A
Constituinte é o cenário da definição, que será feita na convenção
dos dias 17 e 18 próximos. A Convenção do Partido
realizou-se em julho, num clima de tumulto. Assim a descreve Villas-Bôas
Corrêa, no “Jornal do Brasil” (22-7-87): A Convenção poderia ter
salvo as aparências e guardado a compostura da encenação de um espetáculo
que distraísse o distinto público e engambelasse o seu imenso eleitorado
com números de truz: grandes discursos, debates animados, o choque das idéias,
a animação do auditório. Como show,
foi uma lástima. Poucas vezes a televisão terá chocado o país com
cenas de tão boçal selvageria, com a estridência da mais odienta
intolerância de parte a parte. Não era um partido dividido na luta
fraterna de grupos circunstancialmente desavindos. Mas adversários
rancorosos, jurados de morte, que se xingavam dos nomes mais vis, que se
agrediam a trancos, tapas, murros e coices e que tiveram que ser mantidos
à distância, separados pela polícia e cordões de isolamento como
torcidas passionalizadas nos estádios de futebol. Vamos dar nomes aos bois. A Convenção
nada teve de democrática. Foi um arremedo caricato do fascismo ...
Nenhuma discussão foi possível no ambiente de tumulto e bulha. Augusto Nunes, também do
“Jornal do Brasil” (2-8-87), aponta a presença do MR-8, na Convenção
do PMDB, como muito ilustrativa das tensões internas que dilaceram o
partido majoritário: A força eleitoral do
Movimento Revolucionário 8 de Outubro, nosso irrequieto MR-8, foi medida
com precisão no pleito de 1986, tão livre e democrático quanto pode ser
um pleito nos trópicos. ... Embora tivesse conseguido empoleirar-se em
muitos palanques de muitos estados, o MR-8 não fez um único deputado
federal, um mísero deputado estadual. ... Num país menos amalucado,
tanto bastaria para que a sigla fosse varrida do mapa político...
como isto aqui é o Brasil, aí está o MR-8 fazendo acertos e
arreglos com grandes partidos, extorquindo verbas de governadores,
pendurando seus revolucionários de opereta em cabides de emprego, metendo
a colher em coisas sérias e dando palpites em conversa de gente grande.
... A ação do MR-8 na recente convenção do
PMDB reforça a suspeita de que, no Brasil, gargantas adestradas na emissão
de vaias e palavrões acabam influenciando decisões políticas cruciais
– até porque muitos de nossos pais da pátria são pusilânimes incuráveis.
Em Brasília, aglomerados num coral sempre afinado com a lira do delírio,
militantes do MR-8 defenderam o quinquênio sonhado pelo presidente Sarney
distribuindo ofensas, insultos, provocações, ameaças e safanões.
Inibiram alguns convencionais, assustaram outros. E assim justificaram as
verbas e os favores recebidos dos patrões de ocasião. Consequentemente não é de
estranhar que a Convenção não tenha produzido a almejada sutura do
PMDB. É o que comenta Lawrence Pih, diretor-superintendente do Moinho Pacífico,
na “Folha de S. Paulo” (29-7-87). A Convenção do PMDB, que
decidiu nada decidir, no mínimo demonstrou o total descompromisso do
partido com as bases ... O PMDB não é o partido da transição mas sim o
partido da transação. ... Assim o ciclo se fecha; o PMDB não é
partido, é frente, é aglomerado ou é um saco de gatos espertos? É do
governo ou não é, tem programa partidário ou não tem, é situação ou
oposição? ... Não se pode governar sem
representatividade e apesar da estrondosa vitória do PMDB há apenas oito
meses, o Brasil é, hoje, um órfão político. Há uma aversão
generalizada aos políticos, uma descrença que permeia toda a sociedade. Tudo isto obriga a um trabalho de articulação
interna, para evitar o fracionamento do partido, o qual, segundo “O
Estado de S. Paulo” (12-4-87), vem sendo exercido pelo senador Mário
Covas: Na Constituinte a missão do líder Mário Covas é a de evitar
o fracionamento, inclusive em questões sócio-econômicas. ‘Entre
buscar apoio na esquerda ou na direita de outros partidos, vou lutar para
pacificar as esquerdas e a direita do PMDB’ – é o lema de Covas. Se esse trabalho tiver êxito,
poderá realizar-se a previsão de José Carlos Graça Wagner no “Jornal
do Brasil” (20-5-87): Se a Constituinte passar ...
será, quando muito, novo manifesto de um grupo só que disporá de força
coercitiva. Será, portanto, de novo, um modelo sectário, sem capacidade
de representar a Nação. ... A abertura política não chegou à máquina
dos partidos, especialmente do PMDB ... Foi essa máquina velha, anterior
ao processo de democratização
do País, que escolheu os candidatos à Constituinte, que hoje representam
quase dois terços dos que elaborarão a nova Carta. Não é só isso. Poder-se-ia apontar esse
fato como ilegitimidade de origem, já que prevaleceram os interesses de
uma máquina oriunda do velho regime ... Como fator de maior importância,
discute-se a ilegitimidade da maioria alcançada pelo PMDB para impor uma
Constituição sectária. De fato, esta maioria, na eleição de 15 de
novembro de 1986, foi obtida graças a um enorme engodo nacional em que se
transformou, no campo eleitoral, o Plano Cruzado e a chamada inflação
zero. .... A conseqüência da falta de pressupostos
de legitimidade ... torna a Constituinte um plenário pouco capaz de se
tornar a caixa de ressonância da Nação, indispensável para gerar obra
duradoura e capaz de unir o País. [1] Este último, entretanto, foi posteriormente designado “relator adjunto” do deputado Bernardo Cabral, e vem exercendo uma influência cada vez maior nos trabalhos da Constituinte (cfr. “O Globo”, 29-9-87). |