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Plinio Corrêa de Oliveira
Projeto
de Constituição angustia o País
1987 |
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Capítulo VIII – Falta legitimidade à atual Constituinte para
inscrever na Carta Magna o pensamento autêntico da Nação
A geral carência de representatividade das últimas
eleições impõe uma constatação prenhe das mais fundas conseqüências:
à atual Constituinte falta legitimidade para inscrever na Carta Magna o
pensamento autêntico da nação. 1. A indecisão venceu as eleições
O número de indecisos, em vez de diminuir à
medida que as eleições se aproximavam (como geralmente ocorre), em
certos casos até aumentou. São muito expressivos, nesse sentido, os dados
fornecidos por “O Globo” (2-11-86) para o Estado do Rio, e que valem,
de modo geral, para todo o Brasil: 3 milhões e 90 mil eleitores
indefinidos, parcela, de acordo com o Ibope, corresponde a 43 por cento do
eleitorado. É preciso ter cuidado: indefinido não é indeciso. O eleitor
indefinido ainda não decidiu o seu voto, pode ter preferência por algum
candidato, mas é suscetível a mudanças de opinião. O indeciso também
não decidiu em quem vai votar, mas não tem nenhuma preferência. Hoje,
segundo o Ibope, os indecisos giram em torno de 8 por cento do eleitorado,
ou seja são 576 mil fluminenses. O maior percentual de indefinidos está no
interior. 50 por cento dos eleitores dessa região ainda não escolheram
definitivamente seu candidato. Na periferia do Rio, ... chega a 43 por
cento; na capital esta porcentagem desce para 38 pontos. E essa indefinição persistiu até o fim, como
bem descreve a reportagem de Ana Maria de Freitas no “Shopping News –
City News” de São Paulo (16-11-86): A indecisão venceu as eleições.
Esta é a tendência apontada pelos institutos de pesquisa que tentaram
antecipar alguma vitória medindo a inclinação dos eleitores. Em vão:
até a hora de imprimir na cédula uma opção obrigatória, o eleitor,
com a maior sem-cerimônia, mudou de candidato, escondeu deliberadamente a
sua preferência ou então decidiu afirmar-se claramente como indefinido. 2. “Dois grandes partidos
emergiram das urnas: o PMDB e o PBN, ou Partido dos Brancos e Nulos”
Os índices surpreendentes de votos em branco e de
votos nulos refletem o profundo alheamento do eleitorado em relação às
pessoas dos candidatos, aliás, em sua magna pars mais
representativos da classe política do que da Nação; o que, tudo,
prejudica obviamente a representatividade da Constituinte resultante do último
pleito. Ressalve-se, inicialmente, o baixo índice de
abstenções: média de 4,83% em todo o Brasil. Este fato deve ser
creditado, de um lado, ao recadastramento geral dos eleitores, feito em
1986, e, de outro lado, ao voto obrigatório. Os índices de votos em branco, porém, foram
excepcionalmente elevados: média de 21,23% para o Senado e 20,82% para a
Câmara, mais do que o dobro da média que se verificou para os cargos de
Governador (10,00%). A porcentagem média de votos nulos em todo o País
foi de 5,34% para o Senado e 5,94% para a Câmara. Também a média de
votos nulos para Governador foi menor: 3,51%. Assim, os eleitores que não se pronunciaram
(abstenções + votos em branco + votos nulos), foram em média 31,39%
para o Senado e 31,59% para a Câmara, o que representa o montante, em
todo o Brasil, de 21.667.538 eleitores para o Senado, e 21.852.630
eleitores para a Câmara, num corpo eleitoral de 69.166.810 eleitores[1]. Para essa grande quantidade de eleitores que se
eximem de formular um voto positivo, os analistas políticos apontam um
sem-número de razões, conforme ressalta da análise já feita da fase pré-eleitoral
(cfr. Parte II, Caps. I e II). Diante desse quadro, que a muitos surpreendeu, o
advogado cearense Aroldo Mota, do PFL, comentou muito adequadamente que a
quantidade de votos em branco já se constitui [em] um partido não-institucionalizado.
Eles representam o protesto de uma massa de eleitores (“O Povo”,
Fortaleza, 18-11-86). Fato que o cientista político Bolivar Lamounier
exprime em termos mais chãos: Dois grandes partidos emergiram das
urnas no dia 15: O PMDB e o PBN, ou Partido dos Brancos e Nulos
(“Visão”, 3-12-86). De qualquer forma, abstraindo de todos os outros
fatores de irrepresentatividade já apontados, o fato é que uma terça
parte do corpo eleitoral pura e simplesmente não está representada na
Constituinte. Considerando, ademais, as outras falhas de
representação analisadas anteriormente – voto irrefletido, arbitrário,
vazio de idéias ou por motivos fúteis, quando não interesseiros – não
é possível realmente deixar de pensar na grave carência de
representatividade a que a atual Constituinte fica reduzida. 3. Senadores eleitos em 82
participam da atual Constituinte
A pouca preocupação com a representatividade
eleitoral da atual Constituinte se exprimiu já em sua convocação, ao
ser admitida a inclusão, nela, de 23 senadores eleitos em 1982, os quais
não receberam nenhum mandato popular para participar da elaboração da
nova Constituição. 4. A grave carência de
legitimidade da atual Constituinte
Analistas políticos e personalidades dos mais
diversos e até opostos setores do espectro religioso, político e social
são concordes em assinalar a grave falta de representatividade da atual
Constituinte, o que não deixa de repercutir em sua legitimidade. E o exprimem em termos tão francos que alguns
chegam até a causar certa surpresa. Assim, Claudio Abramo afirmava, na “Folha de S.
Paulo” (18-11-86): A eleição para a Constituinte, por não
representar efetivamente a vontade popular, deveria ser anulada. E
dias depois (“Folha de S. Paulo”, 23-11-86): Os votos brancos e
nulos ... são de tal monta, no país, que se torna inevitável que o tema
da Constituição seja repensado. ...
A verdade é que a grande massa de votos inutilizados ou não dados
invalidam, de fato, a Assembléia Nacional Constituinte. O juiz eleitoral Dr. Renato Mimesse declarou: A
imprensa deve desencadear uma vigorosa campanha a nível nacional para que
os senadores e deputados ... não elaborem a Carta Magna da Nação,
porque ela não vai representar as aspirações do povo. ... Na realidade,
o povo não escolheu os representantes identificados com as suas aspirações,
porque simplesmente não votou ( “Gazeta Mercantil”, São Paulo,
20-11-86). Sob o título significativo de Constituinte sob
suspeição, Ricardo Noblat, do “Jornal do Brasil” (20-11-86),
escreve: Do modo como se fez, uma fatia ponderável dos eleitores não
pôde exercer plenamente seu direito de cidadãos, a representatividade da
Constituinte sofreu mais um duro abalo e o documento que ela aprovará ao
final não terá a força que deveria ter porque foi pontilhado de erros o
processo de sua gestação. O deputado Hélio Duque (PMDB-PR) proclamou da
tribuna da Câmara que a constituinte surgida das urnas do último dia
15, ‘tem uma notória rejeição e um voto de desconfiança dos
brasileiros’ (“O Estado de S. Paulo”, 25-11-86). A socióloga Maria Victoria Benevides se pergunta:
Qual a representatividade que terão deputados federais eleitos graças
a votos fantasmas isto é, brancos? (“Visão”,
26-11-86). O deputado Gastone Righi, líder do PTB na Câmara
Federal (na legislatura anterior), falando perante seus pares, propõe a
autodissolução da Constituinte eleita: Declaro, aqui, alto e bom som,
que essa é a menor representação política jamais procedida nesse País.
Faltará ao futuro Congresso Constituinte legitimidade e
representatividade. ... Impõe-se, Sr. Presidente, que desde já
todos proclamemos e procuremos que a futura Assembléia Constituinte se
autodissolva e convoque eleições, no prazo de 120 dias ou de 180 dias,
para que se efetive uma Constituinte separada do Congresso, como instituição
autônoma, para a qual concorram não só candidatos de partidos políticos,
como ainda os livremente indicados por entidades de classe a nível
estadual. Assim, poderíamos ter, como expressão
dessa Assembléia Constituinte, a efetiva representação do povo
brasileiro, o que não acontecerá com o Congresso que foi eleito, tenho
autoridade para dizer isso, porque me encontro entre aqueles que se podem
considerar já eleitos para o futuro Congresso Constituinte. Por isso, Sr.
Presidente, em meu nome e no da Liderança, quero conclamar todos os
companheiros deste Congresso e os já eleitos para o futuro Congresso para
que se perfilem dentro dessa tese. Com isso poderemos reconquistar a
credibilidade, a confiança popular que, seguramente, perdemos ao longo do
último mandato (“Diário
do Congresso Nacional”, 26-11-86, seção I, p. 10.937). César Maia, ex-Secretário da Fazenda do Governo
Brizola e candidato mais votado do PDT, no Rio de Janeiro, para a Câmara,
afirma que a grande incidência de votos em branco e nulos tira
qualquer legitimidade da nova Constituição (“Folha de S. Paulo”,
27-11-86). O advogado paulista Hélio Bicudo escreve: As
questões aqui sucintamente expostas estão a demonstrar que o futuro
Congresso Constituinte não terá a legitimidade necessária para redigir
um texto constitucional que seja a expressão da vontade da maioria,
porque todo o processo eleitoral se qualificou por desvios que
desfiguraram a sua representatividade e sem representatividade não se
pode falar em constituição democrática
(“O São Paulo”, 5 a 11-12-86). 5. Referendum popular, para
sanar a irrepresentatividade da Constituinte
Para tentar sanar a grave carência de
legitimidade da presente Constituinte, ergueram-se numerosas vozes, em
todos os quadrantes do panorama político nacional, pleiteando o
referendum popular para a nova Constituição. Assim, “O São Paulo” (12 a 18-12-86), órgão
oficioso da Arquidiocese de São Paulo, afirma: Cresce, no meio político,
a idéia de realização de um referendo popular para a nova Constituição
a ser redigida pelo Congresso Constituinte ... O grande número de votos
nulos e em branco torna ainda mais ilegítima a Constituinte Congressual. Ricardo Noblat, do “Jornal do Brasil”
(20-11-86), comenta: O deputado Ulysses Guimarães sugeriu, ainda que
timidamente, a possibilidade de submeter a um referendum da população as
mais cruciais decisões que a Constituinte venha a tomar. Alargue-se a
sugestão: que a nova Constituição, como um todo, passe pelo crivo de um
plebiscito. O recurso não a absolverá dos seus pecados originais, mas
servirá, pelo menos, para reforçar o fruto que conceber. O governador Orestes Quércia, também acha muito
boa a idéia. Ele considera, ainda, que o plebiscito retiraria da
Constituição a mácula que representou a avalanche de votos brancos e
nulos para a escolha de senadores e deputados (Ricardo A. Setti,
“Jornal do Brasil”, 23-11-86). E, na mesma linha, pronunciou-se o Governador
Franco Montoro: Sempre fui favorável a submeter a futura Constituição
à aprovação popular, declarou. Os anais do Senado guardam
discurso que fiz nesse sentido (“Jornal do Brasil”, 23-11-86). O Cardeal-Arcebispo de São Paulo, D. Paulo
Evaristo Arns, é enfático: É uma questão de honestidade. Se não
aprovarem o plebiscito antes mesmo de elaborarem a constituição, esta
terá sua credibilidade irremediavelmente abalada (“Jornal do
Brasil”, 26-11-86). [1] É sobre este corpo eleitoral (número de eleitores inscritos) que foram calculadas as porcentagens de votos em branco e nulos acima indicadas. Levou-se em consideração que no Distrito Federal não há eleição para Governador, e nos Territórios do Amapá e Roraima só houve eleição para deputados. Posto que os boletins eleitorais oficiais não costumam mencionar o número de eleitores inscritos e de abstenções (só o fizeram os Tribunais Regionais Eleitorais do Ceará, Rio Grande do Norte, Alagoas, Rondônia e Mato Grosso do Sul), foram tomados como base para o cálculo das abstenções os dados sobre o número de eleitores fornecidos pelo Anuário Estatístico do Brasil – 1986 (IBGE, Rio de Janeiro, 1987, p. 245), o qual, por sua vez, indica como fonte a Secretaria do Tribunal Superior Eleitoral. Registre-se, porém, que estes dados apresentam ligeiras discrepâncias – para mais ou para menos – em relação aos boletins eleitorais dos Estados acima mencionados, exceto no caso de Rondônia, em que coincidem. |