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Plinio Corrêa de Oliveira
Projeto
de Constituição angustia o País
1987 |
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Capítulo V – A vitória de certos candidatos a governador de Estado
de linha notoriamente esquerdista não constitui prova de desgaste do
anticomunismo
Especialmente digna de análise é a eleição de
candidatos a governador de Estado, cuja linha de ação genérica é tal,
que suscitava em mais de um ambiente o temor de que fosse um “inocente
útil”, ou “companheiro de viagem” do comunismo. A vitória desses
candidatos tem sido alegada – infundadamente, como se verá –
como uma prova do recuo do anticomunismo, ou pelo menos do desgaste da
propaganda anticomunista. Assim, por exemplo, o escritor notoriamente
comunista Jorge Amado escreve: Muitos equívocos ...
aconteceram no decorrer da campanha. Vale a pena falar sobre alguns deles,
como o insistente e caduco apelo ao anticomunismo. O anticomunismo –
igualzinho, sem tirar nem pôr, ao que serviu de argumentação para o
golpe de Estado de 1964 – transbordou nas enormes páginas de anúncio
da candidatura Maluf, em São Paulo, que se propunha salvar o Brasil da
ameaça comunista, imagine-se. Ao que parece, fez furor na campanha de José
Múcio, em Pernambuco, obtendo como resultado a derrota da candidatura a
senador de Roberto Magalhães, político progressista. O anticomunismo
atrelado à campanha de Josaphat Marinho (que certamente em nada concorreu
para que isso acontecesse) foi, com certeza, um dos fatores de sua
derrota. Os acusados de comunistas ou de aliança
com os comunistas foram eleitos e derrotados os acusadores, sinal de que
os eleitores evoluíram enquanto muitos dos candidatos raciocinam ainda em
termos e com mentalidade de 1964. O anticomunismo não deu dividendo, ao
contrário, reverteu contra os que levantaram essa bandeira antidemocrática
da discriminação e do atraso (“Veja”, 10-12-86). No mesmo sentido depõe um jornalista de Recife,
segundo informa José Danda Neto do “Diário de Pernambuco”
(24-11-86): “O jornalista Ronildo Maia Leite está novamente debruçado
sobre arquivos de jornais para fazer uma pesquisa sobre a desmoralizada
campanha do ‘anticomunismo’ que foi abusivamente explorada em pelo
menos quatro Estados brasileiros (Pernambuco, Bahia, Ceará e São Paulo)
nessas eleições, como forma de tentar subtrair votos dos candidatos do
PMDB. Coincidência ou não, o PMDB elegeu os governadores desses quatro
Estados: Miguel Arraes, Waldir Pires, Tasso Jereissati e Orestes Quércia,
respectivamente. Na realidade, em quase todos os casos,
como se verá a seguir, esses candidatos mencionados como comunistas
desmentiram energicamente sua filiação ao credo vermelho. O que prova
considerarem eles que qualquer nexo com o comunismo lhes traria mais
desprestígio que vantagem. Ou seja, esse políticos, em geral
experientes, não tinham dúvida sobre a inconsistência da suposta
magnitude eleitoral do comunismo entre nós. 1. O caso de Pernambuco
Particular atenção merece o ocorrido em
Pernambuco. Tal Estado caminha para o futuro em linha ascensional,
carregado de tradições históricas que incluem desde os feitos heróicos
da guerra de Reconquista católica e luso-brasileira contra o invasor
holandês herege, e passando pela participação contínua de grandes
personalidades pernambucanas na vida pública do Brasil-Império e do
Brasil-República, até o Brasil de nossos dias, no qual a densidade de
sua presença se faz sentir mais e mais. 1. Deputados comunistas pernambucanos alardearam a
vitória do candidato ao Governo do Estado, por eles apoiado, como prova
da aversão do público à “campanha anticomunista” adotada por seus
opositores. Na realidade, o caso de Pernambuco é precisamente o mais
característico da falta de consistência doutrinária no debate comunismo
x anticomunismo. E, ademais, foi ele iniciado quando a vitória de
Arraes já estava claramente esboçada nas pesquisas eleitorais. Por seu turno, Arraes garantiu que não é nem
nunca foi comunista (“Jornal da Tarde”, São Paulo, 4-11-86; cfr.
“Jornal do Brasil”, 12-11-86), e se apresentou durante toda a campanha
como político extremamente moderado (cfr. “Gazeta Mercantil”, São
Paulo, 22/24-11-86). 2. O imbroglio ideológico se manifestou
permanentemente na campanha eleitoral em Pernambuco: candidatos a
deputado e a senador, apresentados como conservadores, se perfilavam ao
lado do candidato a governador do Estado, Miguel Arraes, acusado de
comunista, pelos seus
adversários; e o partido que adotou a bandeira do anticomunismo
admitiu em sua chapa candidatos notoriamente esquerdistas, entre os
quais sobressaía a figura revolucionária de Francisco Julião, que em
nenhum momento renegou seu passado de fundador das famigeradas Ligas
Camponesas. Descreve essa situação a
“Coluna do Castelo” do “Jornal do Brasil” (16-7-86): Nem os partidários do
deputado Miguel Arraes o têm como prisioneiro de um esquema de esquerda,
nem os do sr. José Múcio consideram que invalide suas posições sociais
sua condição de usineiro. Esquerda e direita temperam-se, pois se o
usineiro festeja a adesão do líder das Ligas Camponesas, o Sr. Arraes
eliminou da disputa pelas vagas de senador declarados concorrentes do
PMDB, como o sr. Egído Ferreira Lima, cabeça da esquerda católica no seu
partido, para incorporar na sua chapa um ex-prefeito do Recife do regime
militar e um político ainda sem tradição. Ambos tentaram atender aos
problemas de campanha e nenhum quis projetar com nitidez a real posição
ideológica que fez do sr. Miguel Arraes o principal líder da
esquerda independente do PMDB e transformou um multiusineiro em candidato
liberal ao governo do seu estado. 3. Ademais, ambos os candidatos ao governo
de Pernambuco se apresentaram com programas de governo semelhante e sem
diferenciação ideológica. Essa falta de diferenciação se notou
especialmente no tocante à Reforma Agrária, em relação à qual os
dois candidatos arvoraram bandeiras idênticas. O anti-reformismo – e,
portanto, o anticomunismo autêntico – não esteve representado por
nenhum dos candidatos. Assim, o candidato José Múcio declarou: Minha
bandeira é a reforma agrária e quero ser conhecido não como
o homem que derrotou Dr. Miguel Arraes, do PMDB, mas como o homem que teve
a coragem de mexer com a ordem social de Pernambuco”(Divane
Carvalho, “Jornal do Brasil”, 27-7-86). Desse desígnio é fruto a assinatura do chamado Pacto
da Galiléia, assim descrito pelo “Jornal do Brasil” (19-10-86): O Engenho da Galiléia ... será hoje
palco da maior estratégia do PFL para tentar ganhar a eleição em
Pernambuco. ... O candidato a governador José Múcio Monteiro assinará
com o ex-deputado Francisco Julião o Pacto da Galiléia, documento de
intenções, através do qual se compromete, se eleito, a convencer os
usineiros a doar 10% de suas terras para executar a reforma agrária na
Zona da Mata do estado. [No] mesmo local, onde há 31 anos foi criada a
primeira Liga Camponesa idealizada pelo então advogado Francisco Julião,
para unir os trabalhadores na luta pela reforma agrária ‘na lei ou na
marra’, estarão assistindo à assinatura do documento, a maioria dos
usineiros pernambucanos e o governador Gustavo Krause. Acrescente-se que o mesmo
“Jornal do Brasil” (20-10-86) classificou de “fria”
a solenidade de assinatura do pacto, a que compareceram apenas dois
mil trabalhadores rurais, quando os organizadores esperavam cerca de dez
mil. Tudo isto levou a “Folha de S. Paulo”(4-11-86)
a comentar que ao apontar para o futuro, Múcio e Arraes empatam: ambos
colocam como prioridade a Reforma Agrária e a criação de empregos, o
que leva o próprio Múcio a admitir que ‘as bandeiras são idênticas. Já vitorioso, Arraes declarou
que iria cobrar o cumprimento do Pacto da Galiléia (cfr. “Diário de
Pernambuco” e “Jornal do Commércio”, Recife, de 22-11-86). O fim da história é melancólico: Vamos falar
de outra coisa – pediu ao repórter com ar constrangido, o presidente do
Sindicato dos Cultivadores de Cana, Gerson Carneiro Leão... – O Pacto não
existe mais. ... Era um acordo de José Múcio com Julião, mas só teria
validade se Múcio fosse eleito”. ‘E eu nunca prestei qualquer declaração
de apoio a esse acordo’, emendou Antônio Celso Cavalcanti, presidente
da Associação dos Fornecedores de Cana. (“Diário de
Pernambuco”, 25-11-86). 4. Carece, portanto, de qualquer fundamento sério
a afirmação de que a temática comunismo x anticomunismo constituiu o
grande divisor de águas do eleitorado pernambucano em 1986: venceu o
candidato mais conhecido do público, que articulou melhor suas alianças
políticas e foi mais estruturado e ativo em sua campanha eleitoral. A descrição do “Jornal do Brasil” (13-10-86)
é muito sugestiva: Para enfrentar a maior
capacidade de mobilização financeira de seus adversários, o PMDB
pernambucano está lançando mão de uma poderosa arma: a dedicação da
militância política. Todas as noites, quando milhares de recifenses
voltam do trabalho para suas casas, um grupo de cem pessoas, na maioria
estudantes e profissionais liberais, sai pelos bairros da capital a fim de
conquistar votos para a candidatura de Miguel Arraes. São os integrantes
da Brigada Porta a Porta do PMDB, um dos trabalhos mais valorizados no
esquema de campanha do partido. Ao todo, as várias brigadas do PMDB
mobilizam quase duas mil pessoas. ... Há um grupo de professores especialmente
encarregados do preparo dos militantes, que sempre se deparam, nas casas
que visitam, com uma série de questões que devem ser respondidas. Na
maioria das vezes, os brigadistas têm que responder perguntas sobre a
idade avançada de Arraes, sobre as razões do golpe de 64, sobre os
motivos que o levaram a não apresentar nenhum projeto na Câmara dos
Deputados e, sobretudo, o questionamento ideológico da posição de
Arraes. Do resultado dessa propaganda dá testemunho o
ex-governador do Paraná, José Richa, o qual, em visita a
Pernambuco, se declarou impressionado com as manifestações populares
diante dos candidatos do PMDB: Arraes, ... por exemplo, não é um
simples político em busca de votos. É um ídolo que as pessoas querem
tocar, quase como um santo (“Jornal do Brasil”, 13-10-86). 5. Aliás, dentre os apoios políticos que
carrearam ao candidato Arraes uma parcela não despicienda de votos
destaca-se o dos setores progressistas da Igreja Católica (cfr. “Diário
de Pernambuco”, 11-11-86). 6. Cabe ainda uma palavra sobre a derrota que mais
surpreendeu em todo o País – contrariando inclusive os mais
persistentes e unânimes prognósticos eleitorais – que foi a do
ex-governador de Pernambuco Roberto Magalhães, candidato ao Senado. A
explicação, dada precipitadamente por observadores políticos, de que
esse candidato resultou prejudicado pela ‘cruzada anticomunista’
desenvolvida por seu partido é insustentável, como se viu por todos os
aspectos já analisados, da campanha eleitoral no Estado. Para o fato há,
aliás, uma razão mais comezinha aduzida por outros analistas políticos:
uma hábil propaganda moveu o eleitorado, na reta final da campanha, a
vincular os votos aos candidatos a governador e a senador pela mesma
chapa, resultando daí a derrota do ex-governador (cfr. “Jornal do
Brasil”, 18-11-86; “Diário de Pernambuco”, 21-11-86; “Jornal do
Comércio”, 22-11-86). 7. Por fim, os resultados eleitorais em
Pernambuco, longe de significarem um recuo do anticomunismo, conduziram de
fato a bancadas tidas como conservadoras, e até com alguma tintura de
direita ou de centro-direita, tanto no âmbito federal quanto no estadual.
Um candidato do PCB bem votado (deputado Roberto Freire) constitui,
pois, exceção, e seu êxito eleitoral se deveu mais à imagem favorável
que conseguiu pessoalmente formar. A estrondosa derrota de Francisco Julião
confirma, por contraste, o mesmo quadro de fracasso geral da esquerda. É o seguinte o balanço que a “Folha de S.
Paulo”(28-12-86) faz da situação: O resultado das eleições em
Pernambuco é paradoxal: Arraes ganhou, a esquerda perdeu. Arraes,
53,51% dos votos, contra 34,34% de José Múcio; mas na bancada essa
diferença é bem menos expressiva: treze federais, mais um do PCB contra
onze do PFL: dezenove estaduais mais três do PMB (que também deu um
senador, Antônio Farias) contra dezoito do PFL, mais dois do PDC e um do
PDS; fazendo com que os seis do PDT definam a maioria. O preço da eleição
de Arraes, do avanço que ele inequivocamente representa para os
movimentos populares, acabou sendo a desestruturação de toda a esquerda,
dependente e independente, militante e diletante. 8. A todas essas razões para pôr em dúvida a
autenticidade do significado ideológico que se pretendeu atribuir às
eleições em Pernambuco, acrescenta-se outra. Se bem que haja uma legítima diversidade de
matizes no quadro dos posicionamentos ideológicos manifestados nos
diversos Estados de nossa Federação, há, sobrepairando a essas
diversidades (exclusão feita de alguns corpúsculos políticos de
extrema-esquerda – PCB e PC do B), uma larga e genérica
homogeneidade, por efeito da qual os aspectos divergentes – com
enraizamento ponderável na população – não passam em geral de
simples matizes. E nunca atingem as proporções de discrepâncias abismáticas
e furiosas. Este é, até mesmo, um dos mais fortes pilares de nossa
imponente unidade nacional. Nessas condições, no dia em que um ou mais
Estados do Brasil se manifestassem compactamente pró-comunistas, na oposição
a outros que permanecessem fiéis à atual ordem de coisas, começaria a
pairar sobre a unidade de nosso País-continente o espectro de um
agravamento de relações inter-estaduais, próprio a conduzir a uma trágica
secessão. Ora, a conjeturar-se como objetivo o quadro de um
Pernambuco contemporâneo que já não teria na vida pública uma presença
anticomunista ponderável, pareceria estar-se em presença de uma evolução
ideológica e sócio-econômica da população pernambucana, em vias de
atingir em breve a formação de uma compacta maioria pró-comunista. Daí decorreria necessariamente uma série de fricções
acaloradas entre a força política vencedora em Pernambuco e as dos
outros Estados. Como também entre pernambucanos divergentes. E a pesada
nuvem do secessionalismo pareceria não estar longe do horizonte nacional. Apuradas as eleições, o que se passou
foi, entretanto, diametralmente oposto. Como já foi demonstrado (cfr.
Parte II, Cap. I), todo o eleitorado brasileiro acompanhou com desacoroçoada
indiferença a campanha-eleitoral-sem-idéias e, em seguida a eleição-sem-idéias.
Se o voto não fosse obrigatório, não se sabe a que proporções exíguas
teria chegado o número de votantes. Isto posto, afigura-se ilógico, contraditório,
absurdo raciocinar sobre o que ocorreu em Pernambuco sem tomar em linha de
conta a presença, naquele Estado, da apatia ideológica geral que dominou
e continua a dominar o Brasil, a propósito do pleito de 15 de novembro. Na verdade, a situação em Pernambuco é
absolutamente idêntica à do resto do Brasil, que elegeu uma Constituinte
na qual a votação esquerdista conduziu a uma nítida minoria
parlamentar. 9. Assim, tudo bem ponderado, a que conclusão se
chega? É esta tão clara, tão simples, tão condizente com o que percebe
o bom senso e dizem os imponderáveis, que os espíritos imparciais
facilmente a ela se abrem: a)
Em Pernambuco, como mais ou menos por todo o Brasil, os meios de
comunicação social, levados por circunstâncias diversas – que seria
longo enumerar no presente estudo – criaram uma impressão fortemente
inflada, sobre o poder eleitoral das esquerdas. b)
Tal impressão levou a que certos candidatos ideologicamente sem
expressão e desejosos de angariar votos, quisessem somar à votação
a-ideológica e rotineira dos respectivos bastiões eleitorais, também os
votos ideológicos da corrente esquerdista, que imaginavam tão poderosa. c)
Originou-se daí uma “corrida” competitiva desses candidatos, em
acelerada marcha publicitária rumo à esquerda. E até a extrema-esquerda. d)
Esse fato deu a alguns “marechais” da política pernambucana a ilusão
de que, ou para evitar mal maior, ou simplesmente para favorecer os
candidatos de sua preferência pessoal, deveriam negociar entre si,
candidaturas de esquerda, as únicas a parecerem viáveis. Daí combinações
políticas do gênero do Pacto da Galiléia. e)
Enquanto isto, os tradicionais bastiões eleitorais, imersos na modorra
criada no País pela propaganda-sem-idéias, não tomavam a sério a
“corrida” publicitária para a esquerda, e presenciavam apáticos –
votando ou abstendo-se de votar – os aprestos eleitorais. Apático então, o Brasil cordato, amigo do
“deixa como está para ver como fica”, continua apático. Até quando? Isto já não é explicação do que
houve, mas conjecturação do que possa haver. E sai do nosso tema. 2.
Fatos análogos em outros Estados
O presente trabalho se tornaria por demais longo
se entrasse em pormenores igualmente minuciosos quanto a fatos análogos
que se passaram nos Estados do Ceará, Bahia, Espírito Santo, Mato Grosso
e São Paulo. 1. A inautenticidade da disputa comunismo x
anticomunismo na Bahia é atestada por José Nêumane Pinto em “O Estado
de S. Paulo” (14-9-86): Num Estado tradicionalmente
dominado pelas elites políticas do linho branco, disputam o poder dois
professores universitários, com o currículo recheado de serviços
prestados ao socialismo. ... Josaphat Marinho e Waldir Pires, que têm
em comum uma folha de serviços à oposição contra a ditadura militar,
mas se cumprimentam. ... Afinal, esta não é uma eleição entre
direita e esquerda, mas entre carlistas e anticarlistas [partidários
e adversários do ministro Antônio Carlos Magalhães]. Josaphat Marinho, um
especialista em Direito Constitucional ... Socialista como seu adversário,
como ele devoto da linha do Partido Socialista Francês, também tem em
comum com Waldir Pires a experiência em derrotas eleitorais ... Agora
discordam em alguns pontos fundamentais, pelo menos na Bahia: Josaphat
arregimenta as forças carlistas que esmagaram o PMDB em 1982, Waldir reúne
anticarlistas, sejam malufistas empedernidos, como Prisco Viana, sejam os
esquerdistas radicais do PC do B. Como se vê, não há base para afirmar que
houve qualquer consistência na luta comunismo x anticomunismo na Bahia. Pelo
contrário, a notícia citada é invulgarmente insistente em falar da adesão
que um e outro candidato dão ao socialismo, não havendo, portanto,
diferenciação ideológica entre ambos. 2. A polêmica comunismo x anticomunismo no Espírito
Santo foi mais acirrada, mas nem por isso mais autêntica: o candidato
Max Mauro, do PMDB, reagiu de modo enfático às acusações que recebia: Dizem
que sou da extrema esquerda, chegaram a dizer que sou comunista. Mentira,
sempre fui um democrata na luta contra o arbítrio. Meus adversários é
que inventam que minha candidatura representa uma ameaça aos proprietários,
dizendo que vou invadir terras e fazer a reforma agrária
(“Jornal do Brasil”, 15-9-86). Noticia ainda o “Jornal do Brasil” (11-11-86): No meio pemedebista, o tom
anticomunista adotado pelo PFL causou preocupação e tem sido respondido
por uma sucessão de manifestações de apoio a Max por pessoas ligadas à
Igreja, além de referências ao passado religioso do candidato. ‘Sou
congregado mariano’, defendeu-se ele, na TV. ... Para o dia 12, último de propaganda
eleitoral, o PMDB guardou sua melhor defesa: parafraseando
Tancredo Neves, que enfrentou acusação semelhante, Max dirá que
tem apoio dos comunistas ‘mas também dos religiosos, das donas-de-casa,
de toda a sociedade’. 3. Em São Paulo, o governador Orestes Quércia,
acusado de sua aliança eleitoral com o PC do B representaria a aceitação
de compromissos com os comunistas, afirma categoricamente: Não tenho o
menor relacionamento com o PC do B (“Folha
de S. Paulo”, 27-3-87). 4. Em Mato Grosso, o candidato perdedor, Frederico
Campos (PDS-PFL-PMB-PTB-PDC-PL) abriu baterias contra o candidato da
coligação PMDB-PSB-PSC-PC do B, Carlos Bezerra, dizendo que era preciso
derrotar a elite dominante,
que hoje está abrigada no PMDB, ao lado dos comunistas (“Jornal do
Brasil”, 13-11-86). O ex-governador Júlio Campos (ex-PDS, hoje PFL)
admitiu que Mato Grosso não escapou do vendaval do PMDB que atravessou
o País de Leste a Oeste. Perdemos a eleição em todos os municípios, e
de goleada, mas não foi um julgamento de meu governo, tanto que serei o
deputado federal mais votado. Para ele, se o PMDB lançasse um
poste como candidato seria eleito (“Correio
Braziliense”, 19-11-86). Nestas condições, é difícil sustentar que
alguns resmungos anticomunistas lançados contra o candidato vitorioso
tenham influído no resultado do pleito. 3.
O caso do Ceará
Merece referência um pouco mais extensa o que se
passou no Ceará. O valoroso Estado do Ceará deu ao País filhos
que se difundiram em muito considerável número por todo o território, e
em toda parte colaboram por sua inteligência e por sua força de trabalho
no progresso do País, em qualquer Estado em que residam, são
especialmente benquistos pelo seu peculiar feitio psicológico e moral.
Ilustra-se também o Ceará pelo esforço heróico da população que nele
continua a residir em se manter perseverantemente afeiçoada ao território
deste, lutando bravamente contra as condições adversas do clima e da
terra, e, ademais, fazendo de Fortaleza um importante centro urbano em
acentuado progresso. 1. Nas últimas eleições, disputaram o cargo de
governador de Estado, Tasso Jereissati, pela coligação PMDB-PCB-PC do B,
Adauto Bezerra, pelo PFL-PDS-PTB, e mais o Pe. Haroldo Coelho, candidato
do PT, com expressão eleitoral menor. A certa altura da campanha, quando
esta já pendia acentuadamente para o candidato do PMDB, seus adversários
começaram a acusá-lo de favorecer o comunismo, para o qual já estariam
reservadas duas Secretarias em seu governo. 2. Em defesa de Tasso Jereissati saiu
imediatamente o Cardeal-Arcebispo de Fortaleza, D. Aloísio Lorscheider, o
qual declarou que não vê nenhum perigo no comunismo em nosso País:
Pior do que ele [o comunismo] é esta falta de justiça, e esta
falta de respeito mútuo, que subvertem toda a ordem – disse o
Cardeal (“O Povo”, Fortaleza, 16-10-86). Como se o regime comunista não constituísse o amálgama
de todas as formas de injustiça, muito e muito mais graves do que as
injustiças que o regime capitalista pode trazer consigo! A propósito da tônica anticomunista da campanha
da coligação PFL-PDS-PTB, o Cardeal de Fortaleza afirmou ainda, na mesma
ocasião, que os que estão usando dessa estratégia são pessoas que vêem
o comunismo como um espantalho (“Jornal da Bahia”, 17-10-86). Não ver no comunismo um espantalho é uma atitude
sensata. Porém, ignorar, por isto, que o comunismo é um perigo atual de
exíguas proporções, mas que a qualquer momento pode transformar-se em
perigo grave, e em seguida iminente, isto importa em desconhecer as lições
da História. 3. Duas semanas depois, o Cardeal Lorscheider saiu
mais uma vez em defesa do candidato do PMDB, afirmando: Posso atestar
como bispo que ele [Tasso Jereissati] é católico praticante,
sendo um fiel seguidor das prescrições da Igreja, sempre tendo um
comportamento cristão exemplar (“O Estado de S. Paulo”, 4-11-86). O Cardeal de Fortaleza acrescentou que o fato
de Tasso Jereissati ter recebido o apoio dos partidos comunistas – PCB e
PC do B – não significa que ele seja comunista (“O Estado de S.
Paulo”, 4-11-86). É evidente. Não é menos evidente, porém, que
se um candidato recebe apoio do PCB e do PC do B, está no propósito de
“pagar” o apoio por meio de concessões sempre nocivas ao bem comum. Além do mais – disse D. Aloísio
– nós, hoje em dia, devíamos ter diante do próprio comunismo uma
atitude muito mais aberta (“O Estado
de S. Paulo”, 4-11-86). Que é uma
atitude “aberta”? E em que consiste esta atitude
muito mais aberta, desconcertantemente
desejada pelo Purpurado de Fortaleza? 4. Todas
estas declarações tendiam a favorecer o candidato do PMDB, que
efetivamente foi eleito. O candidato
vitorioso, aliás, o reconheceu explicitamente: À
medida que a Igreja cearense rebateu [a
acusação de comunista] com a idéia de que eu era um
cristão ... a situação mudou. O comunismo é muito confundido com o
anticristão, o anti-Deus ou o anticristo. Quando a Igreja se posicionou
dizendo que nada tínhamos a ver com o comunista que não freqüenta a
Igreja e que não crê em Deus, recebemos um auxílio muito forte (“Veja”, 10-12-86). 5. No
entanto, próceres do partido admitiram que se a campanha durasse mais um
mês, a estratégia do adversário, acusando Jereissati de comunista,
poderia ter revertido o quadro (cfr. “O Povo”, Fortaleza, 17-11-86). 6. Assim, o
caso do Ceará também não pode ser argüido como prova do desgaste do
anticomunismo. Até pelo contrário, tal a veemência com que o candidato
e seus defensores rejeitaram a pecha de comunista. 7. Essas reações
em face de um eventual ou real perigo comunista coincidem com o que antes
foi afirmado a propósito das eleições em Pernambuco. Ou seja, a corrente
ideológica anticomunista existe em todos os Estados, e neles tem importância
bastante grande para que a pecha de comunista seja manuseada por
candidatos rivais como meio de afastar dos candidatos esquerdistas
apreciáveis contingentes eleitorais. Mas a
corrente anticomunista se manteve inerte, como as demais correntes ideológicas, no decurso da
campanha eleitoral-sem-idéias. Inércia esta que reflete pura e
simplesmente o desapontamento, o desagrado e a abatida inércia política
de todo o País. Com efeito,
no Brasil de hoje só manifestam vitalidade política as cúpulas partidárias
e agrupamentos quejandos. Mas vitalidade excessiva, descontrolada e caótica. No Ceará, a
linha geral do debate eleitoral indica maior vivacidade, consoante aliás
com o modo de ser da população daquele Estado. Também as intervenções
políticas do Cardeal Lorscheider, Arcebispo de Fortaleza, provocaram reações
muito mais vigorosas do que as que foram suscitadas em outros Estados do
Nordeste por Prelados não menos esquerdistas, porém mais comedidos no
externar suas preferências em matéria sócio-econômica: “a toda ação
corresponde igual reação, em sentido contrário”... |