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Plinio Corrêa de Oliveira
Projeto
de Constituição angustia o País
1987 |
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Capítulo IV – O decepcionante rendimento eleitoral dos dois PCs e
dos partidos de esquerda em geral
O repúdio ao comunismo – quando este se
apresenta de maneira ostensiva e sem disfarces – foi certamente um fator
importante, embora difuso, do fracasso das esquerdas; mas seja a derrota tão
generalizada dos partidos mais definidamente esquerdistas, quanto a vitória
por eles alcançada em casos isolados, vêm sendo explicadas, pela maior
parte dos analistas, em função de causas de caráter mais bem a-ideológico. 1. A reduzidíssima força
eleitoral dos PCs
Denunciados como grave perigo para o País no período
da ditadura militar, os dois partidos comunistas brasileiros – recobrada
a legalidade – foram prestigiados pelo Poder Público e ainda assim
demonstraram não possuir senão reduzidíssima força eleitoral. É o que constata melancolicamente o insuspeito
ex-deputado Paulo de Tarso: Depois de tantos anos de luta pela legalização
dos dois partidos comunistas – PCB e o PC do B -, as urnas terminaram
provando que nenhum deles tem a menor força eleitoral, ou qualquer
representatividade, de fora da clandestinidade (“O Estado de S.
Paulo”, 20-11-86). Esse fato já se prenunciava por ocasião da
campanha eleitoral. 2. Linguagem moderada dos PCs
Com efeito, receosos de que o estigma de
comunistas lhes subtraísse votos, ambos os PCs moderaram a linguagem de
sua propaganda eleitoral, chegando, o PCB, a evitar de mencionar a própria
sigla, e até as palavras “comunismo” e “comunista”!... Comenta o colunista Zózimo, do “Jornal do
Brasil” (5-11-86): Em cerca de 50 dias de campanha em São
Paulo, pelos horários gratuitos cedidos pelo TER, o Partidão
(PCB) ... conseguiu até agora o prodígio de não pronunciar uma só vez
as palavras ‘comunismo’ ou ‘comunista’. Todos os seus candidatos evitam
cuidadosamente os dois termos não indo além do nome do próprio partido,
‘pecebismo’, ‘pecebista’, etc. Nem mesmo o símbolo maior do partido, a
foice e o martelo, conseguiu aparecer uma vez que fosse no vídeo. 3. Sem coligação com o PMDB,
os PCs não elegeram candidato algum
Os resultados eleitorais são expressivos: onde os
PCs não entraram em coligação com o PMDB, não conseguiram eleger ninguém:
os três deputados eleitos pelo PCB o foram em coligação com o partido
majoritário; o PC do B também conseguiu eleger três deputados nas
mesmas condições, e mais três deputados incluídos diretamente na
legenda do PMDB. Os candidatos dos PCs eleitos em coligação com o
PMDB podem ser comparados a anões trepados no ombro de um gigante. Por
que não se apresentaram eles em chapas inteiramente desvinculadas de
outros partidos? – É pelo evidente reconhecimento de que, nessas condições,
não alcançariam o quociente eleitoral necessário para se elegerem. O
que, de fato, ocorreu generalizadamente, com o PCB, por todo o Brasil
(cfr. “Jornal do Brasil”, 28-11-86). O caso mais comentado é o do deputado Alberto
Goldman, em São Paulo, que desde 1974 vinha sendo eleito pelo PMDB, e que
apesar de ter obtido cerca 75 mil votos, não conseguiu se eleger: o PCB
obteve apenas 120.936 votos, quando eram necessários 240 mil, nesse
Estado, para conquistar uma cadeira na Constituinte. Com a mesma votação,
Goldman teria sido eleito se, em São Paulo, o PMDB tivesse aceito a
coligação com o PCB. Isto acontece depois de quase 140 anos de ter sido
lançado o manifesto de Marx, e de muito burguês tímido ter formado então
a idéia de que, dentro de poucas décadas, o comunismo teria alcançado o
domínio do mundo. Ele realmente se tornou, ao longo destes 140 anos,
senhor de grandes extensões do planeta. Não, porém, pelo valor
persuasivo das argumentações de Marx e de seus sequazes, mas pela força
das armas. Senhor da opinião pública, nem atrás da cortina de ferro! O que significa, por outro lado, como expressão
do poder eleitoral comunista, a votação em favor dos três candidatos do
PC do B eleitos pela chapa do PMDB? Esses votos lhe foram dados sobretudo
enquanto comunistas? Ou enquanto pessoas interessantes do ponto de vista
da encenação política? Em outros termos, foram eles eleitos por meros
motivos de atração ou simpatia pessoal, como aconteceu com Brizola,
vitorioso no Rio no ano de 1982, sem que por isso o Estado fluminense
tivesse ficado mais esquerdista, e derrotado em 1986 sem que esse Estado
tenha ficado menos esquerdista? 4. “Autocrítica” dos PCs
Depois do fracasso, a “autocrítica”: o PCB
reconheceu que “superestimou” sua força eleitoral, e que teria sido
melhor para ele que continuasse atrelado ao PMDB; por seu turno, o PC do B
depôs seus dirigentes paulistas por “condução errada” da campanha
eleitoral. É expressivo o reconhecimento de Alberto Goldman,
segundo noticia a “Folha de S. Paulo” (22-11-86): ‘O partido fez
sua transição para a legalidade de uma forma absolutamente irresponsável,
disse Goldman à Folha, na manhã de ontem, acrescentando que
‘foi um erro ter assumido uma posição eleitoral autônoma e
independente’. ‘O partido não tinha condições de
enfrentar o processo eleitoral de forma independente e autônoma’... Mesmo admitindo que viu com surpresa os
cerca de 75mil votos que deve totalizar nas urnas, contra os 107 mil de
1982 e os 101 mil de 1978, Goldman disse que nunca se iludiu com as
possibilidades do PCB. Pesquisas encomendadas ou consultadas pela
Executiva cinco meses antes das eleições apontavam 0,5 % de votos para
os pecebistas na capital de São Paulo – área de maior aceitação do
partido. ‘Eles eram muito otimistas’ afirmou sobre seus
companheiros de partido. Por outro lado, o “Jornal do Brasil” (17-1-87)
informa que os dirigentes do PC do B paulista foram depostos porque os
33 integrantes do Comitê Central ... em conferência realizada no final
de dezembro os responsabilizaram pela ‘condução errada’ da campanha
eleitoral. O PC do B não conseguiu reeleger os dois deputados que
tinha em São Paulo. Mais recentemente, por ocasião do 8º
Congresso extraordinário do PCB em Brasília, os próprios militantes
reconheciam que o partido ressente-se profundamente da débil penetração
no ‘movimento de massas e no proletariado em particular’ (
“Jornal da Tarde”, São Paulo, 20-7-87). 5. Esquerda influente em Brasília
Nas camadas mais abastadas da sociedade
brasileira, em todos ou quase todos os Estados, previa-se, em geral, para
o comunismo (PCB + PC do B), votação consideravelmente maior do que a
obtida por este. Assim, ainda que as estimativas a tal respeito
variassem muito de grupo social a grupo social, e mesmo de pessoa a
pessoa, muito poucos foram os que imaginaram para os dois partidos
marxistas uma derrota tão grande, a ponto de eles mesmos serem forçados
a reconhecer a situação de calamidade na qual caíram. Que razões há para esse erro de estimativa? Antes de tudo, a forte atração exercida pelo
comunismo sobre não poucos elementos ideologicamente deteriorados, da
classe propriamente rica. Fato explicável, mas cuja análise tomaria
demais espaço. Basta dizer que em toda nação, classe, grupo, instituição,
corrente política ou doutrinária decadente, é sintomático o
aparecimento de elementos atraídos – e por vezes até fascinados –
pelo adversário. Acrescente-se que a infiltração de comunistas
nos meios de comunicação social, no Clero e nas universidades, no
funcionalismo público, vem de longe. E bem antes da queda do regime
militar, vem sendo levado a cabo com êxito. É o que explica, por exemplo, que os segmentos de
mais alta renda da Capital federal tenham sufragado candidatos
esquerdistas para o Senado (PDT) e para a Câmara (PCB), transformando
Brasília numa importante zona de influência da esquerda no País (cfr.
“O Globo”, 18-11-86; “Correio Braziliense”, 19-11-86, “Gazeta
Mercantil”, São Paulo, 19-11-86). 6.
Confusão e desconcerto na “esquerda ortodoxa”
Não se iludindo com esses êxitos isolados, os
candidatos da chamada “esquerda ortodoxa” (PCs inclusos),
fragorosamente derrotados nas urnas por todo o Brasil, estão confusos e
desconcertados com seu baixo rendimento eleitoral. Assim descreve o fato “O Globo” (25-11-86), no
que se refere a São Paulo: Os candidatos da chamada esquerda
ortodoxa de São Paulo ainda estão perplexos com seu baixo rendimento nas
urnas. O maior número de candidatos de setores ditos
progressistas do PMDB à Assembléia Legislativa – sem nenhuma chance
para PCB, PC do B e PSB – é do interior, com apoio de Orestes Quércia,
e os que deverão ser eleitos podem ser contados nos dedos de uma mão. Este recuo em toda linha da esquerda mais radical
permite levantar uma hipótese sobre o cunho espantosamente a-ideológico
da última propaganda eleitoral: se esta assumisse um cunho acentuadamente
esquerdista, arrepiaria por demais o centro, empurrando-o rumo à direita. Se a propaganda fosse muito centrista,
quebrar-se-ia o mito, que se quer montar a todo custo, de que o País
caminha para a esquerda avançada. Uma propaganda a-ideológica resolveu o impasse. 7. O PT atraiu votos da
esquerda
O partido que atraiu votos da esquerda foi o PT, o
qual cresceu algum tanto; bem menos, aliás, do que esperavam seus líderes.
Em todo caso, a grande base de sustentação eleitoral e política do
partido é constituída pelos organismos eclesiásticos sob impulso da
CNBB. Para que o leitor possa medir o alcance ainda
incipiente do conúbio entre o sindicalismo revolucionário do PT e
organismos pastorais dirigidos pela CNBB, é interessante reconhecer o que
se passou no Vale do Aço, em Minas Gerais. Assim narra os fatos José
Guilherme de Araújo, no “Jornal do Brasil” (24-11-86): Com gosto de revanche, o metalúrgico
Francisco Carlos Delfino, o Chico Ferramenta, do PT, de 27 anos, surge das
urnas às quais foi levado pelos movimentos sindical e populares – a
maioria ligados à Igreja Católica – de Ipatinga, no Vale do Aço, como
um dos maiores fenômenos eleitorais na disputa de cadeiras de deputado
estadual. ... Chico Ferramenta está sendo eleito com uma aprovação maciça,
que só nas três maiores cidades do Vale do Aço chega a 41 mil 477
votos. ... É uma vitória da CUT e do trabalho que realizaram as
pastorais populares (da Terra, Operária, da Saúde) – resume Chico
Ferramenta, que é o presidente da Central Única dos Trabalhadores no
Vale do Aço. ‘- Minha candidatura surgiu de um amplo
debate com o movimento operário, popular, as Comunidades
Eclesiais de Base e as pastorais, que tiveram participação no lançamento
do nome e na elaboração de um primeiro programa, que agora deverá ser
detalhado, através de outros debates – assinala Chico Ferramenta, que
promete periodicamente submeter seu desempenho como deputado estadual à
análise de suas “bases metalúrgicas”’. *
* * Não obstante o fato de a representação federal
do PT ter passado de 8 para 16 deputados, o resultado global do pleito
decepcionou seus líderes. Respondendo a uma pergunta da “Folha de S.
Paulo”, o jurista Hélio Bicudo assim avalia o desempenho do partido: Ficou
um pouco aquém das expectativas. Eu estava pensando que, a nível
nacional, o PT alcançasse um número superior a vinte deputados. Em São
Paulo, o partido estacionou, não vai passar de nove ou dez, enquanto a
minha expectativa era de que fossem de 12 a 15 deputados federais (“Folha
de S. Paulo”, 20-11-86). A módica ascensão do PT mostra, por outro lado,
que a influência da ala esquerdista que predomina na CNBB foi claramente
menor do que se esperava. 8. Nem toda a votação do PT,
porém, é de esquerdistas
O PT é, inequivocamente, um partido de esquerda;
mas haveria engano em concluir daí que toda a votação por ele recebida
seja marcada por essa ideologia: o personalismo que caracteriza a vida política
brasileira, e o vasto espaço publicitário que a imprensa constantemente
lhe abre (e muito principalmente a seu líder... Lula), explicam boa parte
desse votos. Por isso, comenta o “Jornal do Brasil”
(20-11-86): De Lula, sabia-se desde o início do processo eleitoral que
estouraria as urnas. A consagradora votação se dá pelas mesmas razões
de Ulysses Guimarães: por sua condição de presidente nacional do PT,
fundador e guru da CUT e ex-sindicalista de projeção internacional,
garantiu presença quase que diária no noticiário. A decalagem entre as cúpulas do PT (entenda-se as
cúpulas intelectualizadas) e a idéia confusa que o grande público se
faz do PT, é muito considerável. Enquanto na cúpula
intelectualizada diferentes correntes procuram, nos figurinos
internacionais da moda ideológica sócio-econômica, o modelo mais a seu
gosto, uns sociais-democratas, outros socialistas etc., para nele meter
mais ou menos forçadamente o PT, o público vê neste partido uma
organização de políticos dotados de senso filantrópico mais ativo, e
portanto mais capaz de remediar a situação da classe pobre. Assim, está fora da realidade objetiva quem
procura ver no módico progresso eleitoral do PT – hoje o mais forte dos
pequenos partidos – um mero resultado da posição ideológica,
obviamente ainda confusa, dele. 9. A autocrítica do PT
Por tudo isto, é muito importante que o PT tenha
feito também sua autocrítica: reconhece que não está conseguindo
impressionar os eleitores das classes pobres, entre os quais cresce a
“direita”. É o que afirma o próprio Lula, segundo informa o
“Jornal do Brasil” (28-8-86): Desanimado com a campanha do PT em São
Paulo, o presidente nacional do Partido, Luís Inácio Lula da Silva acha
que entre os eleitores pobres quem está crescendo é a direita. ‘Ao
tentar mudar a imagem, o PT não conseguiu politizar a periferia nem
conquistar a classe média’, desabafou, sem criticar o candidato petista
Eduardo Suplicy. 10. A derrota de Brizola
Em seu passado antigo e recente, Leonel Brizola
traz a marca inquestionável de um político esquerdista: algo desse cunho
ideológico despontou na campanha eleitoral, o que, aliás, apenas serviu
para tirar certo número de votos a seus candidatos. De qualquer modo, as
razões de maior peso apontadas para a acentuada derrota que o
ex-governador do Rio sofreu também são de caráter mais bem a-ideológico:
o desagrado com sua administração à frente do governo do Estado, e seus
ataques ao Plano Cruzado, até então bem recebido pelas camadas mais
populares. Tal é o panorama de conjunto que oferece a análise
do desempenho das esquerdas, nas eleições de 1986. |