Plinio Corrêa de Oliveira

Projeto de Constituição angustia o País

 

 

 

 

Novembro de 1987

Capítulo IV – Mito doutrinário que mutila a representatividade da democracia: só o centrismo é autenticamente democrático

1. Ao fim da II Guerra Mundial, nasce um centrismo radical e obsessivo

Segundo a lógica dos mais radicais doutrinadores da liberdade de pensamento e de palavra – desde os iluministas franceses e ingleses do século XVIII até os democratas intransigentes de nossos dias – o exercício de ambas essas liberdades é direito de todo cidadão, qualquer que seja a posição ideológica em que se situe. E assim sempre se entendeu no Brasil[1].

Sem prejuízo dessa postura inerente à índole liberal, também proclamada como sua pela Nova República, certo centrismo radical e extremista vai ganhando terreno subrepticiamente no espírito nacional.

Como explicável contrapeso dos fanatismos totalitários, despóticos e cruéis de direita e de esquerda, a opinião pública do Brasil como, aliás, a de vários outros países do Ocidente, foi tomada, depois da II Guerra Mundial, por um centrismo que pode ser qualificado desassombradamente de extremado e obsessivo.

Durante a II Guerra Mundial, o mundo sofreu os efeitos dramáticos do antagonismo, aliás mais aparente do que real, entre o regime comunista e o nazi-fascista.

Seria excessivo afirmar que esse antagonismo foi a causa única da terrível conflagração. Para a irrupção desta concorreram muitas outras causas, de diversa natureza. Entretanto, é fora de dúvida que esse antagonismo foi uma das causas ponderáveis da Segunda Guerra, e marcou a fundo muitos de seus aspectos.

A partir deste fato, certa publicidade começou a dar a entender que não só tal oposição de ideologias e de regimes era a principal ou a única causa da guerra, mas também que esta última eclodira, não tanto pela natureza mesma das ideologias em confronto, como sobretudo pelo grau de fanatismo com que ambas as correntes de extremados viviam a mútua polêmica.

Desta perspectiva, sobre a qual a publicidade acabou por insistir ad nauseam, parecia emergir aos olhos de todos a falsa noção de que todas as doutrinas – quaisquer que fossem – levadas com lógica inflexível às suas últimas conseqüências, conduzem à formação de antagonismos de morte. Pelo que o mal não estaria tanto nas doutrinas antagônicas em si mesmas consideradas, porém na lógica férrea e levada às últimas conseqüências dos adeptos dessas doutrinas.

2. Irrompe, assim, o fantasma do extremismo

Nasceu assim, para o mundo, um novo fantasma: o extremismo, filho da inflexibilidade da lógica. Como se pudesse existir uma lógica ... flexível! Uma matemática flexível, por exemplo...

A evolução dessa peculiar “ótica” – que, como se vê, envolve na sua nebulosidade complexos elementos filosóficos, mais especificamente criteriológicos, morais, políticos, históricos, e também religiosos – não ficou aí.

Qualificado esse “extremismo” como grande causa da II Guerra, e agravada a nocividade de qualquer guerra com a explosão das bombas atômicas em Hiroshima e Nagasaki, o fantasma do extremismo acabou por tomar o vulto do maior perigo que ameaça o mundo contemporâneo. Mais ainda, o maior perigo de todos os tempos.

Esse perigo não cessou com a derrota do nazi-fascismo. Pois, na estacada da luta contra o comunismo, surgiu, com o término da II Guerra, o capitalismo. E os dois mundos – comunista e capitalista – estariam prestes a confrontar-se, caso os “extremistas” de uma e outra corrente assumissem a direção, respectivamente da Rússia e dos Estados Unidos. Daí decorreria, em virtude de mais um lance desse processo evolutivo, que a repressão dos “extremistas”, de um e de outro lado, seria condição fundamental e clamorosamente necessária, da sobrevivência do gênero humano.

3. Paralelamente, forja-se a figura sedutora do moderantismo centrista

Mas, ao mesmo tempo que assim irrompia o fantasma do extremismo, a publicidade forjava a figura sedutora do “anjo” laico do moderantismo centrista.

O nome tutelar de quantos lutam contra o extremismo passou a ser então o moderantismo. Ter opiniões moderadas que, ou não procedem de verdades iniciais evidentes e incontestáveis, ou não levam às últimas conseqüências essas verdades, e assim se mostram incessantemente abertas a combinações contraditórias com os opositores: eis o moderantismo centrista que tende a dominar cada vez mais o mundo moderno, e a plasmá-lo como se fosse ele a verdade evidente e básica sobre a qual se deveria construir a sociedade pacifista do futuro.

Quanto mais o moderantismo seja coerente no chegar às últimas conseqüências de si próprio, e meticuloso na repressão até das últimas e mais miúdas conseqüências do extremismo, tanto mais ele protegerá o gênero humano contra a hecatombe final.

4. A contradição fundamental do moderantismo centrista: a imposição de “dogmas” de aceitação universal

Naturalmente uma tal missão envolve dons carismáticos. Entre outros, uma como que infalibilidade doutrinária. Pois se trata de saber, em cada caso, se certa opinião está dentro dos limites do tolerável, ou se transpôs as fronteiras do moderantismo e penetra na jungle maldita dos extremismos.

E, assim, o moderantismo centrista passa a investigar inquisitorialmente se certa afirmação doutrinária é ou não é conseqüência de um princípio extremista, se certa atitude ou certo procedimento viola a “moral” moderantista etc. E isto de maneira a fazer aceitar as “decisões” do moderantismo como dogmas de aceitação obrigatória para todos os povos e todos os Estados.

Ora, ou os neoinquisidores do moderantismo centrista são infalíveis, ou são falíveis.

Se são infalíveis, são necessariamente carismáticos. Mas, então, a aceitação compulsória dos “dogmas” dessa “infalibilidade” terá extinguido o velho “dogma” iluminista da liberdade de pensamento e de ação.

Se, pelo contrário, essas decisões não são infalíveis, elas nada decidem em última instância. São o zero, o vácuo, e constituem objeto da irrisão de todos os povos.

5. À força de quererem requintar a democracia, os “ultras” do centrismo a desfiguram

Constitui-se assim um novo centrismo, todo ele paradoxal, e não menos extremista do que os dois extremismos (de direita e de esquerda) que o precederam.

Os pressupostos doutrinários desse centrismo extremista e radical consistem em que:

1o) só a democracia constitui uma forma de governo justa e humana[2].

2o) em conseqüência, só a ação doutrinária ou prática em favor de uma democracia sem jaça nem restrições deve ser permitida e favorecida pela lei como sendo o exercício de uma liberdade reta e sadia.

A conclusão salta aos olhos: só o extremismo centrista assegura aos homens, por meio de uma forte repressão aos extremismos de direita e de esquerda, o benefício valioso da vigência democrática.

Esta posição dos fanáticos do centrismo faz lembrar o velho dito popular a respeito do demônio, o qual tanto enfeitou seu filho que lhe furou o olho: à força de quererem requintar a democracia, os seus “ultras” a desfiguram e podem chegar até a destruí-la.

6. Levar ao último ponto a coerência não é necessariamente excesso, nem exagero

Procede esse extremismo centrista do preconceito, fundamentalmente relativista, segundo o qual toda doutrina deduzida de suas premissas mais elementares, com inflexibilidade lógica, até suas últimas conseqüências, e isto sem a menor dúvida ou vacilação, sem concessão alguma à doutrina oposta, define o perfil psicológico-moral extremista de quem a professe.

Entretanto, se alguém leva com rigor de raciocínio uma verdade às suas últimas e mais extremas conseqüências lógicas, só poderá encontrar outra verdade. E a salvação só na verdade pode estar: “veritas liberabit vos” - “a verdade vos libertará (Jo. 8, 32). Ou estará a salvação na confusão e no erro?

Da verdade assim “trabalhada” por uma lógica adamantina, não pode brotar uma conclusão falsa ou maléfica. Segundo o conhecido axioma filosófico, “bonum ex integra causa, malum ex quocumque defectu”: diz-se que algo é bom quando nele tudo é bom; para ser mau, porém, basta-lhe um defeito qualquer.

Se na última ponta de um raciocínio brota uma conseqüência patentemente contrária ao bom senso e aos bons costumes, não se deve isto ao longo, luminoso e seguro caminhar da lógica, mas a algum erro que se tenha esgueirado fortuitamente no processo lógico.

O mal não consiste pois, nem poderia consistir, em ter levado a lógica intransigentemente até suas últimas conseqüências. Mas precisamente em ter faltado, de modo pelo menos inconsciente, a essa firme intransigência, deixando penetrar algum erro na aceitação de alguma premissa, ou na contextura do raciocínio.

Em outros termos, ser extremado, no sentido de remontar até a fonte do processo lógico autêntico, não é um mal. E, se se entendesse por extremismo chegar aos extremos lógicos de alguma doutrina, ele seria um bem.

Na realidade, os moderantistas de nossos dias incidem no equívoco (no qual uma certa dose de fanatismo moderantista está presente) de confundir extremismo com excesso, e paixão da verdade com fanatismo.

Este é o fruto do novo fanatismo surgido do pânico de uma terceira Guerra Mundial: o fanatismo moderantista, levado a todos os exageros pelo instinto de conservação exacerbado.

Quantos fatos narra a História, de erros e exageros de toda espécie, inspirados pelo instinto de conservação! Um destes é, no caso concreto, a afirmação simplista, obsessiva e unilateral, de que no centrismo está sempre a verdade. E que tudo o que se diferencie desse centrismo relativista amorfo, incongruente, eclético, ambíguo – mas ao mesmo tempo tão ou mais despótico do que qualquer déspota do passado – importa em cair na grande “heresia” do século XX, o extremismo.

7. Os intransigentes do centro levam sua “lógica” aos últimos extremos

Para tais centristas, pois, os erros estão sempre à direita ou à esquerda. Nunca no centro.

Ou seja, esses supostos “donos da verdade” são intransigentes, radicais, e levam, eles também, sua “lógica” aos últimos extremos. Em uma palavra, são extremistas.

“Extrema-esquerda” e “extrema-direita” seriam intrinsecamente más, pelo simples fato de serem extremos. Porque todos os extremos são maus enquanto tais.

Isto posto, suponha-se que, no linguajar do centrismo fanático, os termos “centro”, “direita” e “esquerda” se reportem tão-só a um segmento de reta ideal – imagine-se um bastão – com as duas pontas ( seus dois extremos)  rejeitáveis pelo simples fato de serem pontas. A solução consistiria em secionar essas pontas “na lei ou na marra”.

Cortadas as duas pontas do bastão, nem por isto deixa ele de ter pontas. Ambas as pontas anteriores são substituídas por duas pontas novas... menos distantes do centro. E, à força de cortar assim as sucessivas pontas... só resta o centro!

Com efeito, após o primeiro corte, a direita até então moderada passaria a constituir uma das extremidades do bastão. E a esquerda, até há pouco também ela moderada, passaria, por sua vez, a constituir a outra extremidade.

Porém, como todo extremismo é censurável – segundo certas correntes de centro – haveria que suprimir mais uma vez, com análogos métodos, os dois novos extremos.

Feita essa nova amputação, surgiriam, por sua vez, novos extremos para amputar. E isto no próprio centro. Assim só restaria o centro “absoluto” ou seja, o nada.

8. O centrismo como posição itinerante, em geral rumo à esquerda

Há, como se vê, centro e centro.

Há centristas que rumam muito lentamente para a esquerda, porque de quando em vez algo em seus corações ainda se volta, saudoso, para a direita, de onde procedem. Estes são propensos a que o centro forme uma frente única com a direita, em certas conjunturas. Entre estes, alguns tendem a fixar-se em posições algum tanto mais conservadoras, realizando assim uma ligeira marcha rumo à direita.

Há outros centristas que caminham decididamente para a esquerda. Seus olhares se voltam de bom grado para as utopias da extrema-esquerda, e muito raramente para os horizontes da direita. Estes são mais infensos à extrema-direita e à direita, do que à extrema-esquerda. E, além de recusarem de modo sistemático e com energia qualquer frente única com a direita, estão constantemente dispostos à frente única com a esquerda, inclusive, por vezes, com a extrema-esquerda.

A par desses dois “centros” em movimento, cumpre não esquecer o centro-centro, o centro como que imóvel,  quiçá estagnado. Na realidade, é ele tão discretamente vacilante entre a esquerda e a direita, que realiza entre uma e outra movimentos pendulares alternativos quase imperceptíveis. Mas a resultante dessas oscilações, se observada em quadro histórico que compreenda períodos de várias décadas, deixa entrever ordinariamente um rumo para a esquerda.

O centrismo é, no quadro político-doutrinário, uma posição de transição. Ele se constitui essencialmente de elementos ideologicamente itinerantes: ex-direitistas moderados, que passam por uma fase centrista, com rumo consciente ou subconsciente para a esquerda – ou, mais raramente, esquerdistas em fase de reversão, igualmente consciente ou não, para a direita.

Por vezes, este percurso ideológico, feito em um ou outro sentido, se faz tão lentamente, que não lhe basta para que desenvolva todo o seu dinamismo, a duração normal da existência de um indivíduo.

Neste caso, a influência da continuidade familiar atua de modo singular. Ou seja, os filhos do viandante ideológico aceitam como legado o rumo ideológico do morto, e se mantêm fiéis à posição política, religiosa ou sócio econômica em que este se achava quando cessou de viver. E se a duração de vida do pai e do filho não bastar para que esta caminhada se desenvolva por inteiro, os respectivos descendentes continuarão, por sua vez, a caminhar na mesma direção.

Assim, ao longo de uma ou mais gerações, a caminhada atingirá seu ponto terminal, o qual é obviamente uma posição extrema, de extrema-esquerda, ou, mais raramente, de extrema-direita, conforme o caso concreto.

Como explicar, à vista deste caráter itinerante do centro, a existência contínua de um partido político centrista, ao longo dos séculos XIX e XX, nas maior parte das Casas legislativas?

A explicação é fácil de ser dada por meio de uma comparação.

Um Banco dispõe, para realizar seus negócios, não só de um montante de bens do qual é dono a título estável, mas também de uma soma de dinheiro que não lhe pertence, mas a depositantes.

Este dinheiro, que entra continuamente no Banco, ou dele sai, é constituído por parcelas essencialmente itinerantes. Mas, paradoxalmente, o montante que elas formam pode ser estável, desde que a moeda que sai seja substituída, ato contínuo, por outra que entra pela primeira vez.

Análoga é a continuidade dos blocos eleitorais centristas, constituídos ordinariamente por partidários itinerantes.

Acresce, como fator explicativo da longa continuidade destes centros tão móveis, que além de existir neles a já descrita itinerância dos indivíduos, em geral rumo à esquerda, há que levar também em conta a movimentação global dos vários centristas, considerados como um todo. Mobilidade que em geral tende para a esquerda...

Assim, há indivíduos, famílias ou grupos ainda maiores que perseveram por tempo indeterminado, nos quadros partidários centristas. Mas isto, não tanto porque eles, como o centro, são móveis, mas porque a velocidade (ou a lentidão...) com que o centro caminha incessantemente para a esquerda coincide com a deles.

Se se analisar a História dos principais partidos centristas, se chegará facilmente à conclusão de que seus programas de hoje se inspiram em princípios e propugnam programas que, algumas décadas atrás, seriam tidos como nitidamente de esquerda.

O centro estagnado é, pois, menos estagnado do que à primeira vista se diria.

Por exemplo, ele se associa de bom grado à esquerda contra a TFP, nos períodos em que ele pode dar-se o gosto de imaginar que, de tão lento, o centro jamais chegará à extrema-esquerda.

Mas se acontece que o centro estagnado se encontra diante de uma súbita e compacta ofensiva da esquerda, ele corre a unir-se com a direita. Eventualmente até com a TFP. É muito raro que tal aconteça prazerosamente. Na aliança com a direita, vê ele, em tal caso, um mal menor cuja aceitação as circunstâncias lhe parecem ter tornado ocasionalmente necessária. E ele o aceita como um menino sensato concorda ingerir um remédio de mau sabor, que se lhe tornou entretanto indispensável para não morrer.

9. Em toda opinião pública, função natural e importância das posições extremas, mesmo minoritárias

Caso se observe o desenvolvimento histórico da direita, do centro e da esquerda, ao longo dos séculos, na maior parte das nações do Ocidente, nota-se que, a partir do surgimento e da propagação, nos séculos XV e XVI, do Humanismo e da Renascença, que prepararam, de algum modo, a Revolução protestante, chegando, depois, à Revolução Francesa e à Revolução comunista, todo o curso dos acontecimentos, até nossos dias se vai deslocando gradualmente rumo a uma posição esquerdista sempre mais radical e abrangente[3]. Os poucos recuos históricos operados aí são episódios ocasionais e furtivos, em sentido oposto, depois dos quais o Ocidente retoma inexoravelmente sua caminhada rumo à extrema-esquerda.

Bem entendido, as posições religiosas, culturais, políticas e sociais que caracterizavam a mentalidade européia medieval não foram, todas, abandonadas. E, das que o foram, muitas deixaram vestígios mais ou menos profundos e ativos na mentalidade de muitos europeus. E, consequentemente, na de muitos americanos do norte, do centro e do sul, na medida em que as três Américas são filhas e continuadoras da Europa[4].

Tal explica que, em concreto, se note, no transcurso da História do Ocidente a presença de dois pólos de atração opostos. Esses pólos são, respectivamente, o que resta de íntegro ou de incompleto do legado da alma medieval, e o que já está realizado ou resta por realizar – à maneira de uma utopia atraente – da trilogia “Liberdade, Igualdade, Fraternidade”, entendida no seu sentido mais extremo e radical (cfr. Parte IV, Cap. IX).

A partir do século XV, a História tem sido uma sucessão de solavancos, ora para a direita, ora para a esquerda. No espírito de incontáveis pessoas no Ocidente, e conforme a psicologia de cada qual, a proporção entre a força de impacto de um e de outro solavanco varia. Algum tanto de “instinto de conservação” atua em favor do que resta do legado medieval; e também um tanto de apetência, consciente ou não, do comunismo mais radical, atua em favor deste.

E, na medida em que aquela nostalgia medieval cresce (o mais das vezes episodicamente), pode dar-se uma tal ou qual revivescência de formas culturais, sociais ou econômicas que a muitos pareceriam impraticáveis em nossos dias, mas que, adaptadas às imensas transformações impostas pelos séculos, ainda podem ter um papel histórico a realizar. Papel histórico por vezes paradoxalmente propício às esquerdas, e por elas apoiado com vigor, como foi o caso da recente restauração monárquica na Espanha.

Ao mesmo tempo, outros vibram com o mal contido anseio de destruir quanto antes, e o mais radicalmente possível, os vestígios do passado e até os do presente, que se vai desfazendo em ruína, tudo em direção a estabelecer o comunismo em suas formas mais “evoluídas” e radicais.

10. Âmbitos respectivos de atração do pólo “medievalizante” (TFP) e do pólo “anarquizante” comunista, nas atuais condições da opinião pública

O homem ocidental, e notadamente o brasileiro, vive assim a crise hodierna, dividido entre dois pólos opostos, dos quais, no caso concreto do Brasil, um deles tem sido chamado, com óbvio intuito depreciativo, de “medievalizante”. É a TFP, cuja força de aglutinação de elementos novos e de expansão pelo Brasil e pelo mundo afora é considerável. Ela exerce uma ação sobretudo digna de nota em relação ao grande magma de elementos indecisos, dos quais alguns (muito mais numerosos) caminham a passo lento e vacilante para a extrema-esquerda, e outros a passos freqüentemente mais lentos e mais vacilantes ainda, para a extrema-direita.

No Brasil de hoje, se não existisse a TFP, a caminhada para a direita seria muito menor, e talvez imperceptível. Na mesma hipótese, de não existir a TFP, o número dos que caminham do centro para a esquerda seria ainda mais considerável.

Outro é o pólo de atração da extrema-esquerda. A ação deste não se deve medir apenas segundo o resultado imediato que obtenha no atrair neófitos para as fileiras do PCB ou do PC do B. No que, como adiante se verá (cfr. Parte II, Cap. IV, tópicos 1 a 4), o resultado obtido por um e outro PC tem sido insignificante.

Com efeito, o mais importante da ação desse pólo se avalia pela força de atração que exerce, menos sobre as pessoas próximas da extrema-esquerda, e mais sobre as pessoas a média ou a grande distância desse extremo, desde que tais pessoas tenham no espírito alguma simpatia por este último, ou pelo socialismo. De fato, tal simpatia as torna sensíveis à atração de posicionamentos esquerdistas mais radicais.

Em termos menos abstratos, o comunismo influencia habitualmente toda a faixa de pessoas ideologicamente situadas entre ele e o centro. Mas esta influência não produz efeitos uniformes sobre todos os segmentos em que esta faixa se divide.

Com efeito, nos setores dessa faixa mais próximos ao centro, a influência comunista não tem por efeito, o mais das vezes, a manifestação de pendores insofismáveis em prol da extrema-esquerda. O efeito da influência esquerdista pode não consistir senão em um incremento do antidireitismo que anima o centrista.

Mas esse efeito – quão discreto! – por sua vez elimina na mentalidade do centrista as últimas amarras que o vinculavam ainda a um tal ou qual espírito direitista residual. A caminhada para a esquerda já não experimenta oscilações. Ela se torna mais leve e mais rápida. E tende a queimar as próximas etapas, rumo à profissão de um esquerdismo integral.

Dir-se-ia que, daí por diante, o centrista é movido por uma aceleração horizontal parecida com a que a lei de Newton descreve em sentido vertical. Ou seja, o itinerário do centrista rumo à extrema-esquerda seria percorrido por ele com a celeridade crescente do objeto que cai. Ou, numa outra metáfora, do cavaleiro que galopa numa carga de cavalaria.

Engano. Não é raro que o ex-centrista em “viagem” para a extrema-esquerda, se tenha sentido atraído, sem arrière-pensée, pelo aceno que o comunismo lhe faz à distância; mas, à medida que vai observando mais de perto o seu ídolo esquerdista, é possível que este lhe vá causando estranhezas, distonias, ou mesmo categóricas objeções.

Pode então resultar que a força de atração da extrema-esquerda diminua novamente, se bem que muito raramente cesse de se exercer. O que acarreta não poucas vezes que a passagem do esquerdista categórico militante para a extrema-esquerda constitua a fase mais lenta da “viagem”.

Imagine-se entretanto que, por uma disposição da Providência, por ora pelo menos impensável, o pólo propriamente comunista perdesse condições de atuar no tabuleiro político ou sócio-político das nações. O que sucederia então?

A atração da extrema-esquerda sobre a esquerda socialista, ou mesmo sobre o centro-esquerda, cairia, talvez vertiginosamente. E, lentamente, a massa esquerdista “despolarizada” refluiria para o centro. De onde, pelo menos boa parte dela se poria a caminhar gradualmente para a direita. É que, extinto um pólo, a opinião pública ficaria sujeita exclusivamente ao poder de atração do pólo oposto.

11. Identificar todo movimento categoricamente anticomunista com o nazi-fascismo, mero artifício da propaganda comunista

E o que dizer, nesta perspectiva, do nazismo e do fascismo, habitualmente apontados como de extrema-direita?

O pânico de que aqueles extremismos da II Guerra Mundial revivam induziu um número crescente de pessoas a crer, como lhes sopravam as tubas de certa publicidade, que toda posição ideológica ou política de direita é clara ou veladamente nazi-fascista.

Segundo esta mentalidade, que se manifesta de modo característico nos extremistas do centrismo, por  pouco que suspeite alguém de direitista, já é ele tachado de nazi-fascista, de extremista. Mas se alguém apresentando sintomas de esquerdismo, ainda que múltiplos e acentuados, é visto habitualmente, por estes mesmos radicais do centrismo, como homem de “idéias largas” e “generosas”, qualificável no máximo, conforme o caso, de socialista “moderado” ou “avançado”. Para que alguém seja tachado de adepto da extrema-esquerda, é necessário que se manifeste um odioso comunista, apologista da violência.

Em via de regra, o centrista é um relativista. E o “herege” do mundo relativista é o extremista: extremista de direita ou extremista de esquerda. Essas categorias, o centrista as aplica com uma parcialidade e simplicidade desconcertantes, com menosprezo espantoso da realidade, sempre rica em matizes.

O centrista facilmente aceita o princípio de que a democracia (a qual ele confunde habitualmente com o centrismo) é o “direito de discordar”. E, em virtude deste princípio, se ele vive sob um regime não demo-centrista, ei-lo a protestar em altas vozes contra a tirania. Mas, se chega a se instalar um regime demo-centrista, ele não reconhece à extrema-esquerda, e menos ainda a qualquer classe de direita, o direito de discordar desse regime, qualificando-as sumariamente de extremistas.

A política repressiva do demo-centrismo corrente começa, pois, por usar o insulto, para tolher a liberdade dos que ingenuamente se imaginam investidos do “direito de discordar”.

Ora, como se viu (cfr. tópico 6 deste capítulo), o fato de estar alguém numa posição extrema não significa necessariamente um excesso ou um exagero. E pretender que quanto mais uma posição ideológica ou política é oposta ao comunismo, tanto mais é – como o nazi-fascismo – exagerada e deformada, constitui verdadeira tolice.

Aliás, nem o nazismo nem o fascismo foram o contrário do comunismo. Um e outro eram fortemente estatistas, o nazismo mais ainda do que o fascismo. Ele se intitulava até, expressamente, uma modalidade de socialismo: “nacional-socialismo”.

12. TFP, exemplo característico de movimento anticomunista e, ao mesmo tempo, visceralmente anti-nazi-fascista

Como conceber um anticomunismo fundamentalmente diverso do nazi-fascismo? – Exemplo característico disso é a TFP.

Fiel à doutrina tradicional dos Papas, os quais, desde Pio IX, proclamaram ininterruptamente a incompatibilidade entre a doutrina católica, de um lado, e os sistemas ideológicos bem como os regimes comunista e socialista, de outro lado[5], a TFP só quer do comunismo, e analogamente do socialismo, que sejam rejeitados por todos os homens.

É então a TFP uma entidade meramente negativa? Existe só para destruir? Não apresenta um programa positivo, como complemento de sua ação sadiamente polêmica?

Antes de mais nada, cumpre ponderar quanto é simplista o sistema de qualificar de exclusivamente destruidor todo grupo ou organismo que vise polemizar, contestar e refutar o adversário doutrinário ou político. Destruir, por exemplo, os micróbios, as cobras venenosas ou os insetos transmissores de doenças, que infestem certa zona, não é destruir, mas construir. Em matemática, o menos multiplicado por menos dá mais...

Além disso, a TFP tem um programa eminentemente construtivo. Desde sua fundação, em 1960, a TFP vem trabalhando com todas as suas forças – sempre por meio da ação doutrinária e persuasiva, e respeitando eximiamente a Lei de Deus e as leis humanas – para que se realize no Brasil o ideal católico de convivência fraterna e harmônica de classes desiguais[6].

É óbvio que tal programa é incompatível com o comunismo. E constitui precisamente o extremo oposto do comunismo, o qual visa estabelecer uma sociedade sem classes. Porém não é menos incompatível com o nazismo e o fascismo.

Nos seus fundamentos doutrinários, nos seus métodos de ação, na sua concepção dirigista, socialista e totalitária do Estado, ambos esses regimes se opõem frontalmente à doutrina católica professada pela TFP[7].

O autor deste trabalho demonstrou, em artigo para a grande imprensa, que a TFP se assemelha ao nazi-fascismo... como se assemelham entre si uma bengala e uma laranja! (cfr. A bengala e a laranja, “Folha de S. Paulo”, 24-5-70).

A TFP tem, aliás, um longo passado de luta anti-nazi-fascista, facilmente comprovável por quem manuseie uma coleção do jornal católico “Legionário”, que o autor deste trabalho dirigiu de 1933 a 1947.

Por tudo isto, a ninguém é lícito apontar a TFP um extremismo caricato, sanhudo e exacerbado, segundo os modelos máximos do totalitarismo de direita, ou seja o nazismo e o fascismo.

13. No Brasil, um centrismo vacilante entre a esquerda e a direita

No que se refere ao Brasil, importa notar que, em virtude da ação de considerável número de órgãos de comunicação social, grande parte do público aceitou como verdadeira uma visão simplista das inter-relações entre o centro, a esquerda e a direita.

Segundo tal visão, a maioria incontestavelmente centrista da nação, possui tranqüilamente um poder estável, sólido e até inabalável.

O comunismo? Ele não é senão um perigo nas nuvens, que só os “visionários” da direita temem. A TFP? Uma minoria corpuscular, a que só os mais “esquentados” visionários da esquerda dão importância.

Durante os períodos de estagnação da vida pública, realmente tais parecem ser as coisas. Mas basta que agitações de caráter sócio-econômico comecem a fervilhar aqui e acolá, e que, em suma, o horizonte de nossa vida pública se tolde, para os centristas passarem a ver a situação de modo diverso.

Com efeito, uma parte da corrente centrista começa então a apoiar a TFP. Mas, de outro lado, em presença da esquerda e da direita que assim se avolumam, o progresso alcançado pela TFP impressiona e desagrada mais tais centristas do que o progresso da esquerda. E à vista de qualquer atuação pública, de caráter cívico, em que a TFP se assinale, ei-los que passam a tremer. Pois, mais do que o comunismo, receiam o crescimento de nossa entidade, a qual qualificam de extrema-direita, no sentido torcido e pejorativo, já explicado (cfr. tópico 11 deste capítulo).

Por exemplo, por ocasião do estrondo publicitário que, em 1975, preparou um inquérito parlamentar sobre a TFP, na Assembléia Legislativa gaúcha, o pânico anti-TFP chegou a ponto de haver quem não vacilasse em proclamar que a República e a democracia estavam postas em xeque no Brasil por imaginárias “milícias” da TFP, constituídas com intuitos golpistas para levar a cabo a restauração monárquica, e adestradas para enfrentar e vencer as Forças Armadas (então no Poder)... a golpes de caratê!

Para que tais versões pudessem ser reproduzidas por órgãos sérios, sem que despertassem a hilaridade geral, era preciso que a segurança do centro na estabilidade de seu próprio poder fosse muito relativa[8].

Mas se tal é a oposição do centro à esquerda e principalmente à direita, qual é então, para o extremismo centrista, o regime ideal? – A ditadura – parlamentar ou não – do centrismo exacerbado.

Esta ferrenha intransigência centrista é aliás característica da inautenticidade política, não só no Brasil, como em toda a América Latina. Pois é por todas as vastidões da Ibero-América que ela se manifesta.

Na Europa – fala-se aqui, obviamente, nas diversas nações democráticas de aquém cortina de ferro – tais modos de conceituar o centro e a democracia fariam rir. Com efeito, por toda a Europa funcionam livremente partidos comunistas – que têm obviamente por meta destruir o sistema sócio-político vigente. Em Portugal, atua sem quaisquer entraves um partido monarquista, o PPM (Partido Popular Monárquico). E na Alemanha Ocidental, embora a Constituição proíba genericamente todo partido que atente contra os princípios democráticos, desde os anos 60 vêm funcionando com liberdade não só o comunista DKP (Deutsche Kommunistiche Partei), como também o neonazista NPD (Nationaldemokratische Partei Deutschlands).

14. Peculiaridades do atual centrismo brasileiro: um centrismo-sem-idéias

Aliás, um traço do centrismo brasileiro, decorrente de determinadas peculiaridades de alma do nosso povo, o distingue fundamentalmente do centrismo europeu ou norte-americano.

O povo brasileiro pode ser qualificado seguramente como um dos mais afetivos e cordatos. A convivência continuadamente pacífica, cordial e até amistosa constitui para ele uma das condições mais essenciais do bem-estar.

Tal estado de ânimo o leva instintivamente, e de modo sistemático, a evitar quanto possível tudo que possa dar aos desacordos – inerentes, neste vale de lágrimas, não só à vida privada, como à vida pública – um caráter tensivo. Melhor ainda lhe parecerá que possa preveni-los de todo em todo.

Por isto, verificada a iminência de uma agressão entre indivíduos, é corrente que as pessoas ocasionalmente presentes intervenham desde logo, e previamente a apurar qual das partes tem razão, se dirijam em conjunto a uma e outra com a clássica exclamação “deixa disso!” destinada a evitar qualquer agressão, ou a sustá-la caso ela já tenha tido início, e assim restabelecer a paz.

É supérfluo acrescentar que, normalmente, o conselho é atendido por ambas as partes... antes mesmo de ter sido chamada a polícia.

Em regime democrático, os desacordos são inerentes à vida pública. O brasileiro os considera com bonomia, e até com eles se entretém, caso seja bem certo de que não degenerará em dramáticas tensões e rompimentos, menos ainda em atos de violência, atentados, golpes de Estado, ou revoluções. Em suma, ao brasileiro desagrada eminentemente a sangueira. No Brasil, só em circunstâncias muitíssimo excepcionais as tensões da vida política conduzem a revoluções. Ainda assim, caso uma revolução ocorra, boa parte da população se conserva alheia a ela, mais empenhada em que se restabeleça quanto antes a concórdia, do que na vitória de um dos contendores. Em conseqüência do que, tanto golpes quanto revoluções facilmente assumem em nosso País um caráter abortivo, com a rendição de  uma das duas partes.

Isto explica, no Brasil de hoje (cuja maioria populacional é ainda menos ideologizada do que a do Brasil de há anos atrás), um certo imobilismo ideológico ante as tensões e as pugnas políticas. Imobilismo este menos empenhado em encontrar uma saída discernindo qual dos contendores tem razão, com o objetivo de lhe dar apoio para que alcance a vitória, do que esperançoso de que, “deixando tudo como está, para ver como fica”, sobrevenha uma circunstância qualquer, na qual, mediante algum inesperado “jeitinho”, mais uma vez “tudo se resolva”... sem rixa.

Pela própria natureza das coisas, esse relativo imobilismo não se confunde com o centrismo europeu ou norte-americano, o qual é apenas um estágio algum tanto lento, de uma opinião pública que reflete, quiçá hesita, e em todos os casos acaba por tomar decisão.

De seu lado, a modalidade de centrismo brasileiro – e talvez latino-americano – constitui mais bem uma estagnada falta de rumo.

Na democracia-sem-idéias, tal centrismo constitui possante obstáculo a que os grandes problemas da vida pública interessem efetivamente o corpo eleitoral. Há que ajudar nosso povo a evitar quanto possível esse estado de espírito “vegetativo”, sem o que nossa vida pública – qualquer que seja o regime em vigor – jamais alcançará autenticidade.

De qualquer forma, importa não confundir centrismo com centrismo-sem-idéias.

15. Implicações da cordura brasileira no desempenho dos partidos políticos

A situação psicológica que acaba de ser descrita tem implicações na conduta das várias correntes partidárias.

Na adoção de um programa político – pelo menos a prazo breve ou imediato – é normal, em qualquer país, que as várias correntes ou partidos se determinem antes de tudo em função das conveniências do bem comum, as quais cada qual entende a seu modo. São assim fixadas as metas partidárias.

Nem tudo, porém, se reduz a metas. As diferentes correntes têm necessidade de conviver; em geral, de conviver com uma certa medida de cordialidade, a qual varia normalmente quase ao infinito, segundo as circunstâncias políticas do país, os problemas internos e externos de cada um deles, os diferentes temperamentos inerentes às diversas etnias, grupos e regiões, seus antecedentes históricos, as perspectivas de futuro etc.

Precisamente este contínuo anelo de cordialidade – que tem habitualmente influência secundária, ou até menos do que isso, na política interior dos vários países – tem no Brasil uma  importância afetiva e temperamental particularmente atuante. O eleitor brasileiro comum deseja por certo a vitória de seu próprio partido. Porém, tanto ou até mais do que isso, deseja ele estar em bons termos, em suas relações pessoais e também políticas, com os membros dos partidos afins. E – não raras vezes – até com os membros dos partidos marcadamente adversos. Corresponde isto à nota de cordura, já descrita, que ao brasileiro agrada ver presente em todos os ambientes nos quais se move.

Desta forma, ainda que as metas últimas dos diversos partidos sejam muito discordantes, as direções partidárias, ciosas de conservarem o apoio integral dos próprios eleitores, agirão com prudência sempre que não incluírem, em suas metas operacionais imediatas, pontos programáticos próprios a ocasionar fricções muito “quentes” com outras correntes.

Assim, a carga de transigência ou de intransigência presente na psicologia dos diversos partidos políticos condiciona muito o proveito que consigam tirar de seu próprio “espaço” político.

16. Um centrismo polêmico e intratável pode ficar privado de sua popularidade, no Brasil

Por paradoxal que seja, essa peculiaridade de alma do povo brasileiro pode se voltar contra o próprio centrismo, se este assumir a feição sanhuda – extremista – que atrás se descreveu (cfr. tópicos, 1, 4 e 5 deste capítulo).

A conotação da palavra “extremista” é muito desfavorável no Brasil, mas isto não só porque lembra os dois extremismos que mais marcaram nosso século – o comunismo (o extremismo de esquerda) e o nazi-fascismo (o extremismo de direita) – como também porque, historicamente, ambas essas correntes se deixaram caracterizar por um procedimento intratável em relação aos adversários internos e externos.

E esta intratabilidade desagrada em grau máximo o modo de ser brasileiro.

Desta forma, um centrismo polêmico e intratável poderia ser privado de sua popularidade no Brasil se uma propaganda hábil fizesse ver ao grande público, nessa intratabilidade, uma nova forma de extremismo. De tal maneira extremismo não é, em nosso País, apenas um ideário político ou sócio-econômico, mas um determinado modo de ser.

Tudo isto devem ter em vista as correntes centristas se não quiserem perder muito de sua importância eleitoral e depois, com isto, produzir um desequilíbrio político de fundas conseqüências para o País.



[1] Por exemplo, na vigência do regime monárquico, funcionava livremente o Partido Republicano, com fundamento nas seguintes disposições da Constituição de 1824:

“Art. 179 – A inviolabilidade dos direitos civis e políticos dos cidadãos brasileiros, que tem por base a liberdade, a segurança individual e a propriedade, é garantida pela Constituição do Império, pela maneira seguinte: ...

“4º) Todos podem comunicar os seus pensamentos por palavras, escritos, e publicá-los pela imprensa, sem dependência de censura, contanto que hajam de responder pelos abusos que cometerem no exercício deste direito, nos casos e pela forma que a lei determinar:”.

Uma exceção a essa regra se encontra, muito paradoxalmente, na primeira Constituição republicana, promulgada em 1891:

“Art. 90 – A Constituição poderá ser reformada, por iniciativa do Congresso Nacional ou das Assembléias dos Estados. ...

“§ 4º) Não poderão ser admitidos como objeto de deliberação no Congresso projetos tendentes a abolir a forma republicana-federativa, ou a igualdade da representação dos Estados no Senado”.

Tal dispositivo não proibia diretamente a fundação de um Partido Monárquico em regime republicano. Ele visava tão-somente proibir que qualquer câmara legislativa, ou outro Poder do Estado, declarasse extinta a República, e restaurada a Monarquia.

Porém, geralmente se entendeu que a conseqüência desse dispositivo era a ilegalidade da fundação de um Partido Monárquico. E assim acabou por prevalecer a idéia de que a propaganda monárquica – e sobretudo a fundação de um Partido Monárquico – estava vetada na República.

Não se analisam aqui os fatos. Simplesmente são eles registrados.

Enquanto isso se passava, funcionou longamente, não de jure, mas de fato, o Partido Comunista do Brasil, fundado em 1922. Com a redemocratização do País em 1945, o partido passou a funcionar legalmente com o nome de Partido Comunista Brasileiro.

Esse período de legalidade durou pouco. O Presidente Eurico Gaspar Dutra proibiu, logo em 1947, o funcionamento do PCB, em conseqüência de afirmações escandalosamente antipatrióticas de Luís Carlos Prestes, então senador pelo Partido. Ele declarara no Senado que, se o Brasil entrasse em guerra com a Rússia, os comunistas brasileiros se manteriam fiéis à nação propulsora internacional do comunismo.

Mas essa proibição se apresentava com o caráter de medida excepcional, a fim de não transgredir o princípio constitucional da liberdade de pensamento.

Quando do Golpe de 1964, e da conseqüente implantação do regime militar, manteve-se a proibição de funcionamento do Partido Comunista, e passaram a ser reprimidos os comunistas propugnadores do uso do método violento, geralmente arregimentados na dissidência que então se formou sob o antigo nome de Partido Comunista do Brasil, conhecido desde logo pela sigla PC do B.

Sem embargo, continuaram a gozar da liberdade de pensamento e de palavra – e a ocupar cátedras e postos importantes nos meios de comunicação social – os comunistas mais intelectualizados, sem filiação confessada ao Partido.

Foi em nome do mesmo princípio de liberdade de pensamento e de palavra, que a Abertura política conduziu à legalização dos dois partidos comunistas, em 1985.

Cumpre notá-lo porque, como a seguir se expõe, é precisamente a adesão a essas duas liberdades – presentes de modo invariável na vida pública do Império como das sucessivas “Repúblicas brasileiras – que vai sendo corroída, no espírito público, por uma ativa e incessante propaganda de radicais e “ultras”... do liberalismo.

[2] Sobre o ensinamento da Igreja a respeito das formas de governo, cfr. Parte I, Cap. II, Nota 8 do tópico 8.

[3] O autor desta obra já descreveu o fenômeno mais detidamente em seu ensaio Revolução e Contra-Revolução: “Revolução e Contra-Revolução” é o livro de cabeceira dos sócios e cooperadores da TFP brasileira, tendo inspirado também a formação de entidades coirmãs e autônomas existentes em 15 nações.

“Esse processo revolucionário se dá em duas velocidades diversas. Uma, rápida, é destinada geralmente ao fracasso no plano imediato. A outra tem sido habitualmente coroada de êxito, e é muito mais lenta.

“Os movimentos pré-comunistas dos anabatistas, por exemplo, tiraram imediatamente, em vários campos, todas ou quase todas as conseqüências do espírito e das tendências da Pseudo-Reforma: fracassaram.

“Lentamente, ao longo de mais de quatro séculos, as correntes mais moderadas do protestantismo, caminhando de requinte em requinte, por etapas de dinamismo e de inércia sucessivas, vão entretanto favorecendo paulatinamente, de um ou de outro modo, a marcha do Ocidente para o mesmo ponto extremo.

“Cumpre estudar o papel de cada uma dessas velocidades na marcha da Revolução. Dir-se-ia que os movimentos mais velozes são inúteis. Porém não é verdade. A explosão desses extremismos levanta um estandarte, cria um ponto de mira fixo que fascina pelo seu próprio radicalismo os moderados, e para o qual estes se vão lentamente encaminhando. Assim, o socialismo repudia o comunismo mas o admira em silêncio e tende para ele. Mais remotamente o mesmo se poderia dizer do comunista Babeuf e seus sequazes nos últimos lampejos da Revolução Francesa. Foram esmagados. Mas lentamente a sociedade vai seguindo o caminho para onde eles a quiseram levar. O fracasso dos extremistas é, pois, apenas aparente. Eles colaboram indireta, mas possantemente, para a Revolução, atraindo paulatinamente para a realização de  seus culposos e exacerbados devaneios a multidão incontável dos “prudentes”, dos “moderados” e dos medíocres” (op. cit., Boa Imprensa, Campos, 1959, p. 25).

Nesta ótica, os movimentos ultramodernos como a Revolução da Sorbonne, o movimento socialista autogestionário etc., não são senão novas etapas, ainda mais requintadas, que se abrem no horizonte da extrema-esquerda.

[4] Nos Estados Unidos, o enlevo pela Idade Média se manifesta enraigado em diversas camadas da população. A conhecida Society for Creative Anachronism (Sociedade para o Anacronismo Criativo), por exemplo, conta com mais de 10 mil membros distribuídos em mais de 300 secções locais de todo o país, como também no Canadá. Os membros dessa sociedade têm como hobby reviver a Idade Média. Homens vestidos com armaduras participam de justas e torneios num ambiente em que não é permitido o mínimo detalhe moderno. As damas, também vestidas à maneira da época, observam e encorajam seus cavaleiros.

Esse intento de “reconstruir” a Idade Média e seu modo de vida é cada vez mais freqüente nos Estados Unidos, onde se inauguram restaurantes medievais, hotéis de fim-de-semana em que se vive exatamente como na Idade Média, clubes particulares medievalistas etc.

Paralelamente se verifica um grande ressurgimento dos estudos medievais nas universidades norte-americanas.

[5] Em “Reforma Agrária – Questão de Consciência”, pp. 38 a 44, 65 a 68, 72 a 77, podem ser encontrados numerosos textos pontifícios, desde Pio IX (1846-1878) até Pio XII (1939-1958), condenando categoricamente não só o  comunismo, como também o socialismo. Seria demasiado longo reproduzir aqui todas essas condenações. Baste lembrar a célebre afirmação de Pio XI, na Encíclica Quadragesimo Anno, de 15-5-1931, de que “socialismo religioso, socialismo católico são termos contraditórios: ninguém pode ser ao mesmo tempo bom católico e verdadeiro socialista” (Coleção Documentos Pontifícios, Vozes, Petrópolis, 1959, 5ª ed., vol. 3, p. 44), e o Decreto de 1º-7-1949, da Sagrada Congregação do Santo Ofício, que proibiu terminantemente aos católicos inscrever-se em partidos comunistas, ou prestar-lhes qualquer colaboração.

Na introdução deste trabalho é reproduzido também o já célebre trecho da Instrução sobre alguns aspectos da “Teologia da Libertação”, da Congregação para a Doutrina da Fé, que verbera a escravidão em que jazem nações inteiras subjugadas pelo comunismo, como a “vergonha de nosso tempo”.

[6] O leitor que deseje formar uma idéia da amplíssima folha de serviços da entidade a bem da Pátria e da civilização cristã, pode recorrer ao livro “Meio século de epopéia anticomunista” (Editora Vera Cruz, São Paulo, 1980, 457 pp.).

Especificamente sobre a defesa de uma sociedade harmonicamente desigual, cfr., entre muitas outras publicações da entidade, Reforma Agrária – Questão de Consciência, pp. 62 a 107 e 181 a 188, Declaração do Morro Alto, p. 15, Sou Católico: posso ser contra a Reforma Agrária?, pp. 80 a 88.

[7] Como é bem sabido, o fascismo e o nazismo foram condenados pelo Papa Pio XI, respectivamente nas Encíclicas Non abbiamo bisogno de 29-6-1931, e Mit brennender Sorge de 14-3-1937.

[8] Manda aliás a objetividade dizer que análogas lorotas são, vez por outra, difundidas, com intuitos estritamente políticos, quanto ao perigo da extrema-esquerda. Pode servir de exemplo um fato memorável, se bem que já muito remoto. É fora de dúvida que o aliás real progresso do comunismo nos idos de 1937 foi muito inflado pela propaganda governista para servir de pretexto ao golpe de 10 de novembro desfechado pelo então Presidente Getúlio Vargas.


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